Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S4470
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
INSTITUTO DE ESTRADAS DE PORTUGAL
ESTADO
CONSTITUCIONALIDADE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200709260044704
Data do Acordão: 09/26/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - A norma constante do n.º 1 do art. 13.º dos Estatutos do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), aprovados pelo DL n.º 237/99 de 25 de Junho, ao dispor que o pessoal do ICERR “está sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, com as especialidades previstas nos presentes estatutos e no diploma que o aprova” introduziu uma excepção aos princípios básicos definidores do regime da constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública constantes dos DL n.ºs 184/89, de 2 de Junho e 427/89, de 7 de Dezembro mas não invadiu a esfera de competência legislativa da Assembleia da República, uma vez que estes diplomas salvaguardam, desde logo, a existência de regimes especiais, designadamente quanto ao pessoal dos institutos públicos (arts. 41.º, n.º 4 e 44.º, n.º 1, respectivamente), assim habilitando o Governo a instituí-los, mesmo sem autorização legislativa.
II - O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 409/2007, de 11 de Julho de 2007 - que julgou inconstitucional, por violação do artigo 47.º, n.º 2, da CRP, a norma extraída da conjugação dos artigos 41.º, n.º 4, do DL n.º 184/89, de 2 de Junho, 44.º, n.º 1, do DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo DL n.º 237/99, de 25 de Junho, interpretados no sentido de permitirem a contratação de pessoal sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, sem imposição de procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade - aceitou que os tribunais, ao emitirem o juízo de conversão de tais contratos, abordem a questão da suficiência ou não, em concreto, dos procedimentos objectivos de selecção do pessoal a contratar que porventura tenham sido implementados e da consequente constitucionalidade, ou não, do critério normativo adoptado, na interpretação feita.
III - Não pode afirmar-se a existência de um processo de recrutamento e selecção de candidatos equiparável ao concurso se não está demonstrada a existência de uma prévia publicitação da existência da(s) vaga(s) a preencher, por forma a permitir a candidatura de todos os potenciais interessados, e apenas se prova que o trabalhador foi contratado no mesmo processo em que outros técnicos engenheiros o foram, na sequência de um processo de consulta no qual foram avaliados os currículos dos interessados, sendo todos sujeitos a entrevista de selecção.
IV - Cabe ao trabalhador o ónus de provar que a sua contratação foi precedida de um procedimento de recrutamento e selecção que assegure a referida liberdade e igualdade de acesso.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I – O autor AA pede com a presente acção de processo comum intentada contra o réu Instituto das Estradas de Portugal (ex- ICERR) que seja declarado ilícito e nulo o seu despedimento, assim como que é trabalhador do R., desde o dia 1 de Dezembro de 2001, ao abrigo de contrato de trabalho sem termo e, ainda, que o R. seja condenado a reconhecer e a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, com a sua categoria, antiguidade e demais consequências legais, isto sem prejuízo de poder vir a optar pela indemnização a que legalmente tem direito.
Alegou, em síntese :
Foi admitido ao serviço do extinto ICERR no dia 1 de Dezembro de 2001, para exercer funções de apoio na área de engenharia civil, no Departamento de Planeamento e Controlo.
Em 21 de Fevereiro de 2002, por imposição do R., assinou um contrato de trabalho escrito, a termo certo, pelo período de 6 meses, com a menção de que o motivo da contratação era ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 41º da LCCT, sem descrever qualquer realidade factual que materializasse essa previsão, sendo, aliás, que tal motivo não era verdadeiro.
Em 7 de Novembro de 2002, o A. recebeu do R. uma carta registada em que este lhe comunicou a não renovação do contrato, fazendo-o cessar em 30 de Novembro de 2002;
A partir do dia 2 de Dezembro de 2002, o A. passou a exercer as mesmas funções, nos mesmos termos e condições em que o fazia antes, mediante contrato designado como de prestação de serviços, cuja assinatura o R. lhe impôs, também.
E, em 4 de Setembro de 2003, de novo por imposição do R., o A. subscreveu um contrato de trabalho temporário com a sociedade Empresa-A, Lda, com a finalidade de execução de um contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre essa sociedade e o R..
Defende que logo em 01.12.2001 foi admitido ao serviço do R. por contrato sem termo, sendo nulo o contrato a termo depois assinado em 21.02.2002.
E que, em qualquer caso, este contrato omitiu a indicação dos motivos concretos da contratação a termo, sendo que a sua razão não foi o acréscimo temporário ou excepcional da actividade do R.
Tudo razões que levariam à conversão do contrato em contrato sem termo.

O R. contestou.
Excepcionou a renúncia do A. a qualquer crédito emergente da anterior relação laboral, com a celebração do contrato de prestação de serviços, incluindo a eventual nulidade da estipulação do termo ou a possibilidade legal de conversão desse contrato em contrato sem termo.
Impugnou factos da p.i..
Concluiu pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

O A. respondeu, defendendo a improcedência da matéria de excepção e concluindo como na p.i..

O A. veio a optar pela indemnização de antiguidade, em vez da sua reintegração.

Saneada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou que o despedimento do A. é ilícito, não produzindo quaisquer efeitos, e condenou o R. a reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo, entre as partes, com efeitos reportados a 1 de Dezembro de 2001 e a pagar-lhe a quantia de quatro mil oitocentos e setenta e dois euros a título de indemnização de antiguidade, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação ( 20/11/2003 ), até integral e efectivo pagamento.

Da sentença apelou o R., pedindo a sua revogação, com a improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.
Por seu douto acórdão, a Relação de Coimbra confirmou a sentença, “excepto quanto aos juros moratórios, que apenas são devidos desde a data da sentença (31.10.2005), negando quanto ao mais provimento ao recurso”.

II – Novamente inconformado, o R. interpôs a presente revista em que apresentou as seguintes conclusões:
1ª. A administração rodoviária em Portugal surgiu em 1927, com a criação da Junta Autónoma das Estradas (JAE), pelo Decreto n°. 13 969, de 20 de Julho de 1927, estando, desde sempre, o seu pessoal abrangido pelo regime da relação jurídica de emprego na Administração Pública.
2ª. O DL 237/99, de 25/6, extingue a JAE e cria três institutos para a gestão da administração rodoviária, um dos quais o Instituto Para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), sendo "institutos públicos dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio" (nº. 1) e regiam-se "pelo presente decreto-lei, pelos respectivos estatutos anexos ao presente diploma e, subsidiariamente, pelo regime jurídico das empresas públicas" (n°. 2).
3ª. Os Estatutos referidos na conclusão anterior sujeitavam-no ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos presentes estatutos e no diploma que o aprova (n°. 1 do art°. 13°), as condições de prestação e disciplina de trabalho são definidas em regulamento próprio do ICERR, a aprovar pelo Conselho de Administração (n°. 2 do art°. 13°) e o n°. 1 do art°. 8° dispunha que os funcionários da JAE tinham o direito de optar pela celebração de um contrato individual de trabalho com o ICERR.
4ª. O ICERR, nos termos do n°. 2 do art°. 5° do mesmo DL 237/99, representava "o Estado como autoridade nacional de estradas em relação às infra-estruturas rodoviárias nacionais não concessionadas, competindo-lhe zelar pela manutenção permanente de condições de infra-estruturação e conservação e de salvaguarda do Estatuto da Estrada, que permitam a livre e segura circulação", sendo, de acordo com os respectivos estatutos anexos ao DL 237/99, "uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio".
5ª. Ao abrigo da alínea t) do n°. 1 do artigo 165° da Constituição, é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre a matéria relativa às "bases do regime e âmbito da função pública".
6ª. No que respeita ao regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na função pública, os princípios fundamentais - bases constitucionais - constam dos Decretos-Lei nºs 184/89, de 2 de Junho, e 427/89, de 7 de Setembro, sendo certo que eles incluem no seu âmbito os institutos públicos" (Acórdão do Tribunal Constitucional n°. 129/99).
7ª. Aqueles diplomas apenas prevêem, taxativamente, duas modalidades de contratação (contrato administrativo de provimento e contrato de trabalho a termo certo), ao abrigo do âmbito institucional definido em volta dos serviços e organismos da Administração Pública, incluindo os institutos públicos (art°. 2°. do DL 184/89), sendo vedado aos institutos públicos a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente das previstas nos citados diplomas,
8ª. A sujeição ao regime do contrato individual de trabalho, definida pelos seus Estatutos, colide com o princípio da taxatividade das formas de constituição da relação de emprego na Administração Pública, instituído pelos DL´s 184/89 e 427/89,
9ª. Pelo que, integrando-se as citadas normas dos Estatutos do ICERR - n°.1 do art°. 8° e n°. 1 do art°. 13º – em diploma editado pelo governo – DL 237/99 - sem precedência de autorização legislativa, padecem de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto no art° 165°, n°, 1, alínea t) da Constituição da República Portuguesa.
10ª. Admitindo-se a conversão do contrato a termo em contrato sem termo, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública viola o princípio constitucional de acesso igualitário e não discricionário à função pública e a regra do concurso (art°. 47°, n°. 2 da Constituição).
11ª. Retira-se do artigo 47°, n°. 2 da Constituição, como concretização do direito de igualdade no acesso à função pública, um direito a um procedimento justo de recrutamento e selecção de candidatos à função pública, que se traduz, em regra, no concurso.
Para respeito da igualdade no acesso à função pública, o estabelecimento de excepções à regra do concurso não pode estar na simples discricionariedade do legislador, a qual é justamente limitada com a imposição de tal princípio. Caso contrário, este princípio do concurso – fundamento do próprio direito de igualdade no acesso à função pública (e no direito a um procedimento justo de selecção) – poderia ser frustrado. Antes tais excepções terão de justificar-se com base em princípios materiais, para não defraudar o requisito constitucional (Acórdão do Tribunal Constitucional n°. 683/99), o que não aconteceu no caso dos autos.
12ª. Aplica-se aos presentes autos – independentemente da interpretação que seja dada ao artigo de "salvaguarda de regimes especiais" – DL's 184/89 e 427/89 – a jurisprudência dos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 683/99 e 368/00 do Tribunal Constitucional, no que respeita ao acesso à "função pública", em função das exigências do n°. 2 do art°. 47° da Constituição.
13ª. Tendo como pressuposto que o ICERR – Instituto Público – se integra no conceito constitucional de "função pública", nos termos e para efeitos do n°. 2 do art°. 47° da Constituição.
14ª. Os art.ºs 2°. do DL 184/89 e do DL 427/89 – expressam as bases gerais do regime e âmbito da função pública – bem como a Lei n°. 114/88, art°. 15°, al. c) e a Resolução do Conselho de Ministros n°. 77/2002, de 18/5, incluem no âmbito da função pública os institutos públicos, logo o Recorrente.
15ª. O ICERR é uma pessoa colectiva de direito público, - "instituto público" - sujeito à tutela e superintendência do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, tendo por missão representar o Estado como autoridade nacional em relação às infra-estruturas rodoviárias nacionais não concessionadas (autoridade nacional de estradas), no exercício das suas funções detém poderes de suspender ou fazer cessar actividades e encerrar estabelecimentos; determinar a imediata remoção de ocupações indevidas de bens do domínio público; embargar e ordenar a demolição de construções, autorizar a instalação de equipamentos e infra-estruturas ao longo das estradas, concedendo as autorizações necessárias, instrução e aplicação de sanções em processos contra-ordenacionais, efectuar expropriações, liquidar e cobrar, mesmo coercivamente, taxas, executar coercivamente decisões da autoridade (poderes de autoridade).
16ª. Para além de estar sujeito ao regime orçamental e financeiro dos fundos e serviços autónomos do Estado e submetido à jurisdição do Tribunal de Contas.
17ª. Estando-lhe cometidas funções de manifesto interesse público e/ou que realiza de modo regular e contínuo a satisfação de necessidades colectivas, situando-se no âmbito institucional do DL 184/89/DL 427/89, inclui-se na "função pública", nos termos e para os efeitos do n°. 2 do art°. 47° da Constituição, o que implica que a constituição de relações de emprego siga um procedimento justo de recrutamento e selecção de candidatos à função pública, que se traduz, em regra, no concurso.
18ª. Atenta a especialidade constante do art°. 43°, n°. 1 do DL 427/89, que derroga o disposto na LCCT sobre as situações (hipótese e circunstância) da conversão dos contratos a termo certo em contratos sem termo, os contratos celebrados pelo ICERR ao arrepio do regime previsto naquele diploma são nulos, nos termos dos art°s 280°, n°. 1 e 294° do Cód. Civil, produzindo apenas efeitos em relação ao tempo em que esteve em execução.
19ª. Daí que o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre Recorrente e Recorrido tenha caducado quando o Recorrente comunicou à Recorrida, por escrito, a vontade de não o renovar, independentemente do motivo justificativo da contratação a termo satisfazer ou não as exigências de concretização factual exigidas por lei.
20ª. E não se pode dizer que o Recorrente enquanto "infractor da lei" beneficia dessa ilegalidade, pois, não se vislumbra que algo de ilegítimo possa ser imputado a quem invoca a nulidade de um contrato por violação de disposição legal que, por consagrar princípios de interesse e ordem pública, reveste carácter imperativo, e da regra constitucional do art°. 47°, n°, 2 ..
21ª. Concluindo-se, a conversão do contrato a termo da Recorrida em contrato por tempo indeterminado, sem concurso, ligada à função a exercer, padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade estabelecido no artigo 47°, n°. 2 da Constituição.
22ª. Previamente à contratação do A. este teve conhecimento que ia celebrar um contrato a termo certo e o respectivo conteúdo, concluindo-se daqui, necessariamente, que o A. estava bem ciente e esclarecido sobre o motivo justificativo da sua contratação a termo.
23ª. No contrato a termo, e no motivo da contratação da A., ficou inscrito " ... ao abrigo da alínea b) do n°. 1 do art°. 41° do DL 64-AJ89 e do art°. 3° da Lei 38/96, nos termos descritos", devendo interpretar-se que a expressão "nos termos descritos", não estará apenas a remeter para as disposições legais, ou seja, para o "acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa", pois se assim fosse não teria qualquer sentido a própria inserção da referida expressão, pois as normas legais estão indicadas.
24ª. Também porque a expressão "nos termos descritos" ao remeter para o art°. 3° da Lei 38/96, norma esta que manda indicar o motivo em concreto da contratação a termo, tem de interpretar-se como remetendo para esses mesmos motivos concretos da contratação; que, por erro de escrita, não foram inscritos.
25ª. Ainda, a expressão "nos termos descritos", no seguimento da indicação da norma legal que manda mencionar os factos e circunstâncias em concreto, faz presumir e remissão para os factos concretos da contratação a termo (que, por erro, acabaram por não ser transcritos), tendo em conta, também, a matéria dada como provada sob o n°. 26 da fundamentação de facto – trata-se de minuta tipo de contrato a termo utilizada pelo Recorrente.
26ª. O erro ou lapso ou erro na redacção do contrato da A., apenas impõe a sua rectificação, e não a cominação estabelecida no n°. 3 do art°. 42° do DL 64-A/89, independentemente de se tratar de um contrato formal.
27ª. Ainda, pela restante factualidade provada, a que se adita a publicação do DL 38-A/2001 – o A. foi contratado, no âmbito do programa de temporais, para, no Departamento de Planeamento e Controlo, fazer face à necessidade dos estudos relativos a procedimentos na área do planeamento, com vista à beneficiação das estradas – tem de concluir-se pela existência de erro ou lapso na redacção da cláusula respectiva.
28ª. Não se pode retirar qualquer conclusão sobre o motivo justificativo da contratação do Recorrido, pelo facto deste exercer uma actividade, que se integra no objecto estatutário do Recorrente (n°. 2 do art°. 5° do mesmo DL 237/99), que sempre existiu (desde 1999 e não há mais de cinco anos, como, por lapso, foi dado como provado) e existirá enquanto existir o Recorrente.
29ª. Até porque "A natureza permanente da função exercida pelo contratado a prazo não implica, desde logo e sem mais, a nulidade do contrato a prazo, por se provar a intenção de fraude. A relação de trabalho, em princípio, é para se manter indeterminada. Mas pode ficar sujeita a prazo se houver razões que o exijam, como para ocorrer a necessidades temporárias ou a situações anormais de aumento de serviço" (Ac. STJ, 8/10/91; AD 365°-693).
30ª. Sendo que, e como ficou provado, a contratação do Recorrido foi efectuada por um acréscimo temporário ou excepcional da actividade do Recorrente, justificativo da contratação a termo, como exige o art°. 41° n° 1 al. b) do DL 64-A/89.
31ª. E o acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa "não impõe a mesma concretização em todas as situações, não exige um mesmo grau de explicitação em todos os casos, antes consente expressões mais ou menos pormenorizadas, tudo dependendo da natureza da actividade desenvolvida pela empresa e das funções para que é contratado a termo o trabalhador (...) - Acórdão do STJ, de 23.09.99, CJ/STJ, 1999, 3°-246 – como aconteceu com a contratação do Recorrido, no âmbito do acréscimo excepcional da actividade do Recorrente, acréscimo esse que é manifestado, sem mais, pelo Decreto-Lei n°. 38-A/2001, e tendo em conta a natureza da actividade desenvolvida pelo Recorrente, explicitada nos seus Estatutos.
32ª. E, contrariamente ao entendimento expendido no douto acórdão recorrido, apesar de competir ao trabalhador – e não à entidade patronal – o ónus da prova do carácter não transitório do trabalho para o qual foi contratado a prazo, nos termos do n°. 1 do art°. 342° do Cód. Civil (vejam-se, a título de exemplo, os Acs. STJ, 8/10/91 e 13/11/91, in, respectivamente, AD, 365°, 693 e BTE, 2ª, 7-9/94, 737), que não foi feita pelo Recorrido.
33ª. Em conclusão, analisado o contrato a termo e a restante factualidade provada, é possível afirmar que do contexto da declaração ou das circunstâncias em que a mesma foi feita – mesmo que o motivo indicado, por lapso, "reproduz em parte a fórmula legal, ele não deixa de ter por isso um conteúdo fáctico, acessível à compreensão comum, pelo que não se pode dizer (...) que estamos perante uma justificação genérica e conclusiva" – revela um erro de escrita, susceptível de dar lugar à sua rectificação, nos termos do art°. 249° do Código Civil.
34ª. O contrato de trabalho com termo certo caducou com a comunicação do Recorrente da vontade de não o renovar; trata-se de uma rescisão que é um acto receptivo, tornando-se eficaz a declaração de vontade logo que chegue ao poder do destinatário.
35ª. Posteriormente, o Recorrido apresentou livremente a proposta para uma prestação de serviços, daí que a relação iniciada depois, de prestação de serviços, mesmo que fosse considerada como "contrato de trabalho" (o que legalmente nem é possível), o que não se concebe, tinha o seu início nessa data, e nunca teria efeitos retrotraídos a 1 de Dezembro de 2001.
36ª. Depois, "A identificação da relação laboral faz-se por indícios externos, pela análise de condutas e situações, por modo a poder concluir-se pela coexistência de elementos definidores do contrato de trabalho. (...). Cabe ao prestador de trabalho que invoca a existência de um contrato de trabalho o ónus da sua prova" (Ac. STJ, 26/9/90, AJ, 10/11º-32), e os índices identificados nos autos são manifestamente insuficientes para manifestarem ou deixarem de manifestar a existência de "subordinação jurídica", e o ónus até era do A.
37ª. Nos termos do Acórdão do STJ, Ac. 26/9/90, Ac. Dout. STA, 348,1622, constituem índices externos da subordinação jurídica: - comportamento como entidade patronal do beneficiário da prestação, exigindo ao trabalhador as obrigações decorrentes do contrato de trabalho e prestando-lhe as contra-prestações correspondentes (exs. Admissão, pagamento de subsídios de férias e natal, tipo de recibos, filiação na segurança social, retenção do IRS); - fornecimento dos meios para a execução do trabalho, ausência de ajuda familiar ou entreajuda de companheiros de profissão; sindicalização do trabalhador; - lugar do trabalho e horário determinado pelo empregador; fornecimento do material, matérias primas ou produtos; - falta de assalariados por conta do trabalhador, exclusividade, direcção e controlo efectivo do trabalho".
38ª. Atentando-se na situação sub-judice: não ficou provado que o Recorrido se tenha comportado como entidade patronal, seja a exigir qualquer prestação laboral ao Recorrido - apenas se provaram algumas funções genéricas -, seja a exigir o cumprimento de um horário, seja a pagar-lhe a retribuição – aliás a "retribuição" acordada para a prestação de serviços foi definida por um montante global para todo o período de duração, acrescido de IVA, e com o pagamento de 10% no acto da adjudicação, o que revela a desconformidade com as regras da retribuição em relações laborais - seja a controlar-lhe o trabalho, seja a exercer o poder disciplinar. O que, manifestamente, não se provou.
Mais, ainda, a relação contratual iniciou-se após proposta, para esse efeito, do Recorrido, e as contra-prestações que seriam correspondentes a uma relação laboral (exs. pagamento de subsídios de férias e natal, descontos para a segurança social, retenção do IRS), não foram prestados pela Recorrente.
Para além do pagamento ser efectuado – não através de recibo – contra a emissão de uma nota de honorários.
Pode-se, assim, concluir, que todos os índices apontam para a ausência de subordinação jurídica.
39ª. Outro facto importante para a caracterização da relação contratual como de prestação de serviços é a vontade das partes, que de uma forma negociada, detalhada, ponderada e reflectida, quiseram celebrar um contrato de prestação de serviços (vd. Ac. STJ, de 14/01/04, Proc. 03S2652 e Ac. STJ, de 6/02/2002, AD, 490, 1394, e Ac. STJ, 9/01/2002, Ac. Dout. STA, 491, 1516).
40ª. Que, aliás, teve origem numa proposta do Recorrido para esse efeito, celebração de um contrato de prestação de serviços.
41ª. Quanto às funções em si: genericamente, serviço técnico na área do planeamento, licenciamento e ordenamento do território, são, em si, de carácter eminentemente técnico, sem sujeição a ordens, autoridade ou direcção pelo Recorrente, apesar de, em concreto, não ficarem provadas as funções desempenhadas pelo Recorrido.
Mesmo na matéria dada como provada, não se vislumbra que o A. se encontrasse submetido à autoridade e direcção do R., que lhe dá ordens, directivas e instruções visando orientar a sua actividade.
42ª. Por lapso, o douto acórdão recorrido, refere que o contrato de prestação de serviços celebrado após as partes terem mantido uma relação laboral sem termo, seria nulo e de nenhum efeito, como se estatui no n°. 5 do art. 41-A do DL 64-A/89, preceito este introduzido pelo art. 2° da Lei 18/2002, contudo, esta norma proíbe a celebração de contratos de trabalho a termo entre partes vinculadas por contrato de trabalho sem termo, não proíbe a celebração de contratos de prestação de serviços entre partes vinculadas por contrato de trabalho sem termo.
43ª. Quiseram, assim, as partes celebrar um contrato de prestação de serviços – e foi apenas essa sua a manifestação de vontade, e não a de celebrarem, ou prorrogarem, um contrato de trabalho – Ac. STJ, de 14/01/04, Proc. 03S2652 –, para além de que sendo o Recorrido Engenheiro Civil – pessoa esclarecida, "No domínio das profissões liberais devem, em princípio, os respectivos acordos serem entendidos como de prestação de serviços" (Ac. STJ, de 23/01/2003, Proc. 02B3441).
44ª. Ainda, a apresentação, livremente, de uma proposta, pelo Recorrido, para uma prestação de serviços, sem aposição de qualquer reserva tem o valor da sua aceitação: declaração de vontade de concordância.
Terminou pedindo a revogação do acórdão recorrido.

O A. contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

No seu douto Parecer, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se no sentido se ser concedida a revista.

As partes responderam ao Parecer, mantendo as posições expressas nas respectivas alegações.

III – Colhidos os vistos, e após substituição de relator, por escusa do anterior, cumpre decidir.
No douto acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos, que aqui se mantêm por não haver fundamento legal para os alterar:
1. O A. é licenciado em engenharia civil;
2. O R. é um instituto público que integrou o ICERR;
3. Em 21 de Fevereiro de 2002, o A. e o R. celebraram um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de seis meses, nos termos constantes de fls. 8 e 9, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
4. O A. assinou esse contrato em 21 de Fevereiro de 2002;
5. O A. foi admitido ao serviço pelo extinto ICERR no dia 1 de Dezembro de 2001 para exercer funções de apoio na área de engenharia civil no Departamento de Planeamento e Controlo, nas instalações da sede do R., sem prejuízo de eventuais deslocações necessárias em consequência do desempenho normal da actividade;
6. O A. a partir do referido dia 1 de Dezembro de 2001 passou a desempenhar funções de apoio na área de engenharia civil no citado Departamento de Planeamento e Controlo, designadamente serviço técnico na área do planeamento, licenciamento e ordenamento do território, por conta, ordem e direcção do R.;
7. (...) mediante a remuneração mensal ilíquida de 1218 €, abonada em 6 mensalidades, subsídio de Natal e de Férias, à qual acrescia o subsídio de refeição, no valor de € 5,08 por cada dia de trabalho efectivamente prestado, que o R. lhe pagou;
8. Na altura (1 de Dez. de 2001) foi dado conhecimento ao A. de que ia celebrar um contrato a termo e do respectivo conteúdo;
9. O A. foi contratado no mesmo processo em que outros técnicos, engenheiros, o foram, na sequência de um processo de consulta no qual foram avaliados os currículos dos interessados, tendo todos eles sido sujeitos a entrevista de selecção;
10. O A. foi exercer uma actividade que já existia e com a qual o R. já laborava;
11. Os serviços que o A. foi executar para o R. e para os quais foi contratado, já eram executados há mais de cinco anos por outros trabalhadores do R. e continuaram a sê-lo pelo próprio A.;
12. O R., em Maio de 2002, comunicou ao A. a não renovação do contrato, nos termos que constam a fls. 49 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
13. O A. enviou ao R. a carta junta a fls. 50 e 51, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
14. O contrato de trabalho do A. renovou-se por igual período de 6 meses;
15. O Inverno de 2000/2001 foi bastante chuvoso, com frequentes temporais que danificaram várias estradas do país, o que originou a necessidade de beneficiação de estradas e a efectivação do respectivo estudo relativo a procedimentos na área do planeamento;
16. Em 7 de Novembro de 2002 o A. recebeu do R. uma carta registada com AR, em que este lhe comunicou a não renovação do contrato de trabalho a termo, fazendo cessar o mesmo em 30 de Novembro de 2002, nos termos constantes de fls. 10, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
17. A partir do dia 2 de Dezembro de 2002, o A. passou a exercer as mesmas funções para o R. mediante contrato de prestação de serviços – de assistência técnica ao nível dos processos de licenciamento e áreas de serviço para assegurar medidas de protecção da estrada, promovendo o seu ordenamento e a criação de receitas necessárias provenientes do uso da zona da estrada, pelo período de seis meses, conforme consta dos documentos de fls. 11 a 16, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
18. (...) mediante o pagamento da quantia de € 11880, acrescido de IVA no montante de € 2257,20, no total de € 14137,20, sendo pago 10% desse valor no acto de adjudicação e o restante em seis prestações mensais;
19. O A. continuou a exercer as mesmas funções que exercia anteriormente nos mesmos termos e condições, continuando sujeito às ordens, direcção e remuneração do R., cumprindo o mesmo horário de trabalho, apresentando-se diariamente no mesmo local de trabalho;
20. O A. livremente apresentou a sua proposta no contrato referido em 17 e 18;
21. O A., em 4 de Setembro de 2003, celebrou um contrato de trabalho temporário com a empresa Empresa-A, Lda, que teve por finalidade a execução de um contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a referida Cem por Cento e o IEP, nos termos do documento de fls. 19, cujo teor aqui se dá por reproduzido,
22. Ao abrigo desse contrato de trabalho temporário, o A. continuou a exercer a sua actividade no IEP, em Coimbra, sendo-lhe atribuída a categoria de Técnico Superior Engenheiro Civil, contrato esse que teve início em 8 de Setembro de 2003;
23. (...) mediante o pagamento da remuneração mensal de € 1348, acrescida dos proporcionais de férias, subsídio de férias, subsídio de natal e subsídio de refeição no valor de € 5,37;
24. O A. continuou a exercer as mesmas funções (trabalhos de engenharia na área da conservação e exploração da rede rodoviária) por conta do R., no mesmo local de trabalho onde diariamente se continuou a apresentar, mediante remuneração, cumprindo o mesmo horário (de Segunda a Sexta feira das 9h às 12h30 e das 14h às 18 h) e continuando e estando sujeito às ordens e direcção do R.;
25. O R. não instaurou qualquer processo disciplinar ao A.;
26. Em 21 de Fevereiro de 2002 entre o R. e BB foi celebrado o contrato de trabalho cuja cópia figura a fls. 47 e 48, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
27. O A. apresentou a declaração de rendimentos junta a fls. 123 a 127, relativa ao ano de 2003, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido .

IV – O acórdão recorrido, no essencial na linha da sentença, entendeu, em síntese:
- O contrato celebrado entre as partes, com efeitos reportados a 1 de Dezembro de 2001, está submetido, nos termos conjugados do art.º 13º, n.º 1 dos Estatutos do ICERR, anexos ao DL n.º 237/99, de 25.06, e do art.º 44º, n.º 1 do DL n.º 427/89, ao regime do contrato individual de trabalho – constante da Lei do Contrato de Trabalho (LCT), aprovada pelo DL n.º 49.048, de 24.12.1969, e LCCT, aprovada pelo DL n.º 64-A/89, de 27.02 – e não ao regime geral da relação jurídica de emprego na Administração Pública.
- A indicação, dele constante, do motivo justificativo para a sua celebração mostra-se feita em termos insuficientes, o que dita a sua conversão em contrato por tempo indeterminado, pelo que a denúncia operada pelo R. equivale a um despedimento ilícito, por falta de processo disciplinar, com a procedência da acção nos termos definidos pelo acórdão recorrido.
- O contrato celebrado entre as partes, em 2.12.2002, denominado como de prestação de serviços, é antes de qualificar como de trabalho e, como tal, nulo por força do disposto no n.º 5 do art.º 41º-A da LCCT, e não envolveu renúncia pelo A. aos créditos invocados.
E daí a procedência da acção, nos termos referidos.

O R/recorrente impugna o acórdão, suscitando as seguintes questões que, levadas às conclusões (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC), constituem objecto da revista:
1ª. A da inconstitucionalidade orgânica dos art.ºs 8º, n.º 1 e 13º, n.º 1 dos Estatutos do ICERR, anexos ao DL n.º 237/99, por violação do disposto no art.º 165º, n.º 1, al. t) da Constituição;
2ª. A da inconstitucionalidade material, por violação do art.º 47º, n.º 2 da Constituição, da norma extraída da conjugação dos art.ºs 41º, n.º 4, do DL n.º 184/89, de 2.6, 44º, n.º 1, do DL n.º 427/89, de 7.12, e 13º dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo DL n.º 237/99, de 25.6, na interpretação de que é permitida a conversão do contrato de trabalho a termo em causa em contrato sem termo, sem necessidade de procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e de igualdade;
3ª. A de que houve erro de escrita na não indicação dos motivos da celebração do contrato a termo, erro que dita a sua rectificação e não a conversão em contrato por tempo indeterminado:
4ª. A de que o contrato a termo celebrado caducou com a denúncia operada pelo R, sendo que, mesmo que a posterior relação contratual entre as partes, denominada como de prestação de serviços, viesse a ser qualificada como contrato de trabalho, o que não deve acontecer, sempre teria tido o seu início em 2.12.2002, não podendo retroagir os seus efeitos a 1.12.2001;
5ª. A da não aplicação ao caso do disposto no n.º 3 do art.º 41-A da LCCT.

Conhecendo:
No que respeita à 1ª questão, o recorrente sustenta, em síntese, nas conclusões da alegação de recurso:
Os princípios fundamentais – bases gerais – relativos à constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na função pública, constam dos Decretos-Leis nºs 184/89, de 2 de Junho, e 427/89, de 7 de Dezembro, os quais apenas prevêem, taxativamente, duas modalidades de contratação (contrato administrativo de provimento e contrato de trabalho a termo certo, ao abrigo do âmbito institucional definido em volta dos serviços e organismos da Administração Pública, incluindo os institutos públicos (artigo 2º do DL 184/89).
Por isso, é vedado a estes a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente das previstas nos citados diplomas, e a sujeição ao regime do contrato individual de trabalho, definida pelos Estatutos do Recorrente, colide com o princípio da taxatividade das formas de constituição da relação de emprego na Administração Pública, instituído pelos Decretos-Leis nºs 184/89 e 427/89.
E, assim, integrando-se as normas constantes do nºs 1 do artigo 8º e do nº 1 do artigo 13º dos Estatutos do extinto ICERR em diploma editado pelo Governo – o Decreto-Lei nº 237/99, de 25 de Junho – sem precedência de autorização legislativa, padecem de inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 165º, nº 1, alínea t) da Constituição, que atribui à Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, a competência exclusiva para legislar em matéria relativa às bases do regime e âmbito da função pública.

O nº 1 do citado artigo 8º dispõe que “os funcionários da Junta Autónoma de Estradas, incluindo aqueles que à data da entrada em vigor do presente diploma se encontrem requisitados ou destacados noutros organismos, têm o direito de optar pela celebração de um contrato individual de trabalho com o ICERR”.
Ora, cabe desde já salientar que tal norma não foi objecto de aplicação ao caso concreto.
Na verdade, resulta da matéria de facto provada que o contrato de trabalho do A. com o R. não foi celebrado ao abrigo desta norma, já que aquele não reunia os requisitos nesta previstos, mais concretamente não era, à data dessa celebração, funcionário da JAE.
Ora, não tendo o acórdão recorrido utilizado a norma constante do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 237/99 como fundamento legal da decisão nele proferida, não há que conhecer da questão da sua inconstitucionalidade orgânica suscitada pelo Recorrente.

Quanto à invocada inconstitucionalidade orgânica da norma constante do nº 1 do artigo 13º do Estatutos do ICERR, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237/99, entendemos que não se verifica o apontado vício, na linha da posição defendida no Parecer da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo, na Revista n.º 180/07, desta 4ª Secção, a propósito de caso idêntico, posição que seguiremos de perto.
Dispõe a referida norma:
O pessoal do ICERR está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especialidades previstas nos presentes estatutos e no diploma que o aprova”.
É certo que os Decretos-Leis nºs 184/89, de 2 de Junho, e 427/89, de 7 de Dezembro, aprovados no uso de delegação legislativa, relativos ao regime da constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, se configuram como uma verdadeira lei-quadro nesta matéria, abrangendo a disciplina básica neles estabelecida grande parte dos serviços da Administração, incluindo os institutos públicos na modalidade de serviços personalizados do Estado.
Contudo, não é menos certo que os referidos diplomas previram, desde logo, a possibilidade de introdução de excepções ao regime básico por eles instituído.
Assim é que o Decreto-Lei nº 184/89, veio determinar, no nº 4 do seu artigo 41º, sob a epígrafe “salvaguarda de regimes especiais”, que ao pessoal dos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados ou de fundos públicos abrangidos pelo regime aplicável às empresas públicas ou pelo contrato individual de trabalho aplicam-se as respectivas disposições estatutárias.
E esta “salvaguarda de regimes especiais” foi mantida, nos mesmos termos, pelo nº 1 do artigo 44º do Decreto-Lei nº 427/89.
Ora, como se salienta no acórdão do Tribunal Constitucional nº 162/03, de 25 de Março de 2003, publicado em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 55º volume, 2003, pág. 165 e segs., no caso de a própria lei que define as bases sobre o regime e âmbito da função pública prever, desde logo, a possibilidade de introdução de excepções aos princípios básicos nela definidos, desde que as identifique com um mínimo de precisão e determinabilidade, ou no caso de tais excepções serem previstas, nos mesmos termos, em decreto-lei parlamentarmente autorizado que defina as referidas bases, a criação dessas excepções não constitui matéria da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Ora, o n.º 1 do art.º 13º dos Estatutos do ICERR, ao mandar aplicar ao pessoal do ICERR – instituto público na modalidade de serviço personalizado do Estado – o regime jurídico do contrato individual de trabalho, introduziu uma excepção aos princípios básicos definidores do regime da constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, constantes dos Decretos-Leis nºs 184/89 e 427/89.
Porém, contrariamente ao que defende o Recorrente, o Governo, ao editar a norma em causa, não invadiu a esfera da competência legislativa da Assembleia da República.
É que não se pode esquecer que o artigo 41º, nº 4 do Decreto-Lei nº 184/89 (e, na sua sequência, o artigo 44º, nº 1 do Decreto-Lei nº 427/89), ao proclamar a “salvaguarda de regimes especiais”, designadamente quanto ao pessoal dos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados ou de fundos públicos, previu, desde logo, a possibilidade de introdução de excepções aos princípios básicos definidores do regime geral de emprego público nele consagrados e daí que, por força do disposto naquele artigo 41º, nº 4, o Governo estivesse habilitado, mesmo sem autorização legislativa, a instituir um regime especial e diferenciado para o pessoal do ICERR.
E assim sendo, concluímos que a norma constante do nº 1 do artigo 13º dos Estatutos do ICERR não é organicamente inconstitucional, por se encontrar coberta pelo disposto no nº 4 do artigo 41º do Decreto-Lei nº 184/89 (cfr. no sentido defendido, o citado acórdão do Tribunal Constitucional nº 162/03 e o acórdão nº 406/03, de 17 de Setembro de 2003, do mesmo Tribunal, publicado em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 57º volume, 2003, pág. 39 e seguintes).

O Recorrente sustenta também que a norma constante do nº 1 do artigo 44º do Decreto-Lei nº 427/89, na interpretação segundo o qual a salvaguarda de regimes especiais permite aplicar aos contratos celebrados entre as partes o regime estabelecido nos estatutos do ICERR, com a consequente possibilidade de conversão de contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, é materialmente inconstitucional por violação do princípio de acesso igualitário à função pública e da regra do concurso previstos no artigo 47º, nº 2, da Constituição.
Conhecendo:
Sobre a questão em apreço e abordando hipótese paralela à dos autos, pronunciou-se o recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 409/2007, de 11.07.2007, proferido no Processo n.º 306/07 (em recurso do acórdão deste STJ, de 7 de Fevereiro de 2007, na Revista n.º 2451/06, desta 4ª Secção).
Aquele aresto, já publicado na Internet, no sítio www.tribunalconstitucional.pt, de que se junta cópia, e cujo teor damos aqui por reproduzido, julgou “inconstitucional, por violação do artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída da conjugação dos artigos 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, 44º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos Estatutos do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR) (1), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, interpretados no sentido de permitirem a contratação de pessoal sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, sem imposição de procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade”.
E nesse acórdão, que aderiu às considerações que, para hipóteses semelhantes, tinham já sido seguidas por anteriores arestos do TC, a propósito de outros institutos públicos (2), escreveu-se o seguinte, no que respeita à projecção do aludido juízo de incontitucionalidade na apreciação do caso concreto em apreço:
« Estas considerações são inteiramente transponíveis para o caso do presente recurso, sendo inquestionável que o instituto em causa (3) está investido de poderes de autoridade (cf., designadamente, o n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 237/99), e não se vislumbra nenhuma razão válida, nomeadamente face à especificidade das funções desempenhadas, para subtrair todo o seu pessoal, e especificamente a categoria profissional da ora recorrida, à regra do concurso.
Não se ignora que, entre a matéria de facto provada, consta que “a autora foi contratada na sequência de um processo de avaliação de currículo dos candidatos, com entrevista de selecção”(...). No entanto, para além de o critério normativo seguido no acórdão recorrido (e é sobre esse que há-de incidir o juízo de inconstitucionalidade deste Tribunal) ter considerado de todo irrelevante a existência, ou não, de procedimentos objectivos de selecção do pessoal a contratar, o certo é que aquele facto provado é insuficiente (por nada revelar, por exemplo, sobre a prévia publicitação da existência da vaga) para dar por adquirido que o procedimento em concreto seguido tenha efectivamente garantido a todos os potenciais candidatos o acesso ao cargo “em condições de liberdade e igualdade”. Competirá, naturalmente, ao tribunal recorrido, ao proceder à reformulação da sua decisão, e se tal lhe for processualmente permitido, apurar se, em concreto, estas condições terão sido respeitadas, hipótese em que, adoptando então – como lhe é lícito – critério normativo distinto do ora julgado inconstitucional, não está à partida excluída a possibilidade de vir a julgar não inconstitucional esse novo critério» (Fim de transcrição).
Do que se deixou dito resulta que o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucionais, em si mesmas, as normas dos art.ºs 41º, n.º 4 do DL n.º 184/89 e 44º, n.º 1 do DL n.º 427/89, na parte em que salvaguardam a existência de regimes especiais – diversos do regime geral de emprego público –, determinando a aplicação das respectivas disposições estatutárias ao pessoal dos institutos públicos que revistam a natureza de serviço personalizado e se rejam pelo regime do contrato individual de trabalho.
Nem julgou inconstitucional, em si mesma, a norma do art.º 13º, n.º 1 dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo DL n.º 237/99, de 25.06, que dispôs que o pessoal do ICERR está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nesses estatutos e no diploma que os aprovou.
Julgou sim e tão só inconstitucional a norma extraída da conjugação desses preceitos, na interpretação segundo a qual seria permitida a contratação de pessoal desse Instituto sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, sem imposição de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade.
E, como vimos, aceitou que os tribunais, ao emitirem o juízo de conversão de tais contratos, abordem a questão da suficiência ou não, em concreto, dos procedimentos objectivos de selecção do pessoal a contratar que, porventura, tenham sido implementados na contratação levada a efeito e da consequente constitucionalidade ou não do critério normativo adoptado, na interpretação feita das normas subjudice.

Aqui chegados há que dizer que subscrevemos o juízo de inconstitucionalidade emitido pelo referido acórdão do TC, cujas considerações têm, a nosso ver, inteiro cabimento no caso que nos ocupa.
Com efeito, também no caso dos autos, não se mostra que fosse de postergar a regra do concurso (melhor até, de procedimento equiparado de recrutamento e selecção na contratação do A.), constante do n.º 2 do art.º 47º da Constituição, por não se descortinarem quaisquer interesses que pudessem determinar a eventual existência de motivos conducentes ao afastamento de um recrutamento baseado em critérios que assegurem a liberdade e igualdade de acesso à função pública.
Designadamente, não é de molde a postergá-la a natureza das funções para que o A. foi contratado e cujo exercício manteve, ulteriormente, no R (funções de apoio na área de engenharia civil no Departamento de Planeamento e Controlo, designadamente serviço técnico na área do planeamento, licenciamento e ordenamento do território) – factos n.ºs 5, 6, 17, 19, 21 e 24.
Podemos, assim, assentar que a contratação do A. pelo R. estava sujeita à regra geral do art.º 47º, n.º 2 da Constituição, ou seja à regra de concurso público ou, pelo menos, como foi admitido no acórdão do TC que vimos citando, a procedimento administrativo de recrutamento e selecção que assegurasse a referida liberdade e igualdade de acesso.
Sem tal procedimento a norma extraída da conjugação dos art.ºs 41º, n.º 4 do DL n.º 184/89, 44º, n.º 1 do DL n.º 427/89 e 13º dos Estatutos do ICERR torna-se inconstitucional, o que dita que, indemonstrada a sua existência, seja inválida a conversão do contrato a termo celebrado em contrato sem termo, por falta de suporte normativo para tal conversão.
Ou seja, sem a prova desse procedimento não pode concluir-se pela validade constitucional de tal norma.
Daí que estejamos perante aspecto de facto que, na presente acção, reveste natureza constitutiva e cujo ónus de prova cabe, por isso, ao A., nos termos do art.º 342º, n.º 1 do Cód. Civil (diga-se que esse parece ter sido também o entendimento subjacente à posição do acórdão do TC que vem sendo abordado, como se deduz da passagem acima transcrita sobre a projecção do juízo de inconstitucionalidade nele formulado ao caso concreto aí abordado).

Ora, no caso dos presentes autos, apenas se provou, a este propósito, com interesse, que o A. foi contratado no mesmo processo em que outros técnicos, engenheiros, o foram, na sequência de processo de consulta no qual foram avaliados os currículos dos interessados, tendo todos eles sido sujeitos a entrevista de selecção (4).
Ora, dessa factualidade não resulta assente que tenha havido um processo de recrutamento e selecção de candidatos equiparável ao concurso , porque não resulta demonstrado, como era necessário, que tivesse havido uma prévia publicitação da existência da(s) vaga(s) a preencher, por forma a permitir a candidatura de todos os potenciais interessados.
Aliás, nem sequer foi alegado pelas partes (e o ónus era, como vimos, do A.), que tenha havido essa prévia publicitação.
Ora, não tendo sido feita tal prova e cabendo o respectivo ónus ao A., a decisão será, neste ponto, em seu desfavor (art.º 519º do CPC), com a impossibilidade, nos termos acima referidos, de conversão do contrato de trabalho a termo celebrado pelas partes (e datado de 21.01.2002) em contrato por tempo indeterminado, com a inerente consequência de o ICERR poder actuar, como actuou, ao pôr-lhe termo.
E, assim, a situação apurada nos autos não configura um despedimento ilícito do A. pelo R., o que dita, sem necessidade de outras considerações e da abordagem das demais questões – que ficam prejudicadas – a procedência da revista, com a absolvição do R. do pedido.

V – Assim, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo o R. do pedido.
Custas, nas instâncias e na revista, a cargo do A..

Lisboa, 26 de Setembro de 2007

Mário Pereira (Relator)
Maria Laura Leonardo
Sousa Peixoto
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(1) - Dispõem os citados art.ºs:
N.º 2 do art.º 47º da Constituição: “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”.
N.º 4 do art.º 41º do DL n.º 184/89: “Ao pessoal dos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados ou de fundos públicos e dos serviços públicos abrangidos pelo regime aplicável às empresas públicas ou de contrato individual de trabalho, bem como das conservatórias, cartórios notariais e às situações identificadas em lei como regime de direito público privado, aplicam-se as respectivas disposições estatutárias”.
N.º 1 do art.º 44º do DL n.º 427/89: “Ao pessoal dos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados ou de fundos públicos abrangidos pelo regime aplicável às empresas públicas ou pelo contrato individual de trabalho e, bem assim, ao pessoal abrangido por regimes identificados em lei como regimes de direito público privativo aplicam-se as respectivas disposições estatutárias”.
Art.º 13º dos referidos Estatutos: “1. O pessoal do ICERR está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos presentes estatutos e no diploma que o aprova. 2. As condições de prestação e disciplina de trabalho são definidas em regulamento próprio do ICERR, a aprovar pelo conselho de administração”.
(2) - O acórdão faz alusão e remete para passagens dos respectivos arestos anteriores.
(3) - O ICERR.
(4) - Refira-se que esta factualidade foi dada como provada na sequência de respostas afirmativas à alegação feita pelo R. nos art.ºs 39º e 40º da contestação.