Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA RESOLUÇÃO DO CONTRATO PERDA DE INTERESSE DO CREDOR | ||
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Nº do Documento: | SJ20070508009321 | ||
Data do Acordão: | 05/08/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | 1) A translação da mora em incumprimento no negócio fixo não absoluto impõe uma interpelação admonitória, com fixação de um prazo suplementar cominatório (peremptório) para a outorga do contrato prometido. 2) O novo prazo deve ser razoável, permitindo ao promitente faltoso algum tempo suplementar e deve ser avaliado de acordo com os princípios da boa fé, da cooperação e do não exercício abusivo do direito. 3) A interpelação admonitória só produz o efeito do nº1 do artigo 808º do Código Civil se intimar à outorga do contrato prometido dentro do prazo fixado, sob pena de se verificar o incumprimento definitivo e a consequente resolução, mas não se basta com a mera intimação para cumprir uma obrigação secundária, acessória ou complementar. 4) A perda do interesse na prestação, sendo também consequência da mora, independe de interpelação cominatória, gerando-se – verificada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de valoração “a se” e perceptíveis por qualquer pessoa – o incumprimento definitivo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: “B... – Sociedade de Exportação, SA” intentou acção, com processo ordinário, contra AA, sua mulher BB e “A...C..., Limitada”. Pediu a condenação dos 1ºs Réus a pagarem-lhe a quantia de 144.044,31 euros e, solidariamente com a 2ª Ré, 78291,45 euros, com juros de mora desde a citação, por incumprimento definitivo de contrato promessa de cessão de quotas em que os 1ºs Réus foram promitentes cedentes e receberam, a titulo de sinal, 14400000$00; que as quantias pedidas equivalem, respectivamente, ao dobro do sinal passado e ao dispendido no interesse da 2ª Ré, titular das quotas. Na 2ª Vara Cível da Comarca do Porto foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e provada nestes termos: “1- Declaro resolvido por facto imputável aos réus AA e BB o contrato promessa junto a fls. 18 a 22, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e consequentemente, condeno os mesmos réus a pagarem à autora a quantia de 144.044,31 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-os do outro pedido contra eles formulado pela mesma autora. 2- Condeno a ré A...C..., Lda. a pagar à mesma autora, a quantia de 28.411,66 euros, e ainda a que se vier a liquidar em execução de sentença, relativamente, ao montante da despesa referida em 16 da matéria provada, ambas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.” Os réus apelaram para a Relação do Porto que confirmou a sentença recorrida. A ré BB pede revista formulando longas e fastidiosas conclusões (em número de 60!!) as quais assim se sintetizam: - Não há lugar à resolução do contrato promessa; - As cartas enviadas pela Autora não contém uma interpelação admonitória com prazo razoável; - Nem resulta assente que a Autora tivesse perdido interesse no negócio; - Não ocorreu, pois, incumprimento definitivo; - A mora não foi convertida em incumprimento; - A resolução viola o disposto no artigo 808º do Código Civil. Contra alegou a recorrida em defesa do julgado. As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto: 1- Autora e réus outorgaram, em 1 de Setembro de 2000, o contrato-promessa de cessão de quotas junto a fls. 18 a 20, cujos termos aqui se dão por reproduzidos. 2- Em 21 de Dezembro de 2000, outorgaram o aditamento ao contrato-promessa junto a fls. 21 e 22, aqui dado por reproduzido, nos termos do qual foram alteradas as cláusulas 1ª, 2ª e 7ª do contrato supra referido. 3- A ré sociedade era arrendatária de parte do rés-do-chão e do 1º andar do prédio sito nas Ruas do Bonjardim, nºs .../..., e Sá da Bandeira, nºs .../..., no Porto (Prédio da Brasileira). 4- Nessa qualidade foi-lhe oferecido o exercício do direito de preferência na venda do edifício pelo preço de Esc. 550.000.000$00. 5- A ré manifestou ao senhorio, em 18/08/2000, a intenção do exercício do direito de preferência. 6- À autora interessava o controlo absoluto da 2ª Ré para poder desenvolver um projecto imobiliário inerente à transmissão do Prédio da Brasileira. 7- O direito de preferência para a aquisição do Prédio da Brasileiro foi exercido pela 2ª ré, por licitação efectuada em 13/12/2000, no âmbito da acção especial de notificação para o exercício do direito de preferência, que, com o nº 884/00, correu termos na 3ª Secção da 7ª Vara deste Tribunal. 8- Essa licitação foi efectuada pelo preço de Esc. 651.000.000$00. 9- Por escritura pública de 15/02/2001, outorgada no 6º Cartório Notarial do Porto, foi outorgado o contrato de compra e venda do Prédio da Brasileira – doc. de fls. 23 a 30. 10- A autora enviou aos réus a carta registada com a.r. datada de 21/06/2001 e junta a fls. 33, cujos termos aqui se dão por reproduzidos. 11- A escritura pública que foi marcada pela autora para o dia 4/07/2001, pelas 10 horas, no Cartório Notarial de Estarreja, não foi outorgada em virtude de os réus não terem comparecido. 12- A autora enviou aos réus a carta registada com a.r. datada de 13/09/2001 e junta a fls. 39 a 41, cujos termos aqui se dão por reproduzidos. 13- No âmbito do contrato promessa, a autora entregou aos 1ºs réus as seguintes quantias: a) Esc. 5.000.000$00 (24.939,89 euros) em 21/12/2000, a titulo de sinal. b) Esc. 5.000.000$00 (24.939,89 euros) em 31/01/2001, a titulo de reforço de sinal. c) Esc. 1.100.000$00 (5.486,78 euros) em 24/04/2001, e iguais montantes em 11/05/2001, em 6/06 e 28/06/2001, a titulo de reforços de sinal. 