Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | LOPES PINTO | ||
Descritores: | DECISÕES TRANSITADAS TRÂNSITO EM JULGADO REGISTO PREDIAL CERTIDÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ200402190000611 | ||
Data do Acordão: | 02/19/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1341/03 | ||
Data: | 07/09/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
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Sumário : | I- O que transita em julgado é a decisão, não o documento que certifica ter ocorrido o trânsito. II- Uma decisão não transita em julgado pelo facto de a certidão passada pelo funcionário judicial o dizer. III- Um registo predial lavrado com base numa certidão a certificar que uma decisão transitara quando tal não sucedera é inexacto. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça A, B, C e D propuseram acção de rectificação judicial de registo predial contra E, F, G, H e I pedindo seja rectificado o registo de aquisição G19950510011, ap. 11, relativo ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº 1882/950510, por ter sido lavrado com base em elemento insuficiente já que não houve qualquer transmissão da terra no âmbito do processo de remição de colonia nº 53/81 e pertence ainda aos autores. Contestando, os requeridos impugnaram por o registo ter sido lavrado com base em documento a certificar ter transitado em julgado a decisão de adjudicação proferida nesse processo, o que realmente sucede, e deduziram incidente de falsidade do documento a certificar que ainda não transitou. Da sentença a julgar procedente o pedido, apelaram, sem êxito, os requeridos. Mais uma vez inconformados, pediram revista (alterada no STJ a espécie para agravo, como dispõe o art. 131-3 CRPr84) concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações: - a certidão que serviu de base ao registo é documento autêntico e, não tendo sido arguido de falso, mantém toda a sua força probatória plena; - essa certidão atesta o trânsito em julgado da sentença de adjudicação; - o acórdão recorrido foi proferido contra essa certidão judicial, recusando-lhe a força probatória que a lei lhe confere e ofendeu o caso julgado por ela certificado; - essa decisão transitou realmente pois que os recorridos dela tomaram conhecimento, a aceitaram e, posteriormente, por diversas vezes intervieram no processo sem discutir o caso julgado, - além de que, tendo deixado transitar o acórdão da Relação de 94.12.06, seria absurdo que não tivesse transitado a sentença de adjudicação nele apreciada; - violado o disposto nos arts. 371-1 e 372-2 CC e 205-1 e 681-2 CPC. Contraalegando, os recorridos defenderam a confirmação do acórdão. Colhidos os vistos. Matéria de facto que as instâncias consideraram provada: a)- no Sítio da Ajuda, freguesia de São Martinho, no Funchal existe um prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º 32312, a fls. 43 do Lº B-90, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 25 da Secção A; b)- em 1981 deu entrada na Secretaria Regional de Agricultura e Pescas, processo de remição de colonia requerido pelos ora réus contra os donos da terra, ora autores no sentido de aqueles adquirirem a terra em conformidade com o D.L. 13/77/M, de 18.10; c)- a este processo veio a ser atribuído o n.º 53/81 do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Funchal; d)- o referido processo de remição de colonia n.º 53/81 encontra-se ainda pendente em juízo, não havendo ainda nenhuma decisão com trânsito em julgado; e)- não obstante a pendência da referida acção, em 95.04.24, um funcionário judicial certamente por lapso, emite uma certidão em que se afirma que o referido processo n.º 53/81 transitou em julgado em 95.10.05; f)- o lapso da certidão judicial referida na al. e) prende-se com o facto de ter transitado em julgado a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu não suspender a instância pelas razões invocadas pelos ora autores, réus no processo n.º 53/81; com efeito, g)- entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que o facto de estar pendente na Câmara Municipal do Funchal processo de expropriação, não era causa prejudicial ao processo de remição de colonia que justificasse a respectiva suspensão; h)- esta é a única decisão que efectivamente transitou em julgado, a qual induziu o funcionário judicial a emitir a certidão de 95.04.24 como sendo referente a todo o processo n.º 53/81; i)- com base naquela certidão, lavrada com evidente lapso, os ora réus conseguem efectuar inscrição a seu favor (G19950510011-Ap. 11) do prédio dos autores, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 32312 a fls. 43 do Lº B-90, o qual veio agora a ter numeração em ficha com a descrição n.º 1882/950510; j)- foi requerido ao Conservador do Registo Predial do Funchal a convocação da conferência de todos os interessados, a que se refere o art. 126º do CRPr, bem como o averbamento à descrição n.º 1882/950510 da pendência do pedido de rectificação (Ap. 27/950711); l)- foi efectivamente feito o referido averbamento à descrição bem como a conferência de interessados; m)- a conferência de interessados teve lugar em 95.08.08 mas não produziu quaisquer efeitos uma vez que os requeridos não compareceram; n)- o sr. escrivão do 1º Juízo Cível deste Tribunal certificou em 95.06.30 de que na acção n.º 53/81 não existia ainda qualquer decisão com trânsito em julgado; o)- em 95.09.25 foi certificado pelo Sr. Juiz de Direito e pelo Senhor escrivão de Direito, ambos do 1º Juízo Cível deste Tribunal que na referida acção n.