Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | MANUEL AUGUSTO DE MATOS | ||
Descritores: | RECURSO PENAL PERIGOSIDADE CRIMINAL MEDIDAS DE SEGURANÇA INTERNAMENTO SUSPENSÃO INIMPUTABILIDADE | ||
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Data do Acordão: | 03/15/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS. DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DOS FACTOS / MEDIDAS DE SEGURANÇA / INTERNAMENTO DE INIMPUTÁVEIS. | ||
Doutrina: | -AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal, Parte Geral, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2008, p. 76 e 77; -JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo 1, 2.ª Edição, Coimbra Editora, p. 86, 87 e 94 ; Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 4.ª Reimpressão, Coimbra Editora, p. 440, 441, 445 a 453; -MARIA JOÃO ANTUNES, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 98 a 100; -PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, 3.ª Edição Actualizada, Universidade Católica Editora, p. 425. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 410.º, N.º 2. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 91.º, N.º 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 20-01-1998, IN CJ, 1998, I, 165; - DE 28-05-2008, PROCESSO N.º 1402/08; - DE 16-10-2014, PROCESSO N.º 457/12.7PBBJA.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I - O recorrente impugnou, perante a relação, a prognose positiva da 1.ª instância no sentido da sua perigosidade, retomando nestes recurso a sua discordância quanto à resposta que foi dada à questão da perigosidade social, pressuposto de aplicação de uma medida de segurança. O tribunal da relação apreciou devidamente o juízo formulado na 1.ª instância sobre a perigosidade do recorrente, não resultando da decisão que proferiu, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a ocorrência de qualquer um dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP. II - O momento a tomar em consideração sobre a perigosidade e respectiva prognose é o da decisão e resulta da factualidade provada que nessa altura o estado de saúde do arguido reclama um apoio e supervisão de terceiros e, se necessário, o tratamento sintomático de alguns sintomas de ansiedade e de instabilidade emocional, sem o qual é possível que volte a praticar factos ilícitos-típicos da mesma natureza ou gravidade dos praticados e que estão em causa (homicídio). III - Ao questionar a prognose formulada pelas instâncias quanto à sua perigosidade, o recorrente pretende, afinal, confrontar o STJ com a prova produzida em audiência de julgamento, visando o reexame de questões de facto que já se encontram definitivamente decidas no acórdão recorrido proferido pelo tribunal da relação. Conhecendo o STJ apenas de direito, o recurso, quanto a esta questão não apresenta viabilidade, sendo susceptível de rejeição. IV - A suspensão da execução do internamento reclama que o tribunal adquira uma convicção fundada quanto à necessidade preventiva-especial de neutralização da perigosidade criminal e, no caso dos crimes referidos no n.º 2 do art. 91.º do CP, quanto à necessidade preventivo-geral de pacificação social, não imporem o internamento do inimputável. Em suma, que num juízo de prognose, a liberdade se mostre adequada às necessidades de prevenção especial de recuperação do inimputável e de inocuização ou neutralização da perigosidade criminal, através do tratamento da anomalia psíquica, e de prevenção geral positiva de pacificação social. Neste entendimento, consideramos que não há razões de censura da decisão quanto à não suspensão da execução do internamento. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I – RELATÓRIO
1. Pela Comarca da ... – Instância Central da ..., Secção Cível e Criminal – ..., sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, os arguidos:
AA, [...], e
BB, [...] , imputando-se-lhes a prática de factos, pelos quais o arguido teria cometido, em autoria material e na forma consumada, um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, alíneas e) e h), do Código Penal e, a arguida teria cometido, em autoria material e na forma consumada, um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal.
Realizada a audiência de julgamento – no decurso da qual foi comunicada uma alteração não substancial dos factos, nos termos do artigo 358.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.P. –, o Tribunal Colectivo, por acórdão proferido a 24 de Fevereiro de 2016, decidiu julgar a acusação e os pedidos de indemnização civil deduzidos totalmente improcedentes e, em consequência:
- absolver a arguida BB da acusação da prática de um crime de ofensa à integridade física simples de que estava acusada. - absolver o arguido AA da acusação da prática de um crime de homicídio qualificado de que vinha acusado. - declarar que o arguido AA praticou factos típicos e ilícitos subsumíveis ao crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131º do Código Penal, é inimputável, em razão de anomalia psíquica, e socialmente perigoso; - sujeitar o arguido AA à medida de segurança de internamento em estabelecimento adequado à sua cura, tratamento e segurança, com a duração mínima de 3 (três) anos, até que cesse o seu estado de perigosidade social, medida esta que deve ser revista nos termos legais e com a duração máxima de 16 anos (dezasseis anos); e - absolver os demandados dos pedidos de indemnização civil contra si deduzidos.
2. Inconformado, o arguido AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, suscitando as seguintes questões:
- que não é socialmente perigoso, pelo que não há razão para ser ordenado o seu internamento em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança; e, - caso se entenda manter a decisão de internamento, se estão verificados os pressupostos que que impõem a suspensão da execução do internamento.
3. Por acórdão proferido em 23-08-2016, o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso.
4. Desse acórdão vem interposto o presente recurso, cuja motivação é rematada pelas seguintes:
«Conclusões [[1]]:
A) Vem o presente recurso interposto do, aliás douto, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que confirmou o – também douto – acórdão do Tribunal de 1ª Instância, concluindo, pois, ser o arguido socialmente perigoso, sujeitando-o à medida de segurança de internamento em estabelecimento adequado à sua cura, tratamento e segurança, com a duração mínima de três anos, até que cesse o seu estado de perigosidade social; B) Por razões de economia e simplificação processuais, dão-se aqui por reproduzidas os factos provados e não provados enumerados, respectivamente, em 2. e 3. Supra; C) O recorrente discorda, fundamentalmente, das respostas do Tribunal da Relação de Coimbra à questão da invocada perigosidade social e consequente aplicabilidade da medida de segurança de internamento e à questão da verificação dos pressupostos que impõem a suspensão da execução de tal internamento; D) Pelas razões indicadas em B) supra, dão-se também por reproduzidas as conclusões do, aliás douto, acórdão recorrido, plasmadas em 5. a 9. supra; E) Quanto à questão da perigosidade do arguido: nos presentes autos e salvo melhor opinião, o único facto concretamente demonstrado que poderia levar a concluir pela perigosidade do arguido é o que consta do ponto 32. dos Factos Provados (supra elencados), que refere que “O seu estado de saúde mental reclama o apoio e supervisão por parte de terceiros e, se necessário, o tratamento sintomático de alguns sintomas de ansiedade e de instabilidade emocional, sem o que não é de excluir o eventual envolvimento do arguido em outros factos ilícitos típicos da mesma natureza ou gravidade dos supra referidos” (negrito e sublinhado nossos); F) Não resulta deste Facto Provado que o arguido seja perigoso, antes prevendo (com base nas conclusões do relatório da perícia