Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ00018012 | ||
| Relator: | FERREIRA DIAS | ||
| Descritores: | MINISTÉRIO PÚBLICO SUBSTITUIÇÃO URGÊNCIA | ||
| Nº do Documento: | SJ199302030433743 | ||
| Data do Acordão: | 02/03/1993 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Referência de Publicação: | BMJ N424 ANO1993 PAG491 - CJSTJ 1993 TI PAG182 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC PENAL. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Área Temática: | DIR PROC PENAL. | ||
| Legislação Nacional: | LOMP86 ARTIGO 48 ARTIGO 49. CPP87 ARTIGO 119 B ARTIGO 330 N1. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ PROC39963 DE 1990/01/31. | ||
| Sumário : | I - Não comparecendo à audiência de julgamento o Digno Magistrado do Ministério Público ou o seu substituto legal, a sua substituição por pessoa idónea apenas pode ocorrer perante uma situação de urgência. II - Apenas são considerados casos urgentes para efeitos do disposto no número anterior aqueles em que se torna necessário garantir a liberdade individual dos cidadãos - - hipóteses de réus presos ou detidos ou para a soltura dos mesmos e em quaisquer outros casos impostos por necessidade urgente. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 - Acusado pelo Digno Agente do Ministério Público, respondeu, em processo comum e com a intervenção do Tribunal Colectivo da comarca de Loures, o arguido A, promotor de vendas, de 28 anos, com os demais sinais dos autos, tendo sido condenado como autor de um crime previsto e punível pelo artigo 228 ns. 1 alínea a) e 2 do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, em 30 dias de multa à taxa diária de 500 escudos, multa na alternativa de 20 dias de prisão, pena suspensa na sua execução, nos termos do artigo 48 do Código Penal, pelo período de três anos, e na parte final. Quanto aos demais crimes imputados - previstos nos artigos 296 e 313 n. 1 do Código Penal - foi declarado extinto o procedimento criminal por amnistia concedida pela Lei n. 23/91, de 4 de Julho. 2 - Inconformado, recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, motivando-o nos seguintes termos:- - O senhor juíz "a quo" substituiu o Delegado do Procurador da República em greve na sessão de audiência e julgamento, ocorrida no dia 19 de Maio de 1992, nomeando "ad hoc", para representar o Ministério Público, nessa audiência, o senhor secretário judicial; - Ao fazê-lo, violou o disposto nos artigos 57 e 6, respectivamente, da Constituição e da Lei n. 65/77; - De todo o modo, e independentemente de razões de ordem constitucional, não havia fundamento para a nomeação do Ministério Público "ad hoc"; - A substituição dos Delegados, nas suas faltas e impedimentos encontra-se devidamente regulamentada nos artigos 48 e 49 da Lei 47/86, de 15 de Setembro; - No impedimento do notário do concelho, na falta de pessoa indicada pelo Procurador da República e não sendo caso urgente, o Juíz "a quo" deveria adiar o julgamento; - Por urgência terá de entender-se a necessidade premente em vista da garantia de liberdade e de soltura de réus presos, bem como os casos em que se visa evitar dano irreparável, o que não era o caso vertente; - O despacho recorrido violou, assim, o disposto nos artigos 57 da Constituição, 6 da Lei n. 65/77, 330 n. 1 do Código de Processo Penal e 48 e 49 da Lei 47/86, de 15 de Outubro; e Deve declarar-se anulado o julgamento e todos os actos subsequentes. Não houve contra-motivação, mas o Excelentíssímo Juíz de Círculo defendeu o decidido. 