Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
482/91.0GBVRM-A.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CASO JULGADO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
FALSIDADE DE TESTEMUNHO OU PERÍCIA
TESTEMUNHA
PROVA
Data do Acordão: 03/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário : I - Consiste a revisão num meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento.
II - Como se assinala no Ac. do TC 376/2000 de 13-07-2000, Proc. n.º 379/99 - 1.ª, BMJ, 499, pág. 88, trata-se de recurso com uma natureza específica, que no próprio plano da Lei Fundamental se autonomiza do genérico direito ao recurso garantido no processo penal pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP.
III - O direito à revisão de sentença encontra consagração constitucional no art. 29.º da CRP, versando em concreto sobre «Aplicação da lei criminal», no domínio dos direitos, liberdades e garantias, exactamente inserido no Título II, subordinado à epígrafe “Direitos, liberdades e garantias”, e a partir da primeira revisão constitucional – Lei Constitucional 1/82, de 30-09 – no Capítulo I, sob a epígrafe “Direitos, liberdades e garantias pessoais”.
IV - Trata-se de preceito que contém o essencial do “regime constitucional” da lei criminal.
V - Releva para o nosso caso, o n.º 6 deste preceito, que reconhecendo e garantindo o direito a revisão, estabelece: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.
VI - Este n.º 6, acrescentado ao art. 29.º pela Lei Constitucional 1/82, mais não é do que a reprodução do n.º 2 do primitivo art. 21.º da CRP, inserto então em norma que versava sobre “Responsabilidade civil do Estado”, procurando responder a reparação de caso de erro judiciário, fora do plano da prisão preventiva ilegal ou injustificada, e constante já do art. 2403.º do CC de 1867 e do art. 690.º do CPP de 1929, no que respeita ao plano específico da “indemnização ao réu absolvido” (a revisão era então versada nos arts 673.º a 700.º).
VII - O aludido n.º 6 reconhece e garante: (a) o direito à revisão de sentença; e b) o direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no caso de condenações injustas.
VIII - Como se pode ler em Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, pág. 498, «É um caso tradicional de responsabilidade do Estado pelo facto da função jurisdicional o ressarcimento dos danos por condenações injustas provadas em revisão de sentença».
IX - Através do mecanismo processual da revisão de sentença, procura-se alcançar a justiça da decisão: “Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e, através dela, a justiça, o legislador tem que escolher. O grau em que sobrepõe um ao outro é questão de política criminal. Variam as soluções nas diferentes legislações. Mas o que pode afirmar-se resolutamente é que em nenhuma se adoptou o dogma absoluto do caso julgado frente à injustiça patente, nem a revisão incondicional de qualquer decisão transitada. Se aceitamos pois, como postulado, que a possibilidade de rever as sentenças penais deve limitar-se, a questão que doutrinalmente se nos coloca é onde colocar o limite” – Emílio Gomez Orbaneja e Vicente Herce Quemada, Derecho Procesal Penal, 10.ª Edição, Madrid, 1984, pág. 317 (a autoria do capítulo respeitante aos recursos é do 1.º Autor).
X - Mais do que meros interesses individuais, são ponderosas razões de interesse público que ditam a existência desta última garantia, cuja teleologia se reconduz em fazer prevalecer a justiça (material, real ou extraprocessual), sobre a segurança jurídica – José Maria Rifá Soler e José Francisco Valls Gombau, Derecho Procesal Penal, Madrid, Iurgium Editores, pág. 310.
XI - Admitindo que a sentença judicial não tem o alcance de modificar a realidade do direito substantivo, transformando por misericordiosa ficção o injusto em justo, deverá tirar-se a consequência de que nenhuma decisão judicial seria definitiva e irrevogável.
XII - Contra esta consequência se move, porém, a necessidade de segurança jurídica que, em largo limite, assim é chamada a restringir a justiça – Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III volume, Lisboa, 1958, pág. 36; de modo concordante, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.ª Edição, 1974, Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, págs. 42 a 45.
XIII - A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra, (a justiça formal, traduzida em sentença transitada em julgado) devem ceder perante a verdade material; por esta razão, trata-se de um recurso marcadamente excepcional e com fundamentos taxativos – Vicente Gimeno Sendra, Derecho Procesal Penal, Editorial Colex, 1.ª ed., 2004, pág. 769.
XIV - Conforme escreveu Eduardo Correia (A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1983, pág. 302) “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto” (em registo semelhante ver, do mesmo autor, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, pág. 7).
XV - Figueiredo Dias (loc. cit., pág. 44) afirma que a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, “o que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania”.
XVI - Nas palavras de Luís Osório de Oliveira Batista, no Comentário ao CPP Português, Coimbra Editora, 1934, 6.º volume, págs. 402 e 403: “O princípio da res judicata pro veritate habetur é um princípio de utilidade e não de justiça e assim não pode impedir a revisão da sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos de alcançar. (…) A revisão tem a natureza de um recurso. (…) A revisão é um exame do caso quando surgem novos e importantes elementos de facto. Pode assim dizer-se que se não trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos”.
XVII - Para Simas Santos/Leal-Henriques, in Recursos em Proc. Penal, Rei dos Livros, 2.ª edição, pág. 129, o legislador, “com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”, consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respectiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no art. 449.º, n.º 1, do CPP. Segundo os mesmos autores, in CPP Anotado, II volume, págs. 1042 e 10433, “ O recurso extraordinário de revisão apresenta-se como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”.
XVIII - A Lei 48/2007, de 29-08, entrada em vigor em 15-09, introduziu três novas alíneas ao n.º 1 do referido art. 449.º, com a redacção seguinte: e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º; f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça” - O preceito em causa tem-se mantido inalterado nas subsequentes modificações do CPP operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro e pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto.
XIX - O fundamento de revisão previsto na citada al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada.
XX - Segundo Cavaleiro de Ferreira, in Revisão Penal, Scientia Iuridica, Tomo XIV, n.ºs 75/76, pág. 522, citado por Simas Santos / Leal-Henriques, ob. cit., pág. 137 e Ac. do STJ de 25-01-2007, Proc. n.º 2042/06 - 5.ª: “Factos são os factos probandos; elementos de prova, as provas relativas a factos probandos.
XXI - Factos probandos em processo penal são ainda de duas espécies, para esquematicamente os compreender. Em primeiro lugar, os factos constitutivos do próprio crime, os seus elementos essenciais; em segundo lugar, os factos, dos quais, uma vez provados, se infere a existência ou inexistência de elementos essenciais do crime. (…) Quer dizer, por factos há que entender todos os factos que devem ou deveriam constituir “tema” da prova.
XXII - Elementos de prova, são as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos, quer dos que constituem o próprio crime, quer dos que são indiciantes de existência ou inexistência do crime ou seus elementos.
XXIII - Como se extrai do Ac. do STJ de 12-09-2007, Proc. n.º 2431/07 - 3.ª (com argumentário repetido no acórdão de 11-02-2009, no Proc. n.º 4215/04, do mesmo relator) “o fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP reporta-se exclusivamente à factualidade do crime, ou seja, às circunstâncias históricas, ao episódio ou evento, circunscrito no tempo e no espaço, que foi considerado na sentença condenatória como integrante de uma determinada infracção. A lei admite a revisão se a descoberta de novos factos ou novos meios de prova (de factos) vier a alterar ou pôr em crise a matéria de facto fixada na sentença condenatória, modificando-a ou invalidando-a, de tal forma que fique seriamente em dúvida a justiça da condenação, isto é, que resulte muito provável, dos novos factos ou meios de prova, que o condenado não cometeu a infracção, devendo assim ser absolvido. (...) É o chamado «erro judiciário», a incompleta ou incorrecta averiguação da verdade material, que determinou a subsunção dos factos a um certo tipo legal, e consequentemente a condenação, que o legislador pretende remediar com a aludida al. d). Só um erro deste tipo pode caracterizar como injusta a decisão condenatória. A injustiça, no contexto daquela alínea, está efectivamente conexa com a descoberta de um erro na fixação dos factos que levaram à condenação”.
XXIV - Quanto ao primeiro dos indicados pressupostos do fundamento de revisão previsto na al. d), não é pacífico o entendimento quanto à questão de saber se a “novidade” do facto ou do meio de prova deve reportar-se ao julgador, ou ao apresentante da fonte de prova.
XXV - Na doutrina, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, reimpressão 2004, volume I, pág. 99, a propósito da função integrante de lacuna do direito processual penal por norma de processo civil, refere que, colocando-se o problema de saber para quem devem ser novos os factos que fundamentam a revisão: se para quem os apresenta, que era a solução processual civil (art. 771.º, n.º 1, al. c), do CPC), conferindo-lhe então função integrante, ou se apenas para o processo que era a tomada de posição acolhida por jurisprudência pacífica, é esta a solução aceitável, e já defendida, à luz do art. 673.º do CPP de 1929, por Eduardo Correia, in separata da RDES, 6/381.No mesmo sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, volume III, pág. 388.
XXVI - Maia Gonçalves, CPP Anotado, 16.ª edição, 2007, Almedina, pág. 982 (e 17.ª, de 2009, pág. 1062), reeditando posição da 4.ª edição de Janeiro de 1980, pág. 717, em anotação ao art. 673.º do CPP de 1929, esclarece que deve “entender-se que os factos ou meios de prova devem ser novos, no sentido de não terem sido apresentados e apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar”.
XXVII - Em sentido diverso, Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do CPP, Universidade Católica Editora, 2007, em anotação ao art. 449.°, nota 12, pág. 1212, expende: “factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste, não bastando que os factos sejam desconhecidos do tribunal, só esta interpretação fazendo jus à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado”.
XXVIII - No domínio do anterior CPP, Luís Osório, Comentário ao CPP, 1934, volume VI, pág. 416, ao comentar o art. 673.º, entendia que os factos ou os elementos de prova deviam ser novos, isto é, não deviam ser conhecidos de quem os devia apresentar na data em que a apresentação devia ter lugar. E num outro registo: “Os factos devem ter sido desconhecidos do requerente da revisão ao tempo em que foi proferida a sentença a rever não bastando que sejam desconhecidos do Tribunal”.
XXIX - Na jurisprudência do STJ, na controvérsia presente, foi durante muito tempo largamente maioritário o entendimento de que a “novidade” dos factos deve existir para o julgador, ainda que o recorrente os conhecesse já, podendo ver-se, os Ac. de 2-11-1966, BMJ n.º 101, pág. 491; de 20-03-1968, BMJ n.º 175, pág. 220; de 15-11-1989, AJ, n.º 3; de 09-07-1997, BMJ n.º 469, pág. 334; de 24-11-1999, Proc. n.º 911/99 - 3.ª; de 16-02-2000, Proc. n.º 713/99 - 3.ª; de 15-03-2000, Proc. n.º 92/00 - 3.ª; de 06-07-2000, Proc. n.º 99/00 - 5.ª; de 25-10-2000, Proc. n.º 2537/00 - 3.ª; de 05-04-2001, CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 173; de 10-01-2002, Proc. n.º 4005/01 - 5.ª, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 163; de 20-06-2002, Proc. n.º 1261/02; de 04-12-2002, Proc. n.º 2694/02 - 3.ª; de 28-05-2003, Proc. n.º 872/03 - 3.ª, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 202; de 04-06-2003, Proc. n.º 1503/03 - 3.ª, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 208; de 06-11-2003, Proc. n.º 3368/03 - 5.ª e, do mesmo relator, de 20-11-2003, Proc. n.º 3468/03 - 5.ª, ambos in CJSTJ 2003, tomo 3, págs. 229 e 233; de 01-07-2004, Proc. n.º 2038/04 - 5.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 242; de 25-11-2004, Proc. n.º 3192/04 - 5.ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 232; de 03-02-2005, Proc. n.º 4309/04 - 5.ª, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 191; de 09-02-2005, Proc. n.º 4003/04 - 3.ª; de 03-03-2005, Proc. n.º 764/05 - 3.ª; de 20-04-2005, Proc. n.º 135/05 - 3.ª, CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 179; de 20-06-2007, Proc. n.º 1575/07 - 3.ª; de 21-06-2007, Proc. n.º 1767/07 - 5.ª; de 05-12-2007, Proc. n.º 3397/07 - 3.ª; de 14-05-2008, Proc. n.º 1417/08 - 3.ª; de 25-06-2008, Proc. n.° 2031/08 - 3.ª e Proc. n.º 441/08 - 5.ª.
XXX - No que tange ao segundo pressuposto e sobre o que deverá entender-se por dúvidas graves sobre a justiça da condenação, a dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida.
XXXI - Os “novos factos” ou as “novas provas” deverão revelar-se tão seguros e (ou) relevantes – pela patente oportunidade e originalidade na invocação, pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas ou pelo significado inequívoco dos novos factos ou por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, o que reclama do requerente do pedido a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau do que aquela em que se fundamentou a decisão a rever - cfr. neste sentido, os Acs. de 12-05-2005, Proc. n.° 1260/05 - 5.ª; de 23-11-2006, Proc. n.° 3147/06 - 5.ª; de 20-06-2007, Proc. n.º 1575/07 - 3.ª; de 26-03-2008, Proc. n.º 683/08 - 3.ª.
XXXII - A revisão de sentença transitada em julgado é ainda consentida quando “uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão”.
XXXIII - Em anotação a este preceito, Maia Gonçalves, CPP, Almedina, 4.ª edição, 1980, pág. 715, esclarecia que bastava que os meios de prova falsos tivessem influenciado a decisão a rever e que se aplicava tanto no caso de a decisão a rever ter sido condenatória, como no de ter sido absolutória.
XXXIV - Para Germano Marques da Silva, Curso de Proc. Penal, III, Verbo, pág. 361, os fundamentos das alíneas a) e b) são entendidos pro reo e pro societate e os das alíneas c) e d) exclusivamente pro reo, esclarecendo que no caso da alínea a) o fundamento da revisão é a existência de uma sentença transitada em julgado, quer tenha emanado de um tribunal penal, quer de um tribunal não penal, e neste caso, quer seja condenatória, quer seja absolutória, pois o que importa é que a sentença considere falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão a rever. Basta também que a causa da revisão, a falsidade do meio de prova tenha de algum modo contribuído para a decisão a rever, não sendo necessário que esses meios, só por si, tenham sido determinantes dessa decisão.
XXXV - Para Simas Santos e Leal Henriques, CPP Anotado, Rei dos Livros, 2000, 2º volume, pág. 1045, no que se refere à falsidade dos meios de prova, é relevante a sentença que tiver reconhecido a falsidade, independentemente de ser emanada de um tribunal penal ou de um tribunal não penal.
XXXVI - Por outro lado, basta que estes elementos tenham contribuído para a decisão, não sendo necessário que eles tenham sido de per si só suficientes para motivar a decisão.
XXXVII - Paulo Pinto Albuquerque, no Comentário do CPP, Universidade Católica Editora, 2007, a propósito da falsidade dos meios de prova, (anotação 4 ao art. 449.º), pág. 1210, diz: “A falsidade não consiste apenas na fabricação de meios de prova documentais. Ela inclui também a manipulação de depoimentos de arguidos, suspeitos, assistentes, ofendidos, partes civis, testemunhas, peritos, consultores técnicos, intérpretes, mediante tortura, coacção, ofensas à integridade física ou moral, administração de substâncias químicas que perturbem a liberdade da vontade ou de decisão, hipnose, utilização de meios cruéis ou enganosos, perturbação, por qualquer meio, da capacidade [de] memória ou de avaliação, ameaças e promessas ilícitas, ou quaisquer outros meios de instrumentalização da vontade de quem presta depoimento. Esta é, aliás, a tradição do direito português (art. 673.º, n.º 2, do CPP de 1929)”. Adianta que a mesma “pode ser estabelecida em qualquer outra sentença transitada em julgado, seja ela proferida em processo criminal (é o caso do Ac. do STJ , de 08-01-2003, in CJ, Acs. do STJ, XXVIII, tomo 1, pág.155 ou noutro processo, e que também pode ser declarada no dispositivo da sentença nos termos do art. 170.º, n.º 1”.
XXXVIII - Como referimos nos Acs. de 07-07-2009 e 17-09-2009, relatados nos Procs. n.º 60/02.0TAMBRA.S1 e n.º 1566/03.9PALGS.S1, “impõe-se que os meios de prova tenham sido considerados falsos por sentença passada em julgado, sendo indispensável a verificação da falsidade por sentença transitada em julgado, que a falsidade do meio de prova seja comprovada por esse meio”.
XXXIX - Por outras palavras, a falsidade do meio de prova deve constar de decisão transitada em julgado.
XXXX - Exige-se que uma outra sentença transitada em julgado tenha considerado falsos os meios de prova de que o colectivo lançou mão, tornando-se necessário que a falsidade tenha sido constatada, declarada, atestada, certificada, reconhecida, por forma consolidada, segura e definitiva, por uma outra sentença passada em julgado. Só a partir daí, sendo possível a análise e o confronto de duas decisões transitadas, é que cumpriria averiguar de que modo e em que medida a outra, posterior, sentença transitada em julgado seria susceptível de por em crise a convicção do tribunal no plano do assentamento da matéria de facto, havendo então nesse quadro de confrontar as duas realidades, maxime, os factos dados por provados na decisão revidenda, bem como a prova em que se baseou o tribunal.
XXXXI - A apresentação, pelo recorrente, em sede de recurso de revisão, de uma nova testemunha, sem alegar qualquer motivo justificativo da tardia apresentação, designadamente uma situação de impossibilidade de a mesma ter podido depor nos autos ao tempo do julgamento, não o tendo então feito, mostra-se vedada, pois que não pode ele agora indicar como testemunha alguém que não foi oportunamente indicado nem ouvido no processo.
XXXXII - O arrolamento de novas testemunhas só poderá ocorrer se se justificar que era ignorada a sua existência ao tempo da decisão, ou que as mesmas estiveram impossibilitadas de depor, o que não aconteceu.
Decisão Texto Integral:

No âmbito do processo comum n.º 482/91.0GBVRM do Tribunal Judicial da Comarca de Vieira do Minho, integrante do Círculo Judicial de Braga, foi submetido a julgamento o arguido AA, nascido em … de … de …, natural da freguesia de ..., Vieira do Minho, residente na mesma freguesia, no lugar de ..., e preso, em cumprimento de pena, no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira.

Por acórdão do Colectivo competente, de 15 de Janeiro de 1992, constante de fls. 109 a 112 do processo principal, pela autoria material de um crime de homicídio voluntário simples, p. p. pelo artigo 131.º do Código Penal, foi o arguido, ora requerente, condenado na pena de 10 anos de prisão e no pagamento da quantia de 1.000.000$00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, ao assistente/demandante cível, BB, irmão da vítima.

Não foi então interposto qualquer recurso, tendo o acórdão transitado em julgado em 27 de Janeiro de 1992.

Por despacho de fls. 122, em virtude de aplicação do disposto no artigo 8.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 15/94, de 11-05 (vulgarmente conhecida, como as demais, e impropriamente, por “Lei de Amnistia” de 1994), foi declarado perdoado ao condenado, um ano e seis meses de prisão, ficando assim o condenado a ter de cumprir o remanescente de oito anos e seis meses de prisão.   

Em 30 de Julho de 2010, tendo-se então perfeito exactamente um ano e um dia sobre a data da sua recaptura, que teve lugar exactamente, em 29 de Julho de 2009, e concretizada após mais de quinze anos de conseguida evasão (se bem que, reconhecidamente - não há qualquer ponta de dúvida em admiti-lo! - vivenciada em situação completamente adversa em termos humanitários), de conseguida fuga ao cumprimento de uma decisão condenatória transitada em julgado, o que só foi possível conseguir, com a colaboração de alguns elementos do povoado, no exercício de uma interpretação sui generis dos factos, e postergando o sentido da condenação, que poderá ser analisado como o exercício de uma espécie de justiça popular a posteriori (o Estado condenou, mas nós estamos cá para dizermos como foi!) - o arguido/condenado interpôs o presente recurso extraordinário de revisão, com base nos fundamentos constantes de fls. 2 a 10, expondo a sua posição pela seguinte forma (em transcrição):

II - FUNDAMENTO PARA O RECURSO PE REVISÃO

13. O artigo 449° alínea d) do Código de Processo Penal, prevê a admissibilidade da revisão da sentença transitada em julgado quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

14. Ora, de acordo com o Princípio da Busca da Verdade Material, impõe-se considerar a factualidade referida a 12° do presente porque comporta uma versão que altera os factos considerados provados por um lado, e determinam a falsidade do testemunho de BB que, conforma facilmente se compreenderá tratava-se nada mais nada menos da pessoa irmão da vitima.

15. Resulta pois, que o arguido resultou condenado com base em “factos” falsos, determinados pelo testemunho do irmão da vítima, em claro erro judiciário.

16. A aludida testemunha a tudo assistiu, contrariamente ao que consta dos autos onde se refere que mais ninguém assistiu,

17. e pôde constatar de forma indubitável que o ora recorrente simplesmente se defendeu, e

18. que também ele foi vitima, pois acabou condenado por um crime que nunca teve intenção de o praticar.

19. UNICAMENTE se defendeu a si e ao seu único meio de sustento, o seu rebanho.

20. Não esqueçamos Sábios Conselheiros, que o ora recorrente era pastor e não exercia outra actividade a não ser esta.

21. Era um homem pacato que habitualmente andava sozinho.

22. Tudo o que queria era UNICAMENTE que o deixassem seguir o seu caminho de regresso a casa.

23. Ao defender-se da vítima NUNCA teve intenção de lhe provocar a morte.

ORA POR TUDO ISTO

24. Se conclui que a falta de produção de prova, agora disponível, põe em causa, de forma indubitável, a verdade material e a posição do arguido.

25. A admissão do presente recurso é, pois, uma questão de justiça e, até, de humanidade, sendo que com a recolha deste novo testemunho em nada será prejudicada a justiça, mais que o direito, a JUSTIÇA!

26. É realmente tão injusto não considerar meios de prova que só são descobertos após o trânsito em julgado da decisão, " (...) o núcleo essencial da ideia que preside à instituição do recurso de revisão precipitada na alínea d) do n° 1 do art 449° do CPP, reside na necessidade de apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior.

27. Os factos ou meios de prova novos podem ser causa de revisão de sentença se, per si ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Requer seja determinada a anulação do acórdão ora em crise, ordenando a repetição da audiência de discussão e julgamento.

Juntou, a final, certidão do acórdão condenatório e arrolou uma testemunha.

 

            O Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou resposta, nos termos constantes de fls. 36 a 41, concluindo que o recorrente não cumpriu o disposto no artigo 453.°, n.º 2, do CPP, na medida em que não apresentou qualquer justificação para só agora ter indicado a testemunha, não ouvida em audiência, considerando, por outro lado, ser irrelevante a afirmação sobre a falsidade de quaisquer outros depoimentos, face ao estipulado no artigo 449.°, n.º 1, alínea a), do CPP.

Considera que do meio de prova ora apresentado, de per si ou conjugado com outros meios de prova, nenhuma dúvida grave se suscita quanto à justiça da condenação, afigurando-se completamente sem fundamento e sem sustentação a nova prova ora indicada pelo recorrente.

Finalmente, defende a rejeição do recurso por manifestamente improcedente.

            Foi inquirida a testemunha apresentada pelo requerente – fls. 63/4 – mostrando-se transcrito o depoimento prestado de fls. 65 a 76.

Por despacho de 29-10-2010, constante de fls. 77 a 79, o Exmo. Juiz junto  do Tribunal “a quo” lavrou informação, nos termos do artigo 454.º do Código de Processo Penal, nos termos seguintes: 

           «Nos presentes autos AA foi condenado a uma pena de dez anos de prisão pela prática, como autor material, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131°, do Código Penal (Acórdão de fls. 109/112).

Veio o recorrente AA apresentar recurso de revisão, alegando, em suma, que resulta dos depoimentos prestados pelas testemunhas, em sede de inquérito, que o arguido nunca teve intenção de matar a vítima.

