Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MATÉRIA DE FACTO DECLARAÇÃO NEGOCIAL CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS SEGURO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 05/05/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO / RAMO VIDA - SEGURO DE GRUPO. DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS. DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA. | ||
Doutrina: | - Almeida Costa, “Cláusulas Contratuais Gerais”. - Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Gerais – Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, 223. - Ferrer Correia, Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, 224, 234. - Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 423. - Pedro Caetano Nunes, “Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais”, apud Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Separata, 2011, 507 ss.. - Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 8.ª ed. 492. - Rui de Alarcão, “Interpretação e Integração dos Negócios Jurídicos”, BMJ 84 – 330; “Do Negócio Jurídico”, BMJ, 105-254. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 237.º A 239.º, 2187.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.º3, 682.º. D.L. N.º 176/95, DE 26-7 (ACTUALMENTE 72/2008, DE 16-4, QUE ENTROU EM VIGOR EM 1/1/20099. DECRETO-LEI N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO: - ARTIGOS 5.º, 6.º, 10.º, 11.º. LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO (LOSJ): - ARTIGO 46.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 18/5/2006, PROCESSO N.º 06A1248; DE 6/5/2008, PROCESSO N.º 08A1389; DE 19/6/2007, PROCESSO N.º 07A1843; E DE 29/11/2006, PROCESSO N.º 06A3794, EM WWW.DGSI.PT . -DE 10/7/2008, PROCESSO N.º08A2179, EM WWW.DGSI.PT . -DE 2/11/2010, PROCESSO N.º 22900/04.0TBBCL.G1.S1; E DE 22/9/2009, PROCESSO N.º 5988/06.5TBCS.C.S1. -DE 17/7/2010, PROCESSO N.º 651/04.4TBETR.P1.S1. -DE 12/10/2010, PROCESSO N.º 646/05.0TBAMR.G1.S1. -DE 20/10/2015, PROCESSO N.º 752/04.9TBEPS.P1.S1. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : |
1) Como regra, o Supremo Tribunal de Justiça é, essencialmente, de revista, e mais vocacionado para a uniformização de jurisprudência, limitando-se a aplicar o regime jurídico pertinente aos factos materiais fixados pela instância recorrida. 2) Não lhe é permitido sindicar essa fixação, salvo nas situações excepcionais do n.º 3 do artigo 674.º CPC (aceitação de um facto ao arrepio de prova vinculada ou incumprimento de preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova). 3) No limite, e excepcionalmente, pode mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 682.º CPC. 4) A fixação dos factos materiais da causa, baseada na livre apreciação do julgador não cabe no âmbito do recurso de revista. 5) Os artigos 237.º a 239.º do Código Civil consagram a regra da declaração negocial valer com o sentido apreensível por um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, salvo se conhecer a vontade real do declarante e, tratando-se de negócio formal, não corresponder minimamente ao texto do documento. 6) A interpretação da declaração é matéria de facto (vontade real) só sendo de direito averiguar se essa interpretação obedeceu aos critérios legais que a regulam para apurar a vontade virtual ou hipotética. 7) Não é exigível que o declaratário seja pessoa muito instruída, dotada de elevada sagacidade e diligência rigorosa, bastando tratar-se de homem médio, suficientemente esclarecido e inserido no grupo de cidadãos eleitores numa democracia inorgânica. 8) O declarante tem o ónus de exprimir a sua vontade negocial, em termos claros, inequívocos e perceptíveis pelo cidadão comum, consciente de actuar numa área negocial onde não é exigível especial dote ou preparação cultural. 9) O contrato de seguro de vida tem, em regra, cláusulas simples, acessíveis ao cidadão comum que, não obstante, como integrados num contrato de adesão, devem ser comunicadas e bem explicadas ao segurado, nos termos dos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. 10) No seguro de grupo, que tem ínsita uma relação triangular (seguradora, tomador e segurado) o ónus de informação sobre o conteúdo e alcance das cláusulas contratuais gerais recai sobre o tomador. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
AA, BB, CC e DD intentaram acção, com processo comum contra “Companhia de Seguros .... S.A.” e “...., S.A.”. Pediram que: Se declarasse excluída (por inexistente) das condições particulares do seguro de vida celebrado entre a 1ª R., como seguradora, a 2ª R. como tomadora do seguro, e EE, como segurada, a cláusula que considerava extinto o seguro quando esta atingisse 70 anos de idade, devendo considerar-se que o contrato de seguro tem o prazo de 25 anos a contar de 13.03.2002 e se mantinha válido à data da morte da pessoa segura; a condenação da 1ª R (Companhia de Seguros ..., S.A) a pagar à 2ª R. (..., SA), a quantia que ainda se encontre em dívida do empréstimo referido na petição inicial na data em que for proferida a decisão final com trânsito em julgado, e que é actualmente de € 47.233,10; a condenação da 1ª R. a pagar às AA. a quantia de € 6.465,32 acrescida das prestações mensais que se vencerem, e estas pagarem para amortização do mesmo empréstimo, acrescida de juros à taxa legal desde a citação. Caso não seja possível