Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | OLIVEIRA BARROS | ||
Descritores: | APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO CONTRATO DE EMPREITADA INCUMPRIMENTO DEFINITIVO EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO RESOLUÇÃO DO CONTRATO CITAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ200410190027427 | ||
Data do Acordão: | 10/19/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 327/02 | ||
Data: | 11/20/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - Na falta de disposição transitória que tal expressamente contrarie, a regra cogente no processo civil em sede de aplicação das leis no tempo é a da aplicação imediata da lei nova aos actos que se praticarem a partir do início da sua vigência. II - Desde que esse regime não colida com normas imperativas da lei civil, é válida a prática, aliás frequente, da remissão que em contratos de empreitada de obras particulares se faz, ao abrigo do princípio da liberdade contratual estabelecido no art.405º, nº1º, C.Civ., para o regime das empreita das de obras públicas, que o próprio contrato declara aplicável sempre que nele se não ache prevenida a situação a regular. III - Importa incumprimento definitivo todo o comportamento do devedor que inequivocamente revele que não quer, ou não pode, cumprir. IV - Para legítima oposição da excepção de não cumprimento ( exceptio non adimpleti contractus ) não basta a invocação de um nexo de causalidade ou de interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação do excipiente: para que essa excepção possa ser validamente invocada, esse incumprimento deve ser a causa única e determinante da recusa de cumprir por parte do mesmo. V - Dado que, conforme art.432º C.Civ., e salvo contrário preceito, a resolução se opera através de declaração nesse sentido efectuada à contraparte, deverá ter-se por consumada, pelo menos, com a citação para a acção em que tal se invoque ou pretenda, mais propriamente não competindo, nessa parte, ao tribunal que declarar validamente resolvido o contrato. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 5/8/99, A e mulher B moveram à "C - Sociedade de Construções, Lda", acção declarativa com processo comum na forma ordinária, que foi distribuída à 3ª Secção do 8º Juízo Cível do Porto. Em articulado inicial com 81 artigos, alegaram, em indicados termos, o incumprimento pela Ré de contrato, por eles com ela firmado, de empreitada de remodelação e ampliação de uma vivenda, orçamentadas em 39.170.000$00, com acrescido IVA, e a acabar em 20/6/99. Pediram que - se declare resolvido o contrato de empreitada alegado por incumprimento da Ré e que a mesma seja condenada a restituir o montante de 13.355.000$00 que constitui a diferença entre o realizado e o recebido a mais dos custos reais de acordo com a lei -, com juros, à taxa legal, desde a citação, e, ainda, a pagar compensação por danos não patrimoniais no montante de 2.000.000$00, com juros à mesma taxa. Subsidiariamente, pediram que se declarasse findo o falado contrato e a condenação da Ré - no que se vier a averiguar (em termos) de enriquecimento sem causa no respeitante à diferença de custos efectivos em obra feita e do que realmente recebeu ( , ) com juros legais -. Em contestação com 325 artigos, e reportada a final aos arts.428º, nº1º, 432º, 762º, nº2º, 813º, 2ª parte, 1207º, 1216º, nº1º, e 1229º, C.Civ., a Ré opôs, em resumo, falta de colaboração dos donos da obra e do projectista, somarem os seus créditos, relativos também a trabalhos adicionais, 45. 523.038$60, e ter interrompido os trabalhos por os AA não terem efectuado os pagamentos devidos. Em reconvenção fundada na desistência da empreitada por banda dos AA, pediu a condenação destes a pagar-lhe 3.145.127$00. Alegando, com indicados fundamentos, ter direito de regresso contra o Eng. D, projectista e fiscal da obra, a empreiteira demandada, invocando ainda os arts. 493º, nº2º, 497º, 762º, nº2º, e 798º C.Civ., deduziu, por último, incidente de intervenção principal provocada do mesmo. Houve réplica, em que se incluiu oposição ao incidente referido. Todavia admitida a intervenção requerida, o chamado, citado, não apresentou contestação. Assim findos os articulados, foi lavrado saneador tabelar, com seguida indicação dos factos assentes e da base instrutória. Instruída a causa, e após julgamento, foi proferida, em 16/10/2001, sentença que julgou improcedente a reconvenção, e procedente, em parte, a acção. Declarando resolvido o contrato de empreitada em questão, essa sentença condenou a Ré a restituir aos AA a diferença entre o valor recebido dos mesmos e o valor dos trabalhos executados, no montante de 27.092. 