Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
087445
Nº Convencional: JSTJ00028017
Relator: MIRANDA GUSMÃO
Descritores: HERDEIRO
HABILITAÇÃO
FALTA DE CONTESTAÇÃO
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
Nº do Documento: SJ199509210874452
Data do Acordão: 09/21/1995
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N449 ANO1995 PAG281
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 238
Data: 06/23/1994
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 374 N1 ARTIGO 484 ARTIGO 485.
Sumário : I - Na habilitação de herdeiros não é obrigatória a audição de testemunhas quando não haja oposição.
II - O único facto susceptível de prova testemunhal - os habilitandos serem os únicos herdeiros do falecido - deve ser dado como confessado em resultado da falta de contestação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. Por apenso à acção com processo comum e forma ordinária em que são Réus A e os sucessores da falecida B, C e D, E e mulher F, deduziu a ali autora G o incidente de habilitação de herdeiros por óbito do co-Réu H, ocorrido na pendência daquela acção, em 28 de Março de 1993, contra os requeridos seus filhos C e D e demais Réus sobrevivos E e mulher F, juntando documento comprovativo do invocado parentesco com o falecido H.
Nenhuma oposição foi deduzida pelos requeridos, devidamente citados.
Proferida foi decisão a julgar C e D herdeiros habilitados do falecido A para com eles produzir a acção.
2. A requerida C agravou. A Relação do Porto, por acórdão de 23 de Junho de 1994, negou provimento ao agravo e confirmou a decisão recorrida.
3. A requerida C agravou para este Supremo Tribunal, pedindo a revogação do acórdão recorrido, formulando as seguintes conclusões:
1) A habilitação deduzida é de habilitandos ainda não habilitados por sentença transitada ou por instrumento notarial - escritura pública.
2) A filiação está sujeita a registo obrigatório pelo que só pode ser provada por certidão extraída de um assento.
3) E apenas posiciona os chamados na primeira classe de sucessíveis sem, todavia, definir se para além deles outros há dentro dessa classe e, até, se outra vocação sucessória, nomeadamente a testamentária, não concorrerá com eles. Donde,
4) A prova documental desse vínculo não ser, só por si, bastante, o que, aliás, foi sentido pela requerente agravada que alegou aquela unicidade dos por si habilitandos. Por isso:
5) Está obrigado a prová-lo, o que, então, só depoimentos testemunhais prestados por pessoas reconhecidas e reputadas como de bem possibilitam, tal como, de resto, se depara prescrito na habilitação notarial e no processo especial de justificação da qualidade de herdeiro.
6) A unidade da ordem jurídica imponha o enlace da prova documental com a testemunhal na habilitação ou no reconhecimento da qualidade de herdeiro.
7) Sendo inoperante a falta de oposição pelo interesse dos chamados em serem quantos menos os habilitados maior o quinhão hereditário dos com ele contemplados.
Ali porque
8) Mesmo que haja passivo, sempre a responsabilidade está limitada ao valor dos bens deixados, o que mais reforça o interesse dos chamados, mesmo que não sejam os únicos, em adoptarem a postura do silêncio.
9) Não foram ouvidos quaisquer depoimentos testemunhais no processo, nem nele foram arroladas testemunhas, sendo que só por aqueles é que se retiraria, com segurança, que os habilitandos seriam os únicos sucessores do defunto. Logo
10) Só pela aliança da prova documental com a testemunhal é que se alcança aquela ilação.
11) Ao preferi-la, o Tribunal "a quo" incorreu na omissão de um requisito ou pressuposto essencial na habilitação de herdeiros ainda nunca habilitados.
12) Violou o normalizado nos artigos 371, 373, 374, 1115 e 1116 do Código de Processo Civil, artigos 92, 93 e 95 do Código do Notariado e artigo 342 do Código Civil.
4. A agravada não apresentou contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
Elementos a tomar em conta.
1) Em 28 de Março de 1993 faleceu H.
2) Este faleceu no estado de viúvo de B com quem fora casado, e que por sua vez faleceu em 24 de Julho de 1990.
3) Em 19 de Maio de 1967 teve lugar o nascimento de C, filha de H e de B.
4) Em 30 de Maio de 1969 nasceu D, filho de H e de B.
5) A requerente alegou na petição do incidente que a C e D são os únicos sucessores do falecido H.
III
Questões a apreciar no presente recurso.
A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa pela análise da questão de saber se na habilitação dos ainda nunca habilitados é obrigatória a audição de testemunhas quando não haja oposição.
Abordemos tal questão.
IV
Se na habilitação dos ainda nunca habilitados é obrigatória a audição de testemunhas quando não haja oposição.
1. Posição da Relação e da agravante.
A Relação do Porto decidiu que, por um lado, não há lugar a produção de prova testemunhal quando a habilitação possa ser julgada em face da prova testemunhal existente ou se os factos alegados pelo habilitando pudessem ser considerados confessados.
Por outro lado, a requerente articulou que os requeridos eram os únicos herdeiros do falecido, não tendo este deduzido qualquer oposição razão porque deve tal facto ser havido como confessado - artigo 484 n. 1 do Código de Processo Civil.
