Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S1826
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: PRINCIPIO DO TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL
TAP
PREJUÍZO SÉRIO
JUROS
Nº do Documento: SJ200612140018264
Data do Acordão: 12/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I - As normas legais de regulamentação do trabalho prevalecem sobre os instrumentos de regulamentação colectiva, salvo na parte em que estes, sem oposição daquelas, estabelecem tratamento mais favorável para o trabalhador.
II - No AE outorgado entre a TAP e o SITAVA (publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 44, de 29-11-1997) prevê-se o pagamento do acréscimo de despesas de deslocação, sem que se verifique mudança de residência do trabalhador, e o pagamento das despesas inerentes à mudança de residência.
III - Por isso, a entender-se que o regime jurídico contemplado no n.º 3 do art. 24.º da LCT apenas concede ao trabalhador, em caso de transferência do local de trabalho, o direito a ver custeadas as despesas inerentes à mudança de residência, deve concluir-se que o regime previsto no AE é mais favorável para o trabalhador, pelo que deve ser o aplicado.
IV - Assim, tendo por iniciativa da ré o trabalhador sido transferido do seu local de trabalho, em Braga, para o Porto, tem direito a que lhe sejam pagos os acréscimos com despesas de deslocação para o local de trabalho e no regresso a casa;
V - Porém, no apuramento do valor dessas despesas deverá considerar-se apenas aquelas que seriam razoáveis, atendendo ao critério de um bom pai de família, e, havendo várias alternativas compatíveis com a inexistência de prejuízo sério, a mais económica de entre elas.
VI - Daí que nas circunstâncias referidas, o trabalhador tem direito ao pagamento do acréscimo de despesas de deslocação Braga-Porto-Braga, mais económicas para a entidade empregadora, e que decorrerem da utilização de transportes públicos (comboio ou autocarro), com o limite do valor peticionado na acção.
VII - Sendo o crédito do trabalhador ilíquido, são devidos juros de mora desde a liquidação até integral pagamento.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. AA instaurou, no Tribunal do Trabalho de Braga, contra “TAP Air Portugal, S.A.”, acção emergente de contrato de trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do acréscimo de despesas em deslocações de Braga para o Porto e vice-versa, decorrentes da transferência do local de trabalho da primeira para a segunda cidade, computadas, à data da propositura da acção, em € 25.742,30, e bem assim das despesas posteriores, a liquidar em execução de sentença, tudo acrescido dos juros vencidos desde a data da petição e até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, em síntese, que:

– Foi admitido ao serviço da Ré em 12 de Agosto de 1957, para exercer as funções de técnico comercial, passando a partir de 1991 a exercer tais funções na delegação da Ré em Braga, cidade onde reside;
– Tendo a Ré decidido encerrar a referida delegação, o seu local de trabalho foi transferido para o Porto, onde passou a exercer funções, a partir de 1 de Outubro de 2002;
– A transferência acarretou-lhe, e acarreta-lhe, um acréscimo de despesas, nomeadamente em transportes nas deslocações de e para o local de trabalho e no aparcamento, durante o período de trabalho diário, do automóvel que utiliza;
– Sendo obrigação da Ré suportar as referidas despesas.
2. A Ré contestou, a pugnar pela improcedência da acção, dizendo, no essencial, não estar, por virtude de normas legais, convencionais ou outras, obrigada a pagar tais despesas.
3. Na primeira instância, a acção foi julgada improcedente.

Inconformado, o Autor recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, julgando a apelação procedente, revogou a sentença e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao Autor, a partir de 1 de Dezembro de 2003, as despesas de deslocação efectuadas, em consequência da transferência do local de trabalho, com a utilização de transportes públicos (comboio ou camioneta), despesas essas a liquidar nos termos do artigo 661.º n.º 2 do Código de Processo Civil, sendo devidos juros apenas quando a obrigação se tornar líquida, em face do disposto no artigo 805.º n.º 3 do Código Civil.

Discordando desta decisão, ambas as partes vieram pedir revista, tendo formulado, nas respectivas alegações, as conclusões que se transcrevem:

A – Do recurso da Ré:

1. A Recorrente decidiu encerrar o seu estabelecimento comercial sito em Braga, tendo comunicado ao Recorrido por carta registada datada de 18 de Setembro de 2001 que poderia optar pela sua transferência para o Porto ou pela rescisão do seu contrato de trabalho nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, então em vigor.

2. O ora Recorrido decidiu optar pela sua transferência, não tendo rescindido o seu contrato de trabalho com o direito à indemnização que a lei lhe conferia.

3. Ao optar pela sua transferência para o Porto, o A. tinha o direito de exigir àquela que custeasse as despesas feitas por si, directamente impostas pela transferência, conforme decorria do n.º 3 do artigo 24.º da L.C.T..

4. A ora Recorrente apenas seria obrigada a custear as despesas directamente impostas pela transferência e que não são manifestamente as que foram peticionadas na acção.

5. Da Cláusula 25.ª do Acordo de Empresa celebrado entre a Recorrente e o Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos, publicado no B.T.E., 1.ª Série, n.º 44, de 29 de Novembro de 1997, aplicável à situação em apreço, não decorre qualquer obrigatoriedade da ora Recorrente suportar o acréscimo de despesas do trabalhador com as deslocações para o seu local de trabalho.