000$00 + 676. 000$00 + 568.000$00 + valor, a quantificar em execução de sentença, dos trabalhos referidos nos nºs 100, 102 (com excepção do ponto 4), 103, 104 e 105 do elenco dos factos julgados provados, acrescendo juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, A Relação do Porto julgou improcedente a apelação da Ré e confirmou a sentença impugnada. A assim vencida pede, agora, revista dessa decisão, deduzindo, em fecho da alegação respectiva, as conclusões que seguem: 1ª - Ao rejeitar o conhecimento do recurso da matéria de facto, o Tribunal da Relação não considerou o cumprimento expresso pela apelante do art.690º-A CPC na redacção do DL 183/2000, de 10/ 8, interpretando-o e aplicando-o com o sentido e alcance anterior ao ( resultante ) da revisão operada por esse diploma legal. 2ª e 3ª - Do não conhecimento do recurso em matéria de facto fora das hipóteses previstas na lei resulta a eliminação de um grau de recurso em matéria de facto, e tal assim em consequência de nulidade do acórdão por omissão de pronúncia nos termos dos arts.668º, nº1º, al.d), e 716º, nº1º, CPC, impondo-se a anulação da decisão recorrida e a baixa do processo ao Tribunal da Relação, a fim de se fazer a reforma do acórdão nos termos do art.731º, nº2º, CPC, conhecendo-se efectivamente da impugnação da matéria de facto. 4ª - A aplicação supletiva pelas instâncias do regime do DL 405/93 (de 10/12) a uma empreitada de obras particulares viola as disposições do Código Civil de natureza imperativa que deveriam ter aplicado, maxime os arts.1216º e 1229º. 5ª - Uma vez que, por manifesta insuficiência dos elementos do projecto, a obra nunca poderia ser contratada por preço global - arts.8º e 9º do DL 405/93, o regime desse diploma não podia ser aplicado à empreitada em questão. 6ª - A aplicação de regras do regime de empreitadas de obras públicas do DL 405/93 com a consequente desaplicação do conteúdo do contrato expressamente convencionado pelas partes em matéria de verificação e consequências da mora (cláusula 6ª), fornecimento de elementos e adicionais (cláusulas 2ª, nº1, e 9ª), obrigações do dono da obra (cláusula 9ª) , e verificação de causa justificativa da suspensão dos trabalhos, e, portanto, a situações não omissas no contrato, viola o princípio da liberdade contratual consagrado no art.405º, nº1º, C.Civ. 7ª - Resulta da matéria de facto provada ter sido vontade inequívoca das partes definirem por acordo não sujeito a forma escrita o desenvolvimento do programa da empreitada, como permitido pelo art.222º, nº1º, C.Civ., que as instâncias violaram por desaplicação. 8ª - Declarando a mora e decretando a resolução do contrato contra os factos apurados sob os nºs 5, 11 e 108 da sentença, de que decorre que a prestação da Ré, além de possível, seria previsivelmente cumprida com encurtamento dos prazos contratados, as instâncias violaram o regime do art. 804º, nº2º, C.Civ. 9ª - E, bem assim, os regimes substantivos dos arts.236º, nº1º, quanto à interpretação e aplicação da cláusula, e 428º C.Civ., quanto ao funcionamento da excepção, ao afastarem o direito de suspensão dos trabalhos e a aplicação da excepção do não cumprimento, quando resulta dos factos 108 a 111 da sentença que as partes calendarizaram em 16/1/99 a programação dos trabalhos a efectuar pela empreiteira e dos pagamentos a efectuar pelos AA e que estes incumpriram a obrigação de pagamento de prestação logo nesse mês de Janeiro de 1999, desaplicando ainda o regime expressamente convencionada entre as partes na cláusula 10ª, nº1º, al.c), do contrato de empreita da a fls.19 ss. 10ª - Da liberdade de forma da declaração negocial, conjugada com a previsão expressa da validade das convenções verbais posteriores à celebração de negócio reduzido a escrito por vontade das partes, resulta a admissibilidade das estipulações não escritas relativas a aditamentos e alterações introduzidas pelos donos da obra e aceites pela empreiteira, violando o regime dos arts.219º e 222º, nº2º, C.Civ. a decisão que declara a invalidade de tais instruções - decisão, assim, mal confirmada pelo Tribunal da Relação. 