Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | GARCIA MARQUES | ||
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Nº do Documento: | SJ200211190026571 | ||
Data do Acordão: | 11/19/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1528/01 | ||
Data: | 12/12/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1. "A" veio mover embargos de executado a B e C, pedindo que se julgue extinta a execução.Para tanto, o embargante alegou, em síntese, o seguinte: (a) inexiste título executivo, porque o documento dado à execução titula um mútuo, nulo por vício de forma, o que faz com que o próprio documento seja também nulo e sem qualquer valor; (b) a execução deve ser suspensa por prejudicialidade em função de uma acção declarativa que instaurou para condenar os exequentes a receber apenas aquilo a que têm direito e ainda porque estes não mostraram ter pago o imposto devido nos termos do preceituado no artigo 136º CSISD; (c) os executados contraíram junto do D um empréstimo no valor de 160.000.000$00 (cento e sessenta milhões de escudos), quantia em dinheiro que por este foi entregue àqueles sem que qualquer documento tivesse sido assinado, designadamente escritura pública; (d) os executados foram pagando o empréstimo e, quando já tinham pago 20.170.000$00, o D exigiu-lhes que assinassem uma confissão de dívida, com data de 29 de Fevereiro de 1996, na qual se confessaram devedores da quantia de 175.413.706$00; (e) os executados continuaram a pagar e, em 1998, quando já tinham pago 50.053.486$00, o D voltou a exigir-lhes a assinatura de uma confissão de dívida, datada de 6 de Fevereiro de 1998, no valor de 175.413.706$00; (f) o documento junto com a petição executiva, embora idêntico àquele que o embargante assinou naquela data, não contém a assinatura que habitualmente usa, pelo que, embora seja semelhante à sua assinatura não é a sua, havendo um outro documento com o mesmo teor e por si assinado; (g) apenas deve aos exequentes a quantia de 62.781.452$00, a qual está disposto a pagar-lhes, aguardando a sua indicação para efectuar o pagamento. Os embargados contestam, aduzindo, em resumo, o seguinte: (a) o documento dado à execução reveste-se de exequibilidade, nos termos do artigo 46º, c), do Código de Processo Civil, pois é um documento particular assinado pelos devedores; (b) a instauração dos embargos não suspende a execução, salvo se o embargado prestar caução ou se o embargante alegar a não genuinidade da assinatura e juntar documento que constitua princípio de prova, o que não se verifica no caso; (c) os executados são devedores da quantia inscrita no documento, falecendo-lhes razão no que alegam; (d) litigam com manifesta má fé, alegando a falsidade de um documento com a consciência de saber que tal não corresponde à verdade, devendo ser condenados em quantia indemnizatória consentânea com a gravidade do seu comportamento. Dispensada a audiência preliminar, saneado e condensado o processo, foram julgados inverificados não só a inexistência de título executivo, mas também os pressupostos da suspensão da instância. Procedeu-se à instrução dos autos, o tribunal respondeu à matéria de facto controvertida nos moldes exarados no despacho de fls. 298 a 300, sem reclamação. Por sentença de 18 de Janeiro de 2001, foram os embargos de executado julgados parcialmente procedentes, reduzindo-se a quantia exequenda a 62.781.452$00 (sessenta e dois milhões, setecentos oitenta e um mil, quatrocentos cinquenta e dois escudos), acrescida de juros, à taxa anual de 7% desde a citação. Mais se condenou o embargante, como litigante de má fé, na multa de vinte unidades de conta e na indemnização de 100.000$00 (cem mil escudos) a favor dos embargados - cfr. fls. 336 a 343. 2. Inconformados, apelaram os embargados. No entanto, uma vez que o embargante/apelado veio juntar certidão de decisão transitada, no processo nº 215/99, alegando haver caso julgado, veio a ser proferido, em 18 de Outubro de 2001, pelo Exmº Desembargador-Relator, o despacho de fls. 433 e 434, que considerou verificada a referida excepção. Razão por que foi decidido, ao abrigo do artigo 700º, nº 1, alínea e), do CPC, ter ficado prejudicado o referido recurso e, extinta a instância por causa diversa do julgamento, ou findo o recurso, pelo não conhecimento do seu objecto. Na sequência de reclamação dos embargados/apelantes nesse sentido, foi, em 12 de Dezembro de 2001, ao abrigo do artigo 700º, nº 3, do CPC, proferido acórdão, confirmando o despacho reclamado - cfr. fls. 480. Inconformada, dele veio a exequente/embargada B interpor recurso, admitido como de agravo, para este STJ - fls. 487 e 489 -, tendo, ao alegar, oferecido, no essencial, as seguintes conclusões: 1. Não se encontra abrangido pela preclusão do caso julgado material a invocação de uma outra causa de pedir para o mesmo pedido, motivo por que o autor (ou demandado reconvinte) não está impedido de obter a procedência da acção ou a realização coactiva de uma prestação com base numa distinta causa de pedir. 