apurar os valores referidos acima pedidos, deverá a sua liquidação fazer-se em execução de sentença. * As RR. contestaram. A seguradora alegou que, nos termos das condições particulares da apólice, as garantias cessavam, no caso de morte, no termo da anuidade em que a segurada completasse 70 anos, tendo o contrato sido anulado por limite de idade em 01-01-2012; que a segurada foi devidamente elucidada do conteúdo das cláusulas contratuais; e que a segurada recebeu uma carta dando-lhe conta da cessação do contrato, a qual não mereceu oposição por parte dela. A ... alegou que, na data de adesão ao seguro, explicou à mutuária as condições gerais e particulares do seguro e que destas constava que as garantias do seguro cessavam quando a cliente atingisse os 70 anos. Ambas concluíram pela improcedência da acção. * Na 1.ª Instância foi proferida Sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo as Rés do pedido. As Autoras interpuseram recurso para a Relação do Porto que confirmou a decisão recorrida. Perante a situação de dupla conforme, as Autoras pediram revista excepcional, admitida pelo Colectivo/Formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, que entendeu estar presente o requisito da alínea a) do n.º 1 do mesmo preceito (relevância jurídica a tornar a apreciação da questão em causa “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.”) E concluíram a sua alegação, quanto ao mérito, nos termos seguintes: 1.ª- Como regra, o Supremo Tribunal de Justiça não aprecia matéria de facto. 2ª- A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça quanto à matéria de facto apenas pode ocorrer quando, na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, tenha havido ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova ou ainda quando ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito (art°s 674°, n° 3 e 682 do CPC). 3ª- O acórdão recorrido não respeitou a força probatória de alguns meios de prova (documentos) constantes dos autos e os factos que foram considerados provados e não provados contêm contradições entre si que não permitem uma decisão jurídica do pleito. 4ª- As questões referidas na conclusão anterior colocam-se, aliás, no âmbito das questões de direito da esfera da competência do Supremo Tribunal de Justiça. 5ª- Os factos que foram considerados provados pelo douto acórdão recorrido são os que se encontram transcritos na parte expositiva desta revista. Esses factos são os mesmos que foram considerados provados pela também douta sentença da 1ª instância. 6ª- As Recorrentes impugnaram alguns desses factos, sem que a impugnação tenha tido provimento. 7ª- Este Supremo Tribunal apenas pode apreciar se, em relação a alguns desses factos impugnados, foram observadas as regras do direito probatório material) art° 634°, n° 2 CPC) ou ordenar a ampliação dessa matéria (art° 682° CPC) 8ª- Dessa apreciação faz parte apreciar o percurso de raciocínio da fundamentação das respostas e analisar se esse percurso é coerente e lógico em relação ao resultado obtido. É uma questão de direito. 9ª- No caso dos autos não se pode abstrair das circunstâncias concretas em que o seguro foi celebrado e da pessoa concreta que é a segurada. 10ª- Para averiguar se foi cumprido, nos termos legais, o dever de informação, é necessário analisar a postura da generalidade dos cidadãos perante este tipo de contratos e conhecer a realidade humana e social em que se envolve este género de contratos. 11ª- Como resulta dos factos provados, EE pretendeu contrair junto da ... um empréstimo de 15.000.000$00 para construção de habitação, tendo-se para tal dirigido a uma agência desse banco. Este informou-a de que o empréstimo pretendido foi concedido pelo prazo de 25 anos. 12ª- Nessa altura, a ... entregou-lhe uma comunicação escrita donde constavam os documentos necessários para ser celebrado o empréstimo, e constava a exigência de um seguro de vida. Desse documento constava ainda a oferta de alguns tipos de seguros, incluindo um seguro de vida - grupo (pelo valor do empréstimo) 13ª- Esse documento faz prova plena quanto às declarações dele constantes e esses factos devem considerar-se provados (art° 376° CC) 14ª- Para um declaratário normal essa declaração queria dizer que o empréstimo só era efectivamente concedido se a candidata a mutuária celebrasse um contrato de seguro de vida pelo montante do empréstimo. Por isso, e face a esse documento, devia ter sido provado que o seguro de vida era obrigatório para a concessão do empréstimo. 15ª - É do conhecimento da generalidade das pessoas que a concessão dos empréstimos para habitação se processam dessa forma e que é o banco quem trata do em préstimo e do seguro. Aliás, os bancos tinham "associados" a si uma seguradora que fazia parte do mesmo grupo económico, como acontecia no caso dos autos de acordo com os factos provados. 16ª - Por outro lado, vivia-se uma época de "oferta" de crédito e incentivo ao mesmo por parte dos bancos. 17ª- Foi neste contexto e nestas circunstâncias que foi celebrado o contrato de seguro de vida com EE. 18ª - Foi considerado provado (facto n° 12) que o contrato de seguro a que EE aderiu se rege pelas condições particulares cuja cópia está junta a fls. 46 a 50. Esse documento foi junto pelas RR. e é uma confissão de que eram essas as cláusulas. No entanto, esse documento é datado de 30 de Outubro de 2009 e a adesão ao seguro por EE ocorreu em 2002. Por isso tendo em conta esse documento esse facto não devia ter sido provado. 