11ª - A condenação da Ré - na restituição aos AA da diferença entre os trabalhos realizados e o recebido - importa, além do pedido de restituição da - diferença entre o realizado e o recebido a mais dos custos reais de acordo com a lei -, a condenação na devolução dos montantes de IVA que os AA estão obrigados por lei a pagar e a Ré a receber, o que viola o regime substantivo do art.1º CIVA e o o regime processual do art.661º, nº1º, CPC, devendo a decisão ser reformulada, neste segmento, em conformidade com as disposições contratuais e legais relativas a tal imposto, e, sempre, com absolvição da Ré do pedido, matéria cujo conhecimento a Relação omitiu, cometendo nulidade. 12ª - Resulta dos factos provados relativos à celebração do contrato, convenções escritas e verbais de alterações e aditamentos, quantificação de adicionais, calendarização de execução e pagamentos em Janeiro de 1999, incumprimento de obrigação de pagamento pelos AA de prestação fixada nesse mês, paralisação dos trabalhos, e propositura da acção, terem sido os AA quem se constituiu em mora, deixando de cumprir pontualmente o contrato, pelo que as instâncias, ao declararem e confirmarem, contra a matéria de facto provada, o - manifesto incumprimento da Ré -, além de ofenderem as demais disposições indicadas nestas conclusões, violaram o regime dos arts.406º, nº1º, e 1229º C.Civ. 13ª - Pelo que deve ser revogada também neste segmento e substituída por decisão que condene os AA no pagamento do pedido reconvencional, indemnizando a Ré pelos gastos, trabalho e proveito que poderia tirar da obra, como é de lei. Houve contra-alegação, e corridos os vistos legais, cumpre decidir. Relativa ao apuramento da matéria de facto, a primeira questão a resolver é a suscitada nas três primeiras conclusões da alegação da recorrente. Para a apreciar, importa ter em atenção os factos que seguem: - A alegação apresentada pela então apelante, a fls.567 a 614 dos autos, tem 47 páginas, as últimas (pouco mais de) 4 das quais (fls.610 a 614) de conclusões subordinadas a numeração romana até 10, mas desdobradas, com excepção da 3ª, 7ª e 9ª, em várias alíneas, a saber, a 1ª em 4, a 2ª em 7, a 4ª em 4, a 5ª e a 6ª em duas, a 8ª em 3, e a 10ª em 5. - Relativa a 2ª à impugnação da matéria de facto fixada na 1ª instância, citam-se nela os arts.352º C.Civ. e 653º, nº2º, CPC. - A fls.642, foi lavrado despacho convidando a apelante a sintetizar as conclusões referidas, o que fez a fls.650 ss. - Na 2ª parte desse mesmo despacho, e com referência à impugnação da matéria de facto e ao disposto no art.690º-A, nºs 1º, als.a) e b ), e 2º, CPC, a apelante foi convidada, ainda, a esclarecer quais os concretos pontos de facto que considerava julgados incorrectamente, e, com identificação das testemunhas e depoimentos de parte (respectivamente relevantes), quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que, a seu ver, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. - A tal reportada a segunda das conclusões oferecidas em seguida, mencionam-se nela os factos em crise e os elementos de prova tidos por relevantes, com, nomeadamente, remissão para a acta da audiência de discussão e julgamento e indicação das folhas do processo de que consta. - No acórdão sob revista entendeu-se não ser de conhecer do recurso nessa parte. - Essa decisão fundou-se em que a apelante não indicou - quais os concretos meios probatórios de gravação realizada no processo ( , ) nem quaisquer depoimentos como se refere naquele despacho de fls.642 - (pág.23 desse acórdão, a fls.684 dos autos). - A audiência de discussão e julgamento iniciou-se em 7/3/2001 ( fls.450 ). Isto posto: Tal sendo o que menos bem se mostra contrariado em subsequente acórdão da Relação a fls. 789, proferido em obediência ao(s) art(s) 668º, nº4º (e 