6. Quando da mudança do local de trabalho que ocorreu em 18 de Setembro de 2001, o ora Recorrido não considerou que a mesma mudança lhe causasse um prejuízo sério.

7. O cálculo das despesas não pode ser feito com o critério do Recorrido, mas apenas por um valor compensatório, uma vez que é contrário ao princípio da boa fé e do equilíbrio contratual que a Recorrente fosse obrigada a pagar a título de despesas de deslocação cerca de 1.000€ mensais, quando no ano de 2004 o Recorrido auferia a quantia de 1.324€ de retribuição base.

8. O n.º 5 do artigo 315.º do Código do Trabalho, constitui em matéria de transferência um preceito inovador.

9. A 2.ª parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil consagra um desvio ao princípio da não retroactividade das leis, impondo a aplicação imediata da lei nova ao conteúdo ou aos efeitos futuros das situações jurídicas constituídas sob o domínio da lei antiga que subsistam à data da entrada em vigor da lei nova.

10. Através do artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/03, de 27 de Agosto, consagra- -se o mesmo desvio ao princípio da não retroactividade, importando a aplicação imediata do novo Código do Trabalho, mesmo aos contratos de trabalho celebrados antes de 1 de Dezembro de 2003.

11. Admite a Recorrente que, constituindo a inovação uma alteração sobre o conteúdo da relação jurídica (alteração em matéria de pagamento de despesas resultantes da deslocação da entidade empregadora), o direito consagrado nessa inovação possa ser aplicada, ao abrigo do disposto na 2.ª parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da nova lei.

12. Se a nova lei aplicável (o n.º 5 do artigo 315.º do Código do Trabalho) regula efectivamente o conteúdo das relações jurídicas atinentes sem atender ao facto que as constituiu, tal faz com que a nova lei seja aplicável aos contratos anteriormente celebrados, mas tal não faz com que se aplique aos factos já antes ocorridos.

13. Assim, e como refere o douto voto de vencido a fls 5, "... o momento a atender para fins de direito transitório é aquele em que se produz o facto que desencadeia ou precipita o efeito de direito".

14. Considerando que o pressuposto da atribuição (transferência do trabalhador) do direito ao pagamento de despesas já tinha ocorrido quando da entrada em vigor da nova lei (artigo 8.º da Lei n.º 99/03, de 27 de Agosto), esta não poderá ser aplicável aos factos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor sob pena de se permitir a efectiva retroactividade das leis.

15. A aplicação da lei a contratos celebrados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, não significa que a mesma possa ser aplicável aos factos já totalmente ocorridos ao abrigo da lei anterior.

16. Tal solução seria contrária aos mais elementares princípios da segurança jurídica, como seria ainda violadora dos mais basilares princípios do Estado de Direito.

17. Termos em que deverá ser revogado o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa(1) do Porto., confirmando-se a Douta Sentença do Tribunal de 1.ª Instância.

18. O Douto Acórdão ora Recorrido violou, entre outros, o artigo 12.º do Código Civil, artigo 8.º da Lei n.º 99/03, de 27 de Agosto, o disposto na Cláusula 25.ª do AE publicado no B.T.E., 1.ª Série, n.º 44, de 29 de Novembro de 1997.

B – Do recurso do Autor:

A)- Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto na parte em que apenas condenou a ré a pagar ao autor as despesas de deslocações nos termos do mesmo acórdão a partir de 01/12/2003;

B)- Salvo o devido respeito, afigura-se que o acórdão recorrido não fez correcta interpretação dos preceitos legais atinentes;

C)- Ao autor são devidas as despesas de deslocação que este reclama desde a data em que se consumou a transferência do seu local de trabalho, atento o disposto no art.º 24.º, n.º 3, da LCT, o disposto na cláusula 25.ª do AE referido no art.º 3.º da petição inicial e o art.º 13.° da LCT;

C)- As despesas a que se refere o art.º 24.º, n.º 3, da LCT, são também as despesas de deslocação em transportes que o trabalhador está obrigado a efectuar em virtude da transferência do seu local de trabalho;

D)- A solução de a ré compensar o autor pelo facto de a prestação de trabalho se ter tornado mais onerosa para ele em virtude do aumento dos encargos com as deslocações é mais equitativa, tendo em conta os interesses em jogo - por um lado, a necessidade de manter o contrato de trabalho porque depende dos rendimentos provenientes do seu trabalho para garantir a sua sobrevivência e a do seu agregado familiar e, de outro lado, a sujeição a um pleito judicial para que lhe fosse reconhecido o direito à indemnização por antiguidade - (neste sentido, vide Ac. Rel. Lisboa de 23/02/1991, in CJ, tomo 1, págs. 206 e ss);

E)- Sem conceder sobre o referido nas alíneas anteriores, sempre o autor teria direito, atento o disposto no n.º 4 da cláusula 25.ª e na al. b) do n.º 5 da mesma cláusula do AE referido no art.º 3.º da petição inicial, bem como o disposto no art.º 13.º da LCT, às despesas de deslocações que reclama;