Alega ainda que o erro judicial resulta manifesto, uma vez que, conforme resulta do relatório da autópsia junto aos autos, a causa da morte não foi a agressão, mas sim o embate desamparado do crânio da vítima contra a pedra que se encontrava no chão, sendo certo que não podia ser exigido ao arguido a previsão de que brandido a vara, a vítima cairia e embateria com o crânio nas pedras existentes no solo.

Mais alega que teve conhecimento da existência de uma nova testemunha, CC, que viu e ouviu o que se passou no dia em causa nos presentes autos, designadamente que o arguido e a vítima se envolveram numa discussão, a vítima agrediu o arguido nos ombros, por diversas vezes, e quando o arguido tocou com a vara na vítima, a vítima, tentando evitar o golpe, se desequilibrou, caiu, embatendo com a cabeça no solo, sendo que no local se encontrava o arguido, a mãe deste, a vítima e a referida testemunha.

Alega ainda que o depoimento desta testemunha comporta uma versão que altera os factos considerados provados e determina a falsidade do depoimento de BB, irmão da vítima, sendo que o recorrente foi condenado com base em factos determinados pelo depoimento do irmão da vítima.

O Ministério Público apresentou resposta, onde conclui que não se verificam nenhum dos pressupostos para o presente recurso, pelo que o mesmo deve ser rejeitado (fls. 36/41).

O recorrente arrolou uma testemunha, CC, que foi inquirida, não tendo sido ordenadas, nem requeridas, outras diligências de prova.

Invoca o recorrente, como fundamento do pedido de revisão a descoberta de “novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” - artigo 449°, n° 1, al. c), do Código de Processo Penal.

Seguindo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.05.2010, in www.dgsi.pt: 3ª Secção; relator: Exmo. Sr. Cons. Oliveira Marques (de forma correcta será Oliveira Mendes), cuja clareza impõe a sua transcrição, “Como é sabido, contendendo o recurso de revisão com a certeza e a segurança do caso julgado, deve ser rodeado de prudência, pelo que não é uma indiferenciada nova prova que, por si só, terá a virtualidade para abalar a estabilidade resultante de uma decisão judicial transitada em julgado. A nova prova, como é jurisprudência deste Supremo Tribunal - Cf. por todos, o acórdão de 04.07.01, publicado na CJ (STJ), XII, II, 242., deverá revelar-se tão segura e (ou) relevante - seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade -, que o juízo rescindente que nela se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, o que reclama do requerente do pedido de revisão a indicação de provas que, sem serem necessariamente isentas de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela em que se fundamentou a decisão a rever”.

De acordo com a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça consideram-se novos os factos e os meios de prova que fossem desconhecidos ou não pudessem ser apresentados ao tempo do julgamento, pelo tribunal ou pelas partes. Com efeito, o n° 2 do artigo 453° impede o recorrente de arrolar testemunhas que não hajam sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou caso estivessem impossibilitadas de depor.

Ora, no caso em apreço, o recorrente arrolou como testemunha CC, que não foi ouvida no processo (vide fls. 107/108), não tendo apresentado qualquer justificação para ignorar a sua existência ao tempo da decisão ou que a mesma estava impossibilitada de depor, apenas alegando que teve conhecimento da existência de uma nova testemunha.

Por outro lado, a versão apresentada pela testemunha CC não logrou acolhimento por parte do Tribunal. Na verdade, fazendo apelo às regras da experiência e da normalidade do acontecer, o discurso da testemunha não nos pareceu que se tenha pautado pela isenção e objectividade, apresentando uma riqueza de pormenores, que não nos parece compatível com o tempo já decorrido desde a ocorrência dos factos em causa nos autos, tendo mesmo entrado em contradições.

Acresce ainda que o recorrente invoca a falsidade do testemunho de BB, sendo que alega que foi condenado com base no depoimento do mesmo. Ora, para que se verifique o fundamento previsto na alínea a) do n° 1 do artigo 449° do Código de Processo Penal (de não da alínea d) do referido preceito legal, como refere o recorrente) é necessário que tal falsidade tenha sido reconhecida por sentença transitada em julgado (“a falsidade de meio de prova, fundamento de revisão previsto na alínea a) do n.° 1 do artigo 449° do Código de Processo Penal, só releva quando declarada por outra sentença transitada em julgado, o que no caso vertente não se verifica” — aresto vindo a citar), também não se pode olvidar que o Tribunal alicerçou a sua convicção no conjunto da prova produzida (vide penúltimo paragrafo de fls. 110).

Pelo exposto, afigura-se, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que o presente recurso extraordinário de revisão não merece provimento».

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu douto parecer, constante de fls. 37 a 41, onde, após registar que o requerente no essencial, reclama ter sido condenado com base em “factos falsos, determinados pelo testemunho do irmão da vítima, em claro erro judiciário, indicando uma nova testemunha (CC), que viu e ouviu o desenrolar do caso, cujo desfecho é apresentado como o resultado do desequilíbrio da vítima, ao desviar-se da vara do arguido, quando este já em desespero, tocou, ao de leve, ... na frontal da vítima, dizendo-lhe “Não me batas mais”, dizendo acompanhar integralmente a resposta do Ministério Público e a informação prestada pelo Mmo. Juiz quanto à improcedência do recurso, destaca e acrescenta o seguinte:

«- Embora o recorrente não tenha cumprido o disposto no art. 453.°, n.° 2, do CPP, certo é que tal não conduziu à rejeição do depoimento da “nova” testemunha, como se imporia; por outro lado, no decurso da inquirição (em jeito de aperfeiçoamento da motivação do recurso e, quiçá, devido à resposta apresentada pelo Ex. mo Procurador Adjunto), a testemunha explicou as razões por só agora ter sido indicada.

- O falso testemunho só relevaria se, enquanto tal, fosse considerado por sentença transitada em julgado e tivesse sido determinante para a condenação. Ora, no caso, não se mostram preenchidos estes requisitos: não se dá notícia de qualquer condenação da testemunha alegadamente falsa e nem sequer o seu depoimento foi determinante da condenação (a testemunha em causa, BB, irmão da vítima, nada sabia sobre a ocorrência por se encontrar em Guimarães, como declarou a fls. 14).

- O novo meio de prova, como salienta o M. mo Juiz, não só não se mostra credível, como também não é idóneo a pôr em causa, e muito menos de forma grave, a justiça da condenação. É notória a parcialidade do testemunho, quer quanto ao instrumento utilizado pelo arguido, quer no que respeita ao desenrolar do evento. Em contra-ponto, anota-se, tão só, que o arguido confessou parcialmente a agressão mortal (apenas negou que tivesse previsto a morte da vítima em resultado da violenta pancada que lhe desferiu na cabeça - fls. 110 e 110 v), como, de resto, já o fizera no primeiro interrogatório judicial - fls. 4/6 -, confissão essa inteiramente concordante com os testemunhos de DD e de EE, mãe do próprio arguido.

Ora, perante tal evidência, o que surge como indiciariamente falso é o depoimento ora apresentado, recomendando-se, até, que tal facto seja objecto de adequado inquérito.

Pelo resumidamente exposto, não tendo sido posta em causa a vertente da justiça da condenação não deverá ser autorizada a pretendida revisão».

            Colhidos os vistos, realizou-se a conferência a que alude o artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

O objecto do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas da motivação do recorrente, sem embargo de análise das questões que sejam de conhecimento oficioso.

           

Questões a resolver.

            A primeira questão a apreciar prende-se com a aferição da verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal – novo meio de prova.
Efectivamente, o requerente fundamenta o pedido no conjunto normativo dos artigos 399.º, 401.º, n.º 1, alínea b), 449.º, n.º 1, alínea d) e 450.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
            Muito embora não tendo sido invocado, de forma explícita, abordar-se-á o fundamento de revisão previsto na alínea a) do n.º 1 do mesmo preceito, face à invocação de falsidade de testemunho presente nos pontos 14 e 15 dos “Fundamentos de revisão”.


            Vejamos a matéria de facto dada por provada, bem com a motivação da decisão sobre a matéria de facto, tal como emerge do acórdão condenatório.

Trata-se de passo imprescindível o conhecimento do núcleo essencial da decisão revidenda, ao nível da fixação da matéria de facto, uma vez que como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, de 13-07-2000, processo n.º 379/99 - 1.ª Secção, publicado in BMJ n.º 499, pág. 88, uma vez que a revisão solicitada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal implica apreciação de matéria de facto, a decisão a rever deverá ser aquela que tiver apreciado os factos provados e não provados, sendo essa a decisão a submeter a recurso de revisão.     

Como dizia Luís Osório, Comentário ao Código de Processo Penal, volume VI, pág. 403, versando a revisão sempre sobre a questão de facto, visa-se pela mesma não um reexame nem uma reapreciação de anterior julgado, mas, sim e antes, uma nova decisão assente em novo julgamento do facto com apoio em novos dados de facto, “um julgado novo sobre novos elementos”.

Factos Provados

1) O arguido e a vítima FF, id. a fls. 3, dedicavam-se à pastorícia, possuindo cada um, cabras e bodes; porque estes se atacavam mutuamente, surgiram, por vezes, conflitos e discussões entre os dois.

2) No dia 15 de Agosto de 1991, cerca das 20 horas, no lugar de ..., ..., Vieira do Minho, quando o arguido regressava, com sua mãe do monte, com o seu rebanho, deparou com a vítima FF e o respectivo rebanho no caminho, sendo certo que, então, o bode desta atacou o do arguido e, de imediato, este e aquela iniciaram mais uma discussão.

3) No decurso dessa discussão e quando a FF se encontrava de costas para o arguido, este, com o pau de eucalipto de 1,40m de comprimento, descrito e examinado a fls. 11, que trazia consigo, desferiu voluntariamente com ele uma paulada na cabeça daquela, determinando, de imediato, a prostração dela no solo, causando-lhe as lesões descritas e examinadas no auto de autópsia de fls. 24, nomeadamente fractura da base do crâneo no seu andar médio de rochedo a rochedo, que, como consequência necessária e directa, lhe causaram a morte.

4) Ao desferir a paulada na cabeça da vítima, utilizando um instrumento adequado produziu lesões letais, numa zona - a cabeça - em órgãos essenciais à vida e pela forma violenta como usou aquele instrumento, o arguido representou a morte daquela como consequência necessária da sua acção.

5) De seguida, vendo a vítima prostrada no chão, o arguido fugiu do local só vindo a ser detido pela G.N.R. no dia seguinte (16/8) pelas 8 horas, junto da sua residência.

5) (sic) O arguido confessou ter dado a paulada na vítima mas só depois dela o ter ameaçado com uma vara que detinha e diz que não a queria matar; tem bom comportamento antes e depois dos factos; é pobre e de modesta condição social e situação económica.

6) A vítima nasceu em …, tendo à data dos factos 75 anos, sendo magra e fraquinha.

7) Era uma pessoa educada, com alegria de viver e apego à vida; sofreu dores, apesar de ter tido um estado de inconsciência imediato, seguido, pouco depois da morte; o assistente era irmão da vítima e vivia em casa perto da daquela, com um palheiro de permeio, convivendo com ela de vez em quando, tendo padecido com a morte daquela; em roupas pretas para luto teve de dispender 25.000$00.

8) A vítima foi transportada para o Hospital de S. Marcos, em Braga, tendo dispendido este em cuidados de saúde prestados à vítima por causa das lesões sofridas, no montante de 3.800$00, em dívida desde 27/11/91

9) O Centro Nacional de Pensões custeou o funeral da vítima que era o beneficiário nº 029 244 576 – no montante de 60.150$00

Factos não Provados

Não se provou que o arguido tivesse o propósito directo de matar a vítima ou que apenas representasse tal resultado como consequência possível da sua acção, conformando-se com tal resultado.

E quanto a fundamentação da decisão sobre a fixação da matéria de facto provada consta o seguinte:

«O Tribunal formou a sua convicção com base na confissão, embora parcial, do arguido, em depoimentos das testemunhas ouvidas e que prestaram declarações; exames de autópsia; do pau; documentos de fls. 85 (dívida hospitalar) e fls. 88 e 89 (despesa funeral)».         


Apreciando.

