Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | MÁRIO CRUZ | ||
Descritores: | PENHORA ANULAÇÃO DA VENDA PROCESSO EXECUTIVO | ||
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Nº do Documento: | SJ200806050005121 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I. O facto de um bem ter sido penhorado nem por isso deixa de ser pertença de quem é seu titular, apesar de dele não poder dispor enquanto essa situação se mantiver. II. A penhora do direito a bens indivisos faz-se mediante simples notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do Tribunal da execução. III. Para essa penhora não é exigível certidão de direitos, ónus ou encargos inscritos no registo. IV. IV. A anulação da venda em processo executivo pode ser requerida com base na falta ou nulidade de citação por qualquer credor que não tenha sido regularmente citado nos termos do art. 864.º do CPC, mas não ao abrigo do art. 909.º do CPC, que se aplica apenas ao executado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório O Banco Empresa-A, sucessor por incorporação do Banco ...., instaurou em 5 de Dezembro de 2006 contra 1) Banco Empresa-B, agora designado por Banco ..., S. A; 2) AA e BB, que também usa .... e 3) CC, acção declarativa (acção n.º 9574-D/1994, por apenso à execução 9574-A/1994 pedindo - a anulação da venda realizada em processo executivo (que fora movido pelo 1.º R. contra os 2.ºs RR. e Empresa-C, Ld.ª), sobre o direito que em comum e sem determinação de parte ou direito a executada BB, detinha sobre três imóveis, então identificados, devendo ser dada sem efeito a venda e ordenando-se ao Exequente a devolução dos valores recebidos nos termos da alínea c) do n. ° 1 do artigo 909° e do n.º 1 do artigo 908° do Código de Processo Civil. Para o efeito alegou que o 1.º R. não deu cumprimento ao art. 871.º do CPC que o obrigava a pedir a sustação da execução em virtude de haver penhora mais antiga a incidir sobre os bens que integravam aquele direito. O pedido foi liminarmente indeferido, levando em conta o M.º Juiz duas ordens de razões: Considerou, por um lado, que a acção de anulação da venda apenas pode ser instaurada pelo adquirente, como resulta do disposto no artigo 908° do CPC, pelo que a A. será parte ilegítima; e, por outro lado, que eventuais irregularidades ou nulidades cometidas deveriam ter sido tempestivamente arguidas no próprio processo executivo de que estes autos são apenso – pelo que, a existirem, e perante a não reclamação atempada, já as mesmas se teriam de considerar sanadas. (artigos 201° e 153° CPC). Inconformado, agravou o Autor. A Relação, no entanto, negou provimento ao recurso (com um voto de vencido). Continuando inconformado, volta o A. a recorrer, apresentando alegações que fez concluir da forma seguinte: “1.ª - O Banco recorrente é parte legítima para propor a acção de nulidade por a mesma poder ser proposta a qualquer tempo por qualquer interessado, sendo que o interesse do Banco é manifesto por ter registada penhora sobre o direito vendido; 2.ª - O direito sobre o imóvel penhorado foi vendido sem que se tenha procedido ao seu registo na C.R.Predial respectiva, a que estava obrigado, nos termos do Art°. 862° n° 1 e 863°, ambos do C.P.Civil: - N°. 1 do Art°. 862 do C.P.Civil - Se a penhora tiver por objecto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo .... (sublinhado do recorrente) - Art°. 863° - É subsidiariamente aplicável à penhora de direitos o disposto nas subsecções anteriores para a penhora das coisas imóveis e das coisas móveis. 3.ª - Estão sujeitos a registo, nos termos da al. n) do n.º 1 do Art°. 2° do C.R. Predial - A penhora, o arresto, a apreensão em processo de falência e o arrolamento, bem como quaisquer outros actos ou providências que afectem a livre disposição de bens. 4.ª - Ainda nos termos do n° 1 do Art° 5° do C.R.Predial- Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo, sendo que a penhora sobre direitos a bens indivisos sobre imóveis são registáveis, como o recorrente registou, e deverá prevalecer a ordem dos registos. 5.ª - Para além de que, efectuada a penhora e nomeado fiel depositário o direito nomeado não estava na disponibilidade do executado não podendo ser vendido, por estar já penhorado noutro processo e na posse do referido fiel depositário, nos termos do Art°. 840° do C.P.Civil; 6.ª -Havendo registo de penhora mais antiga a incidir sobre o direito penhorado deveria ter-se procedido à sustação da execução onde a penhora era mais recente, nos termos do Art°. 871° do C.P.Civil, o que não foi feito, sendo os créditos reclamados no processo onde a penhora era mais antiga; 7.