19ª- O douto acórdão recorrido considerou que a data não significava que as condições particulares não sejam as expressas no documento junto a fls. 46/50. Não se compreende esta fundamentação e, muito menos se compreende que nenhuma das RR. tenha juntado as condições particulares contemporâneas da celebração do seguro, apesar de as AA. terem levantado essa questão. 20ª - Por outro lado há uma contradição nas respostas dadas a esta questão das condições particulares que inviabilizam a decisão jurídica. Vem provado (facto n° 17) que, na altura da subscrição da proposta de adesão, nenhuma das RR. entregou a EE as condições gerais e especiais do referido seguro de vida. E vem provado (facto n° 19) que depois de ter recebido e aceite a proposta de adesão a 1ª R. enviou, em data não apurada, as condições particulares que constituem o documento de fls. 46 a 50. Ora, se este documento tem a data de 30 de Outubro de 2009, não podia ter sido enviado em 2002 (quando foi celebrado o seguro). 21ª - Por outro lado, a 1ª R. não alegou que tivesse enviado esse documento das condições particulares. E se tivesse enviado não só teria alegado, como teria juntado cópia da carta a enviá-las. 22ª - Consta como provado (facto n° 11) que EE subscreveu a proposta de adesão que se encontra a fls. 110, à qual se encontrava anexada a nota informativa de fls. 111 e que lhe foi entregue. 23ª - Esse documento de "Boletim de Adesão" foi junto aos autos pela 2ª R. CGD e foi também junto aos autos (a pedido das AA.) pela 1.ª R. .... Nenhum desses documentos tem data e esses documentos não são coincidentes, excepto quanto à 1ª página. As várias discrepâncias constam da parte expositiva das alegações e que se consideram reproduzidas. 24ª- Não há nenhuma rubrica na “Nota Informativa” comprovativa de EE a ter recebido e esta já não está viva para poder contradizer a funcionária da 2ª R. que foi testemunha. Também não há na Nota Informativa qualquer elemento que possa provar se a mesma é contemporânea do "Boletim de Adesão" ou das condições particulares de 2009. 25ª - Não se compreende que, tendo EE 61 anos na data da subscrição do seguro, lhe tenha sido proposto um seguro com cobertura para invalidez permanente por doença cujos efeitos cessavam aos 60 anos. E também não se compreende que tenha proposto um seguro para garantir um empréstimo de 25 anos cuja cobertura de invalidez permanente por acidente cessava os efeitos aos 65 anos e por morte aos 70 anos. 26ª - A boa fé contratual impunha não só um especial cuidado de informação ou que não se exigisse o seguro. E só não será assim se, na altura não tivessem sido dadas as referidas informações. 27ª - Todavia, o que foi aceite é que EE subscreveu o "Boletim de Adesão". É esse documento (e apenas esse) que tem de ser considerado para prova dos factos dele constantes e cujo conteúdo não podia ser alterado por depoimento de testemunhas. 28ª- O que consta do "Boletim" é: "Duração do Contrato/Empréstimo: N° de anos: 25" 29ª - Para uma pessoa normal o que se conclui desse documento é que o seguro era por 25 anos que era o mesmo do prazo do empréstimo, tanto mais que aí se refere que o valor do seguro é o mesmo do empréstimo. 30ª - Desse documento não constava qualquer menção à cessação do contrato, apesar de nele constar a idade da pessoa segura. Por outro lado, desse "Boletim" era feita referência de que o seguro a contratar era o "Caixa ...", seguindo-se entre parênteses em letras minúsculas: "sem período de carência de acordo com o especificado na Nota Informativa anexa". O que uma pessoa normal conclui desse documento é que o seguro não tinha período de carência. 31ª- Era exigível no âmbito da boa fé negocial que esse "Boletim" dissesse, entre parênteses ou noutro local, que os seus efeitos cessavam aos 60, 65 e 70 anos. A Nota Informativa não fazia parte do "Boletim de Adesão". 32ª - A 1ª R. emitiu e enviou anualmente à segurada EE os certificados de seguro que constituem os documentos n°s 7 e 8 com a petição e 3 a 8 com o requerimento de 24.04.2014, como vem provado como facto n° 18. 33ª - Esses documentos fazem prova plena dos factos deles constantes e tal não foi considerado no douto acórdão recorrido. 34ª - Desses documentos o que consta expressamente é que o seguro tinha como beneficiária a ...; que o valor do seguro era inicialmente de € 74.819,60; que tinha o prazo de 25 anos e que garantia o pagamento do capital em dívida à data da morte e invalidez total e permanente por doença ou acidente. 35ª - Esse era o entendimento que, nas circunstâncias referidas, um cidadão normal teria em relação ao seguro celebrado. 36ª - Esse convencimento mais se acentuaria por esses documentos serem enviados pela seguradora em seu papel timbrado e, a partir de certa altura, fazer constar o capital que nesse ano estava em dívida. E em todos os documentos o prazo foi sempre de 25 anos, sem menção de que os seus efeitos cessavam com o decurso da idade da pessoa segura. 37ª - Em 2006 a segurada completou 65 anos e a seguradora não lhe comunicou que a cobertura de invalidez total e permanente por acidente tinha cessado os seus efeitos. 