F)- Da interpretação conjugada do n.º 4 da cit. cláusula 25.ª com a al. b) do n.º 5 da mesma cláusula resulta claramente que o AE aplicável às relações laborais entre autor e ré quis claramente distinguir as situações em que a transferência do local do trabalho implica a mudança de residência (previstas no seu n.º 5) daquelas outras (previstas no seu n.º 4) em que a transferência não implica mudança de residência, estabelecendo um regime específico para cada uma delas;

G)- Nessa conformidade, se a transferência for da iniciativa da empresa e implicar mudança de residência, o trabalhador terá direito a transporte dos haveres julgados indispensáveis para o novo local de trabalho (n.º 5 da cláusula 25.ª); se a transferência for da iniciativa da empresa e não implicar mudança de residência, o trabalhador terá direito às despesas decorrentes da transferência, nomeadamente ao acréscimo de despesas em deslocações para o trabalho (n.º 4 da mesma cláusula 25.ª)

H)- Se o n.º 4 da cláusula 25.ª quisesse apenas englobar na sua previsão as despesas decorrentes da transferência dos haveres pessoais e mudança de habitação do trabalhador, não faria sentido a existência do n.º 5 da mesma cláusula;

I)- O regime consignado na cláusula 25.ª do AE referido no art.º 3.° da petição inicial, atento o disposto no art.º 13.º, n.º 1, da LCT, sempre prevaleceria sobre o regime previsto na LCT (art.º 24.º, n.º 3) por ser aquele o mais favorável para o autor;

J)- Finalmente, afigura-se mais equitativa e justa a solução de compensar o autor pelas despesas que este efectuou com a utilização do seu veículo automóvel nas deslocações para o trabalho, uma vez que utilização de transportes públicos implicaria, como resultou provado, que aquele gastasse, no mínimo, 5 horas e 30 minutos por dia nas deslocações em transportes públicos, circunstância que reduziria de forma incomportável a sua disponibilidade para estar com a família e o seu o tempo de repouso e lazer;

L)- Pelo exposto, deveria ter sido concedido total provimento ao recurso interposto pelo autor e, em consequência, ser a ré condenada nos pedidos por aquele formulados;

M- O acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, violou o art.º 24.º, n.º 3, da LCT, a cláusula 25.ª, n.º 4, do AE referido no art.º 3.° da petição inicial e o art.º 13.º da LCT, pelo que deve ser revogado.

O Autor contra-alegou para concluir pela improcedência do recurso da Ré.

A Exma. Magistrada do Ministério Público, no douto parecer que emitiu, concluiu no sentido de ser negada a revista do Autor e concedida a da Ré.

Respondendo a tal parecer, o Autor reafirmou a posição assumida nas suas alegações.

4. Tendo em atenção as conclusões formuladas pelos recorrentes, nas respectivas alegações, as questões a apreciar são as seguintes:
– Do recurso da Ré:

Saber se o Autor tem, ou não, direito ao pagamento do acréscimo de despesas de deslocação em transportes públicos a partir de 1 de Dezembro de 2003 – data da entrada em vigor do Código do Trabalho – resultante da transferência do seu local de trabalho de Braga para o Porto – ocorrida em 1 de Outubro de 2001 –, em consequência do encerramento das instalações da ré, na cidade de Braga;

– Do recurso do Autor:

Saber se ele tem direito ao pagamento pela Ré das despesas de deslocação em transporte particular, em consequência da transferência do local de trabalho e desde a ocorrência desta.

Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. Não tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto e não se vislumbrando motivos para exercer censura sobre tal decisão, dão-se por reproduzidos, ao abrigo das disposições combinadas dos artigos 713.º, n.º 6 e 726.º do Código de Processo Civil, os factos que as instâncias consideraram assentes.

Destes importa destacar o seguinte:

– Por virtude de contrato de trabalho subordinado e sem termo, o Autor foi admitido ao serviço da Ré em 12 de Agosto de 1975, para exercer, como ainda exerce, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, as funções de técnico comercial;
– Em 1991, o Autor passou a exercer as suas funções de técnico comercial na delegação da Ré na cidade de Braga e fixou com a sua família residência nesta cidade;
– Por carta datada de 18 de Setembro de 2001, a Ré comunicou ao Autor que, na sequência de processo de reorganização dos serviços, havia sido decidido o encerramento da representação regional da TAP em Braga e que poderia optar pela transferência para o Porto ou pela rescisão do seu contrato de trabalho;
– Mais lhe comunicou, na referida carta, que no caso de optar pela transferência para a cidade do Porto, se deveria apresentar no novo local de trabalho a partir de 1 de Outubro de 2001;
– O Autor optou pela sua transferência para o Porto e, naquele dia 1 de Outubro, apresentou-se no novo local de trabalho, sito na Rua Mouzinho de Albuquerque daquela cidade.
– Desde aquela data, o Autor tem trabalhado ininterruptamente na loja de vendas da Ré, sita na mencionada Praça Mouzinho de Albuquerque.
– A transferência do local de trabalho do Autor de Braga para o Porto acarretou-lhe e acarreta-lhe um acréscimo de despesas, nomeadamente em transportes nas deslocações de e para o trabalho e no aparcamento, durante o período de trabalho diário, do automóvel que utiliza em tais deslocações;
– Antes da transferência do seu local de trabalho, o Autor demorava cerca de 15 minutos nas deslocações para o seu local de trabalho e deste local para casa, fazendo, como fez sempre, tal percurso a pé.
– O novo local de trabalho na cidade do Porto dista cerca de 60 Km da residência do Autor e do anterior local de trabalho em Braga, tendo, para se deslocar, como únicos meios de transporte públicos o comboio e a camioneta;
– Para cumprir os horários de trabalho que lhe foram fixados pela Ré, usando transportes públicos, comboio e a camioneta, o Autor teria de gastar, no mínimo, 5 horas e 30 minutos nas suas deslocações de casa para o trabalho e do trabalho para casa, o que reduziria a sua disponibilidade para estar com a família.
– O Autor tem utilizado, desde 1 de Outubro de 2001, o seu automóvel nas deslocações de casa para o trabalho e do trabalho para casa, gastando, nessas deslocações, cerca de duas horas e trinta minutos, fazendo, como tem feito, estes percursos pela auto-estrada que liga Braga ao Porto /A3.
– Por virtude da sua transferência de Braga para o Porto, o Autor tem suportado, desde aquela data, um acréscimo de despesas (combustível, desgaste do veículo e portagens) em deslocações resultantes da utilização do seu veículo automóvel;
– Que, apesar de, por diversas vezes, instada a Ré sempre se recusou a custear.
– O Autor é associado do Sindicato dos Transportes da Aviação e Aeroportos, que celebrou com a TAP o Acordo de Empresa publicado no BTE n.º 44, 1.ª Série, de 29 de Novembro de 1997.
2. Uma vez que ambas as questões se reconduzem a saber se, por virtude da transferência do local de trabalho do Autor, a Ré se encontra obrigada a pagar essas despesas de deslocação, convém, antes de mais, traçar o quadro genérico, no âmbito do qual se hão-de resolver, em primeiro lugar, a questão do direito ao pagamento dos custos de deslocações, e, subsequentemente, as questões específicas suscitadas por cada uma das partes que não tenham sido decididas, ou ficado prejudicadas, pela resposta dada àquela primeira questão.

Vejamos as normas legais que estabelecem os direitos e deveres em caso de transferência de local de trabalho do trabalhador.

Consagrando o princípio da inamovibilidade, dispõe o artigo 21.º, n.º 1, e), do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho(2) . (LCT), que é proibido à entidade patronal transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo o disposto no artigo 24.º do mesmo diploma.

Estabelece o n.º 1 deste preceito que “[a] entidade patronal, salva estipulação em contrário, só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador ou se resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço”.

Verificando-se a mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde o trabalhador presta serviço, a única forma de oposição por parte deste é, nos termos do n.º 2 do referido artigo 24.º, a rescisão do contrato, com direito à indemnização fixada no artigo 13.º, n.º 3, do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo (LCCT) (3), salvo se a entidade patronal provar que da mudança não resulta prejuízo sério para o trabalhador.

Pode, todavia, o trabalhador não se opor à transferência, devendo, em tal caso, por força do disposto no n.º 3, ainda do citado artigo 24.º, a entidade empregadora custear “sempre as despesas feitas pelo trabalhador directamente impostas pela transferência” (4).

A interpretação desta última norma não tem sido uniforme na jurisprudência e na doutrina.

Assim, no Acórdão deste Supremo de 10 de Janeiro de 1986(5), relativamente às despesas directamente resultantes da transferência, afirmou-se que:

(...) Só devem considerar-se como tais as inerentes ao acto de mudança, designadamente as produzidas por transferência de haveres, por mudança de habitação, e que se esgotam com a implantação no novo local de trabalho.

Todas as demais, de verificação permanente, tais como as de deslocação por aumento do percurso para o novo local de trabalho, enquadram-se naquela outra indemnização a que o trabalhador tem direito quando, não aceitando a nova situação queira rescindir o contrato. (...)

O Acórdão de 27 de Janeiro de 2005(6) pronunciou-se especificamente sobre a maior demora do trabalhador na deslocação para o trabalho, mas não – ao menos expressamente – sobre o acréscimo dos custos de deslocação, tendo decidido que, por virtude da mudança do local de trabalho, a entidade patronal apenas se encontra obrigada a custear as despesas feitas pelo trabalhador directamente impostas pela transferência e que a maior demora do trabalhador na deslocação para o novo local de trabalho apenas poderá ser considerada para efeito de se dar como verificada a existência de um prejuízo sério para o trabalhador, o que seria determinante na atribuição do direito de indemnização, caso ele rescindisse o contrato nos termos do artigo 24.º, n.º 2, da LCT.

Ainda no sentido de as despesas atendíveis directamente resultantes da transferência serem apenas as inerentes ao acto de mudança, observa Abílio Neto (7), que com o estatuído no n.º 3 do artigo 24.º da LCT, o legislador terá querido abranger apenas o pagamento daquelas despesas que são inevitáveis quando alguém muda os seus haveres de um lado para o outro, sendo estas “em sentido próprio”, as despesas impostas pela transferência.

E acrescenta:

(...)