14- A escritura supra referida em 9 foi outorgada após várias diligências efectuadas pela Autora depois de 21/12/2001, e foi ela quem preparou, obteve e custeou todos os documentos necessários a essa escritura, e quem pagou os custos notariais. 15- A autora pagou diversas despesas de energia eléctrica, água e saneamento, e recebeu rendas dos diversos inquilinos do prédio, resultando desses pagamentos e recebimentos um saldo a seu favor de 28.411,66 euros. 16- A autora terá de pagar honorários por estudos, projectos e patrocínio judicial que assumiu em favor da 2ª Ré. 17- Os Réus não apresentaram até 31/01/2001, nem posteriormente o balanço que reflectisse a situação económica da 2ª ré, não apresentaram certidões comprovativas ou da regularização da quantificação das dividas ao sector público estatal, e tais elementos eram essenciais para a escritura de cessão de quotas. 18- Várias vezes ao longo dos meses de Janeiro a Junho de 2001, a autora pediu ao réu marido a entrega desses documentos, e aquele réu respondia sempre que era o contabilista que tinha os serviços atrasados. 19- A autora abordou o contabilista dos réus que a informou que a contabilidade já não era efectuada há vários anos em virtude de os réus não entregarem os documentos nem lhe pagarem os honorários. 20- Pretendia apresentar na CM do Porto os projectos para remodelação e restauração do Prédio da Brasileira assim que fosse outorgada a escritura, e os atrasos dos réus impediram que a autora cumprisse os prazos estabelecidos na escritura de compra e venda, designadamente a restauração de parte das instalações onde funcionou a “Brasileira” até 31/12/2001. 21- Os 1ºs Réus não organizaram a contabilidade da 2ª Ré e não apresentaram as declarações de IRC e de IVA nos anos de 1998, 1999 e 2000. 22- Á autora apenas interessava a aquisição das quotas depois do conhecimento fiscal e económico da 2ª Ré. 23- Os 1ºs Réus não responderam à carta supra referida em 10, não apresentaram o balanço que reflectisse a situação económica da 2ª Ré, não apresentaram certidões comprovativas da regularização da quantificação das dividas ao sector público estatal e não compareceram à escritura. 24- As despesas supra referidas em 15 e 16 foram efectuadas pela Autora a favor e no interesse da 2ª Ré, que delas beneficiou e enriqueceu o seu património à custa da autora. 25- A 2ª Ré não tinha possibilidades de, apenas com os seus próprios recursos, adquirir o imóvel. 26- No processo supra referido em 7, a 2ª Ré agiu de acordo com as instruções dadas pelas Autora. 27- O gabinete de contabilidade que fazia a escrita recebeu instruções para fechar a contabilidade da 2ª Ré de modo a ser apurada a respectiva situação económica, financeira e fiscal. 28- Foi o 1º Ré marido quem, após ter sido notificado pela proprietária do Prédio da Brasileira para o exercício de direito de preferência por parte da 2ª Ré, da sua intenção de venda do imóvel, através de mediador imobiliário, contactou a autora, propondo-lhe a aquisição do imóvel. 29- Como era necessário que fosse a 2ª ré a adquirir o imóvel os 1ºs Réus propuseram-se a vender a participação social que detinham na 1ª Ré, e foi nesse contexto que foi outorgado o contrato promessa. 30- Quando foi outorgado já a 2ª Ré tinha comunicado à proprietária do imóvel a sua intenção de exercer o direito de preferência, e a conta bancária aberta em nome da 2ª Ré, destinou-se a suportar os elementos contabilísticos documentados a fls. 31 e 32. Resulta, ainda – e explicitando o teor dos documentos citados constar do contrato-promessa: “7º (redacção dada pelo aditamento de 21/12/2000) Os promitentes cedentes declaram que a sociedade A...C..., Lda. tem a situação económica de um balanço que se comprometem a apresentar até 31 de Janeiro de 2001 e, por isso, dizem o seguinte: (…) b) Será da conta da promitente cessionária a regularização das dívidas da Sociedade ao Sector Público Estatal (Segurança Social, Finanças, IVA) (…) até ao montante de 20.000.000$00 (…). § primeiro – Se o montante das dividas ultrapassar esse valor, os promitentes cedentes obrigam-se a provisionar as contas da sociedade com as verbas necessárias para o efeito, até à realização da dita escritura de cessão de quotas; § segundo – Se, na data dessa escritura não se mostrarem pagas as quantias em divida, deverão, pelo menos estar quantificadas, mediante comprovativo a emitir pelos organismos competentes. (…) 10º A escritura de cessão de quotas será efectuada no prazo de 60 dias, após a sociedade tomar posse efectiva do prédio objecto do aludido direito de preferência. § único – A cessão de quotas será efectuada a favor da promitente cessionária ou da pessoa ou pessoas que os mesmos venham a indicar até 5 dias antes da realização da escritura.” - A carta remetida pela autora aos réus, em 21/06/2001 é deste teor: “Foi contratualmente estabelecido que nos seria apresentado, até 31 de Janeiro, p.p., o balanço que reflectisse a situação económica da empresa A...C..., Lda. e que, durante o mês de Fevereiro de 2001, seria realizada a escritura prometida. Até ao presente e não obstante os nossos insistentes pedidos e as vossas constantes promessas, ainda não foi apresentado o balanço referido, nem foi feita qualquer prova de regularização ou quantificação das dívidas do Sector Público Estatal. Assim, vimos conceder-lhes um último prazo, até ao dia 29 do corrente mês de Junho, para nos apresentarem o referido balