Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00008137 | ||
Relator: | CURA MARIANO | ||
Descritores: | CONSTITUCIONALIDADE PRINCIPIO DA IGUALDADE ADMINISTRADOR JUDICIAL | ||
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Nº do Documento: | SJ199103190804981 | ||
Data do Acordão: | 03/19/1991 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N405 ANO1991 PAG161 | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 257/90 | ||
Data: | 07/03/1990 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR CONST - DIR FUND. | ||
Legislação Nacional: | CONST82 ARTIGO 13 N2. DL 276/86 DE 1986/09/04 ARTIGO 8 N3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO TC DE 1985/11/13 IN ACTC V6 PAG511. ACÓRDÃO STA DE 1977/03/03 IN BMJ N269 PAG194. | ||
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Sumário : | I - O principio de igualdade dos cidadãos perante a lei, consignada no artigo 13 da Constituição da Republica Portuguesa, não impõe a uniformidade absoluta de regimes juridicos para todos os cidadãos, consentindo a sua diversidade assente em diferença de situações. II - O artigo 8, n. 3, do Decreto-Lei n. 276/86, de 4 de Setembro, não ofende aquele principio constitucional de igualdade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de Justiça: Banco A, no processo de recuperação da Empresa B, Lda, pendente no 3 Juizo da Comarca de Aveiro, interpos recurso de agravo do despacho que ordenou que o recorrente fosse um dos tres maiores credores a contribuir para o pagamento da remuneração devida ao administrador nomeado. Nas suas alegações de recurso - ao agravo interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra foi negado provimento - alega: 1) no ambito do DL. 177/86, qualquer solução que se encontre para a mpresa tem de ser igual para todos os credores; 2) a designação dos tres maiores credores antes do termo do prazo das reclamações de creditos pode ter como consequencia a alteração da relação entre os varios credores, particularmente aqueles que venham a juizo em momento posterior; 3) no nosso Direito, em materia de despesas judiciais, rege o principio da proporcionalidade de acordo com o interesse submetido a Juizo, ou seja, em função da quantia reclamada; 4) com a recuperação da empresa, os maiores credores apenas perdem menos, ja que, se essa recuperação não se concretizar, esses credores são os que perdem mais pois que tiveram que suportar sozinhos, despesas que são no interesse de todos, sendo incerto o seu reembolso, pelo que, 5) o n. 3 do artigo 8 do DL 276/86 viola, clara e frontalmente, o principio da Justiça inerente a natureza do Estado de Direito, consagrado na Constituição da Republica Portuguesa. Mas, 6) os tres maiores credores da empresa objecto do processo especial do DL 177/86, ao serem obrigados a adiantar os fundos necessarios a remuneração e reembolso de despesas do administrador judicial, estão a ser alvo de um tratamento, alem de injusto, desigual, em relação aos demais credores. Na verdade, 7) sendo perfeitamente identicos os direitos dos credores face a empresa, descontada, as diferenças de natureza do credito, nada justifica serem diversas e desiguais as obrigações; 8) o n. 3 do artigo 8 do DL 276/86 viola, igualmente, o principio da igualdade, consagrada no artigo 13 da C.R.P.; 9) este preceito (n. 3 do artigo 8 do DL 276/86) e manifestamente inconstitucional por violar tambem os artigos 277 n. 1, 13 e 207 da C.R.P. O Excelentissimo Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal limitou-se a apor o seu visto. Ha que conhecer. O principio da igualdade contemplada pelo artigo 13, n. 2 da Constituição da Republica Portuguesa não pode ser encarado como contendo apenas um dever de igual aplicação da lei. Ha que encara-lo tambem de harmonia com a formula "dar tratamento igual ao que e igual e tratamento desigual ao que e desigual". Ora, a averiguação da existencia de um particularismo que justifique uma desigualdade de regime juridico e concluir de harmonia com tal averiguação e primariamente tarefa do legislador. Dai que, conforme refere a doutrina - Constituição da Republica Portuguesa Anotada, Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1 volume pagina 149 - o principio da igualdade, em sede de controle da constitucionalidade, constitua uma proibição do arbitrio. Como se refere no Acordão n. 204/85, de 13 de Novembro de 1985, os Acordãos do Tribunal Constitucional - 6 volume pagina 511 - "a realização" material de igualdade - le-se no citado Acordão n. 458 - "exige diferenciações, o que postula numa intervenção e concretização diferenciadora do legislador em que este goza de uma margem de liberdade de actuação mais ou menos ampla". "As instancias fiscalizadoras da constitucionalidade não compete, por isso, "substituirem-se" ao legislador - - ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua propria ideia do que seria, no caso, a solução "razoavel", "justa" e "oportuna" (do que seria a solução ideal do caso), mas apenas afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insusceptiveis de credenciar racionalmente". Em suma, a igualdade perante a lei pretende afastar a discriminação das pessoas. Todos, perante o normativo tem direito a beneficiar dos direitos legislados e a sujeitar-se aos deveres que ele impõe. O que implica tratamento semelhante para os que se encontram em situações semelhantes. Como se diz em parecer da Comissão Constitucional - Pareceres volume I, pagina 11 - "tem de entender-se em principio que viola a regra constitucional da igualdade, o preceito que da relevancia a um destes titulos, para, em função dele beneficiar ou prejudicar um grupo de cidadãos perante os restantes". O que implica o binomio igualdade de direitos - igualdade de condições ou, como se diz no Acordão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3-3-1977, in B.M.J. 269-124- "o principio da igualdade dos cidadãos perante a lei consignada no artigo 13 da Constituição não impõe a absoluta uniformidade de regimes juridicos para todos os cidadãos, qualquer que seja a situação em que se encontrem, permitindo diversidade de regimes justificada por diferença de situações(...)". Ora, o Decreto-Lei 276/86, perante a evolução economica dos ultimos anos do nosso Pais e os incomensuraveis interesses consequentes teve como principal fim evitar a falencia de empresas que, apesar da sua falencia tecnica, poderão, mediante medidas adequadas, ressurgir, recuperando economicamente. Para tanto, aquele diploma legal veio adoptar algumas das suas medidas, criando obrigações e direitos para todos ou alguns dos principais interessados. Uma dessas medidas foi confiar a direcção da empresa a um administrador judicial, pessoa competente e experimentada que a empresa tera que remunerar pelo seu trabalho. So que, perante a previsibilidade de carencia de fundos necessarios o diploma legal veio estabelecer que seriam os tres maiores credores a adiantar os fundos necessarios - artigo 8 n. 3. A primeira vista, a situação parece configurar numa situação violadora do artigo 13, n. 2 da Constituição da Republica Portuguesa. Mas, so aparentemente. E que nesse mesmo n. 3 se acrescenta que os creditos resultantes daquele adiantamento serão "reembolsados pela empresa com preferencia sobre qualquer outro credito". A natureza de credito mais do que privilegiado parece, assim, anular o aparente desiquilibrio da igualdade de direitos, igualdade de condições. Depois ha que ponderar que os maiores credores são sempre os que dispõem de maior poderio economico o que nos permite concluir que são aqueles que se encontram em melhores condições para poderem proceder ao necessario adiantamento de fundos. Depois ha que considerar que aquele Decreto-Lei estabeleceu uma substancial diferença entre os grandes credores e os pequenos credores, atribuindo aos primeiros bem mais direitos do que aos segundos. Assim o artigo 6, ns. 2 e 3 quanto a forma de citação dos quinze primeiros credores; o artigo 12 n. 1, quanto a forma de aviso do dia, hora e local da reunião da assembleia de credores; a forma de votação nesta assembleia em que o numero de votos corresponde ao valor em escudos do credito reconhecido - artigo 14, n. 1, a comissão de credores, presidida, de preferencia pelo maior credor da empresa, fiscaliza e coopera o administrador judicial, tendo que ser ouvida sobre a sua substituição e alteração dos seus poderes e dos orgãos da empresa - artigo 9, n. 3. São assim bem diferentes os direitos concedidos aos tres maiores credores, pelo que bem diferentes poderão tambem ser as obrigações a impender sobre os mesmos. Que, quando se der cumprimento ao referido no artigo 8, n. 3 daquele Decreto-Lei, ja justificaram, como os restantes, sumariamente os seus creditos - artigo 6, n. 1. E não e argumento relevante o dizer-se que o numerario adiantado pode não vir a ser recebido. E um risco como outro qualquer. Risco que condicionara a actuação dos credores quanto aos seus poderes de fiscalização, tornando-os bem mais diligentes. Risco, de resto, que se insere na actuação do proprio credor a quando da constituição originaria do proprio credito reclamado. Dai que o principio da igualdade não se mostre violado, como vem pretendido. Tão pouco não se mostra infringido o principio de justiça inerente a natureza do Estado de Direito, ja que como vimos, o Decreto-Lei contempla direitos desiguais entre credores e preve condições diferentes entre eles. Como consequencia, a constitucionalidade do referido artigo 8 n. 3 do Decreto-Lei 177/86. Pelo que se nega provimento ao agravo. Custas pelo Agravante. Lisboa, 19 de Março de 1991. Cura Mariano, Jorge Vasconcelos, Joaquim de Carvalho. |