Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FERREIRA DE ALMEIDA | ||
Descritores: | PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA UNIÃO DE FACTO REQUISITOS ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | SJ200506220014852 | ||
Data do Acordão: | 06/22/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL ÉVORA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 2250/04 | ||
Data: | 12/09/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I . Ao remeter para a situação prevista no art. 2020º, n° 1 , do C.Civil , a lei equipara , no fundo , a situação do vindicante do direito à pensão de sobrevivência (segurança social) da daquele quem tem direito a exigir alimentos da herança nos termos do nº 1 do art. 2020° , n° 1, do C.Civil II . Publicado na sequência do postulado no nº 2 do artº 8° do DL 322/90 , o Dec. Reg. 1/94 de 18/1 , nos seus artºs 3°e 5º, veio estabelecer os requisitos e o procedimento probatório para a atribuição da pensão de sobrevivência a quem se encontrar na situação prevista no n°1 daquele primeiro inciso normativo . III . Em qualquer das hipóteses sempre impenderá sobre o A. (requerente) o ónus de alegação e da prova dos (todos) os elementos constitutivos do seu direito (artº 342 , nº 1 , do C. Civil) , não bastando a simples prova da existência de uma união de facto . | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A" propôs, com data de 8-11-00, contra o CENTRO NAClONAL DE PENSÕES (actualmente INSTITUTO DE SOLIDARlEDADE E SEGURANÇA SOCIAL), acção ordinária na qual solicitou a condenação da entidade Ré: - a reconhecer que a herança do falecido B não possui quaisquer bens; - a reconhecer que a A. tem direito a alimentos, nos termos conjugados dos artigos 2020º e 2009º do Código Civil e, em consequência, que tem direito às prestações por morte a conceder pelo Réu Centro Nacional de Pensões, nos termos do disposto no artigo 8° do DL 322/90 de 18/1. Alegou, para tanto e resumidamente, que: - em 2-8-98, faleceu, no estado de solteiro, B, com quem a A. vivia como se fossem marido e mulher durante quatro anos e meio até à data da sua morte, relação que era pública e de todos conhecida ; - com a morte do seu companheiro, viu-se privada do seu suporte económico, e o seu ordenado é insuficiente para fazer face às despesas com a sua subsistência, não tendo quaisquer familiares que a possam ajudar, nem tendo o falecido deixado qualquer tipo de bens; - detém assim as condições legalmente previstas que conferem o direito a receber uma prestação por morte, a ser paga pela ré. 2. Contestou o Réu, Centro Nacional de Pensões, impugnando os factos alegados bem como o direito da A. à reclamada pensão. 3. Por sentença de 23-2-04, a Mma Juíza do 3º Juízo Cível da Comarca de Loulé julgou a acção parcialmente procedente, declarando, em consequência, a A. como titular do direito às prestações por morte de B, no âmbito do regime da segurança social, condenando o Centro Nacional de Pensões a reconhecer tal qualidade à A. 4. Inconformado com tal decisão, dela veio o Réu apelar, mas o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 9-12-04, negou provimento ao recurso. 5. De novo irresignada, desta feita com tal aresto, dele veio a mesma entidade Ré recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1ª- O art° 8° do DL 322/90, ao remeter para a situação prevista no art° 2020º, n° 1, do Código Civil, está a equiparar a situação de quem tem direito à pensão de sobrevivência à situação de quem tem direito a alimentos da herança ; 2ª- Ou seja, a situação que se exige no artº 8°(para ser reconhecido o direito às prestações da segurança social), é a mesma daquele que tem direito a exigir alimentos da herança nos termos do nº 1 do art. 2020, n° 1, do C.C.; 3ª- Porém, na sequência do que se determinou no nº 2 do artº 8° do DL 322/90, foi publicado o Dec. Regulamentar 1/94 de 18 de Janeiro o qual, nos seus artºs 3°e 5º, veio estabelecer as condições e processo de prova para a atribuição da pensão de sobrevivência às pessoas que se encontrassem na situação prevista no n°1 do artº 8°do D.L 322/90 (o mesmo que é