psiquiátrica médico-legal e nos esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito que a realizou) que o mesmo tem é necessidade de ser acompanhado (como não vinha sendo) e eventualmente tratado a “alguns sintomas de ansiedade e de instabilidade emocional”; na verdade e G) O arguido apresenta uma deficiência mental ligeira, equivalente à categoria pedagógica “educável” e, com apoios adequados, pode viver normalmente na comunidade (vde. fls. 673), como de resto, sempre fez até aos acontecimentos discutidos nestes autos; H) O arguido, embora decretado interdito, com carácter definitivo, por anomalia psíquica (reportada à data do seu nascimento) e “não obstante as suas fragilidades pessoais, sempre manteve ajustadas relações interpessoais, sendo-lhe reconhecidos hábitos de trabalho e não lhe sendo identificadas problemáticas geradoras de animosidade” (Facto Provado nº 44.) – negrito e sublinhado nossos; I) O comportamento do arguido ocorreu num contexto excepcional, em que – como ficou provado – havia sido agredido e, sobretudo, quando a sua própria mãe – de quem era e é muito próximo – também fora agredida. J) Houve, da parte do arguido, uma reacção à conduta do falecido, embora não tenha o seu comportamento ocorrido num contexto de legítima defesa; K) Como o arguido/recorrente focou já no respectivo recurso da decisão de 1ª Instância, “O estado de perigosidade tem que resultar de verificação clinicamente reconhecida, não se tratando de uma mera perigosidade subjacente ao risco normal inerente ao arguido ou a outro cidadão qualquer na mesma situação, da sempre imprevisibilidade que poderá resultar de tais situações” (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, in www.dgsi.pt – Processo nº 44/07.1GABTC.P1); L) Apesar das suas limitações e do contexto familiar de alcoolismo do pai, mas sempre sob a supervisão e protecção da mãe (vde. relatórios sociais juntos aos autos), o arguido foi sempre capaz de viver bem integrado na comunidade, sem se envolver em situações violentas ou de conflito com quem quer que seja e sem cometer crimes (excepto o que consta do Facto Provado nº 46, que lhe valeu uma admoestação); M) O arguido não é socialmente perigoso; é pessoa pacata e pacífica, nunca tendo havido, antes dos factos ora em discussão, qualquer notícia de actos de violência ou agressividade da sua parte; N) O arguido não deve ser internado em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, designadamente porque não há razão demonstrada para recear que venha a cometer outros factos da mesma espécie; O) A actuação do arguido não foi causada pelas limitações de que padece, mas antes por causa das agressões de que foi vítima e sobretudo, por causa das agressões perpetradas pela vítima sobre a sua (do arguido) mãe; P) Deverá a decisão recorrida, na parte em que manda internar o arguido, ser revogada e substituída por outra que preveja a aplicação de medida de segurança a executar pelo arguido em liberdade, mas sempre sujeito ao cumprimento de regras de conduta, nomeadamente com sujeição a acompanhamento e tratamento apropriado à condição de que padece, incluindo exames e observações a efectuar por médico especialista de psiquiatria; respeitando todas as prescrições médicas que lhe forem indicadas; e sob vigilância tutelar dos serviços de reinserção social; sem conceder e Q) Quanto à (não) suspensão da medida de segurança aplicada: tendo em conta o comportamento pacífico e cumpridor das normas sociais e jurídicas e a necessidade/possibilidade de acompanhamento psiquiátrico em regime ambulatório e junto da família – é razoavelmente de esperar que a suspensão da execução do internamento alcance a finalidade da medida; R) Atendendo ao facto de se ter tratado de um acto isolado na vida do arguido (que tem 32 anos de idade) – provocado pela vítima – e considerando que, apesar do acto praticado, o mesmo arguido goza de boa aceitação na sociedade e tem bom relacionamento com todos, está integrado familiarmente e é pessoa útil na comunidade, mostra-se a suspensão da execução do internamento compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social; S) Previsivelmente, a efectivação da medida de internamento do arguido só poderá revelar-se mais nociva do que benéfica, quer para o arguido (em termos de integração) – que assim se vê afastado da família e de toda a realidade exterior onde, até aos 32 anos de idade e apesar não efectuar qualquer tratamento psicofarmacológico, nem ser seguido em consultas de psiquiatria, “sempre manteve ajustadas relações interpessoais, sendo-lhe reconhecidos hábitos de trabalho e não lhe sendo identificadas problemáticas geradoras de animosidade” – quer para a própria sociedade (em termos de segurança) – que, atentas as regras da experiência comum, arrisca receber, após a execução da referida medida, um cidadão bem menos integrado e socializado do que antes de tal execução; T) O arguido, procedente de prisão preventiva, cumpre medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica desde o dia 06.05.2015, que decorre no contexto familiar, cuja única coabitante é a mãe; tem cumprido as obrigações inerentes à medida de coacção e tem entendido a natureza privativa da mesma; tem-se mantido confinado – 24 horas por dia – ao espaço habitacional e tem noção da necessidade de evitar incumprimentos; demonstra sentido de responsabilidade perante as suas obrigações judiciais; e acata sem problemas as orientações dadas pelos técnicos, com quem mantém relação adequada e cordial; U) O arguido, “Nas instâncias socializadoras que estiveram presentes na sua vida, seja família, estabelecimentos de ensino, […] demonstra comportamentos ajustados e a nível social tem mantido uma postura social normativa e integrada, circunstância que […] tem sido conseguida com o apoio e supervisão da figura materna e de outros familiares” (negrito e sublinhado nosso); V) A concluir-se pela aplicação da medida de segurança de internamento, estão verificados os pressupostos que permitem/impõem a suspensão da execução de tal internamento; W) É perfeitamente possível que, no seio da família (designadamente junto da mãe), mas sempre com a indispensável vigilância e tutela dos serviços de reinserção social e um apertado controlo do Tribunal através da imposição de exames e outras regras de conduta, possa ser facultado ao arguido o necessário suporte para compensar as suas carências ao nível mental e mantê-lo (como sempre se manteve antes e depois dos factos ora em discussão) afastado de condutas violentas para com terceiros; X) Como se constata também nos presentes autos, “não se antolha que, submetido a internamento efectivo, venha a encontrar melhor apoio para a sua cura, sabido como é que o isolamento da família e o afastamento dos universos habituais de vivência gera muitas vezes, especialmente nos pacientes de foro psíquico, impulsos de violência que prejudicam a recuperação desejada” (acórdão do STJ – Processo nº 03P2016 – in www.dgsi.pt) – negrito e sublinhado nossos; Y) De qualquer modo e como também se entendeu no identificado acórdão deste Supremo Tribunal, “a suspensão do internamento tem mecanismos de compensação, na medida em que será sempre possível, durante o prazo de duração […], fazer recolher o arguido à clausura se o regime de tratamento ambulatório se vier a mostrar insatisfatório”; Z) Decidindo como decidiu, violou o, aliás douto, acórdão recorrido, designadamente, as normas dos artigos 40º, 90º, 94º e 98º do Código Penal. Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido e substituindo-se por outro que altere a medida de segurança e aplique uma medida não privativa da liberdade; caso se mantivesse o internamento confirmado pelo douto Tribunal da Relação de Coimbra (o que o recorrente não admite), sempre deveria a execução da medida ser suspensa, nos termos do disposto no artigo 98º do Código Penal, assim se fazendo Justiça.»