2. A acção declarativa de condenação nº 215/99, que correu (...) entre a ora agravante (exequente) e os executados (1) sustentou-se no seguinte facto jurídico concreto (causa de pedir): um contrato de mútuo celebrado entre os co-executados (E e A) e o Sr. D (de que a ora agravante exequente é sucessora universal habilitada); e o efeito jurídico pretendido (pedido) foi a declaração de nulidade do referido contrato por falta de forma. 3. No autos de embargos de executado (processo nº 202-A/99), apensados à execução nº 202/99, que corre entre a ora agravante e os executados E e A, a primeira suscitou a alteração da causa de pedir (que se baseava inicialmente no referido contrato de mútuo), na sequência da junção tardia, por parte dos executados, de alguns documentos importantes para se alcançar a génese da obrigação exequenda. Documentos que, na perspectiva da ora agravante, atestam a existência de um contrato de compra e venda e de aluguer de máquinas industriais, celebrado entre o Sr. D e a sociedade comercial "Blazer, S.A.", de que os executados eram administradores ao tempo. (...). 4. Deduzido, pela ora agravante, recurso de apelação da sentença proferida no âmbito dos embargos de executado, os Venerandos Desembargadores da Relação de Coimbra decidiram, em conferência, não conhecer do objecto do referido recurso, pois consideraram verificada a excepção do caso julgado. 5. Todavia, a ora agravante (exequente) invocou na 1ª instância do apenso de executado factos jurídicos concretos diversos dos discutidos e apreciados na referida acção declarativa de condenação nº 215/99, que terão estado na génese da obrigação exequenda, os quais não foram, tão-pouco, apreciados e discutidos (...). 6. Ora, a conclusão acerca da verificação , ou não, de caso julgado material está dependente da apreciação, em 2ª instância, dos factos atinentes à alteração da causa de pedir suscitada pela ora agravante; factos que não foram considerados pelo acórdão recorrido, não obstante haja matéria de facto (gravações cujo teor foi transcrito nas alegações do recurso de apelação) que aponta para a plausibilidade ou até para a demonstração da veracidade desses acontecimentos. 7. Sendo assim, o acórdão recorrido vedou à ora agravante a possibilidade de, na sequência da alteração da causa de pedir ocorrida na audiência de discussão e julgamento dos presentes embargos de executado, ela obter a reapreciação na 2ª instância da matéria de facto dada como provada em função da alteração da referida causa de pedir da obrigação exequenda. 8. O acórdão recorrido não apreciou, como devia, a matéria de facto dada como provada na 1ª instância para o efeito de concluir, ou não, pela existência de caso julgado material. (...). 9. Nestas eventualidades, o Supremo Tribunal de Justiça pode controlar, nos termos dos artigos 729º, nº 3, e 730º do CPC, ainda que em sede de recurso de agravo, o uso ou não uso pela Relação dos poderes específicos sobre a matéria de facto que se acham consignados no artigo 712º do CPC, revogando o acórdão recorrido e mandando proceder a novo julgamento. Decidir de modo diverso significa denegar o direito de acesso ao Direito e aos Tribunais da ora agravante relativamente à questão da alteração da causa de pedir de que depende a verificação, ou não, da referida excepção do caso julgado material formado na anterior acção declarativa de condenação nº 215/99. 10. Além disto, por se tratar de matéria de direito, ao STJ cabe, igualmente, sindicar a interpretação das declarações de vontade constantes do referido Contrato de Compra e Venda e Aluguer de equipamento industrial. Dessa interpretação pode derivar a afirmação ou a rejeição da existência de uma válida alteração da causa de pedir nos embargos de executado relativamente à formulada inicialmente na execução ( a qual coincide com a que fora discutida e julgada na referida Acção Declarativa de Condenação nº 215/99 já transitada em julgado). 11. Quer a 1ª instância, quer a 2ª instância deixaram de se pronunciar sobre factos que foram alegados pela ora agravante, exactamente os atinentes à alteração da causa de pedir da obrigação exequenda suscitada na audiência de discussão e julgamento. (...). O acórdão recorrido deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar: o conhecimento da verificação de caso julgado material pressupõe a prévia apreciação e discussão, pela Relação, da alegada alteração da causa de pedir suscitada na 1ª instância, sob pena de nulidade processual, ao abrigo do disposto no artigo 668º/1, alínea d), do CPC. (...). O acórdão recorrido viola, por isso, não apenas a lei processual, designadamente, o artigo 712º do CPC, a lei substantiva (artigo 236º do CC), mas é igualmente inconstitucional, já que viola o disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Decidindo de modo diferente, o acórdão recorrido violou, de facto, o disposto nos artigos 762º, 749º, 712º, 668º/1, alínea d), 493º/2, 494º/1, alínea i), todos do CPC, o artigo 236º do CC e o artigo 20º da CRP. Deve, portanto, o acórdão recorrido ser revogado, ordenando-se, no uso dos poderes previstos nos artigos 729º/3 e 730º/1, do CPC, que o Tribunal da Relação de Coimbra julgue (novamente) a causa à luz da matéria de facto existente (...), por forma a concluir, ou não, se, à face da alteração da causa de pedir, suscitada pela ora agravante exequente, existe ofensa de caso julgado material. O embargante/recorrido não contra-alegou. Entretanto, a Relação de Coimbra, por Acórdão de 16 de Abril de 2002, considerou não se ter verificado, no antecedente Acórdão de 12 de Dezembro de 2001, qualquer nulidade - cfr. fls. 516 e 517. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II São os seguintes os factos dados como provados:1. O embargante, A, e E, pelo documento particular de fls. 15 a 16 da execução, declaram dever a D, ..., a quantia de 175.413.706$00. Nesse documento está aposta a data de 6 de Fevereiro de 1998 (a). 2. O D faleceu em 24 de Julho de 1999. Este fez testamento a favor de B (b). 3. O embargante deve aos embargados, pelo menos, a quantia de 67.781.452$00 (sessenta sete milhões, setecentos oitenta e um mil, quatrocentos cinquenta e dois escudos) (c). 4. O documento aludido em a) tem por base um empréstimo de 160.000.000$00 (cento e sessenta milhões de escudos) que D (...) efectuou, em 2 de Maio de 1994, ao embargante e a E, tendo, nessa data, sido celebrado, como garantia desse empréstimo o contrato correspondente ao documento de fls. 121 a 129 (1º e 2º). 5. O embargante pagou a quantia de 97.218.548$00 (noventa e sete milhões, duzentos e dezoito mil, quinhentos e quarenta e oito escudos), montante que se refere a capital e a juros convencionados (3º). 6. Alguns dos pagamentos foram efectuados em prestações mensais de 1.666.000$00 (um milhão, seiscentos sessenta e seis mil escudos) (4º). 7. Em 29.02.96, devido à falta de pagamento de algumas das prestações convencionadas, o embargante e a E assinaram uma «confissão de dívida» ao D, no valor de 175.413.706$00 (cento setenta e cinco milhões, quatrocentos e treze mil, setecentos e seis escudos), referente ao documento de fls. 143, tendo ainda assinado o acordo correspondente ao documento de fls. 120 (5º, 6º e 7º). 8. O embargante e a E continuaram a efectuar o pagamento de algumas das prestações convencionadas nessa «confissão de dívida» (8º). 9. Devido à falta de pagamento de algumas das prestações convencionadas, o D, o embargante e a E assinaram, em 6.02.98, o documento de confissão de dívida referido em a) (9º e 10º). 10. O documento referido em a) foi assinado pelo embargante (11º). III Questão prévia:Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas - e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - artigo 660º, nº 2, também do C.P.C. Em face do exposto, a questão que importa apreciar é a que consiste em saber se existe, ou não, caso julgado entre o decidido na acção declarativa de condenação nº 215/99, da Vara Mista do tribunal da Comarca de Coimbra, e os embargos de executado apensos à execução nº 202/99, em que foi proferido o acórdão recorrido. Adicionalmente, importará apurar se o acórdão recorrido incorreu, ou não, na alegada nulidade, por não ter havido pronúncia sobre a alteração da causa de pedir da obrigação exequenda, suscitada na 1ª instância. 