38ª- Esses documentos constituem uma declaração confessória com força probatória plena por ter sido feita à parte contrária (art° 358°, n° 2 CC). Nesse caso a confitente não pode impugnar a confissão, alegando que esse facto não é verdadeiro (art° 359°, n°s 1 e 2 CC) 39ª - Perante o conteúdo destes documentos a douta sentença da primeira instância considerou que esses documentos eram susceptíveis de induzir em erro o destinatário e o douto acórdão recorrido considerou que se tratou de uma indicação incorrecta do prazo, reconhecendo que devia ter sido indicado o prazo de 31 de Dezembro de 2011. 40ª - Não invoca o douto acórdão recorrido com base em que é que considera uma incorrecção. Ter-se-á de convir que considerar o prazo do seguro constante de um certificado uma incorrecção é tirar uma ilação sem qualquer base de sustentação. Se assim entendêssemos, que segurança teriam os segurados nos contratos? E quem diz que a data que está nos certificados não é realmente a verdadeira, face a todos os restantes documentos e factos referidos? 41ª - Aliás, não podia o douto acórdão recorrido retirar a ilação de que o prazo de 25 anos constante do "Boletim de Adesão" era o prazo do empréstimo e não do seguro a celebrar. 42ª - O que uma pessoa normal concluía desse documento é que o seguro tinha a duração do empréstimo. Por isso desse documento consta "Duração do Contrato/Empréstimo" e não apenas "Duração do Empréstimo". Esse "Boletim" estava impresso em papel da seguradora e não do banco que ia conceder o empréstimo. 43ª - 0 seguro de vida celebrado insere-se, à data, no âmbito do disposto no art° 23°, n° 2 do DL 349/98 de 11.11 que regulava os empréstimos à habitação. Aí se refere que, além da hipoteca, podia ser constituído um seguro de vida do mutuário de valor não inferior ao montante do empréstimo. 44ª - Foi isso que o banco exigiu à mutuária e que esta celebrou. Este reforço de garantia só é eficaz e tem efeitos práticos se vigorar durante o período do empréstimo. 45ª - A segurada ficou surpreendida com a carta que recebeu a comunicar-lhe a cessação dos efeitos do seguro por ter completado 70 anos. Vem provado (facto n° 21) que após ter recebido essa carta reclamou e pediu esclarecimentos, não tendo prosseguido com essa impugnação por ter falecido três meses após ter recebido a carta. 46ª - O douto acórdão recorrido não deu cumprimento ao disposto nos art°s 358°, n° 2, 359°, n°s 1 e 2 e 376° todos do Código Civil.” A recorrida “... – Companhia de Seguros, SA”, contra alegou apenas para se insurgir contra a admissibilidade da revista excepcional. A recorrida “..., SA” contra alegou, nos mesmos termos, concluindo ainda: — Não é admissível a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto, porquanto a decisão quanto à matéria de facto não foi alterada pelo Tribunal da Relação do Porto, que confirmou o decidido pela 1ª instância, a questão da alegada inobservância do direito probatório material ou da ampliação da decisão não foi anteriormente colocada pelas Recorrentes, pelo que se trata de uma questão nova que não pode ser conhecida e não ocorreu qualquer violação de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. — Em face de toda prova produzida, quer a documental, quer a testemunhal, resultou demonstrado que o seguro de vida contratado era facultativo. — No documento 2 junto pelas Recorrentes no requerimento por estas apresentado em 24/04/2014 consta uma relação de documentos, a serem apresentados para formalização do contrato, sendo que tal documento não demonstra que o seguro foi exigido pela Recorrida ..., mas somente que tal seguro foi atendido nas negociações das condições para contratação do empréstimo, pelo que inexiste qualquer confissão da Recorrida da exigência da celebração de seguro. — Foi provado que o seguro de vida não era obrigatório, tendo sido a mutuária quem pretendeu contratar o mesmo, decorrendo tal prova dos depoimentos prestados pelas testemunhas FF e GG, bem como do documento junto a fls. 110, que constitui um "Boletim de Adesão" assinado por EE, em que se encontra assinalado o quadro facultativo. — As Recorrentes não lograram provar, como lhes competia, que, tal como alegado na sua petição inicial, para a concessão do empréstimo a ..., S.A exigiu à EE que celebrasse um seguro de vida com a 1ª R. — Termos em que não se deve alterar a decisão da matéria de facto, mantendo-se a decisão de não provado que para a concessão do empréstimo a ..., S.A exigiu à EE que celebrasse um seguro de vida com a 1ª R.. — Inexiste qualquer contradição de fundamentação no que concerne ao facto dado como provado na sentença recorrida sob o n.º 19. — No que concerne à aplicação ao contrato de seguro das condições particulares juntas a fls 46 a 50, importa referir que as Recorrentes, notificadas da contestação da Ré ..., não impugnaram os documentos por esta juntos como documentos 1 e 2, não tendo por isso impugnado que o seguro se regia pelas condições neles referidas. — Termos em que se deve manter a decisão recorrida no que concerne ao facto dado como provado no ponto 19 dos factos provados. — As Recorrentes em patente litigância de má fé remetem para a contestação apresentada pela Recorrida ... imputando-lhe alegações que dela não constam, sendo que no art. 16 e se alega que é apresentada uma nota informativa na data da adesão ao seguro, da qual constam sinteticamente as condições gerais e especiais do contrato. — Tal nota informativa explica de forma completa e acessível qual a protecção conferida pelo seguro em causa, definições, quais as exclusões, forma de adesão, pelo que foi pela Recorrida ... dado conhecimento do teor das cláusulas constantes nas condições gerais e especiais do referido seguro de vida. — No art. 11º da contestação o que se alega é que não se tem acesso aos documentos, que é bem diferente de não saber que documentos a Ré ... enviava aos clientes. — Impugnam ainda as Recorrentes o facto provado no n.