5. O Ministério Público em funções no Tribunal da Relação não apresentou resposta.
6. Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o proficiente parecer que se transcreve:
«1. Do recurso: 1.1 – No presente recurso – tempestivamente interposto pelo arguido, AA, com os demais sinais dos autos, do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra[2], datado de 23-08-2016 e exarado a fls. 966 a 983 –, retoma o recorrente, com base aliás na mesma argumentação ingloriamente colocada perante a Relação, as duas questões seguintes: (i) Pretensão de reexame, interpretativo, da matéria de facto fixada, com base na qual as instâncias o declararam socialmente perigoso, e consequente aplicabilidade da medida de segurança de internamento em estabelecimento de cura e tratamento; (ii) Pretensão de suspensão da execução dessa medida de segurança de internamento em estabelecimento psiquiátrico. 1.2 – O Ministério Público junto da Relação, apesar de para tanto notificado, absteve-se do exercício, devido, do direito de resposta. 1.3 – O recurso foi admitido por despacho de 10.10.16, tendo sido mandado subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo. 1.4 – O recorrente não requereu audiência, nos termos do previsto no n.º 5 do art. 411.º do CPP. * 2. Do mérito do recurso:
2.1 – Emitindo parecer, como nos cumpre, cabe dizer o seguinte:
2.1.1 – Quanto à primeira questão: perigosidade do arguido: Importa evidenciar antes de mais que a imposição ao arguido de uma medida de segurança pressupõe que o mesmo seja considera inimputável e que exista perigo de ele vir a cometer outros factos ilícitos típicos. A inimputabilidade, que de resto o recorrente não contesta, afere-se relativamente ao momento da prática do facto. Pelo contrário, a perigosidade conecta-se com o momento da decisão, sendo que, e como bem se decidiu, resulta da factualidade provada que nessa altura o estado de saúde do arguido, ora recorrente, reclama um apoio e supervisão de terceiros e, se necessário, o tratamento sintomático de alguns sintomas de ansiedade e de instabilidade emocional, sem o qual é possível que volte a praticar factos ilícitos típicos da mesma natureza ou gravidade dos praticados e que aqui estão em equação. Ora o recorrente, não questionando a decisão de facto proferida, intenta no entanto fundamentar a sua pretensão com base na convocação, a favor da sua tese, de um dos pontos da matéria de facto fixada [o ponto 32[3]], mas ignorando desde logo o ponto seguinte [o ponto 33[4]]. Só que, e como meridianamente decorre da fundamentação aduzida no aresto da Relação, ora recorrido – [que o recorrente de todo não enfrenta, antes persistindo na mesma argumentação esgrimida para a Relação] –, e citamos, «[a] mãe do arguido, BB, com quem vive e sobre quem recai o dever de o supervisionar, apoiar e representar, na qualidade de tutora, não o supervisiona devidamente uma vez o arguido não efectua qualquer tratamento psicofarmacológico e também não é seguido em consulta de psiquiatria. Resulta da fundamentação da matéria de facto que a mãe do arguido declarou em julgamento que o arguido anda sempre com um pau, por causa das ovelhas, e que normalmente anda com o sacho em referência. Da valoração global dos factos e da anomalia psíquica do arguido AA resulta que a repetição, no futuro, de crimes da mesma espécie dos da factualidade dada como provada - que são dos mais graves, porque atentam contra a vida, que é o bem supremo, a partir do qual todos os outros se desenvolvem – não está afastada, designadamente num contexto de discussão e/ou agressão a si ou à sua mãe. Pelo contrário, a ausência de tratamento torna razoável o eventual envolvimento do arguido em outros factos ilícitos típicos da mesma natureza ou gravidade dos supra referidos num contexto de discussão, como resulta claro também da parte da fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido na parte em que se reproduzem os esclarecimentos do perito que subscreveu o exame pericial de folhas 671 a 677, Dr. CC. Deste modo, temos como verificado também o terceiro dos pressupostos de aplicação da medida de internamento. Por fim, cremos que a aplicação da medida de internamento do arguido AA não viola o princípio da proibição de excesso ou da proporcionalidade, nos subprincípios da adequação (conformidade com os fins), da necessidade (exigibilidade e subsidiariedade) e da proporcionalidade em sentido estrito (“justa medida”). O facto ilícito-típico praticado pelo arguido DD incapaz de avaliar em toda a extensão a ilicitude dos seus actos ou de se determinar de acordo com a avaliação feita, não configura uma bagatela, nem integra um crime respeitante à pequena ou mesmo média criminalidade. É um crime muito grave, porque respeita à violação da vida humana, sendo o facto ilícito-típico praticado pelo arguido punível com pena de prisão de 8 a 16 anos. Por outro lado, a perigosidade do arguido para a reincidência em factos ilícito-típicos da mesma natureza e gravidade continua a existir. Sendo a finalidade última da medida de segurança de internamento evitar a repetição pelo agente, no futuro, de crimes da mesma espécie e, em caso como o presente, ainda a defesa da ordem jurídica e da paz social, entendemos, tal como o Tribunal a quo, que se encontram reunidos, face à factualidade dada como provada, todos os pressupostos de aplicação daquela medida de segurança previstos no art.91.º, n.º 1 do Código Penal […]». * 2.1.2 – Quanto à segunda questão: suspensão da execução da medida de segurança de internamento: Nos termos do n.º 1 do art. 98.º do C.P, a suspensão do internamento pode ser aplicada se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade dessa medida. Ou seja, embora o risco de repetição homótropa constitua pressuposto necessário da aplicação de reacção penal pela prática de um ilícito típico por parte de inimputável, aquela reacção penal pode consistir na suspensão da medida de segurança privativa da liberdade, prevista no art. 91 ° do CP, se os elementos disponíveis permitirem um juízo de prognose positiva no sentido de a suspensão ser suficiente para neutralizar ou controlar em termos aceitáveis o risco de repetição homótropa persistente no momento da decisão. A aplicação da suspensão de internamento envolve um juízo de prognose norteado pela prossecução das finalidades comuns às penas e às medidas de segurança, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E, para os casos do n.º 2 do art. 91.°, isto é, em que o facto praticado corresponda a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena superior a 5 anos, em que o internamento tem a duração mínima de três anos, a suspensão só pode ter lugar se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social. Ora, no caso em apreço, a conduta do arguido visou bem jurídico de primeira grandeza (a vida), e praticou o facto em lugar público e em circunstâncias tais que, para além de terem provocado a morte da vítima, causaram inegável perturbação no meio social envolvente, quer pela violência, quer pelo inusitado dos factos. São por isso elevadas as necessidades de pacificação social e mesmo de integração, no sentido da protecção da confiança comunitária nas normas, pois, apesar de ter sido praticado por inimputável, o facto é grave e o arguido foi considerado criminalmente perigoso (grosso modo), cabendo ao direito penal proteger os bens jurídicos postos em causa também nestes casos. E como doutamente ponderava já a 1.ª Instância – na decisão que a seu tempo proferiu e que, como vimos, a Relação confirmou –, citamos, «[…] estando em causa factos muito graves (que determinaram a morte de uma pessoa), cremos, por um lado, que a comunidade não aceitará ou, seguramente, não compreenderá por que razão uma conduta tão grave, que causou a morte de outra pessoa (que, verificados todos os pressupostos do tipo legal de crime, determinaria uma condenação numa pena de prisão cujo limite mínimo é de 8 anos), não determine a execução efectiva de uma medida de segurança de internamento (factualidade e circunstâncias que, no âmbito das finalidades de protecção do bem jurídico violado, reclamam fortes exigências de prevenção geral positiva ou de reintegração da norma jurídica violada). Por outro lado, cremos também, em face da gravidade do facto praticado, que a libertação do arguido não se revela compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social. Com efeito, o arguido, pese embora a sua interdição por anomalia psíquica e a nomeação da sua mãe como sua tutora, não se encontra acompanhado medicamente, nem toma qualquer medicação que lhe iniba actos/comportamentos impulsivos, o que pode determinar, a qualquer momento, logo que seja colocado nas mesmas circunstâncias, a prática de factos idênticos. Acresce, em face da gravidade dos factos praticados e pese embora a boa inserção social do arguido, mesmo admitindo a hipótese de a suspensão ser acompanhada de regime probatório, que a comunidade espera uma reacção criminal compatível com a gravidade dos factos, detentiva ou privativa da liberdade (como acontece em situações típicas idênticas) – não se mostrando a suspensão da execução da medida de segurança compatível com a defesa da ordem jurídica e o restabelecimento da paz social». A Relação por seu turno, sindicando em recurso, também neste ponto, o assim decidido, consignou que, citamos, «[…] Apesar de estar dependente da sua mãe, que é igualmente sua tutora, resulta provado do ponto n.