Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ORLANDO AFONSO | ||
| Descritores: | CONTRATO DE SEGURO APÓLICE DE SEGURO INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL ACIDENTE DESPORTIVO SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS SEGURADORA PRESTAÇÃO FRANQUIA ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA SEGURO OBRIGATÓRIO DESPORTO CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL NULIDADE DE ACÓRDÃO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 09/08/2016 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA REVISTA PARCIAL | ||
| Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO. DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS - SEGURO DESPORTIVO OBRIGATÓRIO. DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS. | ||
| Doutrina: | - Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, 140. - Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, Almedina, 67. - Ana Brilha, «O novo regime do seguro desportivo – Verdadeira inovação», Desporto & Direito, ano VI, n.º 17, 293, 294. - José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra, 37-38, 47, 61, 103 e ss., 309, 352, 353. - Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II vol., 4.ª Edição, Universidade Católica, 444 e 445. - Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros – Estudo de Direito Civil, Coimbra, 66. - Menezes Cordeiro, «Contrato de Seguro e Seguro de Crédito», II Congresso Nacional de Direito dos Seguros - Memórias, Almedina, 27; Direito dos Seguros, Almedina, 700, 785. - Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro – Estudos, Coimbra, 124 a 128; Contrato de Seguro no Direito Português e no Direito Comparado, Livraria Sá da Costa, 398. - Paulo Cardoso de Moura, «Seguros obrigatórios nas actividades desportivas e de lazer», Desporto & Direito, ano III, n.º 8, 226. - Pedro Romano Martinez, “Lei do Contrato de Seguro” Anotada, Almedina, 38. - Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado”, Vol. I, Coimbra Editora, 223, 224. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.ºS 1 E 2, 238.º, N.ºS 1 E 2, 286.º, 483.º, N.º 1, 562.º. CÓDIGO COMERCIAL (COM): - ARTIGO 426.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 154.º, N.º 1, 615.º, N.º1, AL. B). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 205.º, N.º 1. DECRETO-LEI N.º 146/93, DE 26-04: - ARTIGOS 2.º, 3.º, N.º 1, 5.º, N.º 1, 6.º, 4.º, 10.º. DECRETO-LEI N.º 446/85, DE 25-10 (LCCG): - ARTIGOS 1.º, N.º 1, 10.º, 11.º, N.ºS 1 E 2. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 05/11/1998, PROC. N.º 749/98. -DE 17/02/2001, PROC. N.º 4788/04, E DE 01/03/2001, C.J.S.T.J, TOMO I/2001, 135. -DE 03/03/2009, CJ, ANO XVII, TOMO I/2009, 121. -DE 21/09/2010, CJSTJ, ANO XVIII, TOMO III/2010, 101. -DE 25/10/2012, PROC. N.º 2598/09.9TBVNG.P1.S1. -DE 19/01/2016, PROC. N.º 425910/10.8YIPRT.P1.S1. | ||
| Sumário : | I. A exigência de fundamentação das decisões judiciais tem como propósito permitir ao julgador apreciar criticamente a lógica da decisão que está tomar, facultar às partes o recurso com perfeito conhecimento do percurso seguido pelo decisor e viabilizar o efectivo controle daquela pela instância de recurso. II. A nulidade prevenida pela al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC (2013) apenas abarca, porém, os casos de falta absoluta de motivação e não já aqueles em que a fundamentação padece de erroneidade, incompletude ou deficiência. III. A interpretação do clausulado contratual integrado por cláusulas contratuais gerais deve primeiramente ter em conta as regras interpretativas gerais (artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10), devendo, pois, o intérprete começar por averiguar se o declaratário conhecia a vontade real do declarante e o sentido que o mesmo pretendeu exprimir através da declaração (segundo a regra “falsa demonstratio non nocet”); na hipótese de o declaratário não a conhecer, o sentido decisivo da declaração negocial será aquele que for apreendido por um declaratário medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real; sendo o contrato de seguro um negócioA e formal, a declaração prevalente terá que ter, na letra da apólice, um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 1 do art. 238.º do CC). IV. Caso a aplicação das regras referidas em III permita, ainda assim, determinar mais do que um sentido a uma cláusula contratual geral, prevalecerá o sentido que lhes atribuiria um contraente indeterminado normal (segundo o brocado “ambiguitas contra stipolutarum”) e, na dúvida, o sentido mais favorável ao aderente (n.ºs 1 e 2 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10), o que constitui um afloramento do princípio da protecção do contraente mais débil, desta feita assente na concepção de que o risco assumido pelo predisponente dessas cláusulas deve reverter contra este se nelas fizer uso de disposições desprovidas de clareza e de intelegibilidade. V. A imposição da contratação do seguro desportivo obrigatório (art. 2.º do Decreto-Lei n.º 146/93, de 26-04) radica na necessidade de garantir que os praticantes desportivos e outros agentes por ele abrangidos disporão de recursos financeiros para custear as despesas em que incorram com tratamentos ocasionados por lesões decorrentes do desporto ou assegurar-lhes o pagamento de um valor em caso de óbito ou invalidez permanente. Trata-se de um seguro que visa acautelar a responsabilidade objectiva inerente à actividade desportiva. VI. Resultando da interpretação do clausulado de um contrato de seguro de acidentes pessoais ocasionados pela prática desportiva que a determinação do quantitativo da atribuição patrimonial devida à pessoa segura se acha estritamente correlacionada com o grau de invalidez de que aquela ficou a padecer em consequência do sinistro, é forçoso considerar que, para a determinação da importância a liquidar pela recorrida, não deve o intérprete ater-se nos critérios usualmente empregues na jurisprudência para fixar a indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente, tanto mais que não nos encontramos no domínio da obrigação a responsabilidade civil por factos ilícitos (n.º 1 do artigo 483.º e artigo 562.º, ambos do Código Civil) e que essa atribuição patrimonial é uma mera decorrência do funcionamento desse contrato, desprovida de natureza indemnizatória e impassível de autonomização face à prestação de suportação de risco a cargo da seguradora. VII. Situando-se a incapacidade de que o recorrente passou a sofrer em consequência do sinistro em 15% e posto que, nos termos clausulados, a atribuição da totalidade do capital seguro dependia da verificação de uma invalidez permanente de grau igual ou superior a 66%, é da mais elementar justiça que a atribuição patrimonial a cargo da recorrida diste significativamente da integralidade do capital seguro, inexistindo motivos para censurar a fixação do seu quantitativo em termos proporcionais. VIII. Tendo o seguro referido em VI sido celebrado por uma associação de futebol e não por um ente federativo, o DL n.º 146/93 não lhe é, sem mais, irrestritamente aplicável, sendo certo que, em todo o caso, a circunstância de o seguro desportivo obrigatório ficar aquém da previsão do seu art. 4.º não determina a nulidade da cláusula ou do contrato de seguro em que ela se insira mas antes a responsabilização da tomadora do seguro firmado nessas condições nos precisos termos em que a seguradora responderia se o ajuste houvesse respeitado os ditames desse preceito (artigo 10.º desse diploma). IX. O propósito legislativo subjacente à criação do seguro desportivo obrigatório não implica que sejam, nesse âmbito, compensáveis os danos não patrimoniais sofridos pelo segurado, o que, aliás, não é reconhecido no art. 4.º do DL n.º 146/93. X. Respeitando a franquia constante do contrato de seguro referido em VI aos sinistros que apenas dêem lugar ao pagamento de despesas de tratamento e repatriamento, é de considerar que a redução da atribuição patrimonial que a mesma opera não tem aplicação quando esteja em causa a fixação do quantitativo devido pela seguradora em função do grau de invalidez. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:
A) Relatório:
AA, identificado nos autos, intentou acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra a Federação Portuguesa de Futebol, a Associação de Futebol do … e BB Limited, S.A. - Sucursal em Portugal, (anteriormente denominada CC Europe, S.A. e BB, S.A.), todos identificados nos autos, peticionando a condenação solidária das Rés no pagamento da quantia de € 20.956,68, acrescida da importância (a apurar em execução de sentença) necessária para suportar todas as despesas medicamentosas que se venham a revelar necessárias para tratamento da doença que tem causa nas lesões provocadas durante a prática de jogo de futebol, a que devem acrescer juros legais, contados desde a citação até pagamento. Alegou, em síntese, que, por conta de um clube inscrito na segunda Ré, praticava futebol não profissional, tendo, no decurso de um jogo, sofrido um enfarte agudo do miocárdio, o que lhe ocasionou os danos patrimoniais e não patrimoniais que elenca, cabendo à terceira Ré – em virtude do seguro obrigatório firmado com aqueloutra Ré – e às demais Rés – por força de terem assumido a responsabilidade pelos acidentes ocorridos em jogos e treinos –, o seu ressarcimento. As primeiras Rés apresentaram contestação em que arguiram a ineptidão da petição inicial e a sua ilegitimidade passiva. Mais impugnaram parte da factualidade alegada pelo Autor. A terceira Ré apresentou contestação em que impugnou motivadamente a factualidade alegada na petição inicial. Replicou o Autor, pugnando pela improcedência das invocadas excepções, e terminando como na petição inicial. Julgaram-se improcedentes as invocadas excepções dilatórias e, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença em que se condenou a Ré BB Limited Sucursal em Portugal, a pagar ao autor a quantia de 20.478,53 (acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados desde a citação e até integral pagamento) e uma quantia a apurar em ulterior incidente de liquidação que fosse necessária para suportar as despesas medicamentosas com o limite máximo de € 4.800,00. As restantes rés foram absolvidas do peticionado. Apelou a terceira Ré e com parcial sucesso, pois a Relação de Guimarães decidiu “revogar parcialmente a sentença recorrida na parte em que condenou a aqui apelante a pagar ao autor a quantia de € 20 000 (…) a título de incapacidade permanente e condenar a ré seguradora, aqui apelante, a pagar ao autor a quantia de € 4 000 (…), absolvendo-a do mais quanto a este pedido e mantendo a sentença recorrida na parte em que não foi aqui revogada.”. É sobre este aresto que o Autor, inconformado, impetra revista, apresentando alegações que finda com as seguintes conclusões: “1. Este Recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pelo distinto Tribunal Recorrido, nos termos do qual se revogou parcialmente a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré seguradora a pagar € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de indemnização por incapacidade permanente e condenar a mesma a pagar a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), absolvendo-a do mais quanto ao pedido. 2. O aqui Recorrente, respeitosamente entende também estar em causa uma questão que, pela sua relevância jurídica, necessita de uma melhor aplicação do direito, designadamente por existir jurisprudência contraditória, sobre uma mesma questão de direito. De facto, pretende-se que este Supremo Tribunal aprecie a "magna" questão de direito, relativa aos critérios a ter, para determinar a indemnização devida pela diminuição da capacidade de ganho, decorrente de acidente, se se deve atender exclusivamente a critérios formais e de percentagem conforme o grau de incapacidade ou se, antes, o Tribunal se deve socorrer de critérios de equidade. 3. Assim considera que existiu violação de lei substantiva, por erro de interpretação e aplicação, como de determinação da norma aplicável, (designadamente as normas constantes dos artigos 237.°, 238.°, 405.°, n.º 1, 496.°, n.º 3, 762.°, n.º 2 e 566.°, n.º 3 todos do C.C., 426.° e 427.° do Código Comercial, DL 72/2008, de 16 de Abril, artigos 10.º e 11.º do DL 446/85, de 25 de Outubro e artigo 4.º do DL 146/93, de 26 de Abril), bem como nulidade, prevista no artigo 615.°, n.º 1, al. d) do C.P.C., nos termos constantes do artigo 674.°, n.º 1, al. a) e c) do C.P.C. 4. Com relevo para o presente, resultou provado, o quesito 3.º "Em caso de invalidez permanente de futebolista amador, maior de 14 anos, o pagamento de € 27.000,00". 5. Matéria dada como provada que não foi objecto de discussão por parte da Ré em sede de alegações de recurso, uma vez que a reapreciação da prova não foi sequer colocada em crise. 6. Isto porque ao contrário do constante do acórdão de fls., a Exma. Sra. Dra. Juiz "a quo" deu como provado tal facto, sendo para o efeito bastante a confrontação com o documento junto pela R. em sede de contestação, ut doc. 2 "contrato de seguro". 7. Sem prejuízo, e mesmo assim considerando, entende o aqui Recorrente que a fundamentação sequente, constante do acórdão de fls., além de argumentativamente escassa é manifestamente insuficiente e obscura, padecendo de nulidade por falta de fundamentação jurídica e superficial tratamento de diversas questões de direito, relevantes para a boa e justa decisão da causa, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do C.P.C. 8. De facto está em causa nos Autos, um contrato de seguro de natureza obrigatória, a saber, ao tempo relevante para esta acção, previsto e regulamentado pelo Decreto-Lei nº 146/93 de 26 de Abril (DL 146/93), entretanto substituído (sem aplicação ao caso presente), pelo Decreto-Lei nº 10/2009, de 12 de Janeiro (DL 10/2009). 9. Estabelece o artigo 4º do referido DL - (Riscos cobertos pelo seguro de grupo) "1 - As coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo de grupo são as seguintes: a) Pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva; b) Pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar e de repatriamento.". 10. Claro que assentando a actividade seguradora em instrumentos revestindo a forma contratual - sintomaticamente o Diploma que a regula [presentemente o Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (DL 72/2008), anteriores artigos 426.º e 427.º do Código Comercial, em vigor à data dos factos] tem a designação de "regime jurídico do contrato de seguro" - a existência de seguros obrigatórios, cuja regulamentação pressupõe elementos necessários (elementos que as partes não podem afastar), numa espécie de reserva de conteúdo mínimo da relação contratual correspondente, a existência de seguros obrigatórios, dizíamos, acaba por introduzir um importante elemento modelador do conteúdo desta relação. 