ª - A venda do direito com penhora registada anteriormente sobre tal direito, não deveria ter sido efectuada, nos termos das supra citadas disposições legais, sem violação da disposições legais referidas; 8.ª - Nos termos dos Art°s. 1°, 2° e 6° do Código do Registo Predial, o direito penhorado e registado não poderia ter sido vendido noutro processo que não aquele em que a penhora era mais antiga, por ordem de registo, o que não aconteceu; 9.ª - Mais ainda quando o direito penhorado estava obrigado a registo na C.R.Predial e estava já na posse do fiel depositário à ordem doutro Juízo, Secção e Processo, considerando-se tal venda como venda de bens alheios. 10.ª - Ao não ser considerado parte legítima para propor a acção de anulação da venda, quando tinha penhora anterior, registada e em fase de venda, foram violadas as disposições legais supra referidas, nomeadamente os Art°s. 1°, 2° e 6° do C.Registo Predial, os Art°s. 871°, 862° , 863° e 840°, todos do C.P.Civil e Art°s. 280° e 286°, ambos do C. Civil. 11.ª - A nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, tendo a declaração da mesma efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, não sendo reconhecidos os direitos de terceiro se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio - Art°s. 289° n.º 1 e 291, n.º 2, ambos do C. Civil. Termos em que deve o douto Acórdão ora em recurso ser revogado, considerando-se o Banco recorrente parte legítima para a acção, ordenando-se o prosseguimento desta, com a citação dos RR. nos termos requeridos, por violação das disposições legais referidas na Conclusão 10.ª “ A Recorrida contra-alegou. II. Âmbito do recurso e fundamentação II-A) Âmbito Resulta do disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 que deve ser nas conclusões das alegações de recurso que o recorrente delimita as questões que pretende ver apreciadas. Lendo com atenção as conclusões atrás transcritas nas alegações de recurso respectivas, é-nos dado concluir que as questões que importa apreciar são as seguintes: a) legitimidade do Banco recorrente b) registo de penhora c) nulidades processuais II-B) Fundamentação II-B)-a) Os factos Com relevância para a apreciação das questões colocadas importa ter em consideração os seguintes factos, já considerados pela Relação, e que foram alegados na petição inicial e na contestação: “1 ° - O Banco Empresa-A propôs, em Abril de 1994, acção executiva contra AA, BB e outros (1)”, para lhe ser paga a quantia de 8.959.100$00, correspondentes actualmente a € 44.687,80. 2.º- A execução corre termos pela 2.ª Secção da 15.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, com o n.º de Processo 471/1994. 3° - Na fase de nomeação de bens à penhora, o Banco Autor veio nomear à penhora, por seu requerimento de 20 de Novembro de 1997, o direito que em comum e sem determinação de parte ou direito a executada BB detinha nos prédios seguintes, identificados como: a) - Rústico - ..., inscrito na matriz sob o artigo 7°, Secção EE, descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob a ficha n.º 02258, da Freguesia de Monchique; b) - Misto - Picota, inscrito na matriz sob os artigos urbanos 889 e 2907 e rústico 38 da Secção CG, descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob a ficha 02257, da Freguesia de Monchique; c) - Rústico - Picota, inscrito na matriz sob o artigo 36 da Secção CG, descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique, sob a ficha n.º 02256, da Freguesia de Monchique. 4° - No mesmo requerimento, foi requerida a notificação dos comproprietários inscritos, nos termos e para efeitos do artigo 862° do Código de Processo Civil, tendo os mesmos sido notificados da penhora do direito, em Fevereiro de 1998. 5° - O ali Exequente, aqui Autor, viria a registar a penhora do direito da executada BB sobre os referidos bens na Conservatória do Registo Predial de Monchique pelas G-l-Ap. 02/980219, que ficou registada provisoriamente por natureza sobre todos os bens e que vieram a ser convertidas pela Ap. 01/000120. 6° - Em 17 de Janeiro de 2003, veio o Autor a ser notificado (no processo executivo 471/94), para (se pronunciar sobre) a modalidade da venda e o valor base dos bens, tendo sido designado os dias 20/05, 10/10, 12/11 e 12/12/2003, para venda do direito, conforme anúncios publicados. 7.º (por facilidade de compreensão lógica, encontra-se a sua transcrição a seguir ao n.º 24.º. Entretanto, 8° - Em 12 de Fevereiro de 1998, o Banco Empresa-B intentou contra AA e BB, Acção Executiva com processo ordinário, tendo por título executivo sentença proferida no processo 9574/1994 que correu os seus termos na 1.