dizer situação prevista no n° 1 do artº 8º do DL 322/90) o mesmo que é dizer situação prevista no artº 2020º do C. C.; 4º- Daqui resultando que a atribuição das prestações por morte depende da obtenção de uma das seguintes sentenças: de sentença judicial que reconheça o direita a alimentos da herança ao requerente (nº 1 do art° 3° do Dec. Reg. 1/94de 18/1); do reconhecimento judicial da qualidade de titular das prestações morte no caso de não ter sentença que lhe atribua o direito a alimentos por falta ou insuficiência de bens da herança (nº 2 do art°3) ; 5ª- Sendo certo que, quer se opte por uma ou outra acção, sempre ao A. (requerente) competirá alegar e demonstrar todos os elementos constitutivos do seu direito (artº 342, nº 1, do C. Civil) - ou seja, que está nas condições referidas no artº 2020° do C.C. - isto é: a) que a pessoa falecida à data da morte não era casada ou separada judicialmente de pessoas e bens; b) que o A. com ela vivia há mais de 2 anos em condições análogas às dos cônjuges; c) que o A. carece de alimentos e que não os pode obter através dos familiares referidos nas alíneas b) a d) do artº 2009ºdo C. Civil; 6ª- Acresce que nas acções previstas no nº 2 do art° 3° do DR 1/94 de 18/1, que são propostas contra a instituição de segurança social o membro sobrevivo da união de facto tem que alegar e provar um outro requisito: a incapacidade da herança do de cujus para lhe prestar alimentos ; 7ª- Não obstante, a entrada em vigor da L 135/99 de 28 de Agosto e da L 7/2001 de 11 de Maio, não vieram estes diplomas legais alterar ou reduzir a necessidade de prova de todos os requisitos supra referenciados; 8ª- A L 135/99, veio apenas, no seu art° 6° n° 4, de encontro à orientação maioritária que se vinha consolidando, antes da sua entrada em vigor, que entendia que para a obtenção da qualidade de titular de prestação da segurança social bastaria à requerente, por uma questão de economia processual, e caso optasse pela acção a interpor contra a, herança, demandar desde logo, "nesta acção, também a instituição de segurança competente para, a atribuição das prestações, não havendo assim necessidade de interpor primeiro uma acção contra a herança e depois outra contra a instituição de segurança social, como inicialmente parecia resultar do regime instituído pelo art° 3°do DL 1/94de18/1 ; 9ª- Veio a Lei n° 7/2001 de 11 de Maio apenas estender tal regime jurídico às pessoas que vivem em união de facto há mais de dois anos independentemente do sexo (artº 1º), mantendo inalterável, em tudo o mais, o regime jurídico pré-existente de acesso às prestações por morte por parte das pessoas que vivam nesta mesma situação. 10ª- Ao contrário do entendimento propugnado pelo douto acórdão recorrido, salvo o devido respeito, que é muito por douto entendimento, para o reconhecimento do direito às prestações por morte não bastará, tão só, fazer prova do preenchimento da condição de união de facto, mas também, de todos os outros requisitos supra-referenciados já que também, para as condições constantes do artº 2020º, remete o art°6°, nº 1, da Lei 7/2001 ; 11ª- Donde, no caso sub-judice, não tendo sido efectuada prova da inexistência de bens da herança nem da necessidade de alimentos da A., tendo sido proferido acórdão negando provimento ao recurso interposto, confirmando assim a douta sentença recorrida, foi violado o disposto no artº 8º do DL 322/90 de 18/10, o artº 3º do DR 1/94 de 18/1, nos artºs 2009º e 2020º do C. Civil e o artº 6º da L 7/2001 de 11/5. 