716º) CPC, a recorrente tem, se bem parece, razão ao sustentar que a versão aplicável do art.690º-A CPC nestes autos é a introduzida pelo DL 183/2000, de 10/8, que consoante seu art.8º, entrou em vigor em 1/1/2001. O acórdão acima referido invoca a este respeito a data em que o processo se iniciou; mas essa data é irrelevante para este efeito. Na realidade: Em vista, desde logo, da data da citação, o nº3º do art.7º do DL mencionado revela-se, efectivamente, sem cabimento na hipótese ocorrente. Na falta, porém, que ocorre, de disposição transitória que tal expressamente contrarie, a regra cogente no processo civil em sede de aplicação das leis no tempo é, como bem sabido, a da aplicação imediata da lei nova aos actos que se praticarem a partir do início da sua vigência (1). É, por isso, realmente, e como já adiantado, a versão do art.690º-A CPC introduzida pelo DL 183/2000, de 10/8, que tem cabimento neste caso. Esse DL deixou incólume o nº1º, als.a) e b), daquele artigo, em que, antes de mais, se louva o falado despacho a fls.642; mas o no mesmo invocado nº2º passou então a ter a redacção que se segue: - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº2 do art.522º-C-. Aditado pelo DL aludido, este último reza assim: - Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento -. Isso mesmo, de facto, constando da acta da audiência de discussão e julgamento, é, aliás, a tal também que se faz referência no texto da alegação da então apelante. Importa, com efeito, ver o que, a este propósito, a ora recorrente disse e fez, neste âmbito, na alegação que ofereceu na apelação: - indicou, de facto, expressamente os factos impugnados, a saber, os constantes dos nºs 17,18, 20, 22, 29, 30, 31, 32, 34, 48, 50, 70, e 122 - v. B.1.1. dessa alegação, respectiva pág.5, a fls.571 dos autos (2); - deu, com referência a esclarecimentos de peritos e depoimento de parte de interveniente, efectivo cumprimento ao nº2º do art.690º-A CPC acima transcrito; - e tal assim, até, com somada transcrição do tido pela recorrente como relevante - v. pág.16 ss da alegação aludida, a fls.582 ss dos autos. Da falada conclusão 2ª, consta, entre o mais que menciona, simples remissão para a predita acta, com indicação das pertinentes folhas dos autos, em vez de referência aos suportes técnicos, como melhor no texto da alegação se fez, aludindo então ao início e termo da gravação assinalado na acta (3): mas nem tal, se bem parece, impedia o conhecimento do recurso nessa parte. Como assim, ao decidir não apreciar a impugnação da fixação da matéria de facto efectuada na 1ª instância deduzida pela apelante no texto e na sobredita conclusão 2ª da alegação respectiva, a Relação não terá, se bem se entende, julgado bem. Limitando-se, em suma, a consideração formal do disposto no art.712º, nº1º, não terá, exactamente, incorrido na nulidade, de natureza formal também, prevenida na al.d) do nº1º do art.668º, aplicável por remissão do nº1º do art.716º, todos do CPC : não se trata, propriamente, de omissão do conhecimento do recurso da decisão da matéria de facto, mas sim, afinal, do seu conhecimento em parâmetros, de ordem formal apenas, que não eram os devidos. Haverá, assim, que observar o disposto no art.729º, nº3º, e, uma vez que a deficiência da decisão da matéria de facto em questão não impede a definição do direito aplicável, também o prescrito no art.730º, nº1º, CPC. Ainda neste âmbito, e com referência ao predito acórdão a fls.789 dos autos, importa fazer notar que a doutrina de ARC de 3/10/2000, CJ, XXV, 4º, 28, que, com apoio no preâmbulo do DL 39/ 95, de 15/2, considera o julgamento que o art.690º-A CPC prevê limitado ao controlo da razoabilidade da convicção do juiz de 1ª instância, com eventual correcção de - pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros - do mesmo, não indo o tribunal de recurso - à procura de uma nova convicção -, tem sido contrariada em vários acórdãos deste Tribunal. Nomeadamente assim, por último, e citando anteriores, em acórdão de 4/11/2003, proferido no Proc.nº3001/03-1ª, com sumário, subordinado à rubrica - Gravação da prova -, no nº75 dos Sumários de Acórdãos deste Tribunal organizados pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo, p.14, final da 2ª col,-15. Por sua utilidade na hipótese vertente, e nosso o destaque, passa-se a transcrever esse sumário: I - O Tribunal da Relação, ao reapreciar, ao abrigo do art.712º CPC, as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, funciona como um verdadeiro tribunal de substituição, não se podendo limitar a considerar razoável o que a 1ª instância decidiu a esse respeito. II - Impõe-se, assim, que esse Tribunal exteriorize a análise crítica das provas e a fundamentação decisiva para a convicção adquirida relativamente aos concretos pontos da matéria de facto postos em crise (art.653º, nº2º, CPC). III - Os casos de insuficiência de apreciação e decisão neste domínio não consubstanciam nulidade por omissão de pronúncia, não contendendo com a validade do acórdão, mas um mau uso do texto legal em referência. IV - Deve, pois, ser ordenada a remessa dos autos à 2ª instância, nos termos do art.729º, nº3º, CPC, para a apelação ser julgada de novo, se possível pelo mesmo colectivo, com efectiva reapreciação da prova produzida e gravada. Dando, agora, cumprimento, ao disposto no art.730º, nº1º, CPC: É, na prática, relativamente frequente a remissão que em contratos de empreitada de obras particulares se faz, ao abrigo do princípio da liberdade contratual estabelecido no art.405º, nº1º, C.Civ., para o regime das empreitadas de obras públicas (4), que o próprio contrato declara aplicável sempre que nele se não ache prevenida a situação a regular. Ponto é, porém, na verdade, que esse regime não colida com normas imperativas (ius cogens) da lei civil, como assinalado em ARP de 17/11/92, CJ, XVII, 5º, 220 ss, citado na sentença apelada. Segundo o acórdão recorrido, os arts.1216º e 1229º C.Civ. não têm essa natureza, podendo o que determinam ser afastado pela vontade das partes. Firmou-se para tanto em que, regulados nesses preceitos, interesses particulares, o regime que estabelecem não visa salvaguardar interesses de ordem pública, nomeadamente o de protecção da parte mais fraca (5). Não se vê que de tal se deva discordar. Salienta-se, por outro lado, no acórdão sob recurso (final da respectiva pág.24, a fls.685 dos autos), resultar do (nº5 do) próprio contrato em questão (a fls.15 a 20 dos autos) que foi a ora recorrente que o elaborou com base na proposta que apresentou, nos elementos fornecidos pelo dono da obra e nas informações colhidas em processo de avaliação, análise e estudo desse dossier, em várias reuniões, vertidas para o caderno de encargos anexo (facto nº118). Como assim, foi a própria recorrente que entendeu verificarem-se então as condições necessárias para a fixação dum preço global; e, contra o que pretende, não se vê que da matéria de facto provada sob os nºs 3, 4, 5, 73 e 74 necessariamente resulte a exclusão de tal regime, por insuficiência dos elementos do projecto Como observado na sentença apelada (a fls.548, último par.-549), e de modo nenhum também satisfatória se revelando a justificação para tanto aduzida na alegação da recorrente (respectiva pág.15, a fls.760 dos autos), nem de tal houve reclamação, nomeadamente nos termos dos arts.13º, 14º e 139º do DL 405/93, de 10/12. Ou, ainda, simplesmente reportada à cláusula 9ª, nº3º, do contrato, que cometia aos ora recorridos a obrigação de facultar os elementos necessários à execução da empreitada. Como bem assim notado naquela sentença, visto, até, que a própria Ré, em reunião realizada em Janeiro de 1999, foi ao ponto de prever a conclusão da obra em Maio seguinte, não foram, afinal, a falta de desenhos de pormenor, as alterações exigidas pelo(a) dono(a) da obra, os trabalhos não previstos inicialmente, o atraso no fornecimento das telhas, nem a averiguação, pela cidade do Porto, ao longo de 1998, de soluções de pormenor que impediram a conclusão dos trabalhos no prazo estipulado. E certo vem a ser, por fim, que a empreitada não só não foi concluída em 31/5/99, data de prevista antecipação do seu fim, como não o foi também em 20/6/ 99, conforme inicialmente estabelecido. Valendo, pois, no caso, em contrário do sustentado na conclusão 8ª da alegação da recorrente, o disposto nos arts.804º, nº2º, e 