ª Secção da 2.ª Vara Cível de Lisboa. (processo 9574-A/94) 9° - A Execução tem o valor de 16.756.703$00, equivalendo a € 83.582,08. 10° - Foi nomeado à penhora na mencionada Execução o direito e acção, que a Executada BB e marido possuíam na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE. 11 ° - Existiam ainda seis contitulares do referido direito, cuja notificação foi requerida nos termos do artigo 862° do Código de Processo Civil. 12° - Tendo o Banco Empresa-B sido notificado de que DD, uma das contitulares do direito nomeado à penhora, falecera e que os herdeiros da mesma eram os restantes contitulares, já identificados na execução, veio o Banco Empresa-B requerer, em 19 de Outubro de 1998, que a requerida penhora do direito e acção que a Executada BB possuía na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE, incidisse também sobre o direito e acção que a Executada BB possuía na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD. 13° - O Banco Empresa-B foi notificado em 28 de Maio de 1999 de que se encontrava devidamente efectuada a penhora do direito. 14° - Por requerimento datado de 8 de Julho de 1999, requereu o Banco Empresa-B o prosseguimento dos autos, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 864° do Código de Processo Civil. 15° - Os anúncios para citação dos credores desconhecidos dos Executados foram publicados no Jornal "Correio da Manhã", nas edições de 29 e 30 de Outubro de 1999. 16° - O Ministério Público reclamou créditos em representação da Fazenda Nacional, sendo a reclamação julgada extinta por impossibilidade originária da lide. 17° - O Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, também reclamou, sendo a respectiva reclamação de créditos rejeitada liminarmente. 18° - Em 11 de Fevereiro de 2000, requereu o Banco Empresa-B a venda por negociação particular dos direitos penhorados. 19° - Em 19 de Fevereiro de 2002, o actual mandatário do Banco Empresa-B juntou aos autos substabelecimento a seu favor. 20° - Em 17/09/2002, foi o Banco Empresa-B notificado de que o perito indicado pelo Tribunal tinha avaliado o direito e acção, penhorados à Executada BB, no valor de € 44.800,00 (quarenta e quatro mil e oitocentos euros). 21 ° - Foi o Agravado informado, por notificação de 23/09/2004, de que o encarregado de venda do direito e acção penhorados tinha (apenas) uma proposta de aquisição no montante de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros). 22° - Tendo aceite que o direito e acção penhorados fossem vendidos pelo referido valor. 23° - O depósito autónomo no valor de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros) foi efectuado em 13/01/05. 24° - Cabendo ao Banco Empresa-B, por liquidação do julgado, a quantia de € 28.852,18 (vinte e oito mil oitocentos e cinquenta e dois euros e dezoito cêntimos), sendo o remanescente (dos 38.000,00) destinado ao pagamento de custas. Transcreve-se agora o n.º 7 da matéria considerada como relevante pela Relação, pela razão que, no lugar próprio já tivemos oportunidade de explicar: 7° Em 25 de Julho de 2006, foi o Autor notificado no Processo executivo 471/94 (em que era Exequente o aqui A.), na pessoa do seu mandatário, de um oficio enviado pela 2.ª Vara – 1.ª Secção – processo 9574-A/94, [(de que estes autos (9574-D são apenso)], informando que o direito (penhorado na execução 471/94, em que era exequente o aqui A.) já tinha sido vendido no referido processo 9574-A/94, por negociação particular, por 38.000,00 €, não constando desses autos qualquer certidão de ónus ou encargos. II-B)-b) O Direito Como já foi referido, em 5 de Dezembro de 2006 o Banco Empresa-A (2) (ora agravante), veio intentar contra o Banco Empresa-B, agora Banco ....(ora agravado) e outros, acção declarativa para anulação da venda, nos termos da alínea c) do n. ° 1 do artigo 909° e do n.º 1 do artigo 908° do Código de Processo Civil, com o fundamento de que sobre o direito penhorado e vendido recaía já penhora anterior (registada) efectuada em acção executiva na qual era Exequente o Banco Empresa-A. Lendo no entanto o art 908.º do CPC ( redacção actual e já vigente em 2006, e que fora dada pelo DL n.º 38/2003), constatamos, porém, que este artigo se refere à anulação da venda por parte do comprador, no próprio processo de execução, (sublinhado nosso). Como estamos aqui perante pedido de anulação da venda por parte de terceiro, é notório que este artigo não tem aplicação ao caso em presença O art. 909.º-1 do CPC, por sua vez, refere que, além do caso previsto no art. 908.