6. Contra-alegou a A. sustentando a correcção do julgado, para o que formulou as seguintes conclusões: 1ª- O douto acórdão recorrido não merece qualquer reparo, pelo que deve o mesmo ser mantido, com as legais consequências; 2ª- A L nº 71/2001 de 11 de Maio, designadamente pelo seu artigo 6°, nada mais exige do que a verificação da situação de união de facto, nos termos do artigo 2020º do C. Civil, o que foi provado nos presentes autos pela recorrida; 3ª- Tal como sucedia no artigo 8° do DL 322/90 de 18 de Outubro e actualmente pelo artigo 6° da Lei no 7/2001, quem viva em união de facto, se pretender obter o direito às prestações por morte, tem de propor uma das duas acções que, em alternativa, lhe são enunciadas pelo referido artigo 6°; 4ª- Assim, se optar por intentar acção contra a instituição competente, apenas necessita de provar o constante no artigo 2020º do Código Civil, o que se encontra provado pela recorrida na presente acção, ou seja, que vivia com o falecido há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges e não pode obter alimentos dos seus familiares mais próximos, porque não os tem; 5ª- Contudo, sem prescindir, relativamente aos requisitos alegados pela recorrente, sempre se dirá que os mesmos estão reunidos pela, recorrida, uma vez que esta litiga beneficiando com apoio judiciário, o que lhe justifica a sua carência de alimentos e na acção que correu termos contra a herança aberta pelo óbito do beneficiário falecido, foi dado como facto provado a inexistência de bens na herança; 6º- No entanto, conforme já se previa no revogado artº do DL 322/90 de 18 de Outubro, bem como no actual artº 6° da L 7/2001 de 11 de Maio, na presente acção intentada contra a instituição competente apenas se têm de verificar os requisitos constantes do artigo 2020º do Código Civil, o que confere o direito da recorrida às prestações por morte pretendidas; 7. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre decidir. 8. Em matéria de facto vêm assentes os seguintes pontos: A - Correu termos no 1º Juízo do Tribunal da Comarca de Loulé uma acção sumária, sob o nº 324/97 em que foi autora A e ré a herança aberta por óbito de B, peticionando, a autora, a condenação da ré a pagar-Ihe, a título de alimentos, a prestação mensal de 30.000$00 e a declaração de que a A. é equiparada a cônjuge do autor da herança, acção essa na qual foi proferida sentença transitada em julgado, que absolveu a ré dos pedidos pelas razões constantes da respectiva fundamentação; B - A. A exerce a actividade profissional de governanta, auferindo a quantia mensal líquida de 100.630$00, C - O B era beneficiário da ré, com o nº 129054998 ; D - A. viveu com o B durante quatro anos e meio até à data da sua morte na mesma casa, E - A. A. lavava e tratava das roupas do B, F - Confeccionava-lhe as refeições ; G - A autora mantinha relações sexuais com o B; H - A autora dedicava-se ao B, publicamente e à vista de familiares e amigos ; I - O B contribuía para as despesas domésticas do agregado familiar, composto por si e pela autora. J - A autora e o B viviam em comunhão de vida e de entreajuda como se de marido e mulher se tratasse ; K - Ao tempo da morte de B, a A. pagava quarenta mil escudos de renda de casa, L - Vive só desde a morte de B, M - A autora não tem possibilidades de encontrar emprego diferente do de empregada doméstica e auferindo melhor remuneração da que aufere. N - A autora não tem filhos, nem irmãos ou parentes próximos. O - Não dispõe de quaisquer bens ; P - Ambos os pais da autora faleceram, Q - B faleceu no estado de solteiro, com a idade de trinta e dois anos em 2 de Agosto de 1996 ; R - A autora nasceu em 17 de Abril de 1969 ; Direito aplicável. 9. O "thema decidendum" circunscreve-se à questão de saber se, face ao disposto na Lei nº 7/12001 de 11/5, se tornarão ou não exigíveis, para efeitos de atribuição do direito à protecção do regime geral da segurança social (artº 3º alínea e) e artº 6º), os pressupostos contemplados no artº 2020º do Código Civil. Na hipótese "sub judice" tal direito foi reconhecido à A. não obstante se ter considerado que a mesma não fez prova, por um lado, da situação de carência económica e, por outro, da inexistência de bens que pudessem suportar o pagamento da impetrada prestação alimentar. Ora, na esteira do entendimento já perfilhado no Ac. desta Secção de 11-11-04, in Proc 3368/04, com o mesmo Relator do dos presentes autos, e tirado a propósito de uma situação algo similar, o art° 8° do DL 322/90, ao remeter para a situação prevista no art° 2020º, n° 1, do Código Civil, equipara, no fundo, a situação do vindicante do direito à pensão de sobrevivência (segurança social) da daquele quem tem direito a exigir