805º, nº2º, al.a), C.Civ., é, todavia, exacto que, supletiva a aplicação do DL 405/93, e regulada a hipótese de mora na cláusula 6ª do contrato ajuizado, fica, no caso, sem cabimento a previsão - em que as instâncias se louvam - dos arts.181º e 215º, nº3º, daquele DL (6). Procedendo, nessa parte, a alegação da recorrente, as instâncias terão, portanto, julgado, neste ponto, menos bem, ao considerarem, sem mais, válida, com as respectivas consequências, a resolução do contrato com esse fundamento. Mas nem era apenas tal que, se bem parece, vinha invocado no articulado inicial. De novo percorrido esse articulado (um tanto confuso, aliás), emerge, com efeito, dos seus itens 52, 57, 72, 75 e 80 que é, em último termo, a paralisação ostensiva dos trabalhos e, afinal, efectivo abandono da obra por parte da empreiteira demandada que justificam a pretendida resolução ou rescisão do contrato em causa (7). E, na realidade, degradadas as relações entre as partes por causa do andamento da obra ( factos nºs 112 e 113), conforme facto nº114, os trabalhos estiveram parados durante o mês de Março. É, por outro lado, seguro ser, sem mais, de considerar que importa incumprimento definitivo todo o comportamento do devedor que inequivocamente revele que não quer (ou não pode) cumprir (8). Não constando que os trabalhos tenham sido efectivamente retomados, foi a tal que, se bem se entende, a recorrente opôs, com referência, ainda, à cláusula 10ª, al.c), do contrato em referência (fls.19 dos autos) a excepção de incumprimento (por banda dos ora recorridos) prevista no art. 428º C.Civ., louvando-se para tanto nos factos nºs.108 a 111 (pág.15 e início da 16 da alegação respectiva, a fls.670 e 671 dos autos). Sempre, em todo caso, de relacionar esses factos com os antecedentes e consequentes, importa considerar que em Dezembro de 1998, a ora recorrente acusou, em fax dirigido ao interveniente, a falta de pagamento dos autos de medição de Outubro, Novembro e Dezembro, e em 4/1/99 escreveu uma carta aos ora recorridos comunicando, nomeadamente, ter mantido uma carga de trabalho normal, apesar de não lhe ser efectuado qualquer pagamento, marcando reunião para efectuar balanço da situação (factos nºs 106 e 107). Em reunião que teve lugar em 16/1/99, efectuou-se a programação ou calendarização dos trabalhos a executar, previu-se para 31/5/99 o fim da obra, e assentou-se também em calendarização dos pagamentos, segundo a qual os AA ora recorridos efectuariam os pagamentos em falta à razão mensal de 2.000.000$00, mais IVA, com início logo em Janeiro ( factos nºs 108 e 109 ). Os AA só entregaram 500.000$00, e em 13/2/99, a recorrente enviou carta à recorrida indagando, além do mais, do pagamento acordado ( factos nºs 110 e 111 ). Degradadas as relações entre as partes por causa do andamento da obra ( factos nºs 112 e 113), os trabalhos estiveram parados durante o mês de Março (facto nº114). Em carta datada de 31 desse mês o ora recorrido remeteu à ora recorrente carta (a fls.84/85) em que afirmava ter a mesma concordado não ter nessa altura sido efectuado trabalho real correspondente aos 44.000.000$00 que já tinha recebido (factos nºs 115 e 120); ao que a recorrente respondeu pela carta a fls.88/89, de que consta que - sobre eventuais - dinheiros adiantados - concluiu-se, após análise sumária, que eles andariam pela casa dos 1.000 a 2.000 contos (...) - (factos nºs 116 e 121). Ora: Os trabalhos a mais estão, de facto, previstos e regulados na cláusula 9ª do contrato em questão (fls.19). Como assim, e nem, de facto, a simples boa fé tal permitindo no caso dos autos, não se vê que efectivamente caiba aplicação do art.26º DL 405/93, não directamente aplicável, tendo sido em vista da remissão que no contrato ajuizado se fez para o regime das empreitadas de obras públicas que a sentença apelada menos bem o trouxe à colação. Vale, isso sim, o disposto no art.222º, nº2º, C.Civ., como melhor esclarecido em Ac.STJ de 30/ 11/83, BMJ 331/549, que a recorrente cita apropositadamente. Em todo o caso: Mesmo considerada também a cláusula 10ª, nº1º, al.c) do contrato em questão, em que se acordou constituir causa justificativa de suspensão dos trabalhos a falta de