Questão I – Do fundamento de revisão previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal - Novo meio de prova

Como nota introdutória, dir-se-á que a presente pretensão recursiva reporta-se a condenação transitada em julgado, alegadamente injusta, por factos ocorridos no ano II da última década do século passado, mais precisamente em 15 de Agosto de 1991, procurando o ora requerente impugnar acórdão condenatório datado de 15-01-1992 e transitado em julgado em 27 seguinte.

Para melhor enquadramento da específica situação presente, ter-se á em conta que o arguido foi preso no dia seguinte ao dos factos, em 16 de Agosto de 1991, nessa situação se mantendo até 21 de Junho de 1994, data em que, encontrando-se em cumprimento de pena, se evadiu do Estabelecimento Prisional de Braga, tendo sido recapturado mais de quinze anos após, em 29 de Julho de 2009 – cfr. fls. 470 verso - mantendo-se ao longo desse período escondido em monte e grutas de Vieira do Minho com o conhecimento e ajuda de populares.  


O requerente vem apresentar uma nova testemunha, de seu nome, CC, jamais apresentada por si (não consta do rol apresentado pelo arguido a fls. 52), ou mesmo ouvida no processo, sem contudo, minimamente, justificar, a razão porque só volvidos estes anos, cerca de vinte, a apresenta.
Há que realçar que a justificação do atraso de apresentação da novidade só poderia em boa verdade acontecer entre 1991 e 1994, pois que no período de 1994 a 2009 o requerente esteve escondido nos montes de Vieira do Minho, e aí obviamente a questão não se coloca. O que não invalida outra hipótese desfocada da iniciativa do arguido, que era a da ora nova testemunha naquele primeiro período, ou mesmo depois, ter apresentado a quem de direito a sua versão em tempos muito mais recuados.      

Estabelece o artigo 453.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a propósito da produção de prova no caso de ter sido invocado o fundamento previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, que «O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor».
O normativo em causa “sucede” ao disposto no artigo 678.º do Código de Processo Penal de 1929, que se reportava ao fundamento da revisão previsto do n.º 4 do artigo 673.º, o qual dizia:
“Uma sentença com trânsito em julgado só poderá ser revista:
(…)
4.º. Se, no caso de condenação, se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os factos ou provas apreciados no processo, constituam graves presunções da inocência do acusado”.
O referido artigo 678.º, versando sobre “Produção de prova sobre os novos factos ou elementos de prova”, relativamente ao caso de o fundamento da revisão ser o do n.º 4 do artigo 673.º, dispunha no § 1.º que “O requerente só poderá indicar novas testemunhas quando justifique que ignorava a sua existência ao tempo da decisão, ou que estiveram impossibilitadas de depor, e não poderá exceder o número das que lhe era lícito apresentar na audiência de julgamento”.  
Dúvidas não há de que a ora apresentada testemunha jamais foi ouvida no processo, nem tão pouco arrolada.
 É de anotar a total, absoluta e completa ausência de justificação por parte do requerente da novidade do meio de prova agora trazido a juízo, como de resto, com acuidade, realçam os representantes do Ministério Público nas duas instâncias.
A introdução do novo elemento probatório é feita apenas do modo explicitado nos pontos 11 e 12 da motivação do recurso, cujo teor é o seguinte:      

«11. Do alarido publico que constitui, há alguns meses, a captura de um cidadão que viveu nas montanhas e grutas de Vieira do Minho, durante mais de uma década alimentado e escondido pelo povo, resultou o conhecimento da existência de uma nova testemunha que se pretende que seja considerada por Vossas Excelências Sábios Conselheiros,

12. é que as “coisas” não se passaram conforme resultam do Douto Acórdão ora em crise, o que CC, viu e ouviu, in loco, naquele fatídico dia 15 de Agosto de 1991, pelas 20.00 horas, a cerca de quarenta metros do episódio fáctico penalmente relevante foi:

a) Dois animais que integravam rebanhos diferentes envolveram-se em disputa,

b) arguido e vitima envolveram-se em discussão com termos muitos agressivos, e em tom exageradamente elevado, em consequência das diligencias do arguido por forma a separar o conflito dos referidos animais,

c) vitima e arguido transportavam, nas mãos, as tradicionais varas “de pastor”,

d) não transportavam qualquer outro objecto ou ferramenta agrícola,

e) as varas foram brandidas por diversas vezes em riste no calor da discussão,

f) a vitima acabou por agredir o arguido nos ombros por diversas vezes,

g) e quando o arguido, já em desespero, tocou, ao de leve, com a vara na frontal da vitima, dizendo-lhe “ Não me bata mais”,

h) a vitima tentando evitar o “golpe” desequilibrou-se, caiu e, desamparada embateu com a cabeça no solo.

i) No local encontravam-se três pessoas além da testemunha, arguido, sua mãe e a vítima, sendo falsa a existência ou visionamento ocorrido por qualquer outra pessoa.

Efectivamente, o requerente não explica a opção pela apresentação apenas neste momento do novo, novíssimo, elemento probatório, não bastando, obviamente, a referência ao recente alarido público.

O tribunal entendeu ainda assim ser de ouvir a indicada testemunha.

Vejamos se no caso concreto se justifica a invocação do fundamento de revisão previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.
 
Na exposição introdutória que se fará, seguir-se-á de muito perto o que se contém nos acórdãos de 02-04-2008, 14-05-2008, 03-09-2008, 10-12-2008, 11-02-2009, 01-07-2009, 17-09-2009, de 24-02-2010, de 10-03-2010 e de 19-05-2010, por nós relatados nos recursos de revisão n.º s 3182/07, 700/08, 1661/08, 3069/08, 3930/08, 319/04.1GBTMR-B.S1, 1566/03.9PALGS-A.S1, 90/08.8SJLSB-A.S1, 106/04.7TATNV.C1.S1 e 281/03.8GTCTB.S1.

Com o presente recurso pretende o recorrente se autorize a revisão do acórdão condenatório, transitado em julgado, proferido no processo principal.

Consiste a revisão num meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento.
Como se assinala no citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, trata-se de recurso com uma natureza específica, que no próprio plano da Lei Fundamental se autonomiza do genérico direito ao recurso garantido no processo penal pelo artigo 32.º, n.º 1.  
O direito à revisão de sentença encontra consagração constitucional no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, versando em concreto sobre «Aplicação da lei criminal», no domínio dos direitos, liberdades e garantias, exactamente inserido no Título II, subordinado à epígrafe “Direitos, liberdades e garantias”, e a partir da primeira revisão constitucional - Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro -, no Capítulo I, sob a epígrafe “Direitos, liberdades e garantias pessoais”.
Trata-se de preceito que contém o essencial do “regime constitucional” da lei criminal. 
Releva para o nosso caso, o n.º 6 deste preceito, que reconhecendo e garantindo o direito a revisão, estabelece: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.
Este n.º 6, acrescentado ao artigo 29.º pela Lei Constitucional n.º 1/82, mais não é do que a reprodução do n.º 2 do primitivo artigo 21.º da Constituição da República, inserto então em norma que versava sobre “Responsabilidade civil do Estado”, procurando responder a reparação de caso de erro judiciário, fora do plano da prisão preventiva ilegal ou injustificada, e constante já do artigo 2403.º do Código Civil de 1867 e do artigo 690.º do Código de Processo Penal de 1929, no que respeita ao plano específico da “indemnização ao réu absolvido” (a revisão era então versada nos artigos 673.º a 700.º).
O aludido n.º 6 reconhece e garante: (a) o direito à revisão de sentença; e b) o direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no caso de condenações injustas.
Como se pode ler em Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, pág. 498, «É um caso tradicional de responsabilidade do Estado pelo facto da função jurisdicional o ressarcimento dos danos por condenações injustas provadas em revisão de sentença».

Através do mecanismo processual da revisão de sentença, procura-se alcançar a justiça da decisão: “Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e, através dela, a justiça, o legislador tem que escolher. O grau em que sobrepõe um ao outro é questão de política criminal. Variam as soluções nas diferentes legislações. Mas o que pode afirmar-se resolutamente é que em nenhuma se adoptou o dogma absoluto do caso julgado frente à injustiça patente, nem a revisão incondicional de qualquer decisão transitada. Se aceitamos pois, como postulado, que a possibilidade de rever as sentenças penais deve limitar-se, a questão que doutrinalmente se nos coloca é onde colocar o limite” – Emílio Gomez Orbaneja e Vicente Herce Quemada, Derecho Procesal Penal, 10.ª Edição, Madrid, 1984, pág. 317 (a autoria do capítulo respeitante aos recursos é do 1.º Autor).

Mais do que meros interesses individuais, são ponderosas razões de interesse público que ditam a existência desta última garantia, cuja teleologia se reconduz em fazer prevalecer a justiça (material, real ou extraprocessual), sobre a segurança jurídica – José Maria Rifá Soler e José Francisco Valls Gombau, Derecho Procesal Penal, Madrid, Iurgium Editores, pág. 310.

Admitindo que a sentença judicial não tem o alcance de modificar a realidade do direito substantivo, transformando por misericordiosa ficção o injusto em justo, deverá tirar-se a consequência de que nenhuma decisão judicial seria definitiva e irrevogável.
Contra esta consequência se move, porém, a necessidade de segurança jurídica que, em largo limite, assim é chamada a restringir a justiça – Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, Lisboa, 1958, pág. 36; de modo concordante, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.ª Edição, 1974 – Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, págs. 42 a 45.

A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra (a justiça formal, traduzida em sentença transitada em julgado), devem ceder perante a verdade material; por esta razão, trata-se de um recurso marcadamente excepcional e com fundamentos taxativos – Vicente Gimeno Sendra, Derecho Procesal Penal, Editorial Colex, 1.ª Edição, 2004, pág. 769.

Conforme escreveu Eduardo Correia (A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1983, pág. 302) “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto” (em registo semelhante ver, do mesmo Autor, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, pág. 7).

Figueiredo Dias (loc. cit., pág. 44) afirma que a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, “o que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania”.

Nas palavras de Luís Osório de Oliveira Batista, no Comentário ao Código de Processo Penal Português, Coimbra Editora, 1934, 6.º volume, págs. 402-403: “O princípio da res judicata pro veritate habetur é um princípio de utilidade e não de justiça e assim não pode impedir a revisão da sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos de alcançar. (…) A revisão tem a natureza de um recurso. (…) A revisão é um exame do caso quando surgem novos e importantes elementos de facto. Pode assim dizer-se que se não trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos”.

Para Simas Santos/Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 2.ª edição, pág. 129, o legislador, “com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”, consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respectiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no art. 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Segundo os mesmos Autores, in Código de Processo Penal Anotado, II volume, págs. 1042/3, “O recurso extraordinário de revisão apresenta-se como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”.

Nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-04-2005, processo n.º 135/05-3.ª, publicado in CJSTJ, 2005, tomo 2, pág. 179, o recurso extraordinário de revisão consagrado no artigo 449.º e seguintes do CPP apresenta-se como uma válvula de segurança do sistema, modo de reparar o erro judiciário cometido, sempre que, numa reponderação do decidido, possa ser posta em causa, através da consideração de factos-índice, taxativamente enumerados naquele normativo, seriamente a justiça da decisão ou do despacho que ponha termo ao processo.

A presente pretensão recursiva é de ter-se como alicerçada nas alíneas a) e d) – aquela de modo implícito, esta de forma expressa - do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.

Nos termos do referido artigo 449.º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto:
“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, introduziu três novas alíneas ao n.º 1 do referido artigo 449.º, com a redacção seguinte:
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça”.
(O preceito em causa tem-se mantido inalterado nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro e pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto).


O recorrente invoca, como fundamento da pretendida revisão, a alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, sustentando a necessidade de audição de uma testemunha só agora arrolada e que terá assistido aos factos.