º, ou seja, anulação a requerimento do comprador (sublinhado nosso), a venda só fica sem efeito quando: a) for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada; b) se toda a execução for anulada por falta ou nulidade de citação do executado, que tenha sido revel, salvo o disposto no n.º 3 do art. 921.º; (3) ” c) se for anulado o acto da venda, nos termos do art. 201.º; (4) d) se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono. Não se verificando que a situação aqui em presença se encaixe em qualquer das previsões indicadas no art. 909.º-1, a) e b) (pois que não se trata de anulação ou revogação da sentença que se executou ou da que julgou procedente oposição à execução ou à penhora no seio do processo executivo, nem de nulidade ou falta de citação do executado…), fica excluída a aplicabilidade das duas primeiras alíneas. Haverá que apreciar, então, se a situação aqui enunciada pode enquadrar-se perante as alíneas seguintes. Ora, ressalta desde logo que também não se encaixa na alínea d), pois que não se dá o caso de “a coisa vendida não pertencer ao executado e não ter sido reivindicada pelo dono”, já que o facto de um bem ter sido penhorado nem por isso deixa de ser pertença de quem é seu titular, apesar de dele não poder dispor enquanto essa situação se mantiver. Resta então para apreciação, o caso da alínea c). Mas será que se verifica essa previsão? Vejamos: É preciso tomar em consideração, neste caso, que à data da penhora se aplicava o CPC na redacção anterior à que lhe veio a ser dada pelo DL 38/2003, de 08/03, que hoje vigora, e que era, à altura, a decorrente da reforma de 1995/96. De acordo com o disposto no art. 862.º -1 do CPC na redacção então vigente, “Se a penhora tiver por objecto o direito a bens indivisos, a diligência consiste unicamente (sublinhado nosso) na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do tribunal da execução.” Assim, verificando-se que a penhora incidia sobre o direito da 2.ª executada sobre a sua quota hereditária sem determinação de parte ou direito, foram cumpridas todas as formalidades exigidas para a penhora, porque foram notificados o fiel depositário e os contitulares, nos termos então legalmente exigidos. (5) Uma vez efectuada a penhora e notificados os contitulares do direito penhorado, não se impunha a junção de certidão dos direitos, ónus ou encargos inscritos (6), seguindo-se o cumprimento das citações previstas no art. 864.º do CPC., que então eram apenas as do: a) cônjuge do executado, quando a penhora tivesse recaído sobre bens imóveis que este não pudesse alienar livremente, ou quando o exequente requeresse a citação, nos termos do art. 825.º; b) credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados; c) entidades referidas nas leis fiscais com vista à defesa dos possíveis direitos da Fazenda Nacional; d) e credores desconhecidos. Tendo em conta que não resultava dos autos ser o aqui A. credor conhecido com garantia real sobre os bens penhorados, a sua citação não tinha que ser pessoal, devendo no entanto fazer-se por editais e anúncios, como preceituado então no n.º 2, in fine do mesmo artigo. E foi o que aconteceu. Como no entanto não veio o aqui A. a reclamar o seu crédito ou a dar conhecimento da existência de penhora mais antiga, no prazo estipulado na citação edital, seguiram os autos os seus normais termos em ordem à respectiva venda.( na execução 9574-A/94). E assim, face aos elementos então disponíveis, não pode fazer-se censura ao rumo que nesse Tribunal a execução veio irregularmente a tomar. Há no entanto que considerar o A. parte legítima para a acção de anulação, uma vez que sendo ele credor (ainda que desconhecido na execução 9574-A/94, como iremos ver), a lei lhe reconhece direitos, pois que de outro modo, se assim não fosse, não os mandaria citar.( art. 864.º-1-d) do CPC). Entende-se, portanto, que neste aspecto, o Acórdão recorrido não decidiu bem a questão da legitimidade processual para a acção de anulação da venda. Situação diferente é a relativa ao outro fundamento para o indeferimento da acção de anulação, que leva a supor ser atribuível ao próprio tribunal a irregularidade cometida de não sustação da execução 9574-A/94 para prosseguir a execução na 471/94, atento o disposto no art. 871.º do CPC, por haver neste penhora mais antiga. Quanto a este fundamento, há efectivamente a referir que não consta que os 2.ºs Executados, os demais contitulares ou o fiel depositário, sabendo que existia penhora mais antiga, tivessem vindo a dar conhecimento desse facto, nem está provado que o 1.º e 3.