pagamento por mais de 30 dias, há, se bem parece, que dar, neste ponto, razão à sentença apelada quando, em tema de excepção de incumprimento, obtempera utilmente, com implícita referência ao art.762º, nº2º, C.Civ., que a recorrente tinha já recebido valor superior ao dos trabalhos executados ( fls.549 ) (9). Devendo o alcance dessa excepção ser analisado do ponto de vista da economia contratual, não pode servir de cobertura ao aproveitamento por uma parte de dificuldades momentâneas da contra-parte para deixar ela própria de executar a sua obrigação. Só sendo legítima a recusa da prestação da empreiteira em medida proporcional ao que faltasse ser prestado pelo dono da obra, mostra-se admitido, consoante preditos factos nºs 116 e 121, que aquela tinha recebido adiantado montante na ordem dos mil ou dois mil contos, não podendo, pois, utilizar a exceptio como pretexto, ao fim e ao cabo, para deixar de cumprir o contrato (10) . Não basta, na verdade, a invocação de um nexo de causalidade ou de interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação do excipiente : para que a exceptio possa ser validamente invocada, esse incumprimento deve ser a causa única e determinante da recusa de cumprir por parte do mesmo. E - se o comportamento objectivamente manifestado pelo excipiente indicia não ser esse efectivamente o motivo da sua recusa em prestar, então a excepção é ilegítima - (11). Neste particular, terão as instâncias julgado bem, a nosso ver, por não ser, realmente, de acolher a excepção de não cumprimento arguida pela ora recorrente. Não parece, por outro lado, que a sobredita cláusula 10ª, al.c), do contrato em referência (fls.19 dos autos), efectivamente exclua a comunicação imposta pelo art.166º, nº3º, do DL 405/93: uma coisa, na verdade, é (alegadamente) existir causa justificativa de suspensão dos trabalhos; outra, diferente, vem a ser a obrigação de comunicar à contraparte a iminência dessa suspensão. E não se vê, por último, como retirar ao abandono da obra pela empreiteira, que, nas mais circunstâncias provadas, a sua prolongada suspensão manifesta, o significado inequívoco de que não pode, ou não quer, cumprir o contrato e, deste modo, as consequências próprias do incumprimento definitivo do mesmo, designadamente, a faculdade da sua resolução pelos ora recorridos : com, ao fim e ao cabo, o acerto de contas admitido, se não mesmo pretendido, na carta referida nos factos nºs 116 e 121 (12). Conforme art.432º C.Civ., a resolução opera-se através de declaração nesse sentido efectuada à contraparte, e deverá ter-se por consumada, pelo menos, com a citação da ora recorrente para esta acção. Mais propriamente não competindo, nessa parte, à sentença apelada que declarar validamente resolvido o contrato sub judicio, bem também, à luz do que vem de expor-se, se terá julgado improcedente a reconvenção. Na conformidade, porém, do antes de mais observado quanto à matéria de facto, sempre haverá agora que avaliá-la de novo, tendo em atenção o que nesse âmbito vier a decidir-se: sendo a tal que cumprirá aplicar o direito nos parâmetros ora adiantados. Não pode, por fim, deixar de dar-se razão à recorrente quando salienta não terem as instâncias atendido, como se devia, à incidência de IVA sobre as quantias a pagar pelos ora recorridos, legal e contratualmente prevista - v., respectivamente, art.1º CIVA e claúsula 3ª, nº1º, do contrato ajuizado. Considerado, tanto quanto se entende, no acórdão sob recurso, que de tal só em subsequente liquidação haveria que cuidar, ainda aí não terá sido o art.661º, nº1º, disposição da lei processual, por sua natureza formal, e, consequentemente, a al.e) do nº1º do art.668º CPC, que se infringiu, sendo, antes, substantivamente, o sobredito regime legal e contratual, que importa (fazer) respeitar, fazendo, a disso ser caso, referência expressa ao imposto aludido na decisão a proferir. Alcança-se, deste modo, a decisão que segue : Concede-se, em parte, a revista pretendida. Na conformidade do exposto e do disposto no art.729º, nº3º, CPC, determina-se, o regresso dos autos à instância recorrida, a fim de aí, pelos mesmos juízes, se possível, se proceder a efectivo julgamento da matéria