Estarão, pois, excluídas, por ex., as despesas decorrentes do agravamento do custo de transportes quando o trabalhador prefira manter a sua antiga residência ou não consiga habitação tão próxima do local de trabalho como a anterior, assim como as despesas inerentes a um mais elevado custo de vida no novo local de trabalho: tudo isso são factores que o trabalhador deverá ter em linha de conta, a fim de ajuizar da seriedade ou gravidade do prejuízo que a transferência lhe acarreta, mas que, uma vez aceite esta, não poderá reclamar o respectivo pagamento da entidade patronal. Tais despesas presumem-se conhecidas do trabalhador e por ele valoradas de molde a não constituírem obstáculo sério a aceitar a sua transferência, pois, de contrário, ou não aceitaria ou rescindiria o contrato (n.os 1 e 2) – o que, aliás, equivale ao mesmo de um ponto de vista prático.

(...)

Já de acordo com Júlio Gomes e Agostinho Guedes (8)., a referência da lei às despesas “directamente impostas” pela transferência encontra-se intimamente associada ao que vulgarmente se designa “nexo de causalidade”: assim, no entender destes autores, as despesas “directamente impostas” pela transferência “…deverão considerar-se apenas aquelas que um bom pai de família razoavelmente faria nas circunstâncias e, existindo várias alternativas, todas elas compatíveis com a inexistência de prejuízo sério, a mais económica de entre elas”.

Criticando a posição defendida por Abílio Neto, assinalam estes autores que, perante uma transferência de estabelecimento por parte da entidade empregadora, não se pode colocar a existência de uma situação alternativa, “simplista”, de ou o agravamento do custo dos transportes representa um prejuízo sério e não deveria haver transferência, pois o trabalhador ou não a aceitaria ou rescindiria o contrato, ou não representa qualquer prejuízo atendível.

Isto, porquanto, em seu entender, o agravamento do custo dos transportes pode não representar um prejuízo sério que possa fundamentar uma rescisão do contrato, sem que deixe de ser um prejuízo que a entidade empregadora deva suportar quando é ela que toma a iniciativa da transferência que visa, em primeira linha, a satisfação dos interesses da empresa.

Este sentido interpretativo, mais amplo, de as “despesas feitas pelo trabalhador directamente impostas pela transferência” abrangerem as despesas de deslocação quando não se verifique mudança de residência, afigura-se também presente em Bernardo Lobo Xavier (9), quando escreve que:

(...)

O preceito parece referir-se às despesas a que o trabalhador fica obrigado pelo facto da transferência, principalmente o custo de uma eventual deslocação dele próprio e do seu agregado familiar para outra residência, se tal for necessário. A empresa não está obrigada a custear encargos indirectos: v.g. o aumento de despesa pelo facto do superior custo de vida, no local para onde o estabelecimento é transferido, ou a pagar como de trabalho o acréscimo de tempo que passa a ser despendido em transportes.

Tratar-se-á, pois, de despesas e, portanto, em regra, desembolsos (com exclusão de danos não patrimoniais e de lucros cessantes) directamente ligados à transferência, a que o trabalhador se tenha visto obrigado a fazer para poder prestar colaboração, nos novos termos que lhe forem determinados, no lugar para onde foi transferido.

(...)

Mais explicitamente, Pedro Madeira de Brito(10) ., interpretando o preceito do n.º 3 do citado artigo 24.º, à luz do princípio da equivalência das prestações contrapostas ou do equilíbrio entre as prestações, conclui que:

(...)

As despesas que são impostas pela transferência são aquelas que se relacionam com o movimento pendular do trabalhador entre a sua residência e o seu lugar do cumprimento. É este o sentido de directamente impostas pela transferência. Ora, neste quadro estão incluídas, quer as despesas que resultam da necessidade de mudar de residência, quer aquelas que resultam do aumento dos custos dos transportes, e do tempo de trabalho quando a mudança de residência não seja viável ou ajustada. Seria contrário à boa-fé que se exigisse ao trabalhador que alterasse a sua residência para junto do local de trabalho quando lhe fosse determinada uma transferência da periferia para o centro da cidade, porquanto os preços das habitações (compra ou arrendamento) são muito mais elevados. Assim sendo, a entidade empregadora deve compensar o trabalhador pelas maiores despesas em transporte e tempo gastos na realização do referido movimento pendular. Obviamente que o recurso a critérios de boa-fé pode impor a alteração de residência ao trabalhador quando isso seja a única forma de não tornar demasiado onerosa a contraprestação do empregador e o aproveitamento da prestação que este realize. Na realidade se o trabalhador passa a demorar três horas a chegar ao local de trabalho e tem de fazer despesas muito elevadas em transportes, não se afigura conforme a ditames de boa-fé que o empregador deva suportar essas despesas. Deve haver uma ponderação de interesses quanto à necessidade de mudança da localização da residência do trabalhador e as despesas que resultariam de um movimento pendular do trabalhador agora agravado.

Independentemente da interpretação, mais ou menos restritiva, da expressão “despesas directamente impostas pela transferência”, ínsita no n.º 3 do artigo 24.º da LCT, para resolução da questão equacionada, importa também atender ao que se encontra estabelecido no Instrumento de Regulamentação Colectiva (IRC) aplicável, ou seja, no Acordo de Empresa (AE) entre a “TAP – Air Portugal, S.A.” e o “SITAVA – Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos”, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 44, de 29 de Novembro de 1997.