Cumpre aferir se o caso presente integra o fundamento de revisão de sentença assinalado, indagando se estamos perante novo meio de prova e se o mesmo concita o surgimento de graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando “se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.
O fundamento de revisão previsto na citada alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do mesmo preceito).
Segundo Cavaleiro de Ferreira (Revisão Penal, Scientia Iuridica, Tomo XIV, n.ºs 75/76, pág. 522, citado por Simas Santos / Leal-Henriques, ob. cit., pág. 137 e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-01-2007, processo n.º 2042/06 - 5.ª): “Factos são os factos probandos; elementos de prova, as provas relativas a factos probandos.
Factos probandos em processo penal são ainda de duas espécies, para esquematicamente os compreender. Em primeiro lugar, os factos constitutivos do próprio crime, os seus elementos essenciais; em segundo lugar, os factos, dos quais, uma vez provados, se infere a existência ou inexistência de elementos essenciais do crime. (…) Quer dizer, por factos há que entender todos os factos que devem ou deveriam constituir “tema” da prova.
Elementos de prova, são as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos, quer dos que constituem o próprio crime, quer dos que são indiciantes de existência ou inexistência do crime ou seus elementos”.
Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2007, processo n.º 2431/07 - 3.ª (com argumentário repetido no acórdão de 11-02-2009, no processo n.º 4215/04, do mesmo relator) “o fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP reporta-se exclusivamente à factualidade do crime, ou seja, às circunstâncias históricas, ao episódio ou evento, circunscrito no tempo e no espaço, que foi considerado na sentença condenatória como integrante de uma determinada infracção. A lei admite a revisão se a descoberta de novos factos ou novos meios de prova (de factos) vier a alterar ou pôr em crise a matéria de facto fixada na sentença condenatória, modificando-a ou invalidando-a, de tal forma que fique seriamente em dúvida a justiça da condenação, isto é, que resulte muito provável, dos novos factos ou meios de prova, que o condenado não cometeu a infracção, devendo assim ser absolvido. (...) É o chamado «erro judiciário», a incompleta ou incorrecta averiguação da verdade material, que determinou a subsunção dos factos a um certo tipo legal, e consequentemente a condenação, que o legislador pretende remediar com a aludida al. d). Só um erro deste tipo pode caracterizar como injusta a decisão condenatória. A injustiça, no contexto daquela alínea, está efectivamente conexa com a descoberta de um erro na fixação dos factos que levaram à condenação”.

Quanto ao primeiro dos indicados pressupostos do fundamento de revisão previsto na alínea d), não é pacífico o entendimento quanto à questão de saber se a “novidade” do facto ou do meio de prova deve reportar-se ao julgador, ou ao apresentante da fonte de prova.
Na doutrina, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, reimpressão 2004, volume I, pág. 99, a propósito da função integrante de lacuna do direito processual penal por norma de processo civil, refere que, colocando-se o problema de saber para quem devem ser novos os factos que fundamentam a revisão: se para quem os apresenta, que era a solução processual civil (artigo 771.º, n.º 1, alínea c), do CPC), conferindo-lhe então função integrante, ou se apenas para o processo, que era a tomada de posição acolhida por jurisprudência pacífica, é esta a solução aceitável, e já defendida, à luz do artigo 673.º do Código de Processo Penal de 1929, por Eduardo Correia, in separata da RDES, 6/381.
No mesmo sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, volume III, pág. 388.
Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 16.ª edição, 2007, Almedina, pág. 982 (e 17.ª, de 2009, pág. 1062), reeditando posição da 4.ª edição de Janeiro de 1980, pág. 717, em anotação ao artigo 673.º do CPP de 1929, esclarece que deve “entender-se que os factos ou meios de prova devem ser novos, no sentido de não terem sido apresentados e apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar”.
Em sentido diverso, Paulo Pinto de Albuquerque no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, em anotação ao artigo 449.°, nota 12, pág. 1212, expende: “factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste, não bastando que os factos sejam desconhecidos do tribunal, só esta interpretação fazendo jus à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado”.
No domínio do anterior CPP, Luís Osório, Comentário ao Código de Processo Penal, 1934, volume VI, pág. 416, ao comentar o artigo 673.º, entendia que os factos ou os elementos de prova deviam ser novos, isto é, não deviam ser conhecidos de quem os devia apresentar na data em que a apresentação devia ter lugar. E num outro registo: “Os factos devem ter sido desconhecidos do requerente da revisão ao tempo em que foi proferida a sentença a rever não bastando que sejam desconhecidos do Tribunal”.
A esse tempo, a disposição do já citado § 1.º do artigo 678.º “O requerente só poderá indicar novas testemunhas quando justifique que ignorava a sua existência ao tempo da decisão, ou que estiveram impossibilitadas de depor…” era invocada para fundamentar justamente a corrente que defendia que os factos ou elementos de prova deviam ser novos no sentido de desconhecidos por quem os devia apresentar no julgamento.   

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal, na controvérsia presente, foi durante muito tempo largamente maioritário o entendimento de que a “novidade” dos factos deve existir para o julgador, ainda que o recorrente os conhecesse já, podendo ver-se, i. a., os acórdãos de 2-11-1966, BMJ n.º 101, pág. 491; de 20-03-1968, BMJ n.º 175, pág. 220; de 15-11-1989, AJ, n.º 3; de 09-07-1997, BMJ n.º 469, pág. 334; de 24-11-1999, processo n.º 911/99 - 3.ª; de 16-02-2000, processo n.º 713/99 - 3.ª; de 15-03-2000, processo n.º 92/00 - 3.ª; de 06-07-2000, processo n.º 99/00 - 5.ª; de 25-10-2000, processo n.º 2537/00 - 3.ª; de 05-04-2001, CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 173; de 10-01-2002, processo n.º 4005/01 - 5.ª, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 163; de 20-06-2002, processo n.º 1261/02; de 04-12-2002, processo n.º 2694/02 - 3.ª; de 28-05-2003, processo n.º 872/03 – 3.ª, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 202; de 04-06-2003, processo n.º 1503/03 – 3.ª, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 208; de 06-11-2003, processo n.º 3368/03 - 5.ª e, do mesmo relator, de 20-11-2003, processo n.º 3468/03 – 5.ª, ambos in CJSTJ 2003, tomo 3, págs. 229 e 233; de 01-07-2004, processo n.º 2038/04 - 5.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 242; de 25-11-2004, processo n.º 3192/04 - 5.ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 232; de 03-02-2005, processo n.º 4309/04 – 5.ª, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 191; de 09-02-2005, processo n.º 4003/04 - 3.ª; de 03-03-2005, processo n.º 764/05 – 3.ª; de 20-04-2005, processo n.º 135/05 – 3.ª, CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 179; de 20-06-2007, processo n.º 1575/07 - 3.ª; de 21-06-2007, processo n.º 1767/07 – 5.ª; de 05-12-2007, processo n.º 3397/07 - 3.ª; de 14-05-2008, processo n.º 1417/08 – 3.ª; de 25-06-2008, processo n.° 2031/08 - 3.ª e processo n.º 441/08 - 5.ª.
Mais recentemente, no acórdão de 21-10-2009, processo n.º 12124/04.0TDLSB-A.S1-5.ª, afirma-se que para efeitos do art. 449.º, n.º 1, al. d) do CPP, factos ou meios de prova novos são aqueles que não foram trazidos ao julgamento anterior e no de 26-11-2009, processo n.º 13154/94.4TBVNG-B.S1-5.ª, refere-se «Este Supremo Tribunal entende por “factos novos”, ou “novos meios de prova”, aqueles que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação, por serem desconhecidos da jurisdição no acto do julgamento e que possam ter reflexos na culpabilidade do condenado – cf. Ac. de 24-09-2003, Proc. n.º 2413/03».
No acórdão de 12-11-2009, processo n.º 851/99.7JGLSB-E.S1-3.ª, afirma-se que “Quanto à novidade dos factos e/ou elementos de prova, tem o STJ entendido, de forma pacífica, que os factos ou meios devem ter-se por novos quando não tenham sido apresentados no processo, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que foi julgado”.
Da mesma data, o acórdão lavrado no processo n.º 228/07.2GAACB-A.S1, com orientação seguida no acórdão de 17-12-2009, processo n.º 330/04.2JAPTM-B.S1, bem como no acórdão de 07-01-2010, processo n.º 837/03.9TABCL-A.S1, todos da 5.ª Secção e do mesmo relator, onde se defende que mais recentemente e praticamente sem discrepância, para a corrente largamente maioritária neste Supremo, não é necessário o desconhecimento por parte do recorrente, bastando que os factos ou meios de prova não tenham sido tidos em conta no julgamento que levara à condenação, para serem considerados novos.
Defendendo que esta orientação deve ser perfilhada, mas com uma limitação, que expressa nos seguintes termos: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação. O recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal.
    
No sentido de que os factos novos não abrangem aqueles que o recorrente já podia conhecer e de que tinha, ou devia ter, plena noção da sua relevância jurídica, incluindo apenas os que advieram ao conhecimento do apresentante em data posterior, pronunciou-se o acórdão de 14-06-2006, processo n.º 764/06 – 3.ª, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 217 (invocando acórdãos de 16-03-1999 e de 11-03-1993, este no processo n.º 43772), nos seguintes termos: “No fundo, mesmo um arguido, não pode ter o direito de beneficiar duma situação extremamente violenta sob o ponto de vista jurídico que é o ataque ao caso julgado, com fundamentos por si criados com dolo ou grave negligência ... a revisão de sentença não é um trunfo que os intervenientes processuais possam guardar do momento da discussão da decisão revidenda para ulterior fase em que pedem a revisão se tal não lhes agradar. O que não significa que não possam ser atendidos factos que já conhecesse, mas desde que conhecendo-os, desconhecesse a sua relevância para o julgamento ou, por outro motivo atendível, tê-los desprezado quando eram importantes ou, ainda ter estado impossibilitado de os apresentar”.

Nesta linha, que tem vindo a ganhar adesões, podem ver-se os acórdãos de:   

25-10-2007, processo n.º 3875/07-5.ª – Apurando-se que ao tempo da condenação o recorrente sabia bem quem eram as testemunhas que agora indica e que tinham presenciado os factos, só não as tendo chamado a depor porque assim o entendeu, não constituem as mesmas «novos meios de prova» para o recurso de revisão, pois o art. 453.º, n.º 2, do CPP, proíbe expressamente esta situação. A razão de ser desta norma reside na excepcionalidade do recurso de revisão, pois as provas devem ser examinadas no local próprio, isto é, na audiência da 1.ª instância. O recurso de revisão não é uma segunda oportunidade de defesa para o arguido, mas uma defesa absolutamente excepcional, para casos residuais não previstos na normalidade das situações;
09-04-2008, no processo n.º 675/08, de 17-04-2008, processo n.º 4840/07 e de 10-09-2008, processo n.º 1617/08, todos desta secção, e do mesmo relator, onde se defende que é condição de procedência do recurso a novidade dos factos ou meios de prova, o que implica que eles fossem ignorados pelo arguido ou não pudessem ser apresentados ao tempo do julgamento; o recurso é inadmissível quando os factos novos alegados sejam já do conhecimento do requerente ao tempo do julgamento; “os factos têm de ser novos também para ele”;
10-09-2008, processo n.º 2154/08 – 3.ª, donde se extrai “A novidade de factos que, concatenada com os demais elementos dos autos, fazem suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, nos termos do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, há-de respeitar tanto a factos anteriores à condenação que o arguido desconhecia e não pôde apresentar como aos posteriores a esta, sob pena de se tornar o recurso em novo julgamento, beneficiando a inércia do arguido, que podia apresentar e requerer a sua ponderação, nos termos do art. 340.º, n.º 2, do CPP, não se podendo consentir, contrariando a ratio do recurso, que aquela inacção sirva para fundar um meio extraordinário de defesa. O recurso não se adequa a corrigir erros decisórios, de que se teve conhecimento e para o que basta o uso dos recursos normais”;
25-09-2008, processo n.º 1149/08 – 5.ª, onde se lê que a lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa;
20-11-2008, processo n.º 3543/08 – 5.ª, aí se referindo que os factos novos, para efeitos de revisão, têm de ser novos também para o requerente; novos, porque os ignorava de todo, ou porque estava impossibilitado de fazer prova sobre eles, sendo a interpretação a fazer a partir do n.º 2 do artigo 453.º, sendo a que se harmoniza com o carácter excepcional do recurso de revisão, que não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa ou estratégias de defesa incompatíveis de defesa incompatíveis com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais. E conclui: Se o arguido se “esquece” de apresentar certos meios de prova em julgamento ou os negligencia, ou se por qualquer outra razão opta por ocultá-los, no prosseguimento de uma certa estratégia de defesa, escamoteando-os ao tribunal, caso venha a sofrer uma condenação, não deve obviamente ser compensado com o “prémio” de um recurso excepcional, que se destinaria afinal a suprir deficiências, voluntárias ou involuntárias, da sua defesa em julgamento, sendo de ter por inadmissível o recurso de revisão interposto ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art. 449º do CPP quando os factos novos alegados sejam já do conhecimento do requerente ao tempo do julgamento;

   20-11-2008, processo n.º 1311/08 – 5.ª, aí se referindo que “Atento o carácter excepcional do recurso de revisão, ao seu requerente só é permitido indicar testemunhas “novas”, isto é, que não tenham sido já ouvidas no processo, se demonstrar que a sua própria existência era por si ignorada no momento em que foi realizada a audiência ou, se conhecendo embora já nessa altura a relevância da sua intervenção, esse novo “depoente” não tenha podido efectivamente depor.

E os factos “novos”, para efeitos de revisão, têm de ser “novos” também, verdadeiramente, para os seus peticionantes: ou porque os ignoravam de todo ou porque, conhecendo-os embora, tenham estado efectivamente impossibilitados de fazer prova dos mesmos”;
18-12-2008, processo n.º 2880/08 – 5.ª, onde se conclui: Atento o carácter excepcional do recurso de revisão, ao seu requerente só é permitido indicar novos meios de prova, isto é, que não tenham sido já exercitados no processo, se demonstrar que a sua própria existência era por si ignorada no momento em que teve lugar a audiência, ou se, conhecendo embora já nessa altura a declarada relevância de tal contributo, esse novo meio de prova não tenha podido ser produzido, por razões então incontornáveis, estranhas à sua vontade;
29-04-2009, processo n.º 372/99.8TASNT – 3.ª, onde se pode ler: Em sede de recurso de revisão, novos factos são aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo arguido ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam ser apresentados antes do julgamento e neste apreciados. A “novidade” dos factos deve existir não só para o julgador como para o próprio recorrente, pois consubstanciaria uma afronta a princípios fundamentais, como sejam o da verdade material e o da lealdade processual, admitir que o requerente da revisão apresentasse, de acordo com um juízo de oportunidade, como novos, factos de cuja existência tinha inteiro conhecimento no momento do julgamento.
Vejam-se ainda os acórdãos de 18-02-2009, processo n.º 109/09-3.ª; de 12.03.2009, processo n.º 316/09-5.ª; de 25-03-2009, processo n.º 470/04.8GAPVL-A. S1 – 5.ª (desde que justifique a ignorância ou a impossibilidade); de 23-04-2009, processo n.º 280/04.2GFVFX-C.S1-5.ª; e de 29-04-2009, processo n.º 15189/02.6TDLSB.S1 – 3.ª; de 01-10-2009, processo n.º 275/06.3GBAND-A.S1-3.ª; de 28-10-2009, processo n.º 109/94.8TBEPS-A.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 1571/01.0GFSNT-A.S1-3.ª (uma das situações tipo previstas na lei é a da posterior descoberta de novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação); de 05-11-2009, processo n.º 775/06.3JFLSB-E.S1-5.ª, onde se afirma que “Factos ou meios de prova novos são aqueles que não foram trazidos ao julgamento anterior; porém, não são quaisquer factos ou meios de prova novos que podem servir de fundamento ao recurso de revisão, mas apenas aqueles que, sendo novos, sejam susceptíveis de criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação”; de 25-11-2009, processo n.º 497/00.9TAPCV-B.S1 - 3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 3/03.3TAMGR-A.S1-3.ª (São novos apenas os factos e os meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão); de 17-12-2009, processo n.º 693/05.2TAFIG.-B.S1-3.ª; de 27-01-2010, processo n.º 543/08.8GBSSB-A.S1-3.ª, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 203 [A “novidade” dos factos deve existir para o julgador (novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo) e, ainda, para o próprio recorrente]; de 25-02-2010, processo n.º 1766/06.0JAPRT-A.S1-5.ª; de 11-03-2010, processo n.º 10/07.7GDLRA-B.S1-5.ª; de 17-03-2010, processo n.º 728/04.6SILSB-A.S1-3.ª (a novidade dos factos deve existir para o julgador e ainda, para o próprio recorrente); de 17-03-2010, processo n.º 706/04.5GNPRT-A.S1-3.ª, CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 224 (em caso em que o facto é novo para o recorrente Ministério Público); de 21-04-2010, processo n.º 65/00.5GFLLE-A.S1-3.ª; de 05-05-2010, processo n.º 407/99.4TBBGC-D.S1-3.ª; de 16-06-2010, processo n.º 837/08.2JAPRT-B.S1-3.ª; de 30-06-2010, processo n.º 169/07.3GAPLH-A.S1-3.ª; de 07-07-2010, processo n.º 479/05.4GCVNG-A.S1-5.ª; de 14-07-2010, processo n.º 129/02.0GDEVR-I.S1- 5.ª e n.º 487/03.0TASNT-F.S1-5.ª; de 06-10-2010, processo n.º 1106/02.7PBBRG-E.S1-3.ª.
Atente-se num caso de particular superveniência de factos novos no acórdão de 20-01-2010, processo n.º 1536/03.7TAGMR-A.S1-5.ª.
 
No que tange ao segundo pressuposto e sobre o que deverá entender-se por dúvidas graves sobre a justiça da condenação, dizia-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-03-2003, processo n.º 4407/02-5.ª, in CJSTJ 2003, tomo 1, pág. 231, que os novos factos ou meios de prova têm que suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, mas nesse caso, desde que suscitem possibilidade de absolvição e já não de mera correcção da medida concreta da sanção aplicada; tudo terá de decorrer sob a égide da alternativa condenação/absolvição, que afinal plasma e condensa o binómio condenação justa (a manter-se) condenação injusta (a rever-se).
Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2006, processo n.º 4541/06, a estabilidade do julgado sobrepõe-se à existência de uma mera dúvida sobre a justiça da condenação. Pode haver essa dúvida sem que se imponha a revisão. A dúvida sobre esse ponto pode, assim, coexistir, e coexistirá muitas vezes com o julgado, por imperativo de respeito daquele valor de certeza e estabilidade.
A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida.
Retomando argumentação constante do supra citado acórdão de 01-07-2004, processo n.º 2038/04 – 5.ª, in CJSTJ, tomo 2, pág. 242, refere-se no aludido acórdão que não será uma indiferenciada “nova prova” ou um inconsequente “facto novo” que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade resultante de uma decisão judicial transitada.
Os “novos factos” ou as “novas provas” deverão revelar-se tão seguros e (ou) relevantes – pela patente oportunidade e originalidade na invocação, pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas ou pelo significado inequívoco dos novos factos ou por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, o que reclama do requerente do pedido a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau do que aquela em que se fundamentou a decisão a rever - cfr. neste sentido, os acórdãos de 12-05-2005, processo n.° 1260/05 – 5.ª; de 23-11-2006, processo n.° 3147/06 – 5.ª; de 20-06-2007, processo n.º 1575/07 – 3.ª; de 26-03-2008, processo n.º 683/08 - 3.ª.
Consta do referido acórdão do STJ de 25-01-2007, processo n.º 2042/06 - 5.ª, que “essas dúvidas (...), porque graves têm de ser de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, que não a simples medida da pena imposta. As dúvidas têm de incidir sobre a condenação enquanto tal, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido”.
No dizer do citado acórdão de 09-04-2008, os novos factos ou meios de prova deverão provocar graves dúvidas (não apenas quaisquer dúvidas) sobre a justiça da condenação, o que significa que essas dúvidas devem ser de grau superior ao que é normalmente requerido para absolvição do arguido em julgamento - cfr. ainda a este propósito, os acórdãos de 08-05-2008, processo n.º 1004/08 – 5.ª; de 19-06-2008, processo n.º 207/08 – 5.ª; de 20-11-2008, processos n.ºs 3179/08 e 3543/08, ambos da 5.ª Secção; de 04-12-2008, processo n.º 3928/07 - 5ª; de 07-05-2009, processo n.º 690/02.0PASJM-A - 3ª; de 01-07-2009, processo n.º 319/04.1GBTMR-B.S1 3.ª; de 14-10-2009, processo n.º 176/09.6PCLRS.-D.S1-3.ª; de 21-10-2009, processo n.º 12124/04.0TDLSB-A.S1-5.ª; de 28-10-2009, processo n.º 40/03.8TELSB.C.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 497/00-9TAPCV-B.S1-3.ª; de 20-01-2010, processo n.º 1536/03.7TAGMR-A.S1-5.ª; de 03-03-2010, processo n.º 2576/05.7TAPTM-A.S1-3.ª; de 21-04-2010, processo n.º 17/00.5IDSTR-A.S1-5.ª.

 
Revertendo ao caso concreto.

Fundamenta o recorrente a pretendida revisão de sentença na valoração do depoimento da nova testemunha agora encontrada.
Do reconhecimento da valia desta nova versão, retirar-se-ia a modificação da matéria de facto provada e o consequente reconhecimento da falsidade de um depoimento, que terá substanciado a convicção subjacente à condenação.    
Lida a motivação do recurso facilmente se constata, por da mesma ressaltar de imediato, que, o objectivo imediato e final do recorrente é impugnar o que foi decidido ao nível da matéria de facto dada por provada, por a nova testemunha apresentar uma versão que contraria a que determinou a condenação (aqui partindo-se do pressuposto –erróneo – de que a convicção do Tribunal de Vieira do Minho se fundamentara exclusivamente num único depoimento).
Ora, acontece que o recorrente apresenta a testemunha, sem alegar qualquer motivo justificativo da tardia apresentação, uma situação de impossibilidade de a mesma ter podido depor nos autos ao tempo do julgamento.  

Não o tendo então feito, não poderia agora indicar como testemunha alguém que não foi oportunamente indicado nem ouvido no processo.

O arrolamento de novas testemunhas só poderá ocorrer se se justificar que era ignorada a sua existência ao tempo da decisão, ou que as mesmas estiveram impossibilitadas de depor, o que não aconteceu.

Mas mesmo assim, atento o específico condicionalismo presente e pressupondo que o requerente efectivamente não terá tido acesso “in illo tempore”, e em tempo útil, a este meio de prova, vejamos o que traz de novo a nova testemunha.

Ainda neste plano, porém, atente-se que a integração/conformação/substanciação do conceito de “novidade” é dada de algum modo pela nova testemunha, o que esta faz apenas após a recaptura do requerente, “surgindo em palco”, às “luzes da ribalta”, volvidos cerca de quinze anos após a evasão do condenado, que a testemunha sabia, desde o início, estar preso, e passados mais de dezoito anos sobre a data dos factos – que a dita presenciou (!) –, em que muita coisa, para além da viragem de século, aconteceu, como o termo do bipolar domínio global até então presente, até à introdução do euro em 01-01-2002, passando pelas inultrapassáveis afirmações do ego colectivo nacional, como o foram, sem dúvida, as realizações da “Expo 98” e do “Euro 2004”.  

Até então, à data da sua recaptura, em 29 de Julho de 2009, o requerente era uma figura “inexistente”, ou pelo menos, ignota do colectivo nacional, uma espécie de “aliens”, a demandar, na sua busca, localização, e tentativa de recaptura, a necessidade das diligências policiais, que justificam a densidade e espessura do 2.º volume!

A nova testemunha apresenta-se agora, e só agora, porque – esclarece - não entende de questões de direito, o que a impediu de uma anterior intervenção, e como despontando de um estado de hibernação e apenas agora acordasse, com o alarido da comunicação social e da própria leitura da revista Visão.    

E ei-la, na sua apresentação ao mundo em que se procura fazer justiça, ora pujante de convicção, a nova testemunha, a depor no sentido do traço de um quadro em que tendo estado presente e tendo presenciado a acção, emite juízo no sentido de que, em seu entendimento, os que discutiam abaixo da rampa podem não ter dado pela sua presença.