1 - A excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior: a excepção de caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (Zweierlei), mas também a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (Zweimal) (2). Ou seja, a excepção de caso julgado tem por fim obstar a que o órgão jurisdicional da acção subsequente seja colocado perante a situação de contradizer ou de repetir a decisão transitada (artigo 497º, nº 2, do CPC, diploma a que pertencerão os dispositivos legais que se indiquem sem outra menção). É através da tríplice identidade a que se refere o nº 1 do artigo 498º - de sujeitos, do pedido e da causa de pedir - que se define a extensão do caso julgado (3). No presente recurso não se coloca qualquer dificuldade quer quanto aos sujeitos, quer no respeitante ao pedido. A questão colocada pela recorrente tem exclusivamente que ver com a alegada alteração da causa de pedir, suscitada pela agravante, na sequência do que diz ter sido a junção tardia, por parte dos executados, de alguns documentos importantes para se alcançar a génese da obrigação exequenda - cfr. conclusão 3ª. Na verdade, como resulta da conclusão 10ª, a recorrente reconhece que a causa de pedir inicialmente formulada na execução é coincidente "com a que fora discutida e julgada na referida acção declarativa de condenação nº 215/99, já transitada em julgado". Encaremos, pois, a argumentação da agravante. 2 - Alega a agravante, na conclusão 11ª, designadamente, o seguinte: Quer a 1ª instância, quer a 2ª instância deixaram de se pronunciar sobre factos que foram alegados pela ora agravante, exactamente os atinentes à alteração da causa de pedir da obrigação exequenda suscitada na audiência de discussão e julgamento. (...). O acórdão recorrido deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar: o conhecimento da verificação de caso julgado material pressupõe a prévia apreciação e discussão, pela Relação, da alegada alteração da causa de pedir suscitada na 1ª instância, sob pena de nulidade processual, ao abrigo do disposto no artigo 668º/1, alínea d), do CPC. (...). O acórdão recorrido viola, por isso, não apenas a lei processual, designadamente, o artigo 712º do CPC, a lei substantiva (artigo 236º do CC), mas é igualmente inconstitucional, já que viola o disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. 2.1. - Apreciando o conjunto de afirmações acabadas de reproduzir, importa começar por sublinhar que, contrariamente ao que se dá a entender, a 1ª instância pronunciou-se expressamente e com toda a clareza sobre a questão atinente à alteração da causa de pedir da obrigação exequenda. Assim: a) Inicialmente, os exequentes invocaram como título executivo um mútuo de 160.000.000$00. Mais tarde, requereram a alteração da causa de pedir, invocando ter havido um financiamento, próximo do sale and lease-back e, em simultâneo, apresentaram novo requerimento, que qualificaram como "execução para pagamento de quantia certa", juntando uma "declaração de dívida", parecendo estarem a alterar a causa de pedir - cfr. o acórdão de fls. 516 e 517; b) Sobre este requerimento pronunciou-se a Exmª Juíza, na 1ª instância (cfr. fls. 428 a 431), indeferindo a requerida alteração da causa de pedir e/ou a apresentação de novo requerimento executivo - cfr. fls. 431. Fê-lo por despacho de 16 de Janeiro de 2001, ou seja, em data anterior à da sentença, de 18 dos referidos mês e ano; c) Ademais, na sentença, apreciando-se a questão relativa à "nulidade do contrato" de mútuo e o diferente enquadramento defendido para o negócio celebrado entre o D e os executados, pode ler-se o seguinte: «"In casu", as partes titularam tal empréstimo através de um documento particular, subscrito pelo mutuante e pelos mutuários, apesar do artigo 1143º, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 190/85, de 24 de Junho (vigente à data da celebração do contrato), impor a celebração de escritura pública para contratos de mútuo de valor superior a 200.000$00. "A declaração negocial que careça de forma legalmente prescrita é nula (artigo 220º) e, em consequência, é nulo o mútuo que subjaz ao título executivo em análise (4). "O recorte que as partes delinearam durante a instrução do processo acerca de um contrato que precedeu o empréstimo em discussão não modifica as conclusões que se extraíram. A relação contratual em causa, apelidada no parecer de fls. 305 de "sale and lease-back" (locação financeira restituitiva), serviu tão só de garantia de pagamento da importância pecuniária que o credor emprestou aos mutuários (nº 2.4. dos fundamentos de facto) e em nada infirma o modelo contratual do mútuo» - Sublinhado agora. 2.2. - Atento o exposto, também não é exacta a afirmação segundo a qual teria ocorrido "alteração da causa de pedir na audiência de discussão e julgamento dos presentes embargos de executado" (cfr. conclusão 7ª). Como é evidente, a mera junção, ora invocada, do "contrato de compra e venda e aluguer", de fls. 145, em audiência de julgamento, não implica a alteração da causa de pedir. Em sede de qualificação jurídica, o Tribunal é soberano. A Mmª Juíza, em 1ª instância, foi clara e peremptória. Não permitiu a alteração da causa de pedir e, na sentença, considerou que a relação contratual invocada como fundamento e suporte de tal alteração "serviu tão só de garantia de pagamento da importância pecuniária que o credor emprestou aos mutuários". Nestas circunstâncias, não tendo havido alteração da causa de pedir, não tinha que haver pronúncia, por parte do Tribunal recorrido, sobre a matéria, isto é, sobre o não acontecido. Acresce que a alegada nova causa de pedir em que a recorrente pretende apoiar a sua tese a respeito da inexistência de caso julgado, é uma causa de pedir puramente virtual, sem qualquer tradução nos contornos reais da lide. Ora, em face do carácter prejudicial da excepção do caso julgado, necessário se tornava que o Tribunal a quo, apreciasse a sua existência, tendo presentes os elementos da causa no momento em que o embargante juntou certidão da decisão transitada no processo nº 215/99 Foi o que fez o Tribunal da Relação de Coimbra, primeiro, através do despacho do Exmº Relator, depois, mediante o acórdão de fls. 480, ora recorrido. Vejamos quais são os sujeitos, o pedido e a causa de pedir nas acções ora em apreço.. 2.3. - Na execução nº 202/99, por apenso à qual correm os presentes embargos, são exequentes B, ora recorrente, e marido, C, aqui embargados, sendo executados E e marido; F e o ora embargante, A. Invocando os exequentes uma confissão de dívida por parte dos executados, a qual tivera origem num empréstimo contraído pelos executados junto do falecido D, no valor de 160.000.000$00, deduziu o embargante A os presentes embargos contra os referidos exequentes, invocando a inexistência de título executivo dessa quantia, em consequência da nulidade do empréstimo, por falta de forma, alegando apenas serem devidos 62.781.452$00. Tais embargos procederam parcialmente, do que resultou a redução do quantia exequenda ao referido montante de 62.781.452$00, com juros de 7% desde a citação. Na acção nº 215/99, da Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, os indicados E, seu marido, F, e o ora embargante A, isto é, os ora executados, demandaram os RR./exequentes B e marido C, para os ver condenados e reconhecerem a nulidade, por falta de forma, do empréstimo de 160.000.000$00 - de que veio a resultar a dita confissão de dívida -, apenas sendo devidos 62.781.452$00, que os RR. devem ser condenados a receber, tendo os ditos RR. deduzido reconvenção em que pediram a condenação dos AA. a pagarem-lhes a 173.312.550$00, ou, em alternativa, 226.446.648$00, com juros, tendo esta acção terminado por decisão de 28 de Março de 2001, transitada, declarando nulo o empréstimo, sendo os AA. devedores dos RR. de 62.781.452$00, quantia que, com juros de 7%, desde a notificação, foram condenados a pagar aos RR/reconvintes - cfr. fls. 390 a 395. 2.4. - Dúvidas não existem de que, em relação às partes nos presentes embargos, com o trânsito da dita sentença proferida na acção 215/99 - da autoria da mesma Exmª Juíza que proferiu, nestes embargos, a sentença de 18 de Janeiro de 2001, obedecendo ambas as peças a uma sistematização em tudo similar -, se formou caso julgado. A ora recorrente B é parte em todas as acções, sendo em tudo irrelevante o facto de o marido ter sido considerado parte ilegítima na execução. Também A figura como Autor na acção 215/99, e como executado e embargante na execução nº 202/99 e nos embargos. As causas de pedir - empréstimo de 160.000.000$00 ou a confissão de dívida dele resultante - são idênticas e referentes a uma mesma quantia, não relevando o facto de a confissão de dívida ser em quantia superior (já que incorpora juros alegadamente vencidos), na medida em que foi o empréstimo que deu origem à confissão de dívida. Idêntico é também o pedido que releva, quer na acção, quer nos embargos, ou seja, serem apenas devidos 62.781.452$00, quantia que os RR. devem aceitar receber (na acção nº 215/99) e ao qual deve ser reduzida a execução, na procedência dos embargos. Na verdade, alcançou-se a mesma quantia, na acção e nos embargos, só sendo devidos pelos AA/executados aos RR/exequentes a referida quantia de 62.781.452$00, acrescida de juros legais, desde a citação. 