º 11 da sentença recorrida, alegando em síntese que dado o falecimento da mãe, que tratou sozinha da contratação do empréstimo, não podem contrariar o depoimento da testemunha FF. — Atente-se ao que na sentença se refere que o depoimento prestado por este testemunha mereceu credibilidade, tendo esta prestado "um depoimento, não só pelo seu conteúdo mas também pela postura evidenciada, que se nos afigurou claro e cristalino, e no qual revelou isenção e certeza no afirmado de forma a merecer a inteira confiança do Tribunal, pelo que carece de fundamento o invocado pelas Recorrentes. — Quanto à entrega da nota informativa deve manter-se o facto dado como provado no nº 11 da sentença recorrida, porquanto tal contrato foi negociado diretamente com a funcionária da ..., FF que confirmou que a "nota informativa", se encontrava em anexo à proposta de adesão e que foi entregue na data de subscrição do contrato à EE. — A referida testemunha foi confrontada pelo Mmo. Juiz com o documento de fls. 110 e 111 dos autos tendo confirmado que o mesmo é o que foi entregue à Sra. D. EE. — As alegações feitas pelas Recorrentes quanto ao questionário clínico e a não ter sido exigido ou feito exames ou análises, devem ter-se por não escritas, porquanto tais factos não foram anteriormente alegados e não foi produzida qualquer prova sobre os mesmos. — Termos em que tem de se considerar provado que na data da subscrição do seguro se encontrava em anexo à proposta de adesão, o documento designado de "nota informativa" que se encontra junto a fls. 111, e que foi então entregue à subscritora EE pela testemunha FF. — Dos autos e de toda a prova produzida resulta que a segurada EE aquando da subscrição do contrato foi devidamente esclarecida e elucidada sobre as várias cláusulas do contrato, nomeadamente sobre as cláusulas de exclusão. — Foi também provado que a Recorrida ... nunca disse à mutuária que o contrato de seguro duraria pelo prazo do empréstimo, sendo que consta da proposta assinada pela cliente que o prazo de 25 se refere ao contrato de empréstimo e não ao contrato de seguro. — Dos certificados de seguro não consta qualquer declaração confessória que o prazo do mesmo seria de 25 anos. — Foi provado que, em 10/01/2012, foi comunicado pela ... a extinção da garantia principal por a pessoa segura ter atingido os 70 anos, bem como que a mutuária não deduziu qualquer oposição a tal situação, o que demonstra que se conformou com a mesma. — Ademais, no ano de 2012, como provado, não foram pagos quaisquer prémios deste seguro, o que foi demonstrado pelos extratos juntos aos autos pelas Recorrentes.
As instâncias consideraram provados os seguintes factos: 1. Em ...l de 2012 faleceu EE, no estado de viúva. 2. E com última residência na Rua .... 3. Sucederam-lhe como únicas herdeiras as autoras suas filhas: - AA, - HH, - CC, - DD 4. Por escritura pública outorgada em 21 de Fevereiro de 2002 perante a Notária do Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de .... a R. ...., S.A. declarou conceder a EE um empréstimo de € 74.819,68 (setenta e quatro mil oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos), da qual esta se confessou devedora àquela. 5. Para garantia desse empréstimo, juros e despesas a mesma EE constituiu hipoteca sobre o prédio urbano denominado por "Quinta da Mina" composto por parcela de terreno para construção, sito na freguesia de .... descrito na Conservatória do Registo Predial de .... sob o n.° 433 e então omisso na matriz. 6. O empréstimo destinava-se à construção de um imóvel para habitação e a quantia emprestada ia sendo entregue à medida que a construção da habitação fosse sendo feita. 7. O referido empréstimo foi concedido pelo prazo de 25 anos a contar de 21.02.2002. 8. E seria amortizado em prestações mensais de capital e juros, vencendo-se a primeira prestação em 21 de Março de 2002. 9. Dos documentos solicitados pela 2ª R. ... que instruíam o pedido de empréstimo constava a celebração de um seguro de vida grupo, em que a seguradora era a 1ª R. Companhia de Seguros ..., S.A., o tomador de seguro e beneficiário irrevogável a 2ª R. ..., SA e a pessoa segura a mencionada EE. 10. Para a concessão do empréstimo foi proposto pela ... à falecida EE a adesão ao seguro de vida grupo, denominado "..." em que a seguradora era a 1ª R. Companhia de Seguros ..., S.A. e o tomador de seguro e beneficiário irrevogável a 2ª R. ..., SA, e a pessoa segura a mencionada EE. 11. A EE acedeu em subscrever esse seguro de vida grupo com a apólice 5.001.500, tendo para o efeito subscrito a proposta de adesão cuja cópia constitui o documento junto a fls. 110 ao qual se encontrava anexado o documento designado de "nota informativa" que se encontra junto a fls. 111, e lhe foi então entregue. 12. Tal proposta de adesão foi posteriormente remetida pela ... à Companhia de Seguros...., S.A. que a aceitou, tendo confirmado a adesão da EE ao referido seguro de vida grupo com a apólice 5.001.500, o qual se rege pelas condições particulares cuja cópia se encontra junta a fls. 46 a 50. 13. Aquando da subscrição da proposta de adesão ao referido seguro de vida grupo, a EE foi elucidada pela funcionária do balcão da ... que tratou do mencionado empréstimo, que a cobertura do seguro de vida cessaria, conforme consta da referida nota explicativa, quando atingisse os 70 anos de idade, do que esta ficou ciente tendo ainda assim optado por subscrever tal proposta de seguro. 14. O valor seguro era de € 74.819,68, correspondente ao valor do referido empréstimo. 15. O seguro tinha o seu início em 13.03.2002. 16. Por este seguro a 1ª R. Companhia de Seguros ..., S.A. garantiu o pagamento do capital máximo em dívida do mencionado empréstimo à 2ª R. ... no caso de morte, invalidez total e permanente por doença e invalidez total e permanente por acidente ocorrido a EE. 17. Na altura da subscrição da proposta de adesão ao seguro de vida nem a ..., S.A., nem a Companhia de Seguros ..., SA entregaram à referida ... as condições gerais e especiais do referido seguro de vida. 18. A 1ª R. Companhia de Seguros ..., S.A. enviou à EE os certificados de seguro cuja cópia se encontra junta a fls. 39 e 40, dos quais consta como prazo 25 anos e data de início em 13.03.2002. 19. Depois de ter recebido e aceite a referida proposta de adesão a 1ª R. Companhia de Seguros ..., S.A. enviou, em data não apurada, à EE as condições particulares do referido seguro de vida, que constituem o documento cuja cópia se encontra junta a fls. 46 a 50. 20. Com data de 10.01.2012 a R. Companhia de Seguros ..., S.A. enviou uma carta a EE do seguinte teor: - "De acordo com as condições da apólice mencionada em epígrafe, da qual V. Exa. é aderente, a garantia principal extingue-se aos 70 anos de idade da Pessoa Segura. Deste modo, e em resultado dessa extinção, V. Exa.. deixou de pertencer à apólice de vida grupo acima mencionada, desde 01.01.2012". 21. Após a recepção dessa carta EE dirigiu-se à agência da ...., onde contraiu o empréstimo, pedindo esclarecimentos sobre o conteúdo da mesma carta, tendo-lhe sido dito que iriam contactar com a Companhia de Seguros ..., após o que lhe comunicaram que o seguro se extinguiu por ter completado os 70 anos de idade. 22. Por carta datada de 22.05.2012 o mandatário das AA. enviou uma carta à R. Companhia de Seguros ..., S.A. a comunicar o falecimento de EE (a pessoa segura) e a solicitar o pagamento à ... da quantia que ainda se encontrasse em dívida do empréstimo contraído, uma vez que era a ... a beneficiária do seguro. 23. Em resposta recebeu o mandatário das AA. da R. Companhia de Seguros ..., S.A. uma carta datada de 20.06.2012 da qual consta: -"(… vimos informar V. Exa(s) que não nos será possível proceder ao pagamento da(s) indemnização(ões) solicitada(s), uma vez que à data do sinistro a cobertura que se pretende acionar já se encontrava excluída do contrato pelo facto da Pessoa Segura ter atingido o limite de idade previsto nas condições da apólice. Aproveitamos para enviar cópia das Condições da Apólice onde poderá confirmar essa informação". 24. A mencionada EE nasceu em .... 25. Quando EE subscreveu o seguro de vida já tinha 61 anos. 26. A R. Companhia de Seguros ..., S.A. e a R. ... são sociedades que, na altura, pertenciam ao mesmo grupo de empresas o denominado Grupo .... 27. A mencionada EE subscreveu o referido documento de adesão ao seguro de vida de grupo que lhe foi apresentado pela Ré, ..., não tendo tido possibilidade de alterar qualquer cláusula desse seguro. 28. Desde 01/03/2012 até 17/10/2013, foi pago à ... a título de prestações mensais do referido empréstimo o montante de € 6.146,30. 29. À data de 21/10/2013, encontra-se em dívida do empréstimo em causa nos presentes autos o valor de € 48.114,43 30. Desde que, em 10.01.2012, a R. Companhia de Seguros .., S.A. lhe comunicou pela referida carta que tinha deixado de pertencer à referida apólice de vida grupo por ter atingido o limite de 70 anos de idade, a EE nunca mais procedeu ao pagamento do respectivo prémio de seguro, assim como não solicitou a celebração de nova apólice ou a manutenção da que assim lhe comunicaram ter cessado. Não foram considerados provados os seguintes factos: - Para a concessão do empréstimo a ..., S.A exigiu à EE que celebrasse um seguro de vida com a 1ª R. - Os únicos documentos respeitantes ao seguro de vida que a mencionada EE recebeu foram os certificados de seguro iguais aos dos documentos juntos a fls. 39 e 40. - Quando a referida EE fez o mencionando seguro de vida foi-lhe dito que esse seguro duraria pelo prazo do empréstimo, isto é, 25 anos. - E a mesma ficou convencida que esse era o prazo do seguro. - A mencionada EE subscreveu esse seguro de vida grupo convencida que o seu prazo era de 25 anos. - Se as RR. lhe tivessem comunicado que o prazo do seguro era apenas até aos seus 70 anos a mesma EE não tinha subscrito o seguro. - Até à recepção da carta de 10.01.2012, ninguém tinha informado a EE de que o seguro se extinguiria aos 70 anos. - A mesma EE ficou convencida que esse seguro estava associado ao empréstimo contraído nessa altura e que duraria pelo tempo que durasse o empréstimo. - Como, aliás, lhe foi transmitido pela R. ....
Foram colhidos os vistos. Conhecendo. 1-1- No ponto nuclear os recorrentes pretendem que este Supremo Tribunal altere a factualidade que as instâncias deram por assente. Mas é evidente que não pode fazê-lo “in casu”. Como regra, o mais alto Tribunal, que é essencialmente de revista e mais vocacionado para a uniformização de jurisprudência (artigo 46.º da LOSJ – Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), limita-se a aplicar aos factos materiais fixados pela instância recorrida o regime jurídico adequado, não lhe sendo permitido sindicar essa fixação, salvo nas situações excepcionais do n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil. Este preceito, reproduz o regime dos artigos 722.º n.º 2 e 729.º n.º 2 do diploma anterior, já que se limita, no artigo 682.º n.º 1 (antes artigo 729.º n.º 1) a aplicar “aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido “(…)” definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.” Assim, cumprindo às instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação pode emitir um juízo de valor sobre o apurado pela 1.ª Instância. E o STJ, tal como acima se acenou, só pode “tocar” nos factos materiais que a Relação fixou, se foi aceite um facto ao arrepio de prova para tal legalmente imposta, ou se tivessem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova só podendo, no limite, e excepcionalmente (n.º 3 do artigo 682.º CPC) mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto (cfr. v.g. os Acórdãos do STJ de 2 de Novembro de 2010 – 22900/04 – 0TBBCL.G1.S1 –; e de 22 de Setembro de 2009 – 5988/06.5TBCS.C.S1). O Acórdão do STJ de 10 de Julho de 2008 – 08A2179 – já deliberara que a possibilidade de debater questões de facto perante o STJ, confina-se ao domínio da prova vinculada, pois que “a fixação dos factos materiais da causa, baseada na prova de livre apreciação do julgador, não cabe no âmbito do recurso de revista”. (cfr. ainda, os Acórdãos do STJ de 18 de Maio de 2006 – 06A1248 – ; de 6 de Maio de 2008 – 08A1389 –; de 19 de Junho de 2007 – 07A1843 –; e de 29 de Novembro de 2006 – 0643794). O aresto de 20 de Outubro de 2015 – 752/04.9TBEPS.P1.S1 é lapidar na afirmação: “A censura do STJ ao julgamento da matéria de facto ocorre em duas situações: (i) uma, decorrente de juízo negatório, por insuficiência ou deficiência da compreensão global da necessidade de formação de um quadro completo e suficiente para apreciar e dirimir a questão de direito que prevalece para o veredicto; (ii) outra, quando seja alegada a utilização ou errada utilização, de determinados meios de prova a saber nos casos em que tenha havido “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova. “(...)” Desta competência residual, em matéria de decisão de facto, resulta que ao STJ está vedada a possibilidade de sindicar a decisão de facto quando o tribunal inferior toma como referente decisional prova não vinculada ou não ofenda regras de produção de prova que a lei prescreva”. 1-2- Aqui chegados, não se verifica que a Relação ao dar por assente a factualidade elencada tenha excedido os limites que a lei lhe impõe, designadamente desrespeitando a prova vinculada ou considerando provados factos ao arrepio de preceitos reguladores de certos meios de prova. Os recorrentes apelam, além do mais e em núcleo insinuado, para a violação do princípio/teoria da impressão do declaratário. Vejamos. Os artigos 237.º a 239.º do Código Civil, consagram a regra de a declaração negocial valer com o sentido apreensível por um declaratário normal, “colocado na posição do real declaratário”, salvo se conhecer a “vontade real” do declarante e, nos negócios formais não corresponder minimamente ao texto do documento, sendo que pode haver integração segundo a vontade hipotética ou os princípios da boa fé (cfr. Prof. Rui de Alarcão – “Interpretação e Integração dos Negócios Jurídicos”, BMJ 84 – 330; “Do Negócio Jurídico”, BMJ, 105-254). Certo, contudo, que existem regras especiais de interpretação, como o artigo 2187.º CC referente à interpretação dos testamentos e os artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, quanto às cláusulas contratuais gerais. Porém, a interpretação da declaração é matéria de facto, só sendo de direito averiguar se essa interpretação obedeceu aos critérios legais que a regulam. As regras especiais referidas devem ter em consideração que os testamentos devem ser interpretados com o que, no “contexto”, “parecer mais ajustado com a vontade do testador” (n.º 1 do artigo 2187.º CC) e que tal reserva “não surtirá efeito”, se não tiver “no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2 do preceito citado) alinhando-se, portanto, com um critério subjectivo, como já antes defendia o Prof. Ferrer Correia, na vigência do CC 1867 (“Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico”, 224, 234). Os citados artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 446/85 impõem que as cláusulas contratuais gerais sejam interpretadas e integradas “de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam” e sempre prevalecendo o “sentido mais favorável ao aderente”. Por isso é que o Prof. Pedro Pais de Vasconcelos (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 8.ª ed. 492) ensina que a regra do artigo 10.º do Decreto-Lei em apreço impedindo a padronização das cláusulas contratuais gerais, impede a sua interpretação padronizada. “A interpretação das cláusulas contratuais gerais, segundo este preceito, deverá ser feita caso a caso, especificamente em relação a cada contrato, e tendo em consideração o contexto de cada contrato em particular”. 1-2-1- Da conjugação da lei e da doutrina exposta poderá extrair-se a conclusão de que, independentemente de maior reflexão sobre a bondade de critérios objectivos ou subjectivos na interpretação do negócio jurídico, deve considerar-se não ser exigível o declaratário seja uma pessoa muito instruída, dotada de elevada sagacidade e diligência rigorosa, bastando tratar-se de um homem médio (normal) suficientemente esclarecido e inserível no grupo dos cidadãos que pululam ao nosso redor e que, afinal, são eleitores numa democracia inorgânica. Mas o declarante tem o ónus de exprimir a sua vontade negocial em termos claros, inequívocos e perceptíveis pelo cidadão comum, que não numa linguagem elaborada, eivada de gongorismos embora filologicamente correcto e elegante. Deve ter persente não estar a compor uma obra literária mas simplesmente a actuar numa área negocial onde não é exigível especial dote ou preparação cultural. Certo, de outra banda, que, quando se trata de negócio formal é avisado que se socorram de peritos ou especialistas (v.g. técnicos ou juristas) para lograrem uma melhor conformação do texto com a lei, em termos de não arriscarem equivocidades geradoras de interpretações conflituantes a propiciarem desequilíbrios negociais. E como acima se referiu a interpretação nesta sede – e na ausência de normas específicas ou supletivas – e pura matéria de facto arredada da competência do Supremo Tribunal de Justiça. 1-2-2- Do que vem exposto resulta que, nos termos do n.º 3 do artigo 674.º CPC, este Supremo Tribunal não verificar terem sido incumpridas as regras da prova vinculada, nem viu arredados meios probatórios com força legal para modificar quaisquer factos que a Relação considerou, quer provados, quer improvados. 2- Cláusulas contratuais gerais 2-1- Estamos perante um contrato de seguro – de vida – outorgado para melhor garantir um mútuo contraído para construção de habitação da segurada. O contrato de seguro surge, na dogmática jurídica, como contrato de adesão. Na ponderação das circunstâncias em que foi feito, a entidade mutuante (aqui a recorrida “..., S.A” foi a tomadora do seguro, sendo a segurada a mutuária. Trata-se de um típico contrato de adesão com cláusulas previamente fixadas e não negociadas com o segurado que se limita a aceitá-las quando subscreve o seguro que, afinal, é entre a seguradora e o tomador, ao qual, por outra via, está ligado o segurado. Temos, em consequência, uma relação triangular: seguradora, tomador e segurado, sendo precípuos os interesses deste em termos de lhe ficarem garantidas as obrigações do mútuo que se contraiu, sem, contudo, ter possibilidade de negociar as respectivas cláusulas. Iremos, em consequência, situar-nos no âmbito das cláusulas contratuais gerais, de cujo regime ressaltam os deveres de informação e de comunicação, “ex vi” dos artigos 5.º e 6.º do acima citado Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. Tais cláusulas, se limitativas do direito dos outorgantes devem considerar-se excluídas, se não tiver sido cumprido o dever de informação resultante, quer do contrato de seguro, quer do regime daquele diploma. São itens personalizados a regularem a cobertura e os direitos e obrigações recíprocas da seguradora e do aderente/segurado, (cfr. o vigente, aquando da outorga do contrato de seguro DL n.º 176/95, de 26/7, actualmente 72/2008, de 16/4, que entrou em vigor em 1/1/2009). Ora, e na linha do Acórdão do STJ de 12 de Outubro de 2010 – 646/05.0TBAMR.G1.S1 o ónus da informação sobre o conteúdo e alcance das cláusulas contratuais gerais recai sobre o tomador, que não sobre a seguradora. (cfr. no mesmo sentido o Acórdão do STJ de 17 de Julho de 2010 – 651/04.4TBETR.P1.S1). 2-2- Intocada que ficou a matéria de facto e provada, em consequência, que “aquando da subscrição da proposta de adesão ao referido seguro de vida de grupo, a EE foi elucidada pela funcionária do balcão da ..., que tratou do mencionado empréstimo, que a cobertura do seguro de vida cessaria, conforme consta da respectiva nota explicativa, quando atingisse os 70 anos de idade, do que esta ficou ciente, tendo ainda assim optado por subscrever tal proposta de seguro”, mostra-se cumprido o dever de informação a que se refere o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85. Ademais, tratava-se de cláusula simples, clara e apreensível por qualquer pessoa, inserida em contrato sem complexidade, bastando a informação referida - (cfr. Prof. Almeida Costa – “Cláusulas Contratuais Gerais”; Doutora Ana Prata “Contratos de Adesão e Cláusulas Gerais – Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro”, 223; Dr. Pedro Caetano Nunes “Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais”, apud Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Separata, 2011, 507 ss; Prof. Pais de Vasconcelos, “Contratos Atípicos”, 423). 3- Conclusões Pode, sem mais, concluir-se que: a) Como regra, o Supremo Tribunal de Justiça é, essencialmente, de revista, e mais vocacionado para a uniformização de jurisprudência, limitando-se a aplicar o regime jurídico pertinente aos factos materiais fixados pela instância recorrida. b) Não lhe é permitido sindicar essa fixação, salvo nas situações excepcionais do n.º 3 do artigo 674.º CPC (aceitação de um facto ao arrepio de prova vinculada ou incumprimento de preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova). c) No limite, e excepcionalmente, pode mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 682.º CPC. d) A fixação dos factos materiais da causa, baseada na livre apreciação do julgador não cabe no âmbito do recurso de revista. e) Os artigos 237.º a 239.º do Código Civil consagram a regra da declaração negocial valer com o sentido apreensível por um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, salvo se conhecer a vontade real do declarante e, tratando-se de negócio formal, não corresponder minimamente ao texto do documento. f) A interpretação da declaração é matéria de facto (vontade real) só sendo de direito averiguar se essa interpretação obedeceu aos critérios legais que a regulam para apurar a vontade virtual ou hipotética. g) Não é exigível que o declaratário seja pessoa muito instruída, dotada de elevada sagacidade e diligência rigorosa, bastando tratar-se de homem médio, suficientemente esclarecido e inserido no grupo de cidadãos eleitores numa democracia inorgânica. h) O declarante tem o ónus de exprimir a sua vontade negocial, em termos claros, inequívocos e perceptíveis pelo cidadão comum, consciente de actuar numa área negocial onde não é exigível especial dote ou preparação cultural. i) O contrato de seguro de vida tem, em regra, cláusulas simples, acessíveis ao cidadão comum que, não obstante, como integrados num contrato de adesão, devem ser comunicadas e bem explicadas ao segurado, nos termos dos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. j) No seguro de grupo, que tem ínsita uma relação triangular (seguradora, tomador e segurado) o ónus de informação sobre o conteúdo e alcance das cláusulas contratuais gerais recai sobre o tomador.
Nos termos expostos acordam negar a revista. Custas a cargo das recorrentes Sebastião Póvoas (Relator) Paulo de Sá Garcia Calejo
|