Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96A933
Nº Convencional: JSTJ00031609
Relator: CARDONA FERREIRA
Descritores: CONSTITUCIONALIDADE
ASSENTO
FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
SENTENÇA
DESPACHO SANEADOR
Nº do Documento: SJ199703040009331
Data do Acordão: 03/04/1997
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N465 ANO1997 PAG511
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 9550798
Data: 06/13/1995
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: DECIDIDO NÃO TOMAR CONHECIMENTO.
Indicações Eventuais: M CORDEIRO IN ROA ANO56 PAG309.
Área Temática: DIR PROC CIV - RECURSOS.
DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: DL 329-A/95 DE 1995/12/12 ARTIGO 17.
CCIV66 ARTIGO 2.
L 33/95 DE 1995/08/18 ARTIGO 7 E.
CPC67 ARTIGO 678 N6 ARTIGO 728 N3 ARTIGO 732-A ARTIGO 732-B N4.
DL 180/96 DE 1996/09/25.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO TC PROC240/94 DE 1996/05/28 IN DR IS 1996/07/18.
ASSENTO STJ DE 1994/04/13 IN DR IS 1994/05/26.
Sumário : I - Através de Acórdão com força obrigatória geral, o Tribunal Constitucional não definiu inconstitucionalidade dos Assentos, mas, apenas do segmento do artigo 2 do C.CIV. que extravasava da ordem judicial.
II - Uniformizar ou fixar jurisprudência tem o mesmo significado na ordem judicial, até revisão de cada Assento ou nova uniformização de jurisprudência pelo próprio STJ (não vem ao caso alteração da lei interpretada ou interpretanda).
III - Neste contexto, continua vinculativo, na ordem judicial, o Assento do STJ 10/94, não viabilizando recurso, para o STJ, de Acórdão da 2. instância que revoga o saneador- -sentença e se limite a mandar prosseguir o processo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. Pela Comarca de Santo Tirso, "A, Lda" propôs esta acção declarativa ordinária contra "B, Lda". A autora pediu a condenação da ré a pagar-lhe 1514752 coroas suecas, bem como juros vincendos.
Através do saneador-sentença de fls. 187 e segs., a acção foi julgada improcedente, por se ter entendido que a causa de pedir não poderia conduzir ao pedido.
A autora apelou.
E a Relação do Porto, em 22 de Abril de 1996, proferiu o Acórdão de fls. 227 e segs., revogando o saneador-sentença e determinando o prosseguimento do processo, designadamente com elaboração de especificação e questionário.
Recorreu a ré, de revista (fls. 234).
No S.T.J., o relator emitiu o parecer de fls.244, no sentido de que não poderia conhecer-se deste recurso.
A recorrente manifestou-se em contrário (fls.245 e segs.).
Foram colhidos os vistos legais.
II. Em 13 de Abril de 1994, este Supremo emitiu o seguinte Assento (n. 10/94 - D.R., 1. Série, de 26 de Maio de 1994):
"Não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão da Relação que, revogando saneador-sentença que conhecera do mérito da causa, ordena o prosseguimento do processo, com elaboração da especificação e questionário".
Sem qualquer sombra de dúvida, tal é, essencialmente, a hipótese vertente.
Daí que a posição da recorrente se baseie em contraditar que este Assento como quaisquer Assentos, seja motivo de decisão, hoje.
Decerto nós não vamos entrar, aqui e agora, na discussão da problemática de fundo, para se saber se o Assento deve, ou não, ser respeitado. Isso equivaleria à inversão da ordem dos problemas, fazendo levar o entendimento das regras do enquadramento nuclear conforme o resultado da situação casuística. Seria desconcerto a mais.
III. Tudo se reduz, assim, à nova perspectiva do valimento dos Assentos.
Para tanto dilucidarmos, não vamos sequer discutir dúvida séria sobre a constitucionalidade do n. 2 do artigo 17 do Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro de 1995 ("Os Assentos já proferidos têm o valor dos Acórdãos proferidos nos termos dos artigos 732-A e 732-B" - do CPC).
Sobre este aliciante tema, chamamos a atenção para um douto trabalho do Professor Menezes Cordeiro, na Revista da Ordem dos Advogados, ano 56, Janeiro de 1996, páginas
309 e segs.
Para além dessa discutibilidade constitucional de norma que, no terreno da separação de poderes, veio atingir Jurisprudência transitada e situações constituídas sob o seu abrigo, atenhamo-nos a algo mais simples e mais incontroverso.
IV. A recorrente parte de uma forma de entendimento do Tribunal Constitucional, acerca do artigo 2 do C.CIV., que já temos ouvido e que, salvo o devido respeito, transmite uma perspectiva que não é a do Tribunal Constitucional cuja concepção, nessa específica matéria, tem de ser sopesada, face ao seu Acórdão com força obrigatória geral n. 743/96, processo 240/94, de 28 de Maio de 1996, publicado no D.R., 1. Série, de 18 de Julho de 1996.
E este Acórdão é tão actual que até foi ao ponto de se reportar à recente reforma processual civil.
Ao contrário do que se tem lido e ouvido, este Acórdão não declarou inconstitucionalidade do normativo viabilizador dos Assentos. "Expressis verbis", só declarou inconstitucionalidade do segmento generalista do artigo 2 do C.CIV., que viabilizava a força obrigatória para fora da orgânica judicial.
Clara e abertamente, esse entendimento constitucional manteve a obrigatoriedade na pirâmide dos Tribunais Judiciais, inclusive o S.T.J., e até que este mesmo emita algo com a mesma força em sentido contrário.
Veja-se esta frase que deveria ser, genericamente, lida e meditada:
"Mas, neste quadro de caracterização normativo-processual do instituto, o facto de os Juízes dos Tribunais integrados na ordem do Tribunal emitente do Assento (até mesmo os deste Tribunal enquanto não se operar a sua reversibilidade) ser imposta a aplicação da doutrina nela contida não apresentará violação da sua independência decisória?
Tem-se por seguro que não".
Decerto a lei poderia, pura e simplesmente ter acabado com a uniformização de Jurisprudência da competência do S.T.J.
E os Juízes deste Supremo, excessivamente assoberbados com processos, com a orgânica e os processamentos que existem, até poderiam ficar menos preocupados. Mas, a clareza e a segurança que resultam dessa uniformização são importantes para os cidadãos e, naturalmente por isso, a uniformização foi mantida, embora se tivesse eliminado a palavra Assento. Só que não é das palavras que o Direito vive, é do seu conteúdo.
E embora o Decreto-Lei 329-A/95 tivesse criado algumas dúvidas - não obstante a clareza do condicionante artigo 7 alínea e) da Lei 33/95, de 18 de Agosto (autorização legislativa) e, ainda, a circunstância objectiva, ilustrativa do pensamento legislativo, demonstrar que não estaria em causa o simples instituto do julgamento por secções reunidas, atenta a revogação do n. 3 do artigo 728 do CPC; certo é que as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, repondo a publicação na 1. Série do D.R. (o que não pode ser aparência de nada) e tornando sempre passível de recurso o não cumprimento da uniformização - artigo 732-B n. 4 e
678 n. 6 do CPC - tudo isto só pode ser a evidência de que fixar e uniformizar Jurisprudência, em Direito, ainda continuam a significar o que a língua Portuguesa indica.
V. Tudo isto leva a que a orientação do aludido Assento continue vinculativa, até que o próprio S.T.J., em tramitação processual adequada e por razões que sejam ponderosas, decida alterar essa doutrina. Mas isso só deverá ser feito perante razões muito firmes, genéricas, sob pena, quando assim não fosse, de se desrespeitar a própria segurança que é a raiz de qualquer uniformização.
Aliás, no caso vertente, o Acórdão de que resultou o Assento 10/94 explica, claramente, a orientação assumida.
IV. Resumindo, para concluir:
1. Através de Acórdão com força obrigatória geral, o Tribunal Constitucional não definiu inconstitucionalidade dos Assentos, mas, apenas do segmento do artigo 2 do C.CIV. que extravasava da ordem judicial.
2. Uniformizar ou fixar Jurisprudência tem o mesmo significado na ordem judicial, até revisão da cada Assento ou nova uniformização de Jurisprudência pelo próprio STJ (não vem ao caso alteração da lei interpretada ou interpretanda).
3. Neste contexto, continua vinculativo, na ordem judicial, o Assento do STJ 10/94, não viabilizando recurso, para o STJ, de Acórdão da 2. instância que revoga saneador-sentença e se limite a mandar prosseguir o processo.
4. Donde, concluindo:
Acorda-se em não tomar conhecimento deste recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 4 de Março de 1997.
Cardona Ferreira.
Aragão Seia.
Herculano Lima.