3 - Subiram os autos a este Alto Tribunal e, proferido o despacho preliminar e colhidos os vistos legais, designou-se dia para a audiência que decorreu com observância do ritual da Lei, como da acta se infere. Cumpre, agora, apreciar e decidir, já que nada obsta ao conhecimento "de meritis". "Quid juris"? O exame do processo leva-nos a dele extrair os seguintes acontecimentos de facto com relevo para a decisão do problema posto à consideração deste Supremo Tribunal:- - Em 14 de Agosto de 1988, foi apresentada por B uma participação contra C, em que esta era acusada de haver praticado um crime de emissão de cheque sem provisão; - Seguiu o processo os seus regulares termos, mas a fls. 50 foi arquivado o mesmo referentemente à arguida em causa e deduzida a acusação contra A, pelos crimes seguintes: - um crime de furto previsto e punido pelo artigo 296 do Código Penal; - um crime de falsificação de documento previsto e punível pelo artigo 228 ns. 1 alínea a) e 2 do Código Penal; e - um crime de burla previsto e punível pelo artigo 313 n. 1 do Código Penal. - A fls. 55 verso designou-se o dia 5 de Fevereiro, pelas 10 horas, para o julgamento do referido arguido; - Nesse referido dia, o julgamento foi adiado a requerimento do Ministério Público, com base na circunstância de o arguido não ter comparecido e não haver sido notificado para o julgamento (fls. 61), julgamento que foi adiado "sine die"; - A fls. 77 verso foi designado o dia 19 de Maio de 1992 para o julgamento do arguido; - Nesse dia 19 de Maio, proferiu o Senhor Juiz o seguinte despacho:- "O Ministério Público encontra-se em greve. Foi contactado o Senhor Notário da comarca para intervir no julgamento que se mostrou indisponível por ter serviços de escrituras a realizar. Tentou-se também em vão o contacto com o Senhor Procurador para indicar um Delegado substituto. Resta assim, nos termos do disposto no artigo 330 n. 1 do Código Processo Penal e 49 da Lei n. 47/86, de 15 de Outubro, nomear para substituir o Ministério Público pessoa idónea nos termos dos normativos em apreço. A Lei não dá uma definição de processo urgente sendo certo que o artigo 49 apenas refere vagamente o caso de "haver urgência". Esse factor não se confunde assim com o de processo urgente sendo apontados como exemplo desse tipo de processos os réus presos, expropriação, procedimentos cautelares, etc. Assim a urgência neste caso pode derivar do facto de a audiência já se ter iniciado obedecendo assim ao principio da continuidade (artigo 388 da Constituição da República Portuguesa) que impõe que se justifica precisamente para que a prova produzida não fique esquecida chegando-se ao ponto de se referir que ela perde a eficácia se a interrupção se prolongar por mais de 30 dias. Este facto integra, sem dúvida, conjugado com o facto de estarem presentes todas as pessoas para os diversos julgamentos marcados esta manhã. Acresce que não sabemos por quanto tempo a referida greve se manterá. Por isso e nos termos dos preceitos conjugados do artigo 49 da Lei n. 47/86 e 330 n. 1 do Código de Processo Penal, nomeio como representante do Ministério Público o Senhor Secretário Judicial..."; - Em vista disso, foi decidido proceder ao julgamento; e - Tal actuação deu origem a que o Ministério Público viesse interpor o presente recurso, apresentando a motivação que atrás deixamos exarada. 4 - Decidindo: Dispõe o artigo 48 da Lei Orgânica do Ministério Público - Lei n. 47/86, de 15 de Outubro - o seguinte: "1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os delegados do Procurador da República são substituídos nas suas faltas e impedimentos, pelo notário do município sede do tribunal. ............. 3 - Na falta de notário, a substituição recai na pessoa que for indicada pelo Procurador da República..." E logo o artigo 49: "Se houver urgência e a substituição não puder fazer-se pela forma indicada nos artigos anteriores, o juiz nomeia para cada caso pessoa idónea". Por sua banda textua o artigo 330 o seguinte: "1 - Se, no inicio da audiência, não estiver presente o Ministério Público ou o defensor, o presidente procede, sob pena de nulidade insanável, à substituição do Ministério Público pelo substituto legal e do defensor por pessoa idónea, aos quais pode conceder, se assim o requererem, algum tempo para examinarem o processo e prepararem a intervenção". É de todos sabido que a função do Ministério Público no que toca à sua actuação, no processo, não se esgota na fase instrutória e com a dedução da acusação, mas abrange também, naturalmente, a sua representação durante