Com esta especificação de afastamento de cognição dos então presentes, da sua própria presença, substanciado estará o requisito de o requerente, àquele tempo, não ter conhecido o meio de prova ora apresentado. (Certamente, porque assim não se lhe apresentou! Por não saber de direito!).

 

Como é referido no acórdão de 25-11-2009, processo n.º 497/00-9TAPCV-B.S1-3.ª, estamos perante um recurso extraordinário, um “remédio” excepcional a aplicar nas situações em que a manutenção, com fundamento no caso julgado, de uma situação manifestamente injusta seria de tal forma chocante e intolerável para o sentimento de justiça da comunidade que a própria paz jurídica, que o caso julgado visa assegurar, ficaria posta em crise.

Assim sendo, evidente é que se imporá ao nível da apreciação da admissibilidade do presente recurso um grau de exigência compatível com o carácter especialíssimo, extraordinário, excepcional do meio processual usado.

Ora, no nosso caso, desde logo, há que dizer que a impugnação ora encetada, por um lado, assenta num depoimento de credibilidade, segurança e coerência interna no mínimo, duvidosa, e por outro, visa abalar, contrariar, desbaratar, infirmar, aniquilar um depoimento anterior, que supostamente (na lógica da sua tese) terá fundamentado a deliberação do Colectivo de 1992, mas que na realidade, mais não é do que a expressão de um manifesto erro de casting (o que é evidenciado, de forma quanto a nós incontornável, não só na textura e alinhamento da motivação, como na postura assumida aquando da produção de prova desta fase rescindente, antes se assumindo como a manifestação de um meio de defesa contra um depoimento que nunca existiu, assestando o recorrente as baterias da impugnação contra um alvo absolutamente virtual.

Por muito cirúrgico que fosse o meio de ataque utilizado, como é bom de ver, o alvo eleito sempre seria inatingível.

Procuraremos de seguida justificar este entendimento, atenta a análise do depoimento agora prestado, em concatenação directa com a motivação do recurso, que introduz o novo meio de prova.

Aquando da sua audição, a nova testemunha CC, começou por referir residir há uns anos na região do Porto, na Maia, mas reportando as suas raízes a Vieira do Minho, dizendo ter sido criada na freguesia de ..., onde frequentou a escola e casou, sendo conterrânea do condenado, de quem afirma ser um rapaz da sua infância, um pouco mais velho, um pouco… (fls. 66).              

Os contactos com a terra não foram esquecidos, apesar do casamento e da ida para o Porto.

Identifica-se como empresária sem esclarecer o ramo/actividade/segmento de mercado visado com a sua actividade profissional.

            Visitava os pais de semana a semana e ia passar férias com os mesmos em ..., o que aconteceu até três meses antes de os mesmos irem para um lar no Gerês.

Recorda-se de que, naquele dia 15 de Agosto, tinha ido de carro até ao local, deixando a dormir numa cestinha o filho mais novo, então com um aninho, muito embora mais adiante, a fls. 73, refira ter nascido em 1980, o que se deverá certamente a lapso, até porque refere (fls. 66, repetida a fls. 73), que o mesmo tem actualmente 20 anos.

Esclarece que estava no local no dia dos factos, porque a pedido dos pais tinha ido tapar uma presa, ou poça de água, ou levada, de que os mesmos se serviam na rega de terrenos seus e que ficava por cima da casa do condenado (fls. 66, 68, in fine e 70, in fine).

Foi no regresso da levada que deparou com uma zaragata entre uma senhora já de uma certa idade e o condenado, que discutiam por causa de animais.

A localização da testemunha CC, a distância a que assistiu aos factos não é ponto esclarecido, pois como consta da conclusão 12.ª, a testemunha viu e ouviu, in loco, naquele fatídico dia, o que descreve, “encontrando-se a cerca de quarenta metros do episódio fáctico penalmente relevante” e a fls. 73 a testemunha refere-se a 20 e poucos metros, dizendo a fls. 67 que estava por cima da rampa no caminho que sobe para a presa.

Na narrativa que faz, a testemunha varia a qualificação do evento a que assistiu, apelidando-o, ora como acidente, ora como incidente.

No local estavam a vítima, o condenado e a mãe deste. Apenas eles, afiança.

Coloca dúvidas quanto a algum dos presentes ter-se apercebido da sua presença e do seu visionamento da cena.  

Conhecia, certamente, a vítima, porque diz que “… ela por acaso era boa pessoa, mas era um bocadinho zaragateira, gostava de implicar com os miúdos e como andava sempre com o pau de pastora, qualquer coisa ameaçava com o pau” (fls. 67).

Afirmação esta que surge em contraponto com o dado por provado no ponto n.º 7 do acórdão, onde consta que a vítima era “pessoa educada”.

Mais à frente, a fls. 68, diz “… que eu saiba, a Sr.ª nunca foi deficiente, era uma Sr.ª normal”.

Como nota preliminar de apreciação, convenhamos desde já que para quem vive na Maia, a testemunha manifesta já aqui conhecimentos acrescidos sobre a personalidade e o temperamento de pastoras de ... (tenha-se em conta que visitava os pais aos fins de semana e nas férias, momentos não propriamente propícios a estudos de índole antropológica, psicológica ou sociológica dos que na freguesia minhota se dedicavam à pastorícia).

A seguir, já na descrição da acção, a fls. 67, após relatar que o condenado empurrou o animal da Sr.ª com o pau, diz ter visto a vítima a dar uma paulada no condenado, sem concretizar onde e de que modo, e que se apercebeu que “ele estava a fazer assim, deixe-me e com o pau dele, tentou dar-lhe”.

E de seguida diz: “A partir daí, senti ali a Sr.ª a ir pelo ar, não sei se, eu acho que, não sei, ao levantar ele o pau, que ela caiu, foi isso que vi.”. (Mais à frente, a fls. 68, o que é visto a ir pelo ar é a vara).

E perante o cenário de uma senhora, um bocadinho mais baixa que o Sr. AA, fraquinha e idosa a “ir pelo ar” e cair, ou desequilibrar-se e cair, o que faz a testemunha?   

Afirma: “ Eu segui o caminho…ouvi ela berrar”.

E após o Mandatário do condenado a interpelar, dizendo “ D. CC …ainda ouviu berrar”, a resposta é “Ouvi, depois dela cair”.

Mais à frente, a fls. 68, já no chão “continuou a berrar no chão, continuou a chamar nomes”.

Indagada da razão porque, “perante aquilo”, não foi ajudar a senhora, responde a testemunha, a fls. 69:

“É assim, primeiro não me pareceu um acidente, foi uma coisa muito momentânea, nada me fazia prever que fosse uma morte. Só soube no dia seguinte que aquilo deu em morte. Naquele momento, depois, eu também era muito tímida, quando ouvia uma zaragata, eu, ganhava fobias entrava em sensação de desmaio, também me causou um certo pânico e em seguida tinha o meu filho logo ali adiante à beira da casa deste Sr., que fica para aí a uma distância de alguns 80 metros, tinha o meu filho no carro, pequenino, que também estava preocupada”.

Na narrativa da testemunha segue-se a descrição de uma tentativa da vítima, mulher frágil, baixa, com 75 anos, atacar os órgãos genitais do condenado, que então contava 36 anos de idade, sendo de anotar uma preocupação em repisar e acentuar o tema.

Com efeito, segue-se a descrição de após ter dado uma paulada sobre o condenado, a vítima – ela era baixinha - ter tentado assacar os genitais do condenado, “depois tentou meter assim a mão, meter-lhe a mão por baixo”, explica.

Aqui o Mandatário, expressando alguma dúvida sobre o objectivo da acção, se a vítima tentou apanhá-lo pela genitália, a resposta da testemunha foi: “Sim, sim, quando tentou meter assim a mão”, e na sequência, diz “Primeiro deu-lhe a paulada, depois tentou-lhe meter-lhe a mão por baixo”.  

O tema é recorrente, porque volta a ser aflorado a fls. 70, quando após o Mandatário, pretendendo introduzir uma outra questão, dizendo “Aquele local, aquele local”, querendo referir-se, como se vê da sequência, ao local onde se passaram os factos, a testemunha de pronto responde “…agarrou os órgãos genitais, peço desculpa”.

Segue-se a tese do desequilíbrio da vítima e queda.     

A senhora desequilibrou-se e caiu, diz a testemunha a fls. 68. 

Sobre a causa do acontecido não tem dúvidas em opinar “quer dizer, foi uma birra dela, na minha perspectiva” - fls. 68.

No contexto da narrativa não pode deixar de anotar-se a exuberância da descrição e o despropósito da referência ao pormenor, quando, ao referir-se à pessoa da mãe do condenado, que ficou logo a prestar assistência à vítima, a testemunha refere que aquela trazia um “lacinho preto atado assim para trás, antes usava-se o lacinho para trás” - fls. 68.

 

O tamanho do pau não merece consenso, aqui divergindo igualmente a testemunha do que consta dos autos como facto provado (n.º 3).

Indagada acerca da questão de saber se o condenado trazia uma vara, a testemunha responde que “Era uma coisinha assim…”, e após indagação se era uma vara, responde que “Era uma pauzinho assim, para aí, para aí, no chão”, e após ter sido perguntada sobre se era uma vara com espessura ou uma varinha, responde “Para aí assim, um pauzinho” (fls. 68).

Terá sido assim com um pauzinho, uma coisinha, que o condenado terá afastado e empurrado o bode da vítima, como narrara a fls. 67.

A verdade é que de acordo com os factos provados e conforme auto de exame directo de fls. 11, o instrumento utilizado pelo condenado foi um pau de eucalipto com o comprimento de 1,40 metros.

Será de realçar que o depoimento da testemunha não convergiu com aquilo que era suposto dela esperar, pois que, certamente alicerçado em declarações da própria, o condenado avançara na motivação do recurso com discurso algo diferente, pois como consta do ponto n.º 12, “o que CC, viu e ouviu, in loco, (…) foi para além do mais:  

c) vitima e arguido transportavam, nas mãos, as tradicionais varas “de pastor”,

e) as varas foram brandidas por diversas vezes em riste no calor da discussão,

f) a vitima acabou por agredir o arguido nos ombros por diversas vezes”.

A visão redutora da nova testemunha, contra o esperado, converteu uma vara de pastor num simples e inócuo pauzinho.

Quanto ao último aspecto, anote-se que a testemunha, afinal, presenciou uma só paulada no condenado.

          

A testemunha assistiu aos factos que descreve, mas não fica a saber do resultado do desequilíbrio e queda da senhora, desconhecendo o que realmente tinha acontecido, se a senhora tinha falecido ou não.

A fls. 71, a pergunta sobre o dia seguinte afirma: “É assim morreu a Sr.ª, pensei que nada aconteceu mais, porque a Sr.ª caiu, morreu, não sabia que houve julgamento, que este Sr. veio para Tribunal, porque é assim, também não é muito o meu lema, andar a cuscar as pessoas da freguesia, só vim a saber mais tarde, quando…”.

A notícia da morte chega-lhe mais tarde - no dia seguinte - e por intermédio da sua  mãe - fls. 70 - e a explicação é “porque a minha mãe morava no extremo da freguesia e a mãe deste Sr. morava no outro extremo da freguesia”.

A testemunha não teve conhecimento do dia do julgamento - fls. 71 – Estava no Porto, esclarece.

Mas como ia aos fins-de-semana e pelas férias a casa dos pais, justifica o desconhecimento, porque não é cusca.

Soube que o AA foi preso (fls. 71), tendo-a informado sua mãe “por causa do acidente do incidente”, assim como soube pela mãe, mais tarde (porque não é cusca) que ele tinha sido condenado “pelo acidente, pelo incidente que aconteceu” (fls. 74).

A Mãe disse-lhe que o AA tinha sido preso, e à pergunta como reagiu na altura, disse ter ficado aborrecida, mas ninguém a chamou para testemunhar.

E à pergunta como terá sido desencantada a testemunha, responde que foi por causa do alarido na comunicação social e por ter visto na revista Visão, o que a fez chorar, de comoção e então ligou para o Presidente da Junta de ..., a dar conta de que podia falar.   

A colaboração da testemunha chega a assumir contornos de apport de índole técnica.