de facto tendo em conta todos os elementos probatórios referidos na conclusão 2ª da alegação da recorrente ( em que, quanto à prova gravada, há menção do suporte técnico respectivo por remissão para a competente acta da audiência de discussão e julgamento - dele, aliás, havendo menção explícita no texto dessa alegação), devendo, consoante nº1º do subsequente art. 730º, aplicar-se, onde pertinente, à matéria de facto assim apurada o enquadramento jurídico indicado neste acórdão. Custas consoante se decidir a final. Lisboa, 19 de Outubro de 2004 Oliveira Barros Salvador da Costa Ferreira de Sousa ---------------------------- (1) Manuel de Andrade, - Noções Elementares de Processo Civil - (1976), 41 ss ( nº17.) e 46 ( nº19.), Anselmo de Castro, - Direito Processual Civil Declaratório -, I, 56, Antunes Varela e outros, - Manual de Processo Civil -, 2ª ed., 47 ss ( nº16.), e 53 ss ( nº18 ). (2) Admirando, embora, o esforço desenvolvido, nota-se que o exercício estatístico a fls. 572 a 574 - C.1. da alegação da apelante resulta sem relevância em termos de direito. (3) V. Fernando Amâncio Ferreira, - Manual dos Recursos em Processo Civil -, 5ª ed. (2004), 163. (4) Estabelecido ao tempo pelo DL 405/93, de 10/12, depois substituído pelo DL 59/99, de 2/3. (5) É o que se pode ler na pág.25 do mesmo (parte final), a fls.686 dos autos. Não é, pois, exacto que tenha sido - sem qualquer fundamentação - que o acórdão recorrido afastou a natureza cogente dos arts.1216º e 1229º C.Civ, como sem razão afirmado na pág.9 da alegação da recorrente (1º par.), a fls.754 dos autos. (6) O primeiro faculta, na verdade, a resolução do contrato em caso de simples mora; o segundo determina, por sua vez, que no caso de resolução pelo dono da obra a título de sanção aplicável por lei ao empreiteiro, este suportará inteiramente as respectivas consequências naturais e legais. É, aliás, se bem parece, com menos a propósito também que a Relação invoca o art.713º, nº5º, CPC - v. fls.26 e 27 do acórdão sob recurso, a fls.687, 1º par, e 688 dos autos, final do 1º período do último par. Essa forma sumária de julgamento pressupõe, na verdade, que todas as questões sus citadas pelo recorrente tenham encontrado resposta cabal na decisão recorrida (Lopes do Rego,"Comentários ao CPC" (1999), 487-II ): mas tal assim, se bem parece, de modo a tornar supérfluo qualquer aditamento. A ser deste modo, menos bem se tem vindo, na prática, a trazer à colação a sobredita disposição legal quando, como neste caso, tidos, ainda, por necessários considerandos adicionais. (7) O item 46º da petição inicial baralha ou mistura os conceitos de - rescisão ou revogação ou como outros preferem resolução" (sic) do contrato, Sempre, com efeito, por revogação ou distrate entendido o contrário consenso a que o nº1º do art.406º C.Civ. alude, a rescisão ou resolução é um modo bem diferente de extinção do contrato, por declaração unilateral de vontade de uma das partes (v. art.436º, nº1º, C.Civ.), só eficaz quando efectivamente ocorra o funda- mento para tanto invocado. Para melhor esclarecimento, v. Antunes Varela, - Das Obrigações em Geral -, II, 7ª ed. (1999), 275 ss. (8) Baptista Machado, RLJ, 118º/332, nota 35. (9) V. Pires de Lima e Antunes Varela, - C.Civ. Anotado -, I, 4ª ed., 406, nota 3 ao art.428º, onde se explica só ser atendível a invocação da exceptio quando não contrarie o princípio geral da boa fé. Foi este limite da não contrariedade do princípio fundamental da boa fé que a 1ª instância julgou - crê-se que bem - ultrapassado, de modo tal que leva à negação daquele meio de defesa. (10) V. José João Abrantes,- A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português - , 110 ss (nº 9. 3.3.) e 119 ss ( 10.). Nomeadamente : - Interessará, sobretudo, evitar que o exercício da excepção tenda a desviá-la do seu fim -, - que é o de possibilitar a total execução da relação contratual ( idem, 110 ) - e, - nomeadamente que o excipiente vise aproveitar a inexecução da outra parte como pretexto para se subtrair ele próprio ao cumprimento - (destaque nosso ). (11) Ibidem, 125-126. (12) Onde, além do mais, se lê : - ( ...) melhor seria que as contas fossem acertadas ( ...) -. |