º 53/81 não existia decisão com trânsito m julgado; p)- a fls. 36 encontra-se junto o parecer a que se refere o art. 128-3 CRPr proferido pelo sr Conservador da Conservatória do Registo Predial; q)- conforme decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa foram declarados nulos todos os actos processuais praticados a partir da conta de fls. 82 dos autos n.º 53/81. Decidindo: 1.- O registo cuja rectificação se pretende mostra-se lavrado em conformidade com o documento que lhe serviu de base, a certidão judicial referida na al. e). Todavia, a inexactidão do registo não se circunscreve a essa conformidade. Prevê a lei que a inexactidão possa derivar de deficiências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade (CRPr84- 18,2). É sob este ângulo que a questão tem de ser abordada e não no da insuficiência do título para prova legal do facto registado (CRPr84 - 16 b)). Com efeito, ao registo fora apresentado um documento em que o funcionário judicial certificava que determinada decisão - a de adjudicação - transitara em julgado. Porque documento autêntico gozava de força probatória plena, suficiente como prova da aquisição e, consequentemente, para ser lavrado o correspondente registo. 2.- O trânsito em julgado forma-se sobre uma concreta decisão, é esta que transita, não o documento que certifica ter ocorrido o trânsito. Por outro lado, uma decisão não transita em julgado pelo facto de uma documento o afirmar - há que distinguir a realidade do trânsito daquilo que efectivamente é certificado. Não pode, nem a lei lho consente, sobrepor-se o funcionário ao órgão judicial nem substituir-se-lhe. Seria o que sucederia a seguir-se a tese dos recorrentes - era o funcionário quem impediria a parte de recorrer e, tendo-o feito, o tribunal de admitir o recurso, exactamente porque aquele afirmava que a decisão transitara. Seria deslocar a administração da justiça, que incumbe ao juiz, para o funcionário. Não faz sentido defender ter sido proferido acórdão «contra essa certidão judicial», ter recusado a força probatória à certidão e ter ofendido «o caso julgado por ela certificado». Como primeiro cuidado, impunha-se à parte o interrogar-se se, na realidade, ela transitara e isso não podia aquela ignorar (houve recursos e o resultado referido na al. q) é o de anulação do processado) que ainda não ocorrera; de seguida, devia ter havido o cuidado de verificar se o acórdão recusou a força probatória do documento (é distinto recusá-la ou indicar que o nele certificado não ocorreu; contra-senso da conclusão ainda se com isso se pretende que só à certidão referida na al. e) se deve reconhecer força probatória plena e, quanto à constante da al. n), recusá-la ou que, gozando ambas de igual força, deve prevalecer a da al. e) por ter sido a primeira emitida independentemente de não ter e embora se saiba que não tem substracto a sustentá-la). Por fim, uma decisão transita se, após ser notificada, não foi impugnada nos termos e prazo legais (CPC- 685-1, 682-2, 676-1 e 677). Nem a lei trata o trânsito ao nível de nulidade processual nem a confunde com esta. Ininvocável, por isso, o disposto no art. 205-1 CPC. 3.- Não cabe a uma acção de rectificação judicial do registo predial discutir se a parte perdeu o direito de recorrer (CPC- 681-2 e 3) nem se se formou caso julgado. Tal discussão deve ter lugar na sua própria sede que é a respectiva acção em que a decisão foi proferida e, na realidade, assim sucedeu concluindo-se que a decisão de adjudicação não transitou (al. o)). Menos ainda caberia ao Conservador do Registo Predial questionar da correcção da certidão. Posteriormente ao registo constatou-se que o título que lhe serviu de base enfermava de deficiência por certificar facto que não ocorrera, laborando em erro denunciado nas als. f) e h). A prova e procedência dessa deficiência não dependiam da dedução do incidente de falsidade - o facto (trânsito em julgado da decisão de adjudicação) pelo funcionário judicial declarado no documento não se passara na sua presença ou podia ter sido percepcionado (erro ou falsa percepção) e é a ausência desse facto que integra a causa de pedir nesta acção. A circunstância de a lei prever uma forma expedita para a rectificação poder proceder confirma a afirmação anterior - antes do processo dar entrada em juízo e evitando que tal suceda permite a lei que o vício do registo seja sanado na própria Conservatória. Se a inexactidão do título for susceptível de prejudicar os interessados ou quando a rectificação possa prejudicar os direitos dos titulares inscritos, exige a lei o consentimento de todos sob pena de ter de ser requerida a rectificação judicial. Aplicando ao concreto caso, a rectificação não teria de entrar em fase contenciosa se houvesse consentimento de todos, o que significa que a força probatória plena do documento não era obstáculo e podiam os interessados, apesar de existir a certidão que servira de base ao registo, reconhecer que o certificado não era verdadeiro e, com isso, permitir a rectificação que ao Conservador fora pedida. 4.- Finalmente, apenas uma observação para lamentar que se alegue contra a realidade afirmando-se que o acórdão da Relação de 94.12.06 apreciara a sentença de adjudicação A esse acórdão se reportam as als. f) a h) - nos autos, em duplicação, a fls. 25-26 e 77 a 80 - e incidiu sobre o despacho que ordenara, com base em causa prejudicial, a suspensão da instância; objecto do recurso não foi a decisão de adjudicação que, tão pouco, aí teria de ser apreciada. O que transitou foi o acórdão que revogou aquele despacho a suspender a instância. Este trânsito não podia arrastar, como é por demais óbvio, a decisão de adjudicação consigo e implicar o seu trânsito. Termos em que se nega provimento ao agravo. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 19 de Fevereiro de 2004 Lopes Pinto Pinto Monteiro Lemos Triunfante |