Ouçamo-la, a fls. 71, onde diz que “… não achei que fosse um crime, na minha óptica, não sou Juíza, nem Advogada, nem Delegada de Direito, mas não achei que fosse um crime com dolo, ao ponto de ele apanhar cadeia e fiquei muito constrangida com a situação, é isso que tenho que dizer”.

E disse-o!

Da parte do Exmo. Mandatário mereceu o comentário “Está muito bem!”.

Os minhotos residentes no Grande Porto conhecem o significado de crime cometido com dolo, há que concluir.

Mais tarde, sendo-lhe pedido para explicar a razão porque não tinha ido ao processo mais cedo debitar a sua informação, diz “Eu nem sabia mexer nestas situações” e repete “Se eu percebesse direito”, “Se eu percebesse de direito” - fls. 75.

A testemunha, que debita sobre presença ou ausência de dolo, desconhece que para se apresentar a testemunhar não é necessário saber direito.

O calcanhar de Aquiles do novo depoimento

O conhecimento da testemunha BB

À pergunta sobre se conhecia o dito, apresentado na respectiva formulação como alguém que teria estado presente, que teria visto o ocorrido - fls. 69 - a resposta é afirmativa, afirmando que era o irmão da vítima e tio de um cunhado seu, tratando-se de um barbeiro, que cortava a barba ao pai e ao avô - fls. 69. A pergunta do Ministério Público, a fls. 76, refere que “fazia a barba ao meu avô, todas as semanas”.

Estava normalmente na barbearia, mas muito longe do local do incidente, afirma.

O Mandatário pergunta se o BB não estava no local (fls. 69, in fine).

A resposta foi, a fls. 70, “Não estava, se estivesse, estava na barbearia. Era um homem que estava sempre na barbearia”.

Insiste o Mandatário “Mas ele diz que estava no local!” e a testemunha reafirma “Mas não estava”.     

É patente a insistência da testemunha a colocar o barbeiro na barbearia: “O barbeiro, o local dele era na barbearia, ele não saía de lá”; “Ele estava por sistema na barbearia”. (fls. 70, 76).


Como se dizia no acórdão do STJ, de 02-11-1960, in BMJ n.º 101, pág. 518, facto novo é coisa diferente de defesa nova, não podendo por isso fundamentar o pedido de revisão uma versão dos factos diferente da que, no julgamento, fora apresentada pelo réu.
A nova versão tende a excluir responsabilidade do condenado quando este no julgamento confessou parcialmente os factos, confessou ter dado a paulada, como resulta do ponto n.º 5 (o segundo) dos factos dados por provados.  
A versão agora apresentada não merece credibilidade e não coloca em dúvida e muito menos de forma intensa ou grave a justiça do decidido.

            Nesta conformidade, cumpre concluir que não se verifica, no caso presente, o fundamento de revisão de sentença previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.
E assim sendo, cumpre negar a pretendida revisão de sentença, com base neste fundamento.


Questão II - Fundamento da alínea a) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal – Falsidade de depoimento


Apesar de não resultar de forma clara e expressa do requerimento de interposição do presente recurso a invocação de qualquer outro fundamento para a pretendida revisão do acórdão condenatório proferido no processo principal, vem alegada a falsidade de um meio de prova produzido em julgamento e atendido na formação da convicção do julgador – concretamente o depoimento prestado pela testemunha BB.

Como decorre das conclusões 14.ª e 15.ª, a ora apresentada versão da nova testemunha, por um lado, altera os factos considerados provados, e por outro determina a falsidade do testemunho de BB, irmão da vítima, alegando ainda que o arguido resultou condenado com base em “factos” falsos, determinados pelo testemunho do irmão da vítima, em claro erro judiciário.

Cumpriria, pois, aferir da verificação dos pressupostos do fundamento previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 449.º.

O fundamento em causa é a falsidade de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão, tratando-se de fundamento semelhante ao do n.º 2 do artigo 673.º, do Código de Processo Penal de 1929, que foi fonte da aludida alínea.

Admite esta alínea a revisão de sentença transitada em julgado quando “uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão”.

De acordo com aquele preceito de 1929, “uma sentença com trânsito em julgado só poderá ser revista: “2.º - Se uma sentença passada em julgado considerar falsos quaisquer depoimentos, declarações de peritos ou documentos que possam ter determinado a decisão absolutória ou condenatória”.

Em anotação a este preceito, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, Almedina, 4.ª edição, 1980, pág. 715, esclarecia que bastava que os meios de prova falsos tivessem influenciado a decisão a rever e que se aplicava tanto no caso de a decisão a rever ter sido condenatória, como no de ter sido absolutória.

Para Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, pág. 361, os fundamentos das alíneas a) e b) são entendidos pro reo e pro societate e os das alíneas c) e d) exclusivamente pro reo, esclarecendo que no caso da alínea a) o fundamento da revisão é a existência de uma sentença transitada em julgado, quer tenha emanado de um tribunal penal, quer de um tribunal não penal, e neste caso, quer seja condenatória, quer seja absolutória, pois o que importa é que a sentença considere falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão a rever. Basta também que a causa da revisão, a falsidade do meio de prova tenha de algum modo contribuído para a decisão a rever, não sendo necessário que esses meios, só por si, tenham sido determinantes dessa decisão.

Para Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Rei dos Livros, 2000, 2º volume, pág. 1045, no que se refere à falsidade dos meios de prova, é relevante a sentença que tiver reconhecido a falsidade, independentemente de ser emanada de um tribunal penal ou de um tribunal não penal.

     Por outro lado, basta que estes elementos tenham contribuído para a decisão, não sendo necessário que eles tenham sido de per si só suficientes para motivar a decisão.

Paulo Pinto Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, a propósito da falsidade dos meios de prova, na anotação 4 ao artigo 449.º, pág. 1210, diz: “A falsidade não consiste apenas na fabricação de meios de prova documentais. Ela inclui também a manipulação de depoimentos de arguidos, suspeitos, assistentes, ofendidos, partes civis, testemunhas, peritos, consultores técnicos, intérpretes, mediante tortura, coacção, ofensas à integridade física ou moral, administração de substâncias químicas que perturbem a liberdade da vontade ou de decisão, hipnose, utilização de meios cruéis ou enganosos, perturbação, por qualquer meio, da capacidade [de] memória ou de avaliação, ameaças e promessas ilícitas, ou quaisquer outros meios de instrumentalização da vontade de quem presta depoimento. Esta é, aliás, a tradição do direito Português (artigo 673.º, n.º 2, do CPP de 1929)”.

    Adianta que a mesma “pode ser estabelecida em qualquer outra sentença transitada em julgado, seja ela proferida em processo criminal (é o caso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8.1.2003, in CJ, Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, XXVIII, 1, 155) ou noutro processo, e que também pode ser declarada no dispositivo da sentença nos termos do artigo 170º, n.º 1”. 

No citado acórdão de 08-01-2003 entendeu-se ser admissível a revisão com fundamento na alínea a) em desfavor de arguido absolvido, tratando-se também de revisão pro societate, aquela que visa condenação de réu absolvido, em virtude de erro, por sentença transitada em julgado.

Como referimos nos acórdãos de 07 de Julho e de 17 de Setembro de 2009, por nós relatados, nos processos n.º 60/02.0TAMBRA.S1 e n.º 1566/03.9PALGS.S1, “impõe-se que os meios de prova tenham sido considerados falsos por sentença passada em julgado, sendo indispensável a verificação da falsidade por sentença transitada em julgado, que a falsidade do meio de prova seja comprovada por esse meio.

Por outras palavras, a falsidade do meio de prova deve constar de decisão transitada em julgado.

Exige-se que uma outra sentença transitada em julgado tenha considerado falsos os meios de prova de que o colectivo lançou mão, tornando-se necessário que a falsidade tenha sido constatada, declarada, atestada, certificada, reconhecida, por forma consolidada, segura e definitiva, por uma outra sentença passada em julgado.

    Só a partir daí, sendo possível a análise e o confronto de duas decisões transitadas, é que cumpriria averiguar de que modo e em que medida a outra, posterior, sentença transitada em julgado seria susceptível de por em crise a convicção do tribunal no plano do assentamento da matéria de facto, havendo então nesse quadro de confrontar as duas realidades, maxime, os factos dados por provados na decisão revidenda, bem como a prova em que se baseou o tribunal”.

No nosso caso, não há nenhuma sentença que tenha tido por objecto ajuizar da veracidade ou falsidade do depoimento em causa, concluindo pela sua falsidade, pela singela razão de que nunca poderia haver decisão e processo por inexistir depoimento. 

A invocada falsidade do depoimento prestado pela testemunha em causa só poderá justificar-se em rotundo equívoco.
Vejamos porquê.

BB foi ouvido no inquérito, como testemunha, em 19-08-1991, identificando-se como casado, reformado, contando então 79 anos de idade, e esclarecendo ser irmão da vítima - auto de fls. 14.

Foi indicado como testemunha da acusação - fls. 27 verso.

A fls. 40/44, com fundamento em ser irmão da vítima, requereu a constituição como assistente e deduziu pedido cível de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Foi admitido a intervir nos autos como assistente por despacho de fls. 101.

É credor da indemnização arbitrada no acórdão.

Na motivação da decisão sobre a matéria de facto, consta que o Tribunal formou a sua convicção com base na confissão, embora parcial, do arguido, e “em depoimentos das testemunhas ouvidas e que prestaram declarações”.         

Não se encontrando especificadas as testemunhas ouvidas, passo seguinte será o de consultar a acta de audiência de julgamento.

Compulsada esta, resulta não constar da mesma o nome da testemunha BB como tendo sido ouvida.

A razão é simples, pois que o alegado autor de depoimento falso, afinal, não interveio no julgamento.

Como se alcança da acta de julgamento, a fls. 107, a testemunha BB não compareceu, não estava presente, tendo sido prescindido pelo Ministério Público.  

           

Assim, óbvio é, que nos depoimentos em que se fundou o Colectivo de Vieira do Minho não se conta o do assistente, que não foi assim pièce à conviction do Colectivo.   

O alegado autor de testemunho falso em nada contribuiu para a formação da convicção do Colectivo, para a condenação do ora requerente.

Nem tão pouco deu achega em sede de inquérito, pois que ouvido, em 19 de Agosto, quatro dias depois dos factos, a fls. 14, esclareceu “Que quanto aos factos participados nada sabe pois na altura em que os mesmos ocorreram o depoente não se encontrava no lugar onde vive, pois tinha ido à cidade de Guimarães”. E de seguida adianta: “Quer esclarecer que toda a gente do lugar onde vive está convencido de que o arguido atingiu a sua irmã com uma sachola e não com um pau”.


A versão ora apresentada pela testemunha CC é oferecida contra um suposto depoimento, procurando contrariar uma versão que nunca existiu e que teria sido produzida por pessoa já falecida.
Só partindo do pressuposto de que essa versão existia havia a necessidade de “afastar” a testemunha BB do local do “acidente/incidente” no sentido de descredibilizar o seu depoimento; por aí se justificará o afã e a insistência da nova testemunha em colocar o barbeiro na barbearia, sem de lá sair.
Mesmo num dia que é feriado nacional, de celebração em vários pontos do País de festas religiosas, celebrando Nossa Senhora da Assunção.
Para mais à hora do “acidente/incidente”, convenhamos que não será plausível que numa freguesia minhota, a um dia feriado, de base religiosa, o barbeiro esteja com o estabelecimento aberto, às 20 horas, esperando um hipotético, certamente atrasado e possivelmente incauto, cliente, para corte de cabelo ou de barba…   
Para mais ainda, quando o barbeiro contava 79 anos de idade e já era reformado…

Concluindo: não há qualquer indício para admitir que estejamos perante erro judiciário carecido de correcção, antes se devendo concluir que o recurso é de rejeitar por manifesta falta de fundamento.



Decisão

Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pelo condenado AA, denegando a pretendida revisão.

Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 456.º, 513.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, fixando-se a taxa de justiça, de acordo com os artigos 8.º, n.º 5 e 13.º, n.º 1 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pela Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27-08, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro e pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28-04) em quatro UC (unidades de conta).

 Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 10 de Março de 2011

Raul Borges (Relator)
Henriques Gaspar
Pereira Madeira