Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P797
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
FIXAÇÃO DO PERÍODO DE SUSPENSÃO
Nº do Documento: SJ20070321007973
Data do Acordão: 03/21/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I- Na suspensão da execução da pena, não estão em causa considerações de culpa, mas apenas de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
II- Perante um prognóstico favorável nos termos do artº 50º nº 1 do Código Penal, que faz concluir pela suspensão da execução da pena, são considerações de prevenção especial que determinam a socialização do arguido em liberdade, por assim se lograr alcançar a finalidade reeducativa e pedagógica, pela ameaça da pena, e ser adequada e suficiente às finalidades da punição.
III- Daí que se compreenda que o período de duração da suspensão da execução da pena de prisão, ao integrar o âmbito desta autêntica pena de substituição, e, circunscrever-se no desígnio global da política criminal do instituto em questão, não seja determinado, proporcionalmente, pela medida da pena de prisão aplicada.
IV- O critério de proporcionalidade entre a pena de prisão aplicada e o período temporal da suspensão da execução da pena, não tem qualquer fundamento legal, nem reclama qualquer discussão doutrinal.
V- A fixação do período de suspensão, temporal e. legalmente balizada por um mínimo e um máximo, decorre discricionariamente do poder-dever vinculado do tribunal, aquando da fundamentação da aplicação da suspensão da execução da pena, na modalidade que for considerada mais conveniente.
VI- O período da suspensão é o limite temporal considerado adequado para concretização - eficácia - da socialização em liberdade, de forma a que o condenado mostre à sociedade que se encontra redimido e respeitador dos valores jurídico-criminais, e, que não estava carente de socialização de forma a ser privado de liberdade, bastando a ameaça da pena aplicada, e legitimando na sua integração comunitária a validade da pena de substituição.
VII- O período de suspensão concretamente fixado pode ainda ser alargado em caso de falta de cumprimento das condições da suspensão, com o fundamento constante do artigo 55º do Código Penal e nos termos aludidos na sua alínea d), alargamento esse justificado com nova oportunidade de o condenado se afirmar através de uma conduta que factores ocasionais podem ter vindo perturbar ou desviar.*

*Sumário elaborado pelo relator
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
-

Nos autos de processo comum (tribunal colectivo) com o nº ……GAAGN da comarca de Arganil, o Ministério Público acusou os arguidos: AA, solteiro, desempregado, nascido a 23/02/1984, em Arganil, filho de A. G. C. e de M. I. da C. F. A. C., titular do B.I. n.º ……, e residente em Rua …, Lote …, …, Dtº, Arganil; e, BB, solteiro, desempregado, nascido a 18/03/1986, em Campo Grande, Lisboa, filho de C. dos S. M. C. e de M. A. M. C. M., titular do B.I. n.º ……, emitido em 18/03/1986 e residente em Priados, Arganil, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, alínea e), (por referencia ao disposto na alínea d), do artigo 202º), todos do Código Penal.
---

A ofendida, “ASSOCIAÇÃO DOS P. F. DO C. DE ARGANIL”, formulou pedido de indemnização civil contra os arguidos, a fls. 64, no montante total de € 1.839,88.
---

Realizado o julgamento, foi proferido acórdão que decidiu:

Na parte Criminal
– Condenar o arguido AA como co-autor material de um crime de furto qualificado, p.e p. pelo artº 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) (por referência ao disposto na al. d) do art. 202º), todos do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão ;
– Condenar o arguido BB, como co-autor material de um crime de furto qualificado, p.e p. pelo artº 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) (por referência ao disposto na al. d) do art. 202º), todos do Cód. Penal, na pena de 6 meses de prisão ;
– Suspender a execução da pena a ambos os arguidos, sendo ao arguido AA pelo período de 1 ano e 6 meses e quanto ao arguido BB, pelo período de 1 ano ;
– Condenar os arguidos nas custas, sem prejuízo do benefício do Apoio Judiciário de que beneficia o arguido AA ;
– Arbitrar a cada uma das Ilustres defensoras dos arguidos, o montante fixado sob o nº 3.1.1.1.1 da tabela anexa à portaria nº……, de 10 de Novº, sendo o montante global a adiantar pelo CGT e a imputar nos encargos relativos a cada um dos arguidos ( artº 514º do CPP )
- Ordenar o demais de lei, e ainda, após trânsito, extracção e remessa de certidão aos autos de P.C.Colectivo nº ……GBAGN, para efectivação de eventual cúmulo jurídico de penas ao arguido AA.
-

Na parte Cível
- Julgar parcialmente procedente, porque apenas parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido por “ASSOCIAÇÃO DOS P. F. – ARGANIL”, em consequência do que se condenam solidariamente os arguidos AA e BB a pagar àquela a quantia de € 1.547,08, do demais peticionado indo ambos expressamente absolvidos.
- Custas deste pedido pela demandante e arguidos, na proporção do respectivo vencimento/decaimento.
---

Inconformado, recorreu o Digno Magistrado do Ministério Público, concluindo na respectiva motivação de recurso:
1. A decisão recorrida fez uma correcta aplicação da lei, não merecendo qualquer juízo de censura, no que concerne à matéria de facto dada como provada e às medidas das penas aplicadas.
2. Não constam da sentença condenatória quaisquer factos que permitam excluir a suspensão da execução da pena em relação aos arguidos.
3. Contudo no que se refere ao período de suspensão de execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos, foi efectuada uma incorrecta aplicação do direito.
4. Na verdade, o período de suspensão de execução das penas nunca poderá ser inferior às penas de prisão aplicadas aos arguidos.
5. No caso concreto, em que aos arguidos foram aplicadas penas de prisão de 2 anos e 3 meses (AA) e 6 meses (BB), nunca a suspensão poderia ser fixada em 1 ano e 6 meses e em 1 ano,
6. Mas antes deveria ser pelos períodos de 3 anos e 2 anos e 6 meses, respectivamente.
7. Ao se decidir, como se decidiu, foi violado o disposto nos artigos 71º nº 1, 2 a), d) e e), e 50º, do Código Penal.
Termos em que, alterando-se a decisão condenatória, nos termos referidos, far-se-á justiça.
---

Inexistiu resposta à motivação do recurso.
---

Neste Supremo Tribunal, o Exmo Procurador-Geral Adjunto, na vista oportuna dos autos, pronunciou-se nos termos ali constantes.
---

Foi o processo a vistos dos Exmos Conselheiros Adjuntos, após o que o Exmo Conselheiro Presidente designou a audiência que veio a realizar-se na forma legal.
---
Cumpre apreciar e decidir:

A questão objecto do recurso, refere-se tão somente ao período de suspensão de execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos, que no entendimento do Digno recorrente nunca poderá ser inferior ás penas de prisão que lhe foram aplicadas
---

Consta da decisão recorrida:

“C – Fundamentação de facto
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
I – Na madrugada de 6 de Maio de 2005, a hora não concretamente apurada, os arguidos, dirigiram-se às instalações da “Associação dos P. F. do Concelho de ARGANIL”, localizada na Avenida ……, nesta vila de ARGANIL.
II - Mediante utilização de instrumento caracterizado como chave de fendas, e com aplicação de força física, lograram forçar a fechadura da porta principal por onde entraram nessas instalações, onde se apoderaram de cerca de € 60,00 em notas que se encontravam numa gaveta e o material informático melhor discriminado na relação constante de fls. 4, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no valor global de € 1.233,00.
III – Depois de abandonarem esses locais, os arguidos dividiram, entre si, o dinheiro e os demais produtos de que se apropriaram.
IV – Os arguidos actuaram, livre e conscientemente, de comum acordo e em conjugação de esforços, bem sabendo que lhes não era permitida a entrada nas instalações da Associação referenciada e que os produtos e o dinheiro daí retirados lhes não pertenciam. Todavia quiseram fazer esses bens coisas suas, dividindo-os entre ambos, apesar de saberem, também, que agiam sem o consentimento e contra a vontade do legítimo proprietário de tais bens e daquelas instalações.
V – Ambos os arguidos confessaram integralmente e sem reservas os factos e os ilícitos que lhes eram imputados, de cuja prática se mostraram arrependidos.
VI – O arguido AA já respondeu e foi condenado pela prática dos crimes de condução sem carta, furto qualificado e furto e burla informática, bem como e finalmente pelos crimes de furto qualificado e furto de uso, tendo sido condenado em penas de multa pelos dois primeiros, em pena de prisão suspensa na sua execução relativamente aos ilícitos referidos em terceiro lugar, e finalmente em pena de prisão pelo conjunto dos ilícitos referidos em quarto lugar, cuja execução lhe ficou igualmente suspensa na sua execução, sendo que a data desta última condenação foi em 26.09.2006, tendo transitado em julgado.
VII – Este arguido está presentemente empregado na Empresa-A”, auferindo vencimento mensal de € 526,00, com parte dos quais contribui para as despesas domésticas do agregado familiar que forma com os seus pais e com quem vive.
VIII – O arguido BB já respondeu e foi condenado pelos crimes de furto qualificado e furto de uso, em pena de prisão pelo conjunto dos mesmos, cuja execução lhe ficou suspensa na sua execução, sendo que a data desta última condenação foi em 26.09.2006, tendo transitado em julgado.
IX – Este arguido deixou recentemente de frequentar o curso de formação profissional em que estava inscrito, por ter expectativas de ainda este mês começar a trabalhar como carpinteiro da construção civil junto de um seu tio.
X – A substituição da porta danificada pelos arguidos, por parte da lesada e demandante civil, ascendeu ao montante de € 254,08 .
*
Factos não provados atinentes ao pedido civil :
- que devido à falta do equipamento informático, tivessem ocorrido prejuízos para a lesada/demandante civil de € 292,80 .
-

E refere a mesma decisão na fundamentação de direito na parte que ora está sub judicio:

“E- Concretização e escolha das penas
De acordo com o artº 40º do Código Penal, as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na comunidade.
Concretizando este princípio orientador, estabelece o artº 71º do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor do agente ou contra ele.
Assim, as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente, na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade; por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.
Tutela de bens jurídicos que, neste momento de aplicação de uma pena, se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da vigência da norma infringida.
Culpa, cuja função é proibir o excesso, limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações punitivas.
Prevenção especial de socialização que deve evitar o mais possível a quebra de inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade.
Assim:
Face ao crime cometido e ao modo como o foi, não podem deixar de ser consideradas bastante elevadas as exigências da prevenção geral ( é conhecido o alarme social e insegurança que os crimes de furto qualificado por “arrombamento” causam, como mais particularmente qualquer violação de um espaço/estabelecimento fechado).
As exigências da prevenção especial já se fazem sentir, dados os antecedentes criminais de ambos os arguidos, se bem que com maior peso quanto ao arguido AA.
Acresce até, em benefício do arguido BB, atenta a sua idade inferior a 21 anos à data dos factos, que o mesmo actuou ao que tudo indica devido a imaturidade e insensatez, sendo de esperar e desejar que o mesmo retome um trajecto de recuperação que o afaste da criminalidade, sendo expectável a sua reinserção social, entendemos ser de lhe aplicar uma atenuação especial da pena, em conformidade com o disposto nos artigos 1.º e 4.º, ambos, do DL 401/82, de 23/09..
Assim, e por força da aplicação do disposto nos artigos 73º e 74, n.º 1, al.s a). e b), Cód. Penal, reduz-se em um terço o limite máximo e ao mínimo legal o seu limite mínimo, da moldura penal do ilícito em causa.
Ponderando esses elementos, a aparente inconsciência fruto da sua juventude que determinou a actuação dos arguidos, o valor pouco significativo dos bens subtraídos, mas sem que se tivesse logrado verificar a sua recuperação, e bem assim o que milita particularmente a favor de ambos os arguidos, a confissão relevante e o arrependimento manifestado, mostra-se ajustado fixar as penas parcelares pela forma seguinte :
– arguido AA – 2 anos e 3 meses de prisão;
– arguido BB – 6 meses de prisão;
*
Por outro lado, é consabido que “no que se refere às penas de prisão de curta e de média duração, os seus inconvenientes superam de muito as vantagens que lhe podem ser assinaladas (...) pela forçosa des-socialização derivada do corte nas relações familiares e profissionais do condenado, do efeito de infâmia social que inevitavelmente se liga à permanência na prisão e ainda, na maioria dos casos, da inserção daquele na subcultura prisional, em si mesma criminógena” ( Direito penal 2, Parte Geral, 1988, págs. 110 e 111, - Lições do Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias ao 5º ano da Faculdade de Direito ).
Crê-se que também no caso concreto estas razões de política criminal têm plena validade, tanto mais que a suspensão das penas poderão funcionar quanto a ambos os arguidos como mecanismo dissuasor de futuras situações de criminalidade.
Assim, atendendo à personalidade dos arguidos, às condições das suas vidas, condutas posteriores ao facto punível após a intervenção policial do seu descobrimento e às circunstâncias deste, é de crer que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para os afastar da criminalidade e satisfazer as necessidades de prevenção e reprovação do crime, motivos pelos quais se tem por conveniente suspender a execução da pena de prisão, ao abrigo do art. 50º, nºs 1 e 5 do C.Penal, pelo período de 1 ano e 6 meses quanto ao arguido AA e de 1 ano quanto ao arguido BB.”
---

Apreciando:

A nossa lei criminal, estabelece no artigo 50º nº 1 do Código Penal , que o tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.- artº 50º nº1
O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que suspensão seja acompanhada do regime de prova.- nº 2 do artº 50º.
Pode haver assim uma suspensão da execução da pena de prisão, na forma simples, ou com imposição de deveres.
In casu, ocorreu ela na forma simples.
-
“Os pressupostos e a duração da suspensão da execução da pena constavam do artº 48º da versão originária do Código, o qual tivera por fontes, além do artº 88º do CP de 1886, os arts. 62º e 63º do Projecto de Parte Geral do Código Penal de 1963, discutidos nas 22ª e 23ª sessões da Comissão Revisora, em 10 e 17 de Maio de 1964 e a Base VIII da Proposta de Lei nº 9/X
Este artigo foi discutido nas 4ª, 6ª, 15ª e 41ª sessões da CRCP, em 14 de Fevereiro, 13 de Abril e 12 de Setembro de 1989 e em 22 de Outubro de 1990. (...) Trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos,”- MAIA GONÇALVES in Código Penal Português. Anotado e comentado, 15ª edição, 2002, p. 197, notas 1 e 2.
-
Pressuposto formal de aplicação deste instituto é que a pena seja de prisão em medida não superior a três anos
Pressuposto material de aplicação do mesmo instituto de suspensão de execução da pena é que “o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (...). A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes(...) – FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 518 e 519.
Há que considerar que, “na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto.”-FIGUEIREDO DIAS, ibidem
Como salienta este Ilustre Professor, - Ob. cit, § 519,”A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualuqer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime ZIPF, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência»” – V. também MIRANDA PEREIRA, “Ressocialização”, in Enc. Verbo da Soc. e do Est. V 1987, ANABELA RODRIGUES, A Posição Jurídica do Recluso...1982, 78 e ss, e ALMEIDA COSTA, BFDC 65, 1989, 19 e ss
Note-se que já antes da revisão do Código Penal efectuada pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15 de Março, a suspensão da execução da prisão não seria decretada se se opusessem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime”, o que significava que não estava em causa quaisquer considerações relativa à culpa “mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”- FIGUEIREDO DIAS, Ob. cit. § 520.
Com a actual redacção a lei alude à realização das finalidades da punição, de forma adequada e suficiente.
Houve um aperfeiçoamento de ordem legal de forma mais abrangente na dimensão das finalidade das penas, mormente da pena concretamente aplicada.
A suspensão da execução da pena não depende, obviamente, de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos legais. (FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, ,§ 515.)
Como se salientou no Ac. de 25 de Junho de 2003, deste Supremo Tribunal, in Col. Jur. Acs do STJ , ano XXI, tomo II, 2003, p. 221: Na suspensão da execução da pena (de prisão) não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições da sua vida, o seu comportamento e bem assim as circunstâncias de facto, que permitam ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.
-
É certo que a suspensão da execução da pena de prisão não poderá ser decretada se contrariar as necessidades de reprovação e prevenção do crime, ou, de lege lata não realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, uma vez que na dogmática do referido instituto, não estão em causa “quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.” (idem, ibidem)
Mas sendo ela decretada, é a socialização do arguido em liberdade, que logra alcançar a finalidade reeducativa e pedagógica, pela ameaça da pena.
A socialização entronca num critério de exigências de prevenção especial.
É essa prevenção especial que perante um prognóstico favorável nos termos do artº 50º nº 1 do Código Penal, determina a socialização em liberdade do condenado, por ser adequada e suficiente às finalidades da punição.
Como escreveu Eduardo Correia, in Direito Criminal II, Livraria Almedina, Coimbra, 1971, p. 397: “averiguado o facto e aplicada a pena, o agente tem sempre a clara consciência da censura que mereceu o facto e viverá sob a ameaça, agora concreta, e portanto mais viva da condenação. Por isso Cuche caracterizava a condenação condicional como um sucedâneo da ameaça penal da norma legal por uma ameaça pessoal do juiz.
Daí que, como diz Beleza dos Santos, o instituto se possa considerar uma verdadeira pena.”
-
O período da suspensão é o limite temporal reputado idóneo para concretização - eficácia - da socialização em liberdade, do condenado e, que assim se considera adequado para que a prevenção especial (positiva) atinja a sua finalidade .
Uma coisa são os pressupostos da aplicação do instituto de suspensão da execução da pena e, outra é a fixação, dentro dos parâmetros legais, do tempo considerado pertinente para que o condenado mostre à sociedade que se encontra redimido e respeitador dos valores jurídico-criminais, e, que não estava carente de socialização de forma a ser privado de liberdade, bastando a ameaça da pena aplicada e legitimando na sua integração comunitária a validade da pena de substituição.
Daí que se compreenda que o período de duração da suspensão da execução da pena de prisão, ao integrar o âmbito desta autêntica pena de substituição, e, circunscrever-se no desígnio global da política criminal do instituto em questão, não tem e, necessariamente não pode ter, correspondência vinculativa à medida da pena de prisão aplicada.
-
Note-se, aliás, que o critério de proporcionalidade entre a pena de prisão aplicada e o período temporal da suspensão da execução da pena, não tem qualquer fundamento legal, nem reclama qualquer discussão doutrinal.
Referindo-se ao Código Penal de 1886, escrevia Eduardo Correia, ibidem, p. 409: “O período de suspensão de condenação não pode ser superior a cinco anos, nem inferior a dois (§ 2º do art. 8º da Lei de 1893 e § 1º do artº 88º do Código Penal). É o sistema belga. No sistema francês triunfou a ideia de um período fixo de cinco anos.”
Por sua vez, na 22ª sessão de discussão na Comissão Revisora do Projecto da Parte Geral do Código Penal de 1963, a propósito do artº 63º, o Conselheiro Osório, “fez notar que a generalidade das legislações fixa o prazo de suspensão entre 2 e 5 anos.”
Porém o Autor do Projecto esclareceu que “ a tendência geral dos Projectos e dos ensinamentos modernos é no sentido de baixar esse prazo”
E certo é que o nº 5 do artigo 30º do Código Penal, de harmonia com a revisão operada pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15 de Março, (tendo este artigo sido discutido nas 4ª, 6ª 15ª e 41ª sessões da CRCP, em 14 de Fevereiro, 13 de Abril e 12 de Setembro de 1989 e em 22 de Outubro de 1990), veio explicitar que “O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos as contar do trânsito e julgado da decisão.”
-
Note-se também que o período de suspensão concretamente fixado pode ainda ser alargado em caso de falta de cumprimento das condições da suspensão, com o fundamento constante do corpo do artigo 55º do Código Penal e nos termos aludidos na sua alínea d), pois que como já precisava o Parecer da Câmara Corporativa sobre a Proposta de Lei nº 9/x :“ A possibilidade de prorrogar o período de suspensão justifica-se com nova oportunidade de o condenado se afirmar através de uma conduta que factores ocasionais podem ter vindo perturbar ou desviar.”
Significa isto que essa fixação periódica temporalmente balizada por um mínimo e um máximo, que é totalmente estranha e, incorrespondível, aos limites abstractamente aplicáveis da pena prevista, decorre discricionariamente do poder-dever vinculado do julgador, aquando da fundamentação da aplicação da suspensão da execução da pena, que deve ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente.
-
Apesar de ter decorrido mais de um século, depois da Lei de 6 de Julho de 1893 (que regulou pela primeira vez em Portugal a suspensão condicional da pena), continua a manter-se actual o substrato, metodológico e teleológico, do Relatório da Proposta (constante do Diário da Câmara dos Deputados de 26 de Maio de 1893), quando assinala: “Fica ao prudente arbítrio dos magistrados e dos tribunais a apreciação do carácter moral do delinquente, os seus antecedentes e costumes, das circunstâncias do crime, das causas externas e internas que o determinaram, o exame escrupuloso de todos os factos que os autorizem a aplicar a disposição da lei com discernimento e seguras probabilidades de êxito.”
-
No caso concreto, vem provado que ambos os arguidos confessaram integralmente e sem reservas a factualidade imputada de cuja prática se mostraram arrependidos. O arguido AA já respondeu e foi condenado pela prática dos crimes de condução sem carta, furto qualificado e furto e burla informática, bem como e finalmente pelos crimes de furto qualificado e furto de uso, tendo sido condenado em penas de multa pelos dois primeiros, em pena de prisão suspensa na sua execução relativamente aos ilícitos referidos em terceiro lugar, e finalmente em pena de prisão pelo conjunto dos ilícitos referidos em quarto lugar, cuja execução lhe ficou igualmente suspensa na sua execução, sendo que a data desta última condenação foi em 26.09.2006, tendo transitado em julgado. Este arguido está presentemente empregado na Empresa-A”, auferindo vencimento mensal de € 526,00, com parte dos quais contribui para as despesas domésticas do agregado familiar que forma com os seus pais e com quem vive.
O arguido BB já respondeu e foi condenado pelos crimes de furto qualificado e furto de uso, em pena de prisão pelo conjunto dos mesmos, cuja execução lhe ficou suspensa na sua execução, sendo que a data desta última condenação foi em 26.09.2006, tendo transitado em julgado. Este arguido deixou recentemente de frequentar o curso de formação profissional em que estava inscrito, por ter expectativas de ainda este mês começar a trabalhar como carpinteiro da construção civil junto de um seu tio.
A substituição da porta danificada pelos arguidos, por parte da lesada e demandante civil, ascendeu ao montante de € 254,08 .
Assim, e de harmonia com os verificados pressupostos da aplicação da suspensão da execução da pena, mostram-se adequados os períodos de suspensão fixados.
O recurso terá necessariamente de improceder.
---

Termos em que, decidindo:
Negam provimento ao recurso e, confirmam a decisão recorrida.
-
Sem custas, por delas estar isento o Recorrente.
-
Lisboa, 21 de Março de 2007

Pires da Graça
Henriques Gaspar
Soreto de Barros
Armindo Monteiro