11. A liberdade de modulação da relação contratual aparece-nos nestes casos, frequentemente, bastante mitigada e como uma faculdade quase residual. Aliás, esta especificidade do contrato de seguro (a presença de importantes elementos de modelação exterior, positiva ou negativa da relação contratual correspondente) não se reduz ao sector dos chamados seguros obrigatórios, aparecendo mesmo no domínio dos seguros facultativos através da sujeição, destes como dos obrigatórios, ao regime das "cláusulas contratuais gerais", dada a fortíssima presença, nuns e noutros, de "cláusulas padronizadas, previamente elaboradas pela seguradora, que o tomador do seguro - e, eventualmente, o segurado - subscreve. 12. Ora o acórdão de fls. apenas se baseia no artigo 238.º do C.C. quando deveria também ter trazido à colação o disposto nos artigos 10.º e 11.º do Decreto-lei 446/85 de 25 de Outubro, que estabelece o regime das cláusulas contratuais gerais bem como 762.0º n.º 2 do C.C. 13. Pelo que, s.m.o. deve ser este o normativo aplicável, tanto mais que o próprio acórdão refere que "o facto dado como provado é ambíguo", a que deverá acrescer o facto de o aqui recorrente se ter limitado a aderir a um contrato previamente definido, sem ter por alguma forma ou meio participado da sua elaboração. 14. O que necessariamente, prejudicaria a argumentação constante do acórdão sub judice, de que nas incapacidades permanentes superiores a 10% e inferiores a 66% a indemnização será a que resultar do grau de incapacidade com referência ao limite de indemnização de € 27.000 uma vez que a ser válido este critério, de percentagem, transformaríamos o aplicador do direito em simples autómato, sem possibilidade de adequação ao caso concreto, designadamente recorrendo a critérios de equidade, tal como e bem fez a Exma. Sra. Dra. Juiz "a quo", 15. De facto, não se concebe que uma IPP de 15% mereça a mesma indemnização independentemente da idade da vítima, do estado de saúde prévio ao sinistro, dos rendimentos por esta auferidos, bem como dos que ainda pudesse obter, sob pena de se subverterem totalmente os princípios de justiça expectáveis por qualquer cidadão, tanto mais que no próprio contrato de seguro em parte alguma se referencia que a indemnização será proporcionalmente atribuída em função do grau de incapacidade. 16. Ora, no caso sub judice, a interpretação da referida cláusula, nos termos em que foi feita, além de se afigurar desconforme àquilo que qualquer cidadão colocado na posição do real destinatário entenderia, mais se afigura desconforme ao sentido mais favorável ao aqui recorrente. 17. Acresce que o argumento fundamentante do acórdão sub judice (e que s.m.o, nos parece ser o único argumento constante do acórdão para justificar a total inversão do decidido na sentença de fls., ainda que sem qualquer suporte doutrinal e/ou jurisprudencial), não pode merecer qualquer acolhimento, uma vez que, se suporta numa cláusula do contrato de seguro, cuja nulidade é patente. 18. De facto, diz-se nessa cláusula 10.2.3 que a incapacidade permanentes inferior ou igual a 10% não é indemnizável, e que se igualou superior a 66% será equiparável a 100%, no entanto, o contrato de seguro tem como referência inultrapassável a obrigação de segurar decorrente das disposições acima transcritas do DL 146/93, artigo 4.º, em cujo texto não se prevê qualquer exclusão ou fixação de indemnização em função de percentagem de IPP. 19. Pelo exposto e, com o devido respeito, bem andou a Exma. Sra. Dra. Juiz "a quo" ao socorrer-se de critérios de equidade para fixar a indemnização na monta de € 20.000,00, naturalmente tendo em conta o limite indemnizatório constante do contrato de seguro, conforme aliás o aqui recorrente referenciou na resposta á alegações, constante de fls., ut Acórdão da Relação do Porto, de 05-03-2007, P. 0731351, in www.dgsi.pt. 20. Pelo que o critério do grau de incapacidade permanente deverá ser um dos critérios a atender aquando da fixação da indemnização, devendo ser temperado por outros factos concretos, atinentes a cada caso concreto, segundo o prudente arbítrio e sentido de equidade do julgador, nos termos do estabelecido no artigo 566.º, n.º 3, do C.C. 21. Ainda e no que se refere aos danos não patrimoniais, também não vislumbra o recorrente fundamento para a não contemplação dos mesmos. 22. O seguro em causa nos autos, é um seguro de pessoas, referido aos riscos relativos à integridade física dos praticantes desportivos - não excluindo que se indemnizem danos não patrimoniais, desde que estes, como refere o trecho final do n.º 1 do artigo 496º do CC " [...] pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". 23. Regime legal que decorre aqui, fundamentalmente do texto da alínea a) do nº 1 do artigo 4º do DL 146/93, que fala, como "cobertura mínima", no "pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva". Ver aqui (neste texto) uma exclusão da cobertura de danos não patrimoniais, traduz uma restrição do sentido (amplo) da cláusula legal, consistente na introdução de uma distinção onde ela não existe (ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet). 24. E as coisas não se colocam num plano distinto deste quando encaramos o contrato em si mesmo, à luz da ausência do elemento textual traduzido na exclusão de indemnizações referidas a danos não patrimoniais [v. a cláusula 4º ("âmbito de cobertura") da apólice - que refere apenas "danos corporais"]. 25. Também aqui não se deve distinguir aquilo que o contrato não distingue, valendo, por isso, a regra própria da interpretação de um contrato de seguro, in dubio contra stipulatorum, conforme à qual uma ambiguidade do texto contratual deve ser entendida, no sentido de interpretada, como abrangendo o conteúdo indemnizatório mais amplo, aqui correspondente à não exclusão da cobertura dos danos não patrimoniais. 26. Pelo que s.m.o. entende o aqui recorrente que os mesmo deverão ser valorados e quantificados, no quadro de uma avaliação também equitativa, estabelecido no artigo 496º, nº 3 do CC. 27. Mais considera o aqui recorrente, com interesse para a fixação dos montantes indemnizatórios, que não haverá lugar à redução de qualquer importância a título de franquia, porque esta constitui, por definição, um encargo do tomador e não da pessoa segura (conforme definição de franquia, constante do site do ISP), sendo que no caso sub judice o tomador do seguro foi a R. Associação de Futebol do Porto, devendo à mesma ser imputada. Nestes termos, deve o presente Recurso ter provimento e, em consequência, ser integralmente revogado o Acórdão Recorrido, com fundamento na violação das normas supra referidas, mantendo-se o montante indemnizatório fixado na sentença de fls., com o que se fará, JUSTIÇA”. A recorrida apresentou contra-alegações em que pugnou pela manutenção do decidido. Admitida a revista norma torna inócua a alegação de um dos pressupostos de que dependeria a admissibilidade da revista excepcional (cf. al. a) do n.º 2 do artigo 672.º do Código do Processo Civil (CPC). *** Tudo visto, Cumpre decidir: B) Os Factos:
As instâncias deram como provados os seguintes factos: 1. O Autor, antes de ser admitido à prática do desporto federado, foi sujeito a exame médicos (artigo 38.º da base instrutória); 2. O Autor foi praticante desportivo de futebol, inscrito pelo Clube de Futebol de …, treinando e jogando futebol por conta do Clube de Futebol …, com o estatuto de não profissional (alíneas A) a D) dos factos assentes); 3. E estava inscrito na Federação Portuguesa de Futebol, sob o n.º 62… (alínea E) dos factos assentes); 4. O Clube de Futebol … é filiado na Associação de Futebol do …, a qual, por sua vez, é filiada na Federação Portuguesa de Futebol (alínea F) dos factos assentes); 5. Para a época desportiva em causa (2007/2008) a Federação Portuguesa de Futebol celebrou um contrato de seguro desportivo de grupo com a DD Seguros, S.A.., o qual cobria os riscos de sinistro de natureza desportiva nos termos exigidos na lei, incluindo as despesas de tratamento (artigo 35.º da base instrutória); 6. Nessa época desportiva (2007/2008), o Clube de Futebol de …, clube onde o jogador AA se encontrava inscrito, aderiu, no acto de inscrição dos seus atletas, ao seguro de Acidentes Desportivos contratado pela Associação de Futebol do … com a BB Europe, S.A., hoje denominada CC EUROPE, S.A." (artigo 36.º da base instrutória); 7. Dessa forma, os jogadores foram inscritos pelo clube, cobertos pelo seguro de acidentes pessoais contratado pela Associação de Futebol do Porto (artigo 37.º da base instrutória); 8. Por contrato de Seguro, a Associação de Futebol do …, transferiu a responsabilidade dos acidentes sofridos pelos seus jogadores para a 3.ª ré, cuja apólice beneficia do número 020… (artigo 32.º da base instrutória); 9. O Clube de Futebol do … aderiu a um seguro de acidentes pessoais, com a apólice n.º … destinado a cobrir os riscos de morte e invalidez permanente, despesas de tratamento e repatriamento (artigos 1.º e 2.º da base instrutória); 10. Em caso de invalidez permanente, de futebolista amador, maior de 14 anos, o pagamento de € 27.000,00 (artigo 3.º da base instrutória); 11. À data do sinistro, o Autor tinha 20 anos de idade (artigo 14.º da base instrutória); 12. Era estudante, com bom aproveitamento escolar (artigo 15.º da base instrutória); 13. No dia 27 de Abril de 2008, realizou-se, em Famalicão, o jogo entre o Futebol Clube de … e o Clube de Futebol …, a contar para o campeonato nacional da 3.ª Divisão, Série B (artigo 4.º da base instrutória); 14. No decorrer desse jogo de futebol e durante uma corrida, sem que nada o fizesse prever, sentiu-se indisposto, tendo caído (artigo 5.º da base instrutória); 15. Foi, imediatamente, assistido pelo massagista, bem como junto do S. U. do Hospital de Famalicão, tendo ficado internado no estabelecimento hospitalar Santos Silva, na Unidade Coronária (artigos 6.º a 8.º da base instrutória); 16. Onde lhe foi diagnosticado “enfarte agudo do miocárdio, da parede anterior Ncop” (artigo 9.º da base instrutória); 17. O Autor, na data em que foi assistido no Hospital, já padecia de uma deficiência coronária passível de causar um enfarte e que se poderia, assim, manifestar a qualquer momento, independentemente de o autor efectuar esforços físicos acrescidos nomeadamente no decurso de uma prova desportiva (artigo 34.º da base instrutória); 18. Esteve internado, no serviço de cardiologia de 27/04/2008 a 01/05/2008, tendo sido submetido a terapêutica de reperfusão coronária aguda com fibrinólise, fez cateterismo cardíaco de recurso e cumpriu programa de reabilitação cardíaca de oito semanas (artigos 10.º e 11.º da base instrutória); 19. No dia do sinistro, decorrente do acidente, bem como nos dias que se seguiram, decorrentes também dos tratamentos a que foi submetido, o Autor sofreu dores muito fortes, tendo passado por momentos de angústia, pavor e aflição, não só por antever a impossibilidade de praticar futebol, mas também por temer pela sua vida (artigos 23.º a 25.º da base instrutória); 20. Em consequência do acidente, em apreço, ficou impossibilitado de realizar desportos de competição, bem como esforços em carga prolongados, padecendo de Incapacidade Permanente Global de 15% (artigos 12.º e 13.º da base instrutória); 21. O Autor nunca mais jogou futebol, desporto de que gostava muito e que praticava, com dedicação, o que lhe causou e causa enorme desgosto e tristeza (artigos 16.º e 17.º da base instrutória); 22. Nem poderá jamais voltar a jogar ou praticar qualquer desporto de competição ou com esforços em carga prolongados (artigo 18.º da base instrutória); 23. Sendo que a sua vida sofreu consideráveis restrições, uma vez que teve que interromper os estudos (artigo 19.º da base instrutória); 24. E depois de os retomar, estará sujeito a constante vigilância (artigo 20.º da base instrutória); 25. Está limitado física e mentalmente, o que lhe causa profunda consternação sentindo-se diminuído perante os demais colegas e a comunidade em geral (artigo 22.º da base instrutória); 26. Ao longo da sua vida jamais deixará de ter e receber tratamentos associados à doença que a lesão lhe provocou (artigo 31.º da base instrutória); 27. O referente sinistro foi, imediata e devidamente, participado, bem como todas as despesas médicas e medicamentosas que suportou, no montante de pelo menos € 676,82, tendo a ré seguradora reembolsado o montante de € 198.29 (artigo 26.º a 29.º da base instrutória).
C) O Direito:
O “thema decidendum”, tal como surge delimitado pelas alegações recursórias consiste em determinar o quantitativo da prestação debitória a cargo da recorrida. Antes, porém, de sobre ele nos debruçarmos, enfrentemos a arguição de nulidade do acórdão recorrido. Invoca o recorrente que a fundamentação do aresto da Relação de Guimarães é insuficiente, escassa e obscura, tratando superficialmente diversas questões jurídicas relevantes para a decisão, motivo pelo qual se incorreu na nulidade da decisão prevenida na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil. Como se sabe, as decisões judiciais devem ser factual e juridicamente fundamentadas (n.º 1 do art. 205.º da Constituição da República Portuguesa e n.º 1 do art. 154.º do Código de Processo Civil). Tal exigência tem como propósito permitir ao julgador apreciar criticamente a lógica da decisão que está tomar, facultar às partes o recurso com perfeito conhecimento do percurso seguido pelo decisor e viabilizar o efectivo controle daquela pela instância de recurso. Justifica-se, por isso, que a lei comine a nulidade arguida para a decisão que careça de fundamentação. Porém, como já ensinava Alberto dos Reis (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 140) “ (…) há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto (…) ”. É nestes termos que a arguição em análise tem sido uniformemente decidida pela jurisprudência deste STJ (assim, entre tantos outros, o Ac. de 19/01/2016, na revista n.º 425910/10.8YIPRT.P1.S1) e dela não se enxergam motivos para fundamentadamente dissentir. No caso vertente, o recorrente limita-se a salientar o cariz lacunoso e deficitário da motivação jurídica do julgado. Porém, como se há-de convir, o acórdão recorrido contém uma fundamentação de direito que sustenta a decisão. A crítica a essa fundamentação constitui o cerne do recurso, sendo que, apreciando o teor das conclusões, se pode, sem rebuço, considerar que o recorrente entendeu os motivos pelos quais se decidiu em seu desfavor. Essa fundamentação, embora algo lacónica, permite a este Supremo discernir o percurso lógico-dedutivo encetado pela Relação no aresto recorrido. Mostram-se, pois, cumpridos os propósitos que presidem à exigência legal a que antes aludimos. A invocada incompletude ou deficiência da fundamentação empregue no aresto recorrido afectará o seu valor intrínseco mas não é, como vimos, reconduzível à nulidade em causa, cuja arguição, por esse motivo, se desatende. Invoca ainda o recorrente a previsão da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC. Fá-lo, porém, espuriamente, já que não identifica em que consistiu a omissão ou excesso de pronúncia eventualmente enquadráveis nessa previsão legal. Ora, não cabendo a esta instância suprir a deficiência em causa, é de concluir pela improcedência desta inusitada invocação. Posto isto, debrucemo-nos sobre o objecto essencial do presente recurso, rememorando, primeiramente, o que