º 46 da factualidade do acórdão recorrido que - pese embora a sua inimputabilidade em razão de anomalia psíquica -, foi o arguido AA condenado, por sentença transitada em julgado no dia 22/9/2014 (NUIPC 138/12.1GBPNH), como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, numa pena de multa. Como vimos a presença da sua mãe e tutora aquando dos factos ilícitos-típicos integradores do crime de homicídio não obstou à prática dos factos por parte do arguido, abandonando ambos o local com o EE caído no chão (ponto n.º 7). O suporte familiar do arguido, que é a sua mãe, não nos parece, assim, o mais adequado à supervisão do arguido numa situação de suspensão da execução da medida de internamento. A reintegração do arguido na sociedade, curado no que concerne à perigosidade, em caso de suspensão de execução da medida de internamento, tem de se fundamentar bem mais no suporte familiar, do que no cumprimento das regras de conduta impostas pelo Tribunal através da vigilância dos serviços de reinserção social. A proximidade espacial e temporal da família é neste aspecto preponderante. Sendo certo que está provado que «Decorrente da sua condição de saúde, o arguido sempre gozou de sentimentos de protecção e solidariedade da generalidade da comunidade local, onde, não obstante as suas fragilidades pessoais, sempre manteve ajustadas relações interpessoais, sendo-lhe reconhecidos hábitos de trabalho e não lhe sendo identificadas problemáticas geradoras de animosidade» (ponto n.º 44), também não deixa de não razoável concluir, em face das regras da experiência comum, que os sentimentos solidários da comunidade para com o arguido AA, em razão da sua anomalia mental, sofreram um forte abalo com a morte pelo mesmo de uma pessoa, da mesma comunidade, que é uma comunidade pequena. Como bem se refere no douto acórdão recorrido, reproduzindo lição do Prof. Figueiredo Dias (“Direito Penal Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2.ª ed., pág. 94): “(…) tendo sido cometido um crime grave”, como é o crime de homicídio, “(…) há razões particulares de tranquilidade social e de tutela na confiança comunitária nas normas a que – suposta sempre a perigosidade do agente à luz do facto cometido – a política criminal tem de responder, mesmo perante inimputáveis, através da aplicação de uma medida de segurança”, pois “ (…) também no âmbito das medidas de segurança (embora não de forma prevalente, como sucede no âmbito das penas, antes meramente secundária) a finalidade de prevenção geral positiva cumpre a sua função.”. Não demonstrando os factos provados a existência de circunstâncias que nos levem a concluir ser razoável esperar que com a suspensão da execução do internamento e manutenção em liberdade do arguido AA, se cumprirão as finalidades de prevenção especial (de socialização e de segurança) e de prevenção geral (compatibilidade com a defesa da ordem jurídica e da paz social), entendemos, tal como o douto acórdão recorrido, que não se mostram preenchidos os pressupostos da suspensão da execução do internamento prevista no artigo 98.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal». Porque nos revemos inteiramente nas apontadas considerações, e tendo em conta que, e em boa verdade, nem o recorrente ousou enfrentá-las, limitando-se antes a retomar a argumentação ingloriamente colocada perante a Relação, nada mais nos resta do que para elas aqui remeter. São, pois, também razões de prevenção geral que, desde logo nos termos do disposto no n.º 2 do art. 91.º do Código Penal, justificam o estabelecimento do limite mínimo ali previsto, e impõem evidentemente do mesmo modo, no caso concreto, a necessidade de cumprimento efectivo da medida de segurança de internamento aplicada. Ademais, e ex abundanti, convirá evidenciar ainda que, entre a data dos factos (17.05.2015) e a data da realização da audiência com a consequente prolação do acórdão de 1.ª instância, (datado de 24.02.2016), decorreu menos de um ano, o que é período manifestamente curto do ponto de vista da pacificação social que, como vimos, a lei visa proteger. Assim sendo, mesmo que se considerasse que o risco de repetição de factos semelhantes por parte do arguido poderia ser suficientemente controlado e minorado pela medicação e acompanhamento psiquiátrico em regime ambulatório, mediante a imposição de regras de conduta e demais condições a que se reporta o art. 98.º n.ºs 3 e 4, do C. Penal, como pretende o recorrente, sempre as apontadas razões de defesa da ordem jurídica e da paz social impediam a suspensão do internamento. * 2.2. Parecer: Pelo exposto, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, emite-se parecer no sentido de que é de negar provimento ao recurso, confirmando assim, integralmente, o decidido pelo Tribunal da Relação.»
7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), nada foi dito.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos Na 1.ª instância, com confirmação no Tribunal da Relação, foram considerados provados os seguintes factos referentes ao objecto criminal: «A) Factos provados 1. A arguida BB é mãe do arguido AA, os quais, na data dos factos infra referidos, eram vizinhos de EE, na localidade de ..., concelho de ..., onde residiam; 2. No dia 17 de Abril de 2015, pelas 14h30m, o arguido AA apresentou no Posto Territorial da GNR de ... uma queixa-crime contra o referido EE, que deu origem ao NUIPC N.º 18/15.9GCPNH, alegadamente por no dia anterior, este, munido de um objecto não concretamente identificado, ter furado os dois pneus de uma carroça, habitualmente utilizada pelo arguido AA para transporte de bens agrícolas; 3. No dia 20 de Abril de 2015, cerca das 11h00m, a arguida BB, ao avistar o referido EE junto da capela de ..., na localidade de ..., dirigiu-se ao mesmo e questionou-o porque lhes havia furado os pneus da carroça, o que gerou uma discussão entre ambos; 4. No decurso dessa discussão, o referido EE envolveu-se corporalmente com a arguida BB e puxou-lhe os cabelos, tendo esta oferecido resistência até se conseguir libertar das mãos daquele; 5. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA surgiu no local, munido de uma sachola, com um cabo de madeira, na extremidade do qual tinha um lâmina metálica com 10 cm de comprimento; 6. Nessas circunstâncias, o referido EE retirou a sachola das mãos do arguido AA e, com a mesma empunhada, desferiu com o cabo da sachola uma pancada que atingiu a arguida BB na zona antero-lateral esquerda do tórax, após o que desferiu outra pancada que atingiu o arguido AA na zona dorsal esquerda do tórax, tendo de seguida arremessado a sachola para o chão; 7. Em ato seguido, quando o referido EE se preparava para abandonar o local, o arguido AA agarrou com ambas as mãos a referida sachola, levantou-a e, com parte metálica, desferiu com ela várias pancadas na cabeça do referido EE, que de imediato caiu ao solo, após o que ambos os arguidos abandonaram o local; 8. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido AA, supra descrita, sofreu o mencionado AA “traumatismo craniano-encefálico grave com duas feridas inciso-contusas na região occipital, uma com 10 cm e outra com 8 cm; hematoma subdural fronto-parietal esquerdo, fractura occipital direita, áreas de contusão hemorrágicas fronto-parietal e temporal esquerdo e edema envolvente, com traumatismo do ombro e braço esquerdo”; 9. A vítima foi assistida na sua residência por uma equipa da VMER e transportado pelo INEM dos Bombeiros Voluntários de ... para o Hospital ..., tendo no dia 21/04/2015 sido transferido de helicóptero para os serviços de medicina intensiva – neurocirurgia do CHUC, onde permaneceu em coma com escala de Glasgow 5, sob sedação e ventilação mecânica; 10. As lesões supra descritas, provocadas pelo arguido AA, foram causa directa e adequada da morte de EE, que veio a ocorrer no dia 28 de Junho de 2015; Mais se provou que: […][5]. 