alimentos da herança nos termos do nº 1 do art°2020°, n° 1, do C.Civil. Na sequência do postulado no nº 2 do artº 8° do DL 322/90, foi publicado o Dec. Reg. 1/94 de 18/1 o qual, nos seus artºs 3°e 5º, veio estabelecer os requisitos e o procedimento probatório para a atribuição da pensão de sobrevivência a quem se encontrasse na situação prevista no n°1 daquele primeiro inciso normativo, o mesmo que é dizer - adiantamos nós - da situação prevista no artº 2020º do C. Civil. A atribuição das prestações por morte depende - como é sabido - da obtenção: - de sentença judicial que reconheça o direito a alimentos da herança ao requerente (nº 1 do art° 3° do Dec. Reg. 1/94de 18/1); - do reconhecimento judicial da qualidade de titular das prestações morte na falta de decisão judicial atributiva do direito a alimentos por falta ou insuficiência de bens da herança (nº 2 do art°3). Em qualquer uma dessas hipóteses sempre impenderá sobre o A. (requerente) o ónus de alegação e da prova dos (todos) os elementos constitutivos do seu direito (artº 342, nº 1, do C. Civil), entre eles o de que se encontra nas condições plasmadas no artº 2020° do C.Civil, ou seja: a) que a pessoa falecida à data da morte não era casada ou separada judicialmente de pessoas e bens; b) que o impetrante com ela vivia há mais de 2 anos em condições análogas às dos cônjuges; c) que o mesmo requerente carece de alimentos e que não os pode obter através dos familiares referidos nas alíneas b) a d) do artº 2009ºdo C. Civil. E há que ter presente que nas acções previstas no nº 2 do art° 3° do DR 1/94 de 18/10, a propor contra a instituição de segurança social, o membro sobrevivo da união de facto tem que alegar e provar o requisito adicional da incapacidade da herança do "de cujus" para prover à prestação alimentar do requerente. A entrada em vigor da L 135/99 de 28/8 e da L 7/2001 de 11/5, não veio, alterar ou eliminar a necessidade de prova dos (todos) os requisitos supra-enunciados. Assim, a L 135/99, veio tão-somente, no nº 4 do seu art° 6°, consagrar a orientação de que, para a obtenção da qualidade de titular de prestação da segurança social, bastaria ao interessado requerente, por razões de economia processual, e caso optasse pela proposição da acção contra a herança, demandar também, e desde logo, a instituição de segurança social competente para a atribuição das prestações, assim tornando desnecessário intentar primeiro uma acção contra a herança e depois uma outra contra a instituição de segurança social, como inicialmente parecia sugerir o regime instituído pelo art° 3°do DR 1/94de18/1. Já a L 7/2001 de 11/5 apenas veio estender tal regime jurídico às pessoas que vivessem em união de facto há mais de dois anos independentemente do sexo (artº 1º), mantendo incólume em, tudo o mais, o regime jurídico pré- existente de acesso às prestações por morte. Temos pois que - e ao contrário do entendido pelas instâncias - para o reconhecimento do direito às prestações por morte não bastará fazer a prova do preenchimento da condição da (existência) de uma união de facto, mas também, dos restantes pressupostos supra-mencionados, designadamente das condições estabelecidas pelo artº 2020ºdo C. Civil para o qual remete, de resto, o art°6° nº 1 da Lei 7/2001. Volvendo ao caso "sub-specie" não tendo sido feita a prova da inexistência de bens da herança nem da necessidade de alimentos por banda da A., não poderia ter sido - como foi - reconhecido à A. o impetrado direito, pelo que se mostram violados pelo acórdão revidendo, por erro de interpretação e de aplicação, os artºs 8º do DL 322/90 de 18/10, 3º do DR 1/94 de 18/1, 2009º e 2020º do C. Civil e o 6º da L 7/2001 de 11/5. Havendo decidido em sentido diverso, não poderá o acórdão recorrido subsistir. 10. Decisão: Em face do exposto decidem: - conceder a revista ; - revogar o acórdão recorrido ; - julgar a acção improcedente ; - absolver o Réu dos pedidos. Custas pela recorrente no Supremo e nas instâncias, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido. Lisboa, 22 de Junho de 2005 Ferreira de Almeida, Abílio Vasconcelos, Duarte Soares. |