de essencial se extrai do quadro fáctico. O recorrente foi praticante desportivo de futebol, inscrito pelo Clube de Futebol de …, treinando e jogando futebol, com o estatuto de não profissional, por conta dessa agremiação, a qual havia aderido, no ato de inscrição dos seus atletas, a um seguro de acidentes desportivos contratado pela Associação de Futebol do … com a recorrida, passando, por isso, aquele a estar coberto por um seguro destinado a cobrir os riscos de morte e de invalidez permanente. Em 27/04/2008, o recorrente, no decurso de um jogo entre o Futebol Clube de Famalicão e o Clube de Futebol de …, sentiu-se indisposto e caiu ao chão, tendo-lhe ulteriormente sido diagnosticado “enfarte agudo do miocárdio, da parede anterior Ncop”. Em consequência desse facto, o recorrente ficou impossibilitado de realizar desportos de competição, bem como esforços em carga prolongados, padecendo de incapacidade permanente global, de 15%. Exposto, em termos sumários, o que foi apurado pelas instâncias, vejamos o direito aplicável ao caso: É indubitável que a questão colocada nos remete para o contrato de seguro. Em geral, o contrato de seguro pode ser definido como aquele em que um dos contraentes (o tomador do seguro) transfere para outrem (o segurador) o risco da ocorrência de uma lesão na esfera própria ou alheia (o segurado – que pode não ser o tomador) mediante o pagamento de determinada retribuição (o prémio de seguro) (assim Menezes Cordeiro, “Contrato de Seguro e Seguro de Crédito”, in “II Congresso Nacional de Direito dos Seguros - Memórias”, Almedina, pág. 27; Pedro Romano Martinez “Lei do Contrato de Seguro Anotada”, Almedina, pág. 38 e Margarida Lima Rego, “Contrato de Seguro e Terceiros – Estudo de Direito Civil”, Coimbra, pág. 66). Desta noção, pode-se extrair que o contrato de seguro se caracteriza como bilateral, oneroso, sinalagmático e aleatório (sobre estas características, v. José Vasques “Contrato de Seguro”, Coimbra, págs. 103 e ss.). Os seguros podem ser agrupados em várias classificações. Uma das que mais nos interessa diferencia entre seguros de danos e seguros de pessoas. Os primeiros destinam-se a suprimir os danos infligidos ao património do segurado mediante uma prestação patrimonial ao passo que os segundos lidam com sinistros que afectam valores humanos de cariz não patrimonial, como a vida, a integridade física ou a situação familiar (José Vasques, ob. cit., págs. 37 e 38 e Menezes Cordeiro “Direito dos Seguros”, Almedina, pág. 785). Entre os seguros de pessoas, destaca-se o seguro de acidentes pessoais que têm em vista a protecção contra ocorrências fortuitas, inesperadas e anómalas atribuíveis a causas externas à vontade de quem as sofre e que nela geram lesões corporais determinantes de invalidez ou de morte (assim José Vasques, ob. cit., pág. 61 e Moitinho de Almeida “Contrato de Seguro no Direito Português e no Direito Comparado, Livraria Sá da Costa, pág. 398). Uma outra classificação comumente usada no ramo dos seguros remete-nos para a distinção entre seguros obrigatórios e seguros facultativos, a qual é traçada pela (in) existência de uma imposição legal de celebração de contrato de seguro. Adquiridos estes contornos basilares e indo ao encontro do que expende o recorrente, importa evidenciar que a experiência do tráfico jurídico demonstra, à saciedade, que a contratação de seguros é, em regra, efectuada mediante esquemas contratuais predispostos pelas seguradoras aos quais os potenciais segurados se limitam a aderir, sem qualquer margem de negociação. Os assim denominados contratos de adesão constituem o campo privilegiado do recurso a proposições contratuais “ (…) elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar (…) ”, i.e. a cláusulas contratuais gerais (cfr. n.º 1 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho e pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro – doravante, apenas LCCG). No domínio dos seguros, a contrapartida correspondente ao emprego de cláusulas contratuais gerais por parte de seguradoras – o recurso à tutela protectória que é dispensada ao aderente e que consta essencialmente da LCCG – estava inicialmente vedada ao aderente; porém, entre as alterações que, por intermédio do Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, foram introduzidas em decorrência da aprovação da Directiva n.º 93/13/CEE, do Conselho, de 5 de Abril, destaca-se a supressão do preceito que operava essa exclusão. Assim, a respeito da interpretação do clausulado contratual integrado por cláusulas contratuais gerais, importa ter presente que o artigo 10.º da LCCG remete o aplicador da lei para as regras interpretativas gerais. Daí que não se divise que assista razão ao recorrente ao censurar o acórdão recorrido por este se ter socorrido de normas do Código Civil. Há pois, primeiramente, que considerar o disposto no Código Civil, em cujo artigo 236º, n.º 1, se consagra a teoria da impressão, fazendo-se apelo à figura do “bonus pater familias” – a declaração vale com o sentido que um declaratário normal lhe daria se fosse colocado na posição do declaratário real. No seu n.º 2 consagrou-se uma interpretação subjectivista, relativamente à qual deixa de se justificar a protecção das legítimas expectativas do declaratário e da segurança do tráfico. Deverá, assim, o intérprete começar por averiguar se o declaratário conhecia a vontade real do declarante e o sentido que o mesmo pretendeu exprimir através da declaração. Na verdade, “conhecendo-a, é de acordo com a vontade comum das partes que o negócio vale, quer a declaração seja ambígua, quer o seu sentido (objectivo) seja, inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram” (cita-se Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, Coimbra Editora, pág. 224). Consagra-se, deste modo, a regra “falsa demonstratio non nocet”. Só quando o declaratário não conheça a vontade real do declarante é que o sentido decisivo da declaração negocial será “ (…) aquele que seja apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante (…) ” (assim Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 223), a não ser que este, razoavelmente, não pudesse contar com tal sentido. Perante o silêncio da lei, poderá o intérprete socorrer-se da letra do negócio, das circunstâncias de tempo e de lugar e de outras que antecederam a celebração do negócio ou eram contemporâneas desse momento, do fim visado pelas partes, da lei e do próprio tipo negocial, não sendo ainda de menosprezar a posição adoptada pelas partes ou as condutas por elas adoptadas antes e depois da conclusão do contrato (a este respeito, v. Luís Carvalho Fernandes “Teoria Geral do Direito Civil”, II vol., 4ª Edição, Universidade Católica, págs. 444 e 445). Dado que o contrato de seguro deve, por imposição legal, ser reduzido a escrito numa apólice (artigo 426.º do Código Comercial e, actualmente, n.º 2 do artigo 32º Regime Jurídico do Contrato de Seguro) só com ela se consolidando, importa ainda atentar no que se dispõe no n.º 1 do artigo 238º do Código Civil. Exige-se, nesse preceito, que a declaração prevalente tenha na letra do contrato um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso, já que é através dela que o declaratário conhece a vontade do declarante, sendo que, por seu turno, nela se consubstancia a declaração negocial. Contudo, “esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade” (n.º 2 do artigo 238º citado). Encontramos, assim, reafirmado, a propósito dos negócios formais o já referido a propósito dos demais ajustes não sujeitos a forma especial – consagrando-se, novamente, no n.º 2 do preceito, a regra “falsa demonstratio non nocet” –, com a atenuação exigida pela especial natureza daqueles. Impõe-se, porém, não esquecer que as cláusulas gerais dos contratos de seguro são muitas vezes aprovadas por Normas Regulamentares do Instituto de Seguros de Portugal, pelo que cabe ter em conta o respectivo conteúdo. Por outro lado, deve o intérprete procurar o sentido normal da declaração que resulte do conjunto contratual em que as mesmas cláusulas se inserem (artigo 10.º da LCCG – a este respeito, v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/11/98, proc. n.º 749/98), sem desestimar, contudo, os usos e o efeito útil da cláusula (assim, Moitinho de Almeida, “Contrato de Seguro – Estudos”, Coimbra, págs. 124 a 128). Note-se ainda que a ressalva constante da parte final do n.º 1 do art. 236.º do CC não opera no domínio das cláusulas contratuais gerais. Após a aplicação das regras gerais a que supra aludimos e caso a interpretação da cláusula permita, ainda assim, determinar-lhe mais do que um sentido, prevalecerá o sentido que lhes atribuiria um contraente indeterminado normal (segundo o brocado “ambiguitas contra stipolutarum”) e, na dúvida, o sentido mais favorável ao aderente (n.ºs 1 e 2 do artigo 11º do mesmo diploma). Tal previsão legal constitui um afloramento do princípio da protecção do contraente mais débil, justificando-se, também, pela concepção de que o risco assumido pelo predisponente dessas cláusulas deve reverter contra este se nelas se fizer uso de disposições desprovidas de clareza e de inteligibilidade (assim José Vasques ob. cit, págs. 352 e 353 e Almeno de Sá “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, Almedina, pág. 67; a este respeito, v., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Fevereiro de 2001 – proc. n.º 4788/04 – e de 01/03/2001 – C.J.S.T.J, tomo I/2001, pág. 135 –). Importa, por fim, fazer uma brevíssima aproximação ao contrato de seguro desportivo, a qual terá em conta o regime vigente à data dos factos. Na esteira do preceituado no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 162/87, de 8 de Abril, a Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro (denominada “Lei de Bases do Sistema Desportivo”), no n.º 1 do seu artigo 17.º, previu a (…) institucionalização de um sistema de seguro obrigatório dos praticantes desportivos enquadrados na prática desportiva formal (…) com o objectivo de cobrir os particulares riscos a que estão sujeitos.”. As Leis de Bases do Desporto (Lei n.º 30/2004, de 21/07 e Lei n.º 5/2007, de 16/01) que lhe sucederam mantiveram, sem alterações dignas de nota, a obrigatoriedade de os riscos inerentes à prática desportiva serem cobertos por um seguro (cfr. respectivamente, o artigo 70.º e o artigo 42.º daqueles diplomas). O diploma que regulamentou a Lei n.º 1/90 (o Decreto-Lei n.º 146/93, de 26 de Abril – actualmente revogado –) precavia expressamente a obrigatoriedade de celebração deste contrato de seguro (cfr. o seu artigo 2.º) Não parecem, pois, subsistir dúvidas em considerar que nos deparamos com um seguro classificável como obrigatório. A imposição da contratação deste seguro radica na necessidade de garantir que os praticantes desportivos e outros agentes por ele abrangidos disporão de recursos financeiros para custear as despesas em que incorram com tratamentos ocasionados por lesões decorrentes do desporto ou assegurar-lhes o pagamento de um valor em caso de óbito ou invalidez permanente, almejando-se uma cobertura dos acidentes pessoais ocorridos no decurso da actividade desportiva que seja adequada aos seus riscos mas também aos encargos gerados (assim Ana Brilha “O novo regime do seguro desportivo – Verdadeira inovação” in “Desporto & Direito”, ano VI, n.º 17, pág. 293). Tendo em conta, por seu turno, o âmbito deste seguro (que compreende as lesões pessoais e os danos patrimoniais – vg. as despesas de tratamento – causadas ao segurado), parece ser de considerar que estamos em face de um seguro simultaneamente enquadrável nas categorias de seguro de acidentes pessoais e de seguro de danos (neste sentido, v. Ana Brilha, ob. cit., pág. 294; no sentido de que o seguro desportivo deve ser tido como um seguro de acidentes pessoais, v. Paulo Cardoso de Moura, “Seguros obrigatórios nas actividades desportivas e de lazer” in “Desporto & Direito”, ano III, n.º 8, pág. 226). Atentemos agora no regime jurídico do seguro desportivo decorrente do Decreto-Lei n.º 146/93. O n.º 1 do seu artigo 3.º previa que a contratação do seguro desportivo de grupo incumbia às federações desportivas dotadas de utilidade pública (a quem cabia o pagamento do respectivo prémio), processando-se a adesão dos praticantes (mesmos os não profissionais) no momento da respectiva inscrição naquele organismo e enquanto esta se mantiver (n.º 1 do artigo 5.º e artigo 6.º). As coberturas mínimas asseguradas (artigo 4.º) consistiam no pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva (é, aliás, por referência a este aspecto que se afere se estamos em presença de um contrato de seguro desportivo, conforme se decidiu no Ac. STJ de 25/10/2012, proc. n.º 2598/09.9TBVNG.P1.S1) e no pagamento de despesas de tratamento e de repatriamento. Se a federação desportiva em que o praticante desportivo se acha inscrito não celebrar o contrato de seguro a que vimos aludindo ou, apesar de o celebrar, este não garantir uma cobertura igual ou superior ao legalmente estipulado, aquela responde, na eventualidade de acidente desportivo, nos mesmos termos em que responderia a empresa seguradora, caso houvesse seguro (cfr. artigo 10.º). Regressando ao caso vertente. Como se evola da factualidade provada acima sumariada, o contrato de seguro no qual o recorrente alicerça a sua pretensão foi firmado entre a 2.ª Ré – a Associação de Futebol do ..., i.e. a tomadora do seguro – e a recorrida (ou seja, a seguradora). Saliente-se, pois, que, nesta sede recursória, não está em causa o contrato de seguro firmado entre a 1.ª Ré (a Federação Portuguesa de Futebol) e a CC Seguros, S.A. a que se alude no ponto n.º 5 do elenco factual. Assim, tendo em conta que o tomador do seguro não é uma federação desportiva, crê-se que o recorrente labora num equívoco ao preconizar, sem mais, a aplicabilidade do Decreto-Lei n.º 146/93 relativamente a alguns aspectos em que se desdobra a questão a resolver. Deste modo, tendo em conta o conteúdo da apólice em causa (cuja cópia consta de fls. 31v. a 33v.), é de considerar que ali se acha acordado um seguro de grupo (o que significa que, por seu intermédio, que se cobrem riscos de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um interesse comum – cfr. al. g) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26/07) de acidentes pessoais sofridos por futebolistas amadores inscritos na Associação de Futebol do … no decurso da prática de futebol. Aqui chegados, impõe-se salientar um outro equívoco em que o recorrente incorreu. Com efeito, como sobreleva da consideração conjugada do teor do ponto n.º 6 do elenco factual e do ponto n.º 7.1 da apólice, a aquisição, por aquele, da qualidade de pessoa segura deriva do facto de o Clube de Futebol de … (onde praticava futebol a título não profissional) o ter inscrito na Associação de Futebol do …. Deste modo, não se pode, com propriedade, considerar que o recorrente dispôs da hipótese de aceitar ou de rejeitar, em bloco, um conjunto de cláusulas pré-formuladas ou em cuja elaboração intervieram apenas a seguradora e a tomadora, i.e. que se limitou a aderir ao seguro em causa. Na verdade, a única “adesão” (se assim se pode apelidar) foi aquela que foi protagonizada pela referida agremiação no acto de inscrição na referida entidade associativa. Ainda assim, o certo é que se tem entendido, neste Supremo Tribunal de Justiça e perante situações que, de certo modo, apresentam algum paralelismo com a situação com que nos deparamos (v., por ex., a respeito das herdeiras da aderente a um seguro de acidentes pessoais, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/09/2010, CJSTJ, Ano XVIII, Tomo III/2010, pág. 101), que se justifica estender a tutela conferida por aquele diploma. E, em todo o caso, atento o que supra deixámos exposto acerca da similitude entre as regras interpretativas aplicáveis aos contratos compostos por cláusulas contratuais gerais e aos demais, a desaplicação do preceituado na LCCG sempre se revelaria inócua. Posto isto, é tempo de determinar o sentido da estipulação constante do ponto n.º 10.2.3 da apólice, já que é sobre a sua interpretação que recai o dissenso das partes e a censura dirigida ao acórdão recorrido. Há, em primeiro lugar, que ter em conta o teor desse ponto, já que ele não figura correctamente retratado na factualidade provada, como, aliás, se constatou no acórdão recorrido. Consta ali o seguinte: “A Invalidez Permanente igual ou Inferior a 10% não é indemnizável. No entanto, se o grau de Invalidez for igual ou superior a 66% será equiparado a 100%.”. Cabe ainda referir que o capital seguro por pessoa segura e sinistro se cifrava em € 27.000 (ponto n.º 10.1.1. da apólice). Lançando mão dos critérios interpretativos a que supra aludimos e que têm aplicação ao caso (desconhecem-se, com efeito, alguns elementos que seriam pertinentes como, v.g. os usos), afigura-se-nos, desde já, que é de excluir a hipótese de ser atribuível mais do que um sentido à dita cláusula. Não estamos, na realidade, perante uma cláusula que deva ser tida como ambígua nos termos e para os efeitos previstos pelo n.º 1 do artigo 11.º da LCCG. Continuando a fazer uso desses critérios, prefigura-se que um cidadão medianamente arguto e diligente, colocado na posição da Associação de Futebol do … (o tomador do seguro é, obviamente, o real e único destinatário da declaração da seguradora) consideraria, por certo, que a atribuição do capital seguro depende, em primeiro lugar, da verificação de uma situação de invalidez permanente fixada em grau igual ou superior a 10%. Por seu turno, parece-nos, também, que esse hipotético cidadão não deixaria de atribuir àquela cláusula um sentido segundo o qual a atribuição da totalidade do capital seguro (o “limite indemnizatório”, como o apelida o recorrente) depende da verificação de uma situação de invalidez permanente de grau igual ou superior a 66%. Trata-se, aliás, de uma cláusula de funcionamento curioso, pois, por um lado, exclui o pagamento de qualquer quantia em face de invalidezes de grau diminuto (inferiores a 10%) e, por outro, adjudica a integridade do capital seguro a situações de incapacidade permanente parcial (de grau, v.g. fixado em 66,01%) que não atingem o patamar de gravidade supremo, i.e. o correspondente a 100%. Sem prejuízo do respeito que merece a posição do recorrente (e que, em parte, foi sufragada pela sentença de 1.ª instância, embora sem grande explicitação), estamos em crer que deste labor interpretativo se podem extrair duas importantes conclusões. A primeira consiste na consideração de que a determinação do quantitativo da atribuição patrimonial devida à pessoa segura em função do sinistro se acha estritamente correlacionada com o grau de invalidez de que aquela ficou a padecer em consequência desse evento. Esse é o único factor a atender. A segunda consiste em ponderar que, correspondendo a totalidade do capital seguro, a uma invalidez permanente de grau igual ou superior a 66%, a atribuição patrimonial condicente com uma invalidez de grau inferior terá necessariamente de se situar abaixo dessa importância. Em função destas conclusões, é forçoso obtemperar que as cláusulas em apreço não estipulam que, para a determinação da importância a liquidar pela recorrida, deva o intérprete ater-se nos critérios usualmente empregues na jurisprudência para fixar da indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente. Compreende-se que assim seja. É que o sinistro pode ser devido a actos/condições de saúde do próprio segurado. Como exemplo disso temos o caso vertente. O enfarte agudo do miocárdio que veio a determinar a incapacidade de que o recorrente padece não é atribuível a um acto ilícito, culposo de terceiro, podendo até se especular, face ao conteúdo do ponto n.º 17 do elenco factual, que tem como causa a deficiência coronária de que aquele já antes sofria. Equivale isto por dizer que não nos encontramos no domínio da obrigação de indemnização gerada com base na responsabilidade civil por factos ilícitos (n.º 1 do artigo 483.º e artigo 562.º, ambos do Código Civil), pelo que carece de sentido a convocação de normas e critérios corriqueiramente considerados (mormente, a equidade) nesse âmbito para achar o “quantum” da quantia a atribuir ao recorrente/pessoa segura. Por outro lado, é sabido que, uma vez verificado o sinistro prevenido pelo contrato de seguro, a seguradora fica incumbida de entregar ao segurado uma certa atribuição de cariz patrimonial. Porém, mesmo nos casos em que essa atribuição se traduz no pagamento de uma quantia em dinheiro, a mesma corresponde ao mero funcionamento do contrato de seguro, não adquirindo, pelo simples facto de se traduzir, para o beneficiário na supressão/minoração de um dano por si sofrido, uma natureza indemnizatória. Na verdade, a prestação da seguradora caracteriza-se como sendo uma prestação de suportação do risco e está intimamente ligada ao interesse do credor nessa assunção. A ela corresponde, sinalagmaticamente, o pagamento do prémio pelo tomador do seguro (embora imperfeitamente, pois enquanto a prestação deste é certa, aqueloutra pode jamais ser cumprida, nisso residindo a álea comummente associada ao contrato de seguro). Nesse contexto, a liquidação do capital seguro (ou, se quisermos, o pagamento da “indemnização”) deve ser encarada como um mero aspecto dessa prestação que é desprovido de autonomia (neste sentido, Moitinho de Almeida “O Contrato de Seguro…”, págs. 27). Por isso, a atribuição da designação “indemnização” a esse particular segmento da prestação da seguradora assenta mais na tradição do que no rigor conceitual (assim Menezes Cordeiro, ob. ult. cit., pág. 700), o que explica que, usualmente, se trace uma distinção entre seguros de prestação convencionada e seguros de prestação indemnizatória, segundo a qual estes últimos são aqueles em que a prestação da seguradora consiste num valor a determinar a partir dos danos (assim José Vasques, ob. cit., pág. 47). Assim, arredada a necessidade/possibilidade de nos socorrermos dos aludidos critérios normativos e jurisprudenciais e havendo, por seu turno, que nos atermos, exclusivamente, ao conteúdo das ditas cláusulas, resta determinar como se deve calcular a atribuição patrimonial devida ao recorrente. Sabemos que este ficou a padecer de uma invalidez permanente fixada em 15 pontos percentuais – logo acima do limiar mínimo previsto pela cláusula 10.2.3 –, mas, felizmente para aquele, bem distante do patamar de gravidade pressuposto para a atribuição da totalidade do capital seguro. Partindo destas considerações e levando em linha de conta o concreto grau da invalidez que afecta o recorrente, não se vê qualquer razão que nos leve a enjeitar a solução proposta pelo acórdão recorrido. Com efeito, situando-se a incapacidade de que o recorrente sofre num patamar que já assume alguma gravidade, é da mais elementar justiça que, face à economia do clausulado, a atribuição patrimonial da recorrida, embora inequivocamente devida àquele, diste significativamente da integralidade do capital seguro. Por isso, a fixação do capital devido em € 4.050 ao Autor que foi preconizada pelo acórdão recorrido não merece censura, já traduz a mera aplicação de uma regra de três simples que tem em conta o valor da totalidade do capital seguro, a falada correspondência ao grau máximo de invalidez e o grau de incapacidade de que aquele padece, apresentando-se esquematicamente da seguinte forma: 100% ________ 27.000 15%________ 4.050. Para refutar a bondade desta consideração, sustenta também o Autor a nulidade da cláusula constante do ponto n.º 10.2.3 da apólice, tendo em vista o teor do artigo 4.º do DL n.º 146/93. A pretensa invalidade é de conhecimento oficioso (artigo 286.º do Código Civil), pelo que o facto de não ter sido oportunamente alegada não impede a sua apreciação, tanto mais que, ao contrário do que alega a recorrida, não se consubstancia em qualquer alteração da causa de pedir e/ou do pedido. Passando a analisar este argumento, é de considerar que, como vimos, o contrato de seguro em causa nos autos, em função da índole da sua tomadora, não pode ser qualificado como um contrato de seguro desportivo obrigatório previsto no DL n.º 146/93. Por isso, tal diploma não lhe é, sem mais, irrestritamente aplicável. Mas mesmo que assim não se entendesse, já antes aflorámos a solução legal para os casos em que o seguro desportivo obrigatório fica aquém da previsão citada pelo recorrente, como o mesmo parece invocar ao suscitar que esta não compreende a fixação da “indemnização” em função do grau de invalidez. E essa solução não passa pela nulidade da cláusula ou do contrato de seguro em que ela se insira. Ela reconduz-se antes à responsabilização da tomadora do seguro firmado nessas condições nos precisos termos em que a seguradora responderia se o ajuste houvesse respeitado os ditames do citado artigo 4.º (neste sentido, v. o citado aresto de 25/05/2012, bem como o Ac. deste Supremo de 03/03/2009, CJ, Ano XVII, Tomo I/2009, pág.121). De resto, o artigo 4.º do DL n.º 146/93 limita-se a estabelecer coberturas mínimas que devem ser abrangidas pelo seguro desportivo. Entre essas conta-se a invalidez permanente, não precisando o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 146/93 os moldes em que devem ser pago o capital seguro nessa eventualidade. Por isso, deve-se considerar que, nesse artigo, não se proíbe que o capital seguro seja atribuído em função do grau de incapacidade que venha a ser apurado. O facto de nada se prever não significa, inelutavelmente, que o vede. Desatendida esta arguição, cumpre apreciar um outro aspecto focado pelo recorrente, o qual se relaciona com o ressarcimento dos danos não patrimoniais. Expusemos já que o resultado do labor interpretativo supra desenvolvido conduzia, inequivocamente, à conclusão de que a atribuição de uma parcela ou da totalidade do capital seguro dependia somente, nos termos contratados, do grau de invalidez de que a pessoa segura passou a padecer na sequência do sinistro. Para mais, a cláusula 4.º do contrato (de onde decorre que o âmbito da cobertura corresponde aos “Danos corporais sofridos pelas pessoas seguras, até aos limites adiantes indicados, em consequência de acidentes ocorridos em resultado da actividade segura (…)”) refere-se, como o próprio Autor reconhece, somente aos danos corporais sofridos pelo beneficiário do seguro. Dessa sorte e considerando o teor da cláusula constante do ponto n.º 10.2.3, não se vislumbra, também por este motivo, qualquer duplicidade de sentidos que conduza à prevalência de um sentido mais favorável ao Autor (n.º 1 do art. 11.º da LCCG). Aliás, tendo em conta o propósito legislativo que presidiu à elaboração do DL n.º 146/93 – inaplicável, itera-se, ao seguro em causa nos autos –, não se vê que possa discernir, no seu artigo 4.º, mesmo por apelo ao princípio “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”, a previsão da compensabilidade de danos não patrimoniais no âmbito dos sinistros ocasionados na actividade desportiva. Na verdade, como deflui do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 146/93, ao seguro desportivo obrigatório subjaz a responsabilidade objectiva associada à prática desportiva, não se garantindo, por seu intermédio, qualquer sorte de responsabilidade aquiliana, razão pela qual se entendem os limites de cobertura previstos no seu artigo 4.º. Acresce que, pelos motivos já antes elencados, a atribuição patrimonial em causa não tem que se reger pelos critérios legais aplicáveis à quantificação da indemnização e, em particular, à determinação da compensação dos danos dessa índole. Por isso, a ocorrência de danos morais relacionáveis com o funesto evento – cuja gravidade não se refuta – revela-se irrelevante para o efeito de quantificar a atribuição patrimonial em causa. Resta, enfim, a questão da franquia. A franquia é a parcela do sinistro que é custeada pelo segurado e que é abater à atribuição patrimonial desencadeada pela ocorrência daquele (assim José Vasques, ob. cit., pág. 309). É lógico que, não coincidindo a pessoa segura com o tomador do seguro (como no caso sucede), seja a primeira a suportar a redução da atribuição resultante da franquia. É que uma das funções desta estipulação contratual é, justamente, levar a que o segurado adopte uma atitude prudente, o que poderia ser desincentivado se o ressarcimento àquele devido fosse sempre integral (idem, loc. cit.). Dito isto, importa ter em consideração a estipulação da franquia constante do clausulado. Aí lê-se que “aplica-se uma franquia de Euros 50,00 em todo e qualquer sinistro de Despesas de Tratamento e Repatriamento”. Aplicando os mencionados critérios interpretativos a esta cláusula, resulta inequívoco que a sua previsão se cinge aos sinistros que apenas dêem lugar ao pagamento de despesas de tratamento e repatriamento. O sinistro que vitimou o recorrente desencadeou o pagamento de despesas de tratamento que, a seu tempo, foram ressarcidas pela recorrida (cfr. ponto n.º 27 do elenco factual). Porém, estando somente em causa, em sede recursória, a atribuição patrimonial devida pela invalidez de que o recorrente ficou a padecer (e não já aqueles montantes), é de concluir que a dita franquia não tem qualquer repercussão na fixação do seu quantitativo. Neste segmento, acolhe-se a posição do recorrente, embora não por razões que coincidam com aquelas que ele invoca (cfr. conclusão 27.ª). Procede, pois, parcialmente a revista. No mais, não logram acolhimento, pelas razões e argumentos que viemos de expor, as demais conclusões recursórias em que se pugna pela revogação do aresto recorrido e pela repristinação do decidido em 1.ª instância, não se mostrando, outrossim violadas as normas jurídicas aí invocadas. Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça, em julgar parcialmente procedente a revista e em fixar a atribuição patrimonial que a recorrida BB Europe Limited, S.A. - Sucursal em Portugal foi condenada a pagar ao recorrente AA em € 4.050 (quatro mil e cinquenta euros), mantendo-se, no mais, o acórdão recorrido. Custas do recurso por recorrente e recorrida na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário de que o primeiro beneficia. Lisboa, 08 de Setembro de 2016 Orlando Afonso (Relator) Távora Victor Silva Gonçalves |