toda a fase do julgamento (confira Figueiredo Dias in Direito Processual Penal - volume I - a páginas 405). Daí que tenha de estar presente no julgamento, competindo-lhe representar a acusação pública em tal momento. Ora, fazendo a exegese dos preceitos legais, acima trasladados, afoitamente deles temos de retirar os seguintes e importantes princípios: 1- Se, no inicio da audiência, não estiver presente o Ministério Público, o presidente procede, sob pena de nulidade insanável, à sua substituição pelo substituto legal, ou seja pelo notário do município sede do Tribunal ou, na falta de notário, pela pessoa indicada pelo Procurador da República; 2 - Em casos de urgência e a substituição não puder fazer-se pela forma indicada imediatamente atrás, o juiz nomeia para cada caso pessoa idónea. Quer isto significar que o juiz só pode nomear, em substituição do Ministério Público - e quando não for possível fazer a substituição através do notário ou de pessoa indicada pelo procurador - qualquer pessoa idónea, quando estivermos em face de situações urgentes. Mas quando é que nos achamos em face de situações urgentes? Não nos define a Lei a expressão em referência. Daí que tenha de ser o julgador a compreender o seu verdadeiro conceito. Desde há muito que a jurisprudência deste Alto Tribunal, alicerçada no mandamento do artigo 76 parágrafo 3 do Código de Processo Penal, vem defendendo que as situações de urgência têm lugar quando se torna necessário garantir a liberdade individual dos cidadãos - caso dos réus presos - e para a soltura de réus presos ou em quaisquer outros casos impostos por necessidade urgente. Presentemente, proclama o artigo 103 do Código de Processo Penal de 1987 que: "1 - Os actos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais. 2 - Exceptuam do disposto no número anterior: a) Os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas; b) Os actos de inquérito e de instrução, bem como os debates instrutórios e audiências relativamente aos quais for reconhecida, por despacho de quem a elas presidir, vantagem em que o seu início, prosseguimento ou conclusão ocorra sem aquelas limitações...". Esta última excepção, diz Maia Gonçalves in Código de Processo Penal - 3 edição - a páginas 185, que "os actos enumerados nas suas alíneas se não podem praticar nos dias úteis, às horas de expediente e fora do período das férias judiciais, mas antes que se podem e devem praticar (trata-se de um poder vinculativo) em qualquer momento, sem tais limitações, desde que isso seja indispensável para a realização dos fins visados pela lei, v.g. para a garantia da liberdade das pessoas". Parece-nos, pois, que o novo ordenamento processual penal continua fiel ao entendimento que reinava ao tempo do império do Código de Processo Penal de 1929, no que concerne à definição de casos de urgência, que continuam a estar relacionados com os casos em que se torna necessário garantir a liberdade individual dos cidadãos - hipótese dos réus presos ou detidos, ou para a soltura dos mesmos e em quaisquer outros casos impostos por necessidade urgente. 5 - Apresentado este breve proemio, passemos, por ele iluminados, à situação vertente no caso do processo. Mostra-se certificado que, no dia 19 de Maio de 1992 - dia designado para a audiência do presente processo comum com intervenção do tribunal colectivo - o Excelentissimo Magistrado do Ministério Público não se encontrava presente. Dada essa não comparência, em virtude de o referido Magistrado ter aderido à greve, decretada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público - facto esse do conhecimento do Senhor Juíz de Círculo - logo envidou este os seus esforços no sentido de ser substituído pelo notário do concelho - diligência que não logrou qualquer êxito - ou pela pessoa indicada pelo Procurador da República, resultado também sem sucesso. Até aqui tudo se apresenta revestido de toda a legalidade. A partir, porém, deste momento é que o despacho em questão entra em crise, como vamos dar a conhecer. É que, executadas aquelas tarefas - sem qualquer resultado útil ou proveitoso - deveria o Senhor Juiz de Círculo adiar o julgamento, visto não se tratar de qualquer caso urgente, com o significado que atrás lhe deixámos emprestado. Com efeito, como já deixamos sublinhado, que a disposição do artigo 330 n. 1 do Código de Processo Penal tem de ser conjugada com o comando estatuído no artigo 49 da Lei Orgânica do Ministério Público. Quer isto significar que, só quando houver urgência e a substituição do Ministério Público não puder ser feita pela forma indicada no artigo 48 anterior do mesmo diploma, é que o juíz pode nomear pessoa idónea para com ele fazer, no nosso caso, o julgamento. Fora da situação de urgência, não lhe é licito, pois, proceder à substituição do Ministério Público por pessoa idónea, como, aliás, sucedeu na situação hipotizada no caso da demanda. Na verdade, não constituindo o processo um caso de urgência - não havia qualquer réu preso nem qualquer outro estado que implicasse urgência - não podia o Senhor Juiz substituir, como substituiu, o Digno Delegado por pessoa idónea. Fazendo-o, positivamente que o despacho em estudo - ao determinar a substituição do Ministério Público por pessoa idónea - o cidadão Secretário do tribunal - violou a lei da substituição do Ministério Público, nos termos conjugados dos artigos 330 n. 1 e 49, respectivamente, do Código de Processo Penal e da Lei orgânica do Ministério Público (Lei n. 47/86, de 15 de Outubro). O Senhor Juiz de Círculo para enquadrar o acto processual no território das situações de urgência, defendeu que o referido acto processual já se havia iniciado, situação que justificava a urgência do seu imediato prosseguimento para que a prova já produzida não ficasse esquecida. Não lhe assiste, todavia, qualquer razão, dado que tal apoio não corresponde, salvo o muito e devido respeito, à verdade. Com efeito, como da acta de audiência de fls. 66 se alcança, o julgamento não chegou sequer a iniciar-se e, sendo assim, como é, nenhum perigo haveria que o julgamento fosse adiado. Em suma e para terminar, pois já vai longo o nosso discorrer:- Com a violação dos preceitos legais, devidamente conjugados, dos artigos 330 n. 1 e 49 citados, incorreu o despacho em apreciação na nulidade insanável consignada na alínea b) do artigo 119 do Código de Processo Penal, já que tendo-se substituído o Digno Magistrado do Ministério Público por pessoa idónea numa situação em que tal não era permitido, tudo se passou como se o julgamento tivesse decorrido sem a presença do Ministério Público titular ou qualquer das outras individualidades, seus representantes. E nem se argumente com o disposto no art. 389 do Código de Processo Penal, quando estabelece que o tribunal, se o Ministério Público não estiver presente na audiência e nem ele nem o seu substituto legal puderem comparecer, nomeia pessoa idónea. Tal dispositivo é inaplicável ao nosso caso, pois trata-se de uma situação urgente - que na hipótese concretizada neste processo não subsiste, repita-se - em que o direito à liberdade, como direito fundamental, não se pode compadecer com adiamentos provocados com a não presença do titular do Ministério Público ou do seu representante legal. Em igual pendor à decisão que assumimos, no presente recurso, podem ver-se o Acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 1990, in, Rec. n. 39963 - 3 secção e o bem elaborado trabalho de Rodrigues Maximiano, in Revista do Ministério Público - Ano 11 - n. 41 - a páginas 73 e seguintes. Procede, assim, o recurso interposto pela Ilustre Magistrada do Ministério Público no tribunal judicial de Loures. 6 - Desta sorte e, pelos expostos fundamentos, decidem os juizes deste Supremo Tribunal de Justiça conceder provimento ao recurso e, consequentemente, declarar nulo o julgamento efectuado e todos os demais actos processuais posteriores. Sem custas. Lisboa, 3 de Fevereiro de 1993 Ferreira Dias, Abranches Martins, Sá Nogueira, Ferreira Vidigal. Decisões impugnadas: - Acórdão de 92.05.26 do 1 Juízo, 2 Secção do Tribunal de Loures. |