26. No âmbito do processo n.º 260/07.6TBPNH do Tribunal Judicial de ...l, por sentença transitada em julgado no dia 27/11/2008, o tribunal decretou a interdição do arguido AA, com carácter definitivo, por anomalia psíquica (reportada à data do seu nascimento), aí tendo sido nomeada tutora a sua mãe, a arguida BB; 27. O arguido AA evidencia, desde o nascimento, um desenvolvimento intelectual incompleto ou retardado, resultado de factores genéticos, orgânicos e socioculturais; 28. Apresentava na data dos factos e apresenta actualmente um défice cognitivo global acentuado e bastante limitativo, que, ainda assim, lhe permitia e permite, em condições normais, adquirir conhecimentos académicos ao nível do 9º ano de escolaridade e competências sociais e vocacionais adequadas a uma autonomia mínima, ainda que com apoio, orientação e assistência de terceira pessoa; 29. Era e é portador de um atraso mental leve, com alterações de comportamento, que requer atenção ou tratamento e que interfere com áreas de aquisição de competências sociais e interpessoais, utilização e gestão de recursos, autocontrolo e desempenho ocupacional/laboral, com limitação no funcionamento adaptativo em várias áreas da vida diária e compromisso da capacidade de adaptação efectiva às normas de independência pessoal e de responsabilidade social esperadas de acordo com a idade e grupo sociocultural a que pertence; 30. Denota falta de capacidade intelectual e de pensamento abstracto que lhe permitam cognitivamente processar a informação percepcionada, avaliá-la e determinar-se de forma livre e esclarecida, actuando, como actuou na situação em apreço, de forma impulsiva, com passagem ao ato; 31. Tal doença incapacitava-o na data dos factos e incapacita-o actualmente de avaliar em toda a sua extensão a licitude ou ilicitude dos seus actos ou de se determinar de acordo com a avaliação feita; 32. O seu estado de saúde mental reclama o apoio e supervisão por parte de terceiros e, se necessário, o tratamento sintomático de alguns sintomas de ansiedade e de instabilidade emocional, sem o que não é de excluir o eventual envolvimento do arguido em outros factos ilícitos típicos da mesma natureza ou gravidade dos supra referidos; 33. O arguido AA não efectua qualquer tratamento psicofarmacológico e também não é seguido em consulta de psiquiatria; 34. O arguido AA é o mais velho de 3 irmãos e descende de um casal de humilde condição socioeconómica; 35. O seu pai (que faleceu há sensivelmente 10 anos) estava associado a consumos excessivos de bebidas alcoólicas e, para além de protagonizar episódios de conflituosidade familiar, desinvestiu no processo educativo dos filhos, ficando o mesmo a cargo apenas da figura materna, a qual contava com apoio dos sogros; 36. Desde o início do percurso escolar evidenciou dificuldades de aprendizagem, sendo alvo de apoio educativo por parte de docentes especializadas para aquisição de competências mínimas, com recursos a currículos alternativos (com componente formativa prática) ajustados às suas dificuldades; 37. Através do sistema escolar foi encaminhado para consultas de pedopsiquiatria no Departamento de Psiquiatria da ..., onde compareceu pelo menos em duas consultas; 38. Na fase final da escolaridade foi acolhido em estabelecimento de ensino especial (ABPG - Associação de Beneficência Popular de ...), onde concluiu o 8º ano de escolaridade, com componente formativa no curso de carpintaria; 39. Durante os 3 anos que aí permaneceu não registou problemas de integração; 40. Após regressar ao contexto familiar o arguido passou a residir com a mãe e os dois irmãos - mantendo-se autónomos da habitação do pai, embora convivessem; 41. Numa relação de proximidade afectiva e de ascendência da mãe, o arguido colabora com a mesma na prática de agricultura de subsistência e criação de animais, tarefas que o arguido também costumava desenvolver para outras pessoas da aldeia de residência, umas vezes remuneradas outras com cariz de entreajuda; 42. No período que precedeu o envolvimento no presente processo, o arguido residia com a mãe – os dois irmãos mantinham agregados autónomos e encontravam-se emigrados; 43. Residiam na habitação de família, tendo por principais rendimentos a reforma de invalidez do arguido no valor de 332,00€ mensais e reforma de viuvez da mãe no valor de 178,00€ mensais; 44. Decorrente da sua condição de saúde, o arguido sempre gozou de sentimentos de protecção e solidariedade da generalidade da comunidade local, onde, não obstante as suas fragilidades pessoais, sempre manteve ajustadas relações interpessoais, sendo-lhe reconhecidos hábitos de trabalho e não lhe sendo identificadas problemáticas geradoras de animosidade; 45. A arguida BB não tem antecedentes criminais; 46. O arguido AA, por sentença transitada em julgado no dia 22/9/2014 (NUIPC 138/12.1GBPNH), foi condenado, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, substituída por admoestação.
B) Factos não provados. O tribunal, com relevo para a decisão da causa (com exclusão da matéria conclusiva, irrelevante ou de direito), julga não provados quaisquer outros factos, nomeadamente que: 1. Os elementos de ambas as famílias mantêm, há longos anos, desavenças e quezílias, nomeadamente relacionadas por questões de propriedade e confrontações de terrenos agrícolas, que ao longo dos anos deram origem a discussões e agressões físicas, entre ambas as partes; 2. Durante a contenda física e verbal, a arguida agarrou e empurrou a vítima EE, causando-lhe dor e mal-estar físico; 3. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA, apercebendo-se da contenda física e verbal que envolvia a arguida sua mãe e a vítima EE, surgiu no local e levantou a sachola na direcção do ofendido EE, com a intenção de o atingir corporalmente, o que só não concretizou porque este conseguiu retirar-lhe a sachola das mãos; 4. De seguida, o ofendido EE, com o intuito de se defender; 5. Naquele momento, quando a vítima EE abandonava o local, o arguido AA, com o intuito de lhe tirar a vida; 6. O arguido AA, com o intuito de lhe tirar a vida; 7. A arguida BB agiu deliberada, livre e conscientemente, com o intuito concretizado de causar lesões corporais à vítima EE molestando-o no seu corpo e na sua saúde; 8. Agiu o arguido AA de forma livre, voluntária e consciente, a descoberto de qualquer motivo, com o intuito de retirar a vida ao ofendido, não ignorando que ao infligir as pancadas com a zona metálica da sachola nas zonas supra descritas, atingia órgãos vitais e vasos sanguíneos estruturantes do corpo de EE, sendo pois idóneos a produzir a morte daquele; 9. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram reprováveis e contrárias à lei e que, ao agirem do modo descrito, incorriam, em responsabilidade criminal; 10. O empurrão foi desferido pela arguida de forma gratuita com o intuito conseguido de atingir a integridade física do ofendido; […].»
2. Objecto do recurso Como resulta das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais definem e delimitam o objecto do recurso – artigo 412.º, n.º 1, do CPP, são duas as questões que pretende sejam apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito deste recurso: Retomando as questões que já suscitara no recurso para o Tribunal da Relação, o recorrente:
2.1. Quanto à perigosidade do arguido
O sistema sancionatório penal português assenta nas penas, que têm como pressuposto e por limite a culpa, e nas medidas de segurança, que têm na base a perigosidade individual do delinquente[6]. Quem comete um facto ilícito-típico mas é inimputável, na acepção do artigo 20.º, n.º 1, do Código Penal, isto é, incapaz de culpa, não pode ser sancionado com uma pena. Porém, como salienta JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, «se o facto praticado e a personalidade do agente revelarem a existência de uma grave perigosidade o sistema sancionatório criminal não pode deixar de intervir, sob pena de ficarem por cumprir tarefas essenciais de defesa social que a uma política criminal racional e eficaz sem dúvida incumbem»[7]. Nos termos do artigo 91.º, n.º 1, do Código Penal: «Quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie». Decorre deste preceito serem três os pressupostos da aplicação de uma medida de segurança de internamento: – a prática de um facto ilícito típico, – por quem, no momento da prática do facto e por força de uma anomalia psíquica, era incapaz de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação, – sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado, houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie.
Acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 16-10-2014 (Proc. n.º 457/12.7PBBJA.E1.S1 – 5.ª Secção)[8], para a aplicação de uma medida de segurança de internamento é indispensável, para além da prática de facto ilícito típico por inimputável, a verificação da perigosidade do agente – do perigo de cometimento, por ele, no futuro, de outros factos ilícitos-típicos. A perigosidade constitui, pois, um fundamento autónomo da medida de segurança criminal de internamento. Fundamento esse que verdadeiramente justifica a medida de segurança de internamento. E isto porque a aplicação da medida de segurança radica sempre na necessidade de prevenção da prática futura de factos ilícitos típicos sendo, por isso, orientada por uma finalidade de prevenção especial ou individual da repetição da prática de factos ilícitos típicos.
Como acentua MARIA JOÃO ANTUNES, «[a] medida de segurança, em geral, surge como resposta à especial perigosidade de delinquentes imputáveis especialmente perigosos e de delinquentes de imputabilidade diminuída, relativamente aos quais a pena é tida como insuficiente do ponto de vista preventivo-especial; e como resposta, ainda, à especial perigosidade de delinquentes inimputáveis, em razão de anomalia psíquica, em relação aos quais a pena é inadequada»[9]. A aplicação das medidas de segurança – considera a mesma autora –, «está subordinada ao princípio jurídico-constitucional da proibição de excesso, ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo que vale em matéria de restrições de direitos fundamentais, o qual desempenha papel e função análogos aos que são desempenhados pelo princípio da culpa em matéria de penas. A restrição do direito à liberdade que a aplicação de uma medida de segurança envolve deve ser adequada, necessária e proporcionada. Dispõe, expressamente, o n.º 3 do artigo 40.º do Código Penal que a medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente»[10]. Relativamente à medida de segurança de internamento, supondo a prática de um facto ilícito típico, ela tem de assumir uma «uma correlação com a gravidade do facto», já que não pode ser aplicada em casos insignificantes ou bagatelares, devendo exigir-se sempre o respeito pela proporcionalidade. Para JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, princípio verdadeiramente essencial do direito das medidas de segurança, sempre foi o princípio da perigosidade, princípio segundo o qual condição sine qua non da aplicação de qualquer medida de segurança, privativa ou não privativa da liberdade, é que o agente revele o perigo de vir a cometer no futuro novos factos ilícitos-típicos. Não um perigo traduzido na mera possibilidade de repetição, nem uma repetição de ilícitos-típicos de qualquer espécie, antes um perigo específico de repetição de ilícitos-típicos ligados à espécie do praticado, ou seja, o fundado receio de que o agente venha a cometer outros factos da mesma espécie[11]. Fundado receio que se deverá ter por verificado sempre que, perante o concreto conteúdo das perícias psiquiátricas e sobre a personalidade, as estatísticas científicas disponíveis e a experiência e o bom senso do julgador, seja de formular um juízo de prognose em que a repetição de factos da mesma espécie surja como provável.
Pressuposto básico da medida de segurança aplicada ao recorrente, pois, a perigosidade, devendo ter-se presente, reafirma-se, que a medida de internamento, medida de segurança tendente a salvaguardar a comunidade da perigosidade do agente de um facto ilícito-típico, enquanto medida limitadora do direito à liberdade, está dependente na sua utilização do que a Constituição da República estabelece em matéria de restrição de direitos, liberdades e garantias – n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República.
Tal significa – considera-se no acórdão do STJ de 28-05-2008 (Proc. n.º 1402/08 – 3.ª Secção – que «a aplicação da medida de internamento só será admissível quando se mostre indispensável, isto é, quando o desiderato que visa prosseguir não puder ser obtido de outra forma menos gravosa (princípio da necessidade ou da exigibilidade), quando se revelar meio adequado para alcançar os fins ou finalidades que a lei penal visa com a sua utilização (princípio da adequação ou da idoneidade) e quando se revele quantitativamente justa, na justa medida, ou seja, não se situe nem aquém ou além do que importa para o resultado devido (-), ou seja, não se mostre desajustada, desmedida ou excessiva face à gravidade do facto ilícito-típico cometido e à perigosidade do agente (princípio da proporcionalidade ou da racionalidade). Como refere Figueiredo Dias [[12]], o juiz terá de averiguar, antes de tudo, se a aplicação no caso da medida de segurança serve concretamente a realização dos fins a que ela se destina, isto é, a finalidade primária da socialização do agente e a finalidade secundária de segurança da sociedade face à perigosidade comprovada, em seguida terá averiguar se, no caso, uma medida menos onerosa não será suficiente e eficaz relativamente à prossecução dos fins apontados, caso em que se imporá a sua aplicação, devendo finalmente analisar se a aplicação da medida, apesar de adequada e necessária, não representará para o agente uma carga desajustada, excessiva ou desproporcionada face à gravidade do facto ilícito típico praticado e ao perigo de repetição dos factos da mesma espécie, sendo que para aferição da proporcionalidade o factor mais importante é o do grau de perigo resultante da probabilidade de repetição, sendo elementos relevantes, neste contexto, a frequência esperada da repetição e mesmo a brevidade com que se supõe que ela ocorrerá. Do que se acaba de expor resulta que a declaração de perigosidade e aplicação da medida de segurança de internamento dependem, fundamentalmente, da formulação de um juízo de prognose baseado no conteúdo de perícias psiquiátricas e sobre a personalidade, nas estatísticas científicas e na experiência e no bom senso do julgador».
Enfim, como se lê no acórdão do STJ, de 20-01-1998[13]: «A medida de segurança não deve ser aplicada a inimputáveis perigosos em casos insignificantes, dado a sua relação com a gravidade do facto e a perigosidade social que deriva de possíveis actividades futuras do agente. A aplicação de medidas de segurança, tendo como fundamento a perigosidade social do agente, tem de obedecer: - ao princípio da legalidade: situação paralela à legalidade das penas; - ao princípio da tipicidade: a prática de um facto formalmente ilícito, condição sem a qual não pode haver aplicação de medida de segurança; - ao princípio da proporcionalidade. A medida de segurança é post-delitual, pois só depois de haver sido cometido um facto típico formalmente relevante, é que o inimputável pode ser sujeito ao internamento. Apesar de estar excluída a culpa do agente, dada a sua inimputabilidade, há que considerar verificadas as circunstâncias susceptíveis de agravar a conduta do arguido, (...) por estar em causa nestes casos a prática de um facto ilícito típico, ou seja, o facto em si mesmo, na sua globalidade, integrado com toda a sua formal ilicitude, e deste modo ligado à ideia de uma culpabilidade formal, ideia conexionada, essencial e vivencialmente, com o tipo legal de crime que realmente é e se apresenta, até para se aferir melhor da perigosidade futura relativamente ao agente. Se o inimputável, sendo perigoso, é incurável deve haver uma ponderação de interesses que balançam entre a importância dos valores que o inimputável, em liberdade pode afrontar e violar, e a gravidade da sua definitiva segregação social».
No caso presente, o juízo de prognose formulado pelas instâncias teve por suporte o exame pericial conjugado com os esclarecimentos prestados pelo perito médico que o subscreveu, segundo o qual «o arguido é portador de uma doença psiquiátrica não passível de tratamento médico, que oferece perigosidade social, se colocado em situações idênticas àquelas relatadas na acusação e se não tiver acompanhamento médico e tratamento sintomático; salientou que “as alterações de comportamento em contexto de discussão podem gerar perigosidade”, havendo, em sua opinião, necessidade de “contenção química”, para prevenir possíveis episódios em circunstâncias análogas, se possível em contexto familiar, não sendo de descurar o internamento institucional».
A aferição da perigosidade do agente, traduzida, por meio de uma valoração global do facto e do agente, no «fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie», deve ser feita, entende JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, no momento da decisão, pertencendo, pois, ao tribunal de julgamento. Como pondera este autor, a questão da prognose não conforma em si mesma – isto é, quanto à subsistência ou insubsistência da perigosidade – uma «questão de direito». Ela pode, todavia, ser decidida em última instância pelo tribunal de recurso, seja o da Relação, seja o STJ, se porventura o recurso se basear, relativamente à prognose feita pelo tribunal de 1.ª instância, em algum dos fundamentos contidos no artigo 410.º, n.º e, do CPP[14]. No mesmo sentido, entende PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE que o juízo sobre a perigosidade pode ser sindicado, em recurso, por erro de julgamento, em matéria de facto, tanto em termos amplos, como no quadro dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP[15].
Ora, como se considera no citado acórdão do STJ de 16-10-2014, «[a] prognose individual que interessa ao preenchimento dos pressupostos da medida de internamento acolhidos no artigo 91.º do CP é uma prognose de base clínica (médica) pois assenta na anomalia psíquica como factor necessário e decisivo do risco de repetição homótropa, mas que não dispensa a ponderação – com base na experiência comum e nos conhecimentos e experiência de quem julga – de factores pessoais e situacionais, como sejam o enquadramento familiar e social do arguido, mas também aspectos do facto típico e ilícito praticado ou do comportamento pretérito daquele que possam ajudar a compreender – de acordo com a experiência comum – se é provável que aquela estrutura de personalidade seja levada a repetir ilícitos idênticos em determinadas circunstâncias. Ponderação e decisão esta que […] integra a decisão a proferir pelo tribunal em matéria de facto de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, ou seja, segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, sem prejuízo de ser necessária perícia médica para aferir da existência da anomalia psíquica no momento da prática do facto e da probabilidade da sua subsistência num futuro próximo, enquanto componente essencial da prognose de risco de repetição de actos da mesma espécie, para efeitos do disposto no artigo 91.º do CP.»
O recorrente impugnou, perante a relação, a prognose positiva da 1.ª instância no sentido da sua perigosidade, retomando neste recurso a sua discordância quanto à resposta que foi dada à questão da perigosidade social. No entanto, o Tribunal da Relação apreciou devidamente o juízo formulado na 1.ª instância sobre a perigosidade do recorrente, não resultando da decisão que proferiu, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a ocorrência de qualquer um dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP. Ora, quanto ao juízo formulado sobre a perigosidade do arguido, lê-se no acórdão recorrido o seguinte: «Quer o Tribunal a quo, quer o recorrente AA, têm como base para os seus pontos de vista - e bem -, a perícia médico-legal psiquiátrica e psicológica que incidiu sobre o arguido, a qual em tradução fática essencialmente nos pontos n.os 27 a 33 dos factos provados do acórdão recorrido. Enquanto o recorrente AA centra o seu ponto de vista, de afastamento da sua perigosidade, essencialmente na interpretação do ponto n.º 32, concluindo que com apoios adequados, designadamente a nível de tratamento de alguns sintomas de ansiedade e de instabilidade emocional não é um ser perigoso, podendo viver normalmente na sociedade, o Tribunal a quo, tem presente também que resulta do ponto n.º 33 dos factos provados que “O arguido AA não efectua qualquer tratamento psicofarmacológico e também não é seguido em consulta de psiquiatria.”. Cremos que a razão está do lado da douta decisão recorrida. O momento a tomar em consideração sobre a perigosidade e respectiva prognose é o da decisão e resulta da factualidade provada que nessa altura o estado de saúde do arguido AA reclama um apoio e supervisão de terceiros e, se necessário, o tratamento sintomático de alguns sintomas de ansiedade e de instabilidade emocional, sem o qual é possível que volte a praticar factos ilícitos-típicos da mesma natureza ou gravidade dos praticados e que estão em causa. A mãe do arguido, BB, com quem vive e sobre quem recai o dever de o supervisionar, apoiar e representar, na qualidade de tutora, não o supervisiona devidamente uma vez o arguido não efectua qualquer tratamento psicofarmacológico e também não é seguido em consulta de psiquiatria. Resulta da fundamentação da matéria de facto que a mãe do arguido declarou em julgamento que o arguido anda sempre com um pau, por causa das ovelhas, e que normalmente anda com o sacho em referência. Da valoração global dos factos e da anomalia psíquica do arguido AA resulta que a repetição, no futuro, de crimes da mesma espécie dos da factualidade dada como provada - que são dos mais graves, porque atentam contra a vida, que é o bem supremo, a partir do qual todos os outros se desenvolvem – não está afastada, designadamente num contexto de discussão e/ou agressão a si ou à sua mãe. Pelo contrário, a ausência de tratamento torna razoável o eventual envolvimento do arguido em outros factos ilícitos típicos da mesma natureza ou gravidade dos supra referidos num contexto de discussão, como resulta claro também da parte da fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido na parte em que se reproduzem os esclarecimentos do perito que subscreveu o exame pericial de folhas 671 a 677, Dr. CC Deste modo, temos como verificado também o terceiro dos pressupostos de aplicação da medida de internamento», ou seja, a perigosidade criminal futura consistente na probabilidade séria do cometimento de «factos da mesma espécie».
Ao questionar a prognose formulada pelas instâncias quanto à sua perigosidade, o recorrente pretende, afinal, confrontar este Supremo Tribunal com a prova produzida em audiência de julgamento, visando o reexame de questões de facto que já se encontram definitivamente decididas no acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação. Ora, conhecendo o Supremo Tribunal de Justiça apenas de direito, o recurso, quanto a esta questão não apresenta viabilidade, sendo susceptível de rejeição.
De todo o modo, perante a matéria de facto definitivamente fixada pela Relação, tendo presente o exame pericial oportunamente realizado e o facto provado no n.º 33, nos termos do qual, «O arguido AA não efectua qualquer tratamento psicofarmacológico e também não é seguido em consulta de psiquiatria», e ponderando a gravidade do facto cometido, nada há a censurar ao juízo de prognose formulado pelas instâncias, bem como à aplicação da medida de segurança de internamento, medida que se mostra indispensável, adequada e proporcional. Assim, improcede o recurso nesta parte.
2.2. A questão da suspensão da execução da medida de internamento
O artigo 98.º, do Código Penal, resultante da Revisão levada a efeito pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março, estabelece a propósito dos pressupostos e regime da suspensão da execução do internamento, que:
«1 - O tribunal que ordenar o internamento determina, em vez dele, a suspensão da sua execução se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida. 2 - No caso previsto no n.º 2 do artigo 91.º, a suspensão só pode ter lugar verificadas as condições aí enunciadas».
O n.º 2 do artigo 91.º, do Código Penal, na sua versão actual, estabelece que: «Quando o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, o internamento tem a duração mínima de três anos, salvo se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social».
No Projecto de Revisão do Código Penal de 1995, consignava-se no n.º 2 do artigo 98.º que «No caso previsto no n.º 2 do artigo 91.º, a suspensão só pode ter lugar decorrido que seja o período mínimo de internamento», mas tal redacção não passou para o Código Penal, o que permite concluir que a suspensão pode ter lugar logo com a prolação da sentença.
O fim, último das medidas de segurança é a protecção dos bens jurídico-criminais (artigo 40.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Penal)
No domínio do fim e funções das medidas de segurança, assinala AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, a prevenção especial de recuperação social do inimputável perigoso, através do tratamento da anomalia psíquica e ainda a inocuização ou neutralização da perigosidade criminal do infractor, através do internamento, enquanto aquela perigosidade subsistir[16]. Quanto à função de prevenção geral e no que respeita aos inimputáveis, «a única função que a medida de segurança desempenha é a prevenção geral positiva de pacificação social. Quebrantada ou perturbada a paz jurídica social pela prática de um ilícito típico grave, compreende-se que, independentemente do eventual desaparecimento da perigosidade criminal, haja um mínimo de tempo de privação da liberdade. Assim se compreende o disposto no art. 91.º-2»[17].
Ainda segundo este autor, embora a medida de segurança aplicada a inimputáveis tenha por primeira função a prevenção especial de socialização (recuperação social) do inimputável e de neutralização da sua perigosidade criminal, ela também desempenha uma função secundária de prevenção geral de pacificação social. É secundária esta função e, por isto, é que ela só se afirma nos casos de ilícitos criminais muito graves. Donde, a conclusão final de que, nos casos em que há necessidade social de pacificação, a respectiva dimensão da prevenção geral constitui o limite mínimo da medida de segurança privativa da liberdade[18].
Acompanhando o já citado acórdão do STJ, de 16-10-2014: «A suspensão da execução do internamento tem como pressupostos: em primeiro lugar, que o tribunal afira da verificação da totalidade dos pressupostos de que depende a aplicação da medida de segurança de internamento, nos termos do artigo 91.º (artigo 98.º, n.º 1, primeiro segmento, “o tribunal que ordenar o internamento”); em segundo lugar que emita um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da medida (artigo 98.º, n.º 1, segundo segmento, “se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida”), isto é, que à suspensão se não oponham as necessidades de prevenção ou neutralização da perigosidade; finalmente, no caso previsto no n.º 2 do artigo 91.º, que a suspensão seja consentida pela prevenção geral positiva de pacificação social (artigo 98.º, n.º 2, “verificadas que se mostrem as condições aí enunciadas”).
A suspensão reclama que o tribunal adquira uma convicção fundada quanto à necessidade preventiva-especial de neutralização da perigosidade criminal e, no caso dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 91.º, quanto à necessidade preventivo-geral de pacificação social, não imporem o internamento do inimputável.
Em suma, que, num juízo de prognose, a liberdade se mostre adequada às necessidades de prevenção especial de recuperação do inimputável e de inocuização ou neutralização da perigosidade criminal, através do tratamento da anomalia psíquica, e de prevenção geral positiva de pacificação social».
Neste entendimento, consideramos que não há razões de censura da decisão quanto à não suspensão da execução do internamento.
No entendimento expresso pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu proficiente parecer:
«A] aplicação da suspensão de internamento envolve um juízo de prognose norteado pela prossecução das finalidades comuns às penas e às medidas de segurança, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E, para os casos do n.º 2 do art. 91.°, isto é, em que o facto praticado corresponda a crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena superior a 5 anos, em que o internamento tem a duração mínima de três anos, a suspensão só pode ter lugar se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social. Ora, no caso em apreço, a conduta do arguido visou bem jurídico de primeira grandeza (a vida), e praticou o facto em lugar público e em circunstâncias tais que, para além de terem provocado a morte da vítima, causaram inegável perturbação no meio social envolvente, quer pela violência, quer pelo inusitado dos factos. São por isso elevadas as necessidades de pacificação social e mesmo de integração, no sentido da protecção da confiança comunitária nas normas, pois, apesar de ter sido praticado por inimputável, o facto é grave e o arguido foi considerado criminalmente perigoso (grosso modo), cabendo ao direito penal proteger os bens jurídicos postos em causa também nestes casos».
E, como se salienta no acórdão recorrido:
«No que respeita às finalidades de prevenção especial (de socialização e de segurança), que assumem um lugar preponderante na medida de segurança de internamento, realçamos as circunstâncias do arguido AA não efectuar, à data dos factos, qualquer tratamento psicofarmacológico, nem ser seguido em consultas de psiquiatria, situação que se mantém. Apesar de estar dependente da sua mãe, que é igualmente sua tutora, resulta provado do ponto n.º 46 da factualidade do acórdão recorrido que - pese embora a sua inimputabilidade em razão de anomalia psíquica -, foi o arguido AA condenado, por sentença transitada em julgado no dia 22/9/2014 (NUIPC 138/12.1GBPNH), como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, numa pena de multa. Como vimos a presença da sua mãe e tutora aquando dos factos ilícitos-típicos integradores do crime de homicídio não obstou à prática dos factos por parte do arguido, abandonando ambos o local com o EE caído no chão (ponto n.º 7). O suporte familiar do arguido, que é a sua mãe, não nos parece, assim, o mais adequado à supervisão do arguido numa situação de suspensão da execução da medida de internamento. A reintegração do arguido na sociedade, curado no que concerne à perigosidade, em caso de suspensão de execução da medida de internamento, tem de se fundamentar bem mais no suporte familiar, do que no cumprimento das regras de conduta impostas pelo Tribunal através da vigilância dos serviços de reinserção social. A proximidade espacial e temporal da família é neste aspecto preponderante. Sendo certo que está provado que “Decorrente da sua condição de saúde, o arguido sempre gozou de sentimentos de protecção e solidariedade da generalidade da comunidade local, onde, não obstante as suas fragilidades pessoais, sempre manteve ajustadas relações interpessoais, sendo-lhe reconhecidos hábitos de trabalho e não lhe sendo identificadas problemáticas geradoras de animosidade” (ponto n.º 44), também não deixa de não razoável concluir, em face das regras da experiência comum, que os sentimentos solidários da comunidade para com o arguido AA, em razão da sua anomalia mental, sofreram um forte abalo com a morte pelo mesmo de uma pessoa, da mesma comunidade, que é uma comunidade pequena. Como bem se refere no douto acórdão recorrido, reproduzindo lição do Prof. Figueiredo Dias (“Direito Penal Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2.ª ed., pág. 94): “(…) tendo sido cometido um crime grave”, como é o crime de homicídio, “(…) há razões particulares de tranquilidade social e de tutela na confiança comunitária nas normas a que – suposta sempre a perigosidade do agente à luz do facto cometido – a política criminal tem de responder, mesmo perante inimputáveis, através da aplicação de uma medida de segurança”, pois “ (…) também no âmbito das medidas de segurança (embora não de forma prevalente, como sucede no âmbito das penas, antes meramente secundária) a finalidade de prevenção geral positiva cumpre a sua função.”. Não demonstrando os factos provados a existência de circunstâncias que nos levem a concluir ser razoável esperar que com a suspensão da execução do internamento e manutenção em liberdade do arguido AA, se cumprirão as finalidades de prevenção especial (de socialização e de segurança) e de prevenção geral (compatibilidade com a defesa da ordem jurídica e da paz social), entendemos, tal como o douto acórdão recorrido, que não se mostram preenchidos os pressupostos da suspensão da execução do internamento prevista no artigo 98.º n.os 1 e 2 do Código Penal. Assim, devia aplicar-se ao arguido, como aplicou, a medida de segurança de internamento, pelo período constante do douto acórdão recorrido …».
Concordando-se, no essencial, com a fundamentação exposta, cumpre salientar que no caso presente são muito elevadas as necessidades de pacificação social. De facto, a conduta do arguido-recorrente atingiu o bem jurídico mais relevante – a vida, em lugar público, num circunstancialismo de violência que provocou inegável perturbação e abalo na comunidade. Por outro lado, não se provaram factos que nos permitam fundar uma convicção positiva quanto a ser razoavelmente de esperar que, através da suspensão da execução da medida de internamento, se alcancem os objectivos imediatos de prevenção especial de recuperação social do recorrente.
Em face do exposto, improcede também a pretendida suspensão da execução do internamento.
III – DECISÃO
Nestes termos, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, com 4 UC de taxa de justiça (artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e respectiva Tabela III, anexa).
(Processei e revi – artigo 94.º, n.º 2, do CPP) Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Março de 2017 Manuel Augusto Matos (Relator) Rosa Tching
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[4] - Onde se deu também como provado que «[o] arguido AA não efectua qualquer tratamento psicofarmacológico e também não é seguido em consulta de psiquiatria». |