Refira-se, em breve parêntesis, que, como resulta do disposto no artigo 7.º do Regime Jurídico das Relações Colectivas de Trabalho (LRCT) (11), as convenções colectivas de trabalho obrigam as entidades patronais que as subscrevem e os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros da associação sindical celebrante da convenção, sendo certo que, no caso, a Ré outorgou o AE e o Autor se encontra filiado no Sindicato outorgante daquele.

Além disso, por força do princípio da prevalência das normas, as fontes de direito superiores (aqui, normas legais de regulamentação do trabalho) prevalecem sobre as fontes inferiores (aqui, convenção colectiva), salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabelecem tratamento mais favorável para o trabalhador – artigos 12.º e 13.º da LCT.

Impõe-se, pois, regressando ao caso em apreço, apurar se em matéria de transferência do trabalhador, e eventual pagamento de despesas de deslocação, o regime jurídico resultante do mencionado AE se mostra mais favorável ao trabalhador.

A Cláusula 24.ª do AE, sob a epígrafe “Efeitos da transferência”, dispõe nos seus n.os 4 e 5:

4 - A TAP custeará as despesas do trabalhador decorrentes da transferência, quando esta transferência for da iniciativa da empresa.

5 - Quando a transferência seja do interesse da empresa e implique mudança de residência, o trabalhador terá direito a:

a) Concessão de cinco dias úteis de dispensa imediatamente anteriores à partida e igual período à chegada;

b) Transporte do trabalhador, seu agregado familiar e haveres julgados indispensáveis para o novo local de trabalho.

Tendo em vista a análise da cláusula, importa ter presente, que, na interpretação das cláusulas das convenções colectivas de trabalho de conteúdo normativo, ou regulativo, há que atender, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas e, por outro, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados.

Segundo a orientação dominante deste Supremo, a interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções colectivas de trabalho deve obedecer às regras próprias da interpretação da lei (12)., consignadas, em particular, no artigo 9.º do Código Civil.

Assim, haverá que atender ao enunciado linguístico da norma, por representar o ponto de partida da actividade interpretativa, na medida em que esta deve procurar reconstituir, a partir dele, o pensamento das partes outorgantes da convenção colectiva (n.º 1 do citado artigo 9.º) – tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada –, sendo que o texto da norma exerce também a função de um limite, porquanto não pode ser considerado entre os seus possíveis sentidos aquele pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do mesmo artigo 9.º).

Para a correcta fixação do sentido e alcance da norma, há-de, outrossim, presumir-se que os outorgantes souberam exprimir o seu pensamento em termos adequados e consagraram a solução mais acertada (n.º 3 do artigo 9.º), do que decorre, no ensinamento de João Baptista Machado(13) , que o texto da norma “exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas”; por isso, “só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo”.

Visando a aplicação prática do direito, “a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”, por isso que o jurista “há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor corresponda a estas necessidades, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela”(14) .

No caso que nos ocupa, afigura-se inquestionável que os citados n.º 4 e 5 da Cláusula 24.ª regulam duas situações distintas: no n.º 5 está em causa a transferência do trabalhador por interesse da empresa e que implique mudança de residência, enquanto no n.º 4 se prevê a situação de a transferência do trabalhador não implicar mudança de residência.

Na situação contemplada no n.º 5, o trabalhador tem direito não só à concessão de cinco dias úteis de dispensa imediatamente anteriores à partida e igual período à chegada, como também ao seu transporte, do respectivo agregado familiar e haveres julgados indispensáveis para o novo local de trabalho; por sua vez, na situação a que se refere o n.º 4, a empresa deve custear as despesas do trabalhador decorrentes da transferência, quando esta é da iniciativa da empresa.

Ora, por despesas decorrentes da transferência hão-de ter-se as resultantes do acréscimo com despesas de deslocação, pois, a entender-se de outro modo, ou seja, a entender-se que o n.º 4 da cláusula 24.ª do AE não abrange o pagamento do acréscimo com despesas de deslocação, então tal norma ficaria sem conteúdo útil, pois regulando expressamente o n.º 5 da mesma cláusula as situações de transferência do trabalhador que implicam mudança de residência, seguramente que os outorgantes do AE não quiseram no n.º 4 da cláusula abranger a mesma situação.

E, não regulando o n.º 4 da cláusula as despesas decorrentes da mudança de residência do trabalhador, cremos que só pode referir-se a acréscimos de despesas permanentes com deslocações.

Atente-se que a norma, ao contrário do n.º 3 do art. 24.º da LCT, não alude a despesas directamente impostas” pela transferência, mas tão só a “despesas do trabalhador decorrentes da transferência”.

Aqui chegados, uma conclusão desde logo se impõe: a de que, caso se considere, numa interpretação restritiva do n.º 3, do artigo 24.º da LCT, que as despesas resultantes da transferência custeadas ao trabalhador, e ali previstas, são apenas as inerentes ao acto de mudança, o AE tem um sentido mais amplo, abrangendo as despesas decorrentes da transferência, quer se verifique, ou não, mudança de residência, pelo que, sendo este regime mais favorável ao trabalhador, deve ser o aplicado ao caso.

E, assim sendo, pergunta-se: quais as despesas decorrentes da transferência que o trabalhador tem direito que lhe sejam custeadas?

A resposta a esta questão terá que passar, como assinalaram Júlio Gomes e Agostinho Guedes a propósito da interpretação do n.º 3 do artigo 24.º da LCT, pela verificação de um nexo causal entre a transferência do trabalhador e as despesas daí decorrentes.