º executados conhecessem essa situação. A sustação poderia ter tido lugar se porventura alguém tivesse vindo alertar para o facto de existir penhora mais antiga sobre o mesmo direito, o que não aconteceu antes da venda. A falta de registo, por não ser exigível, não é aqui pedra angular. Tendo em conta que o desconhecimento da existência de penhora anterior veio inviabilizar que fosse sustada a execução 9574-A/94, a questão que se coloca agora é a de saber se será ainda possível ao A. obter a anulação da venda. Entendemos que não. Apesar de o A. alegar só ter tido conhecimento dessa venda quando em 25 de Julho de 2006 - ao querer levar por diante a venda do direito penhorado na execução por si instaurada (471/94) - foi informado pelo Tribunal do processo 9574-A/94 que o direito em causa já tinha sido vendido por negociação particular, por 38.000,00 €, o que é facto é que fora o aqui A. citado editalmente para esta execução, não havendo irregularidade a imputar quanto a essa forma de citação, como atrás já dito. Assim, não se impondo a ele a citação pessoal por não estar abrangido nas três primeiras alíneas do n.º 1 do art. 864.º, não pode imputar-se nulidade de citação para a execução 9574-A/94, pelo simples facto – repete-se - de a citação ter sido feita pela forma legalmente exigida - citação por via edital. Acontece, é certo, que se fosse do conhecimento do Tribunal que havia penhora mais antiga sobre o mesmo direito, o Tribunal teria sustada a execução 9574-A/94, deixando a aqui 1.ª Ré de ser a entidade promotora da condução do processo e, por essa via, ter vindo a beneficiar irregularmente, como veio, do produto da venda do bem em prejuízo da satisfação do crédito do A. A não sustação constituiu, portanto, uma nulidade por poder influir, como efectivamente influiu, na decisão da causa, neste caso a satisfação do crédito do 1.º R.- art. 201.º do CPC., em prejuízo do A. Há no entanto que considerar sanada essa nulidade, porque nos termos do art. 205.º não foi ela arguida tempestivamente. Com efeito, apesar de o aqui A. ter tido conhecimento da venda em 2006.07.25, não veio no prazo de dez dias argui-la, o que fez com que permaneçam intocáveis, nesse processo executivo, os actos subsequentes, designadamente o acto da venda- arts. 153.º, 201.º e 205.º do CPC. E assim sendo, não pode lançar-se âncora do art. 201.º do CPC, para o qual remete o art. 909.º-1-c), tendo em vista a anulação da venda, com base na não sustação da execução. Há no entanto que tomar em consideração – e isso é que se revela substantivamente importante - que foi indevidamente vendido um bem onerado, sem que o pudesse ser. A não sustação da execução (apesar da irregularidade processual sanada), não sendo susceptível de anular a venda efectuada no caso em presença, dá no entanto ao credor prejudicado o direito de ser ressarcido dos benefícios que outros credores tenham indevidamente beneficiado do produto da venda em prejuízo dele, nos casos em que não deveriam ou devessem sê-lo. Não pode contudo o Tribunal, muito menos o Tribunal de recurso extravasar o pedido feito na petição inicial da acção de anulação ao abrigo dos arts. 908.º e 909.º do CPC, fazendo desde logo uma adequação formal do pedido alterando este. Assim sendo, o pedido de anulação da venda não pode proceder. Desta forma, embora por razões não inteiramente concordantes com as invocadas no Acórdão recorrido, concluímos que não há censura a fazer-lhe na decisão que tomou ao manter o despacho da primeira instância que indeferira liminarmente a petição. III. Decisão Em face do exposto, nega-se provimento ao agravo.. Custas pelo Agravante. Lisboa, 5 de Junho de 2008 Mário Cruz (Relator) Garcia Calejo Mário Mendes ------------------------------------------------------------- (1) Na presente acção de anulação é apenas referida a sociedade “Empresa-C, Ldaª” (2) Que incorporara o Banco Empresa-A. (3) “Art. 921.º(anulação da execução, por falta ou nulidade de citação do executado): (…) 3- A reclamação pode ser feita mesmo depois de finda a execução; se, porém, a partir da venda tiver decorrido já o tempo necessário para a usucapião, o executado ficará apenas com o direito de exigir do exequente, no caso de dolo ou má fé deste, a indemnização do prejuízo sofrido, se esse direito não tiver prescrito entretanto.” (4)) “Art. 201.º(Regras gerais sobre a nulidade dos actos): 1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. 2. Quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente. A nulidade de uma parte de um acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes. 3. Se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto se mostra idóneo.” (5) Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume I1I, 37l (6) Eurico Lopes Cardoso, Manual de Acção Executiva, 3.ª ed., pg. 487. |