3 - A decisão acerca da verificação do caso julgado fez ficar prejudicado o conhecimento do recurso de apelação, interposto nos presentes embargos (artigo 660, nº 2, 1ª parte, do CPC, não tendo ocorrido, por parte do acórdão recorrido, qualquer omissão de pronúncia, passível de acarretar a nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d), do mesmo Código) (5). Não seria, de forma alguma, razoável e conforme com o respeito pela excepção do caso julgado, sobrestar na apreciação a respeito da respectiva existência, partindo-se da premissa hipotética de que a causa de pedir seria alterada, no caso de a apelação vir a ter procedência. A apreciação sobre se há, ou não, caso julgado material tem que ser feita a partir da factualidade dada como provada e dos elementos das lides em confronto, com os contornos estabelecidos no momento em que for feita a ponderação a respeito da respectiva existência, isto é, após a junção da certidão do trânsito da decisão passível de ter formado caso julgado relativamente aos autos ainda pendentes. Diga-se, enfim, ser por demais evidente a não verificação de qualquer inconstitucionalidade, em consequência de uma alegada violação do princípio de acesso ao direito e aos Tribunais (artigo 20º da CRP). Trata-se de um princípio que não pode impedir o funcionamento e aplicação de princípios fundamentais do processo civil, como acontece com a excepção do "caso julgado", que tem por fim obstar a que o órgão jurisdicional da acção subsequente seja colocado perante a situação de contradizer ou de repetir a decisão transitada - cfr. supra, ponto III, 1, para o qual se remete. Ao considerar-se prejudicado o conhecimento das questões concretamente colocadas no recurso, por se ter dado como verificada a excepção do caso julgado, é manifesto que não se está a violar o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, mas sim a dar concretização aos importantes objectivos teleologicamente inerentes à excepção do caso julgado. Improcedem, pois, as conclusões da Recorrente, não tendo ocorrido a violação das disposições legais mencionadas. Termos em que se nega provimento ao agravo. Custas pela Recorrente. Lisboa, 19 de Novembro de 2002 Garcia Marques Ferreira Ramos Pinto Monteiro ------------------------------ (1) Por lapso, escreveu-se, no texto, "exequentes".) (incluindo o ora embargante e co-executado. (2) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, "O objecto da sentença e o caso julgado material (O Estudo sobre a Funcionalidade Processual", in B.M.J., nº 325, págs. 49 e segs., maxime, págs. 175 e segs. e 200 e segs. (3) Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, "Manual de Processo Civil", 2ª edição, Coimbra Editora, págs. 708 e segs. (4) Acs. R.Lx. 14.10.93, in CJ, tomo 5, pág. 101; STJ 31.03.93, in BMJ 425, pág. 534; 19.03.98, in CJ, tomo 1, pág. 142; R.C. 25.05.99, in CJ, tomo 3, pág. 34. (5) Em face do que acima se expôs, torna-se despiciendo reflectir acerca da problemática dos poderes do STJ em sede de matéria de facto. Apenas se dirá, a tal propósito, que não cabe a este STJ debruçar-se sobre o apuramento de matéria de facto quando tal tem lugar através do recurso a meios de prova livremente valoráveis pelo juiz de acordo com a convicção por ele formada. Como se sabe, cabe às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo a este propósito a intervenção deste Supremo Tribunal residual e destinada a averiguar da observância de regras de direito probatório material - artigo 722º, nº 2, do CPC - ou a mandar ampliar a decisão sobre matéria de facto - artigo 729º,n º 3, do mesmo diploma - cfr. verbi gratia, os acórdãos deste STJ de 14.01.97, no Processo nº 605/96, 1ª Secção, e de 30.01.97, no Processo nº 751/96, 2ª Secção. |