Nessa perspectiva, terá que atender-se às despesas que um bom pai de família realizaria, despesas essas necessárias e imprescindíveis e, naturalmente, havendo alternativas, de forma a procurar o equilíbrio entre partes nesta matéria, segundo o princípio a que alude Pedro Madeira de Brito, nas considerações supra transcritas, hão-de ter-se como referência as despesas de deslocações menos onerosas para a entidade patronal.

Note-se que o que foi estabelecido no AE quanto ao pagamento das despesas do trabalhador decorrentes da transferência encontra algum paralelismo com o que viria a ser estabelecido no Código do Trabalho.

Com efeito, dispõe o artigo 315.º, n.º 5, deste diploma legal, que “[o] empregador deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência”.

Como observa Pedro Madeira de Brito, em anotação a tal preceito (15) “a consequência do poder da entidade empregadora alterar o local de trabalho, quer seja individual ou resultante da mudança parcial ou total do estabelecimento passa por: a) Pagamento do acréscimo de despesas com deslocações; b) Pagamento das despesas de mudança de residência”.

E, acrescenta que o empregador não deve suportar simultaneamente os dois tipos de despesas, sendo que a “opção entre o pagamento da mudança da residência e o acréscimo de despesa com custos de deslocação deve ser resolvido com recurso a critérios de boa fé”.

Ainda sobre a interpretação da norma, escreve o mesmo autor: “O n.º 5 deste artigo veio esclarecer que apenas é pago o acréscimo de despesas com deslocações e não o acréscimo de tempo dispendido a mais no movimento entre o local de trabalho e a residência do trabalhador e vice-versa, em consequência da alteração do local de trabalho”.

Regressando ao caso em apreço, volta-se a realçar, e importa reter, que no AE os outorgantes previram o pagamento de despesas decorrentes da transferência do trabalhador que impliquem mudança de residência, e despesas decorrentes da transferência que não impliquem mudança de residência, sendo esta a situação dos autos.

3. É agora o momento de aplicar o entendimento que se deixou explanado aos recursos interpostos pelas partes.

3. 1. Quanto ao recurso da Ré:

Sustenta esta, em síntese, que o Autor não tem direito ao pagamento dos acréscimos de despesas de deslocação resultantes da transferência do seu local de trabalho de Braga para o Porto, ocorrida em 1 de Outubro de 2001, em consequência do encerramento das instalações da Ré, na cidade de Braga.

Recorde-se que a 1.ª instância julgou a acção totalmente improcedente.

Já o acórdão recorrido, embora decidindo que o Autor não tinha direito ao pagamento das referidas despesas ao abrigo do disposto no art. 24.º, n.º 3, da LCT, ou do AE, entendeu, todavia, que, não obstante a transferência do autor para o novo local de trabalho ter ocorrido em 1 de Outubro de 2001 – antes, portanto, da entrada em vigor do Código do Trabalho (16) , os efeitos da transferência não se esgotam no acto, antes perduram enquanto o contrato se mantiver em vigor, pelo que, face ao disposto no art. 315.º, n.º 5, do Código do Trabalho, o Autor teria direito ao pagamento das despesas de deslocação a partir da entrada em vigor daquele diploma, ou seja, 1 de Dezembro de 2003.

É incontroverso que o facto – transferência do trabalhador – de que decorre o eventual direito a que sejam custeadas ao trabalhador as despesas ocorreu em 1 de Outubro de 2001, na vigência, pois, da LCT e do AE a que se vem fazendo referência.

E, como se referiu, por virtude da aplicação do AE assiste ao trabalhador o direito a que lhe sejam pagas as despesas de deslocação.

Nesta conformidade, ao Autor devem ser custeadas as despesas de deslocação (cujo valor adiante se analisará) não desde 1 de Dezembro de 2003, como se decidiu no acórdão recorrido e por virtude da aplicação do art. 315.º, n.º 5, do Código do Trabalho, mas desde 1 de Outubro de 2001, data em que essa transferência se verificou, e por virtude do AE outorgado entre a “TAP” e o “SITAVA”.

Deste modo, improcedem as conclusões das alegações de recurso da Ré.

3.2. Quanto ao recurso do Autor:

Sustenta ele que tem direito a que lhe sejam pagas as despesas de deslocação com transporte particular (incluindo portagens), em consequência da transferência do local de trabalho e desde a ocorrência deste.

Já se concluiu que o Autor tem direito a que lhe sejam pagas as despesas de deslocação desde a transferência.

Mas, será o montante das despesas o que decorre da utilização de transporte particular?

A resposta a esta questão já se deixou implícita, quando se afirmou que as despesas a pagar deverão ser aquelas que um bom pai de família realizaria e, dentro de um princípio de justo equilíbrio das prestações a que as partes se vincularam (17), as despesas que se mostram razoáveis são aquelas correspondentes ao valor que o autor despenderia na deslocação Braga-Porto-Braga em transporte público normalmente utilizado, comboio ou autocarro.

Acompanha-se, nesta parte, o acórdão recorrido quando afirma: “…se o Autor decidiu aceitar a transferência deverá ser compensado pelas despesas que tem de efectuar com a sua deslocação para o Porto – o que não acontecia antes – mas dentro de um critério de razoabilidade. E não estando provada a impraticabilidade do uso dos transportes públicos, entende-se que a Ré deve compensar o Autor através do pagamento das despesas que ele está obrigado a fazer com a utilização desses transportes e que anteriormente não tinha que fazer”.

Assim, procedem as conclusões das alegações de recurso do Autor, mas apenas quanto ao pagamento das despesas de deslocação desde a data da transferência, 1 de Outubro de 2001.

Quanto ao montante das despesas, será o que o Autor gastaria em transportes públicos – comboio ou autocarro –, em montante a liquidar em execução de sentença, sendo certo que os autos não fornecem elementos que permitam a liquidação (artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Nesta sequência, haverá que considerar o crédito do autor ilíquido, regendo quanto ao mesmo, e no que se refere ao peticionado pagamento de juros de mora, o disposto no art. 805.º, n.º 3, 1.ª parte, do Código Civil, de acordo com o qual, tratando-se de crédito ilíquido não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.

Ora, no caso, afigura-se-nos que essa falta de liquidez não pode ser imputável à Ré.

Com efeito, se é certo que a Ré não procedeu ao pagamento das despesas de deslocação, não o é menos que o Autor exigiu que esse pagamento se verificasse pelo montante que resulta da utilização de viatura particular.

Daí que não estivesse a ré obrigada a proceder ao pagamento nesse montante e não era obrigada a saber qual o valor devido em consequência da utilização de transporte público, sendo ao Autor, que alegou o direito ao pagamento de determinado montante de despesas de transferência, que competia fazer a prova dos factos constitutivos do direito (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

Ou seja, a mora no pagamento das despesas de transferência em transporte público deve-se ao Autor.

Donde se conclui que não são devidos juros de mora até que o crédito se torne líquido.

Assim, sobre a importância que vier a ser apurada serão devidos juros de mora, à taxa legal, desde a liquidação até integral pagamento.


III

Por tudo o exposto, decide-se:

– Negar a revista pedida pela Ré;
– Conceder, em parte, a revista pedida pelo Autor, condenando-se a Ré a pagar-lhe o acréscimo das despesas com deslocações em transportes públicos (comboio ou autocarro), no percurso Braga-Porto-Braga, a partir de 1 de Outubro de 2001, data da transferência do local de trabalho, em quantia a liquidar em execução de sentença, com o limite do valor peticionado pelo autor, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a liquidação até integral pagamento.

As custas da acção e dos recursos serão suportadas pela Ré, sem prejuízo do acerto a efectuar em função do efectivo decaimento, que vier a ser apurado na liquidação em execução de sentença.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2006


Vasques Dinis (Relator)
Fernandes Cadilha
Mário Pereira

__________________________

(1) Quereria, certamente, escrever-se, Tribunal da Relação do Porto.
(2) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
(3) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

(4) Sublinhado nosso, como os que se seguirão.
(5) Boletim do Ministério da Justiça, 353-266.
(6)Subscrito pelos Exmos. Conselheiros Fernandes Cadilha (Relator), Mário Pereira e Paiva Gonçalves (Recurso n.º 924/04 - 4.ª Secção), sumariado em www.stj.pt – Boletim Interno.
(7) Contrato de Trabalho - Notas Práticas, 8.ª Edição, Livraria Petrony, Lisboa, 1981, p. 99.
(8) Algumas Considerações Sobre a Transferência do Trabalhador, Revista de Direito e Estudos Sociais, Janeiro-Junho – 1991, Ano XXXIII, N.os 1-2, pp. 122 e segs.
(9) Curso de Direito do Trabalho, 2.ª Edição (com aditamento de actualização), Verbo, Lisboa, 1996, pág. 355.

(10) Local de Trabalho, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Volume I, Almedina, Coimbra, 2001, pp.383-384.
(11) Constante do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro.
(12) Cfr., entre outros, os Acórdãos de 10 de Novembro de 1993, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, 291; de 9 de Novembro de 1994, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano II, Tomo III, 284; e de 10 de Maio de 2001, www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200105010003004. Na doutrina, António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho (Reimpressão), Almedina, Coimbra, 1997, p. 307: “a interpretação e integração das convenções colectivas seguem as regras próprias de interpretação e de integração da lei, com cedências subjectivistas quando estejam em causa aspectos que apenas respeitem às partes que as hajam celebrado”.
(13) Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador (Reimpressão), Almedina, Coimbra, 1999, p. 189.
(14)Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, traduzido por Manuel A. Domingos de Andrade, e publicado com o Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, do último autor, 3.ª Edição, na Colecção Stvdivm, Arménio Amado – Editor, Sucessor, p. 130.
(15) Código do Trabalho Anotado – da autoria de Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva –, 4.ª Edição (Reimpressão), Almedina, 2006, p. 537.

(16) Como resulta do disposto no art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, o Código entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003.
(17) Não alegando o autor que o agravamento do custo dos transportes lhe causou um prejuízo sério que fundamentasse a rescisão do contrato, com direito a indemnização, não se aceitaria que mantendo-se o vínculo laboral, a outra parte – entidade empregadora – tivesse que suportar todo e qualquer custo de deslocação com os transportes, de acordo com a opção do trabalhador