Por sua vez, o agravante sustenta que a dignidade da habilitação dos sucessores do defunto e a enorme massa de interesses a mais das vezes gizadas em seu turno impõem o uso da prova documental acompanhada da testemunhal, sendo a conjugação de uma e de outra que define o posicionamento dos sucessíveis e confirma se os eleitos são, na realidade, os primeiros e os únicos que podem ascender à categoria dos seus únicos sucessores o que, evidentemente, a prova documental isoladamente, desacompanhada da testemunhal, não habilita.
Que dizer?
2. A substituição de alguma das partes por sucessão legal (a legitimação - artigos 2026, 2027 e 2156; e a legítima: artigos 2026, 2027 e 2031: e seguintes do Código Civil) ou voluntária (a contratual: artigo 2028; e a testamentária, artigos 2179 e seguintes do Código Civil), processa-se através do incidente previsto nos artigos 371 e seguintes do Código de Processo Civil: enquanto o artigo 372 se refere às regras comuns do processamento do incidente; os artigos 373 e 374 referem-se, respectivamente, à habilitação documental (processo a seguir no caso de a legitimidade já estar reconhecida em documento ou outro processo) e à habilitação ordinária (habilitação no caso de a legitimidade ainda não estar decidida).
A habilitação ordinária deve ser referida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes - artigo 371 n. 1 do Código de Processo Civil.
São partes legitimas neste incidente, como resulta da norma indicada, quer as partes sobrevivas quer os sucessores do falecido.
Certo, porém, que o requerente (sucessor ou não do falecido) pode indicar como sucessores do falecido pessoas que, na realidade, não ocupam essa posição quer por pertencerem a uma classe sucessível que os afasta do chamamento quer por sucessores voluntários existirem mercê de contrato juridicamente relevante ou de testamento.
Para prevenir tais situações o legislador estabeleceu regras gerais quer para a dedução do incidente (ex vi do artigo 302, do Código de Processo Civil, o habilitante tem de oferecer com o requerimento inicial todas as provas, sendo certo que o incidente só admite prova por documentos ou testemunhas) quer para a contestação (deve ser acompanhado pelo rol de testemunhas, sujeito aos limites do artigo 304 n. 1, do Código de Processo Civil, e devem ser oferecidas com ela as outras provas que o contestante queira e possa produzir, provas essas que, além da testemunhal, só pode ser documental, como determina o n. 2 do artigo
372).
Apesar dessas garantias processuais para os requeridos, bem pode acontecer que estes as não utilizem, ou seja, que não contestem o pedido de declaração da qualidade de herdeiros ou sucessores do falecido.
Se não contestarem o pedido de declaração da qualidade de herdeiros ou sucessores o Tribunal observará o preceituado no n. 1 do artigo 374 do Código de Processo Civil, "Não se verificando qualquer dos casos previstos no artigo anterior, o Juiz decide o incidente logo que, findo o prazo de contestação, se faça a produção de prova que no caso couber".
Tal norma tem de ser interpretada no sentido de que à falta de contestação se aplicam os efeitos da falta do articulado denominado "contestação": consideram-se confessados os factos alegados no requerimento inicial, salvo os factos inconfessáveis ou que tenham de ser provados por documento-autêntico ou particular (artigos 484 e 485 do Código de Processo Civil).
Tal resultado interpretativo encontra apoio inequívoco nos trabalhos preparatórios do Código de Processo Civil de 61 (Boletim do Ministério da Justiça n. 122, página 146 e está em conformidade com os ensinamentos de A. dos Reis: defendia que estes princípios eram aplicáveis ao incidente de habilitação (Código de Processo Civil Anotado, volume I, 3. edição, página 593).
Face à interpretação dada ao artigo 374 n. 1 do Código de Processo Civil, a falta de contestação só determinará que o Juiz mande proceder à inquirição das testemunhas oferecidas pelo requerente relativamente aos factos que não puderem ter-se como confessados.
3. Perante as considerações expostas e face à matéria factual fixada pelas Instâncias, haverá que avançar que no presente incidente de habitação não há lugar a inquirição de testemunhas na medida em que o único facto susceptível de prova testemunhal, alegado pelo requerente (os requeridos serem os únicos herdeiros do falecido), é dado como confessado em resultado da falta de contestação (artigos 484 e 485, do Código de Processo Civil).
Conclui-se, assim, que na habilitação dos ainda nunca habilitados não é obrigatória a audição de testemunhas quando não haja oposição.
V
Conclusão.
Do exposto, poderá extrair-se que: "Na habilitação dos ainda nunca habilitados não é obrigatória audição de testemunhas quando não haja oposição".
Face a esta conclusão, em conjugação com os elementos reunidos nos autos, poderá precisar-se que:
1) no presente incidente de habilitação não é obrigatório a audição de testemunhas.
2) o acórdão recorrido não merece censura pois observou o afirmado em 1).
Termos em que se nega provimento ao recurso e, assim, confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pela agravante.
Lisboa, 21 de Setembro de 1995.
Miranda Gusmão,
Sá Couto,
Sousa Inês.
Decisões impugnadas:
Sentença de 15 de Outubro de 1993 de Vila do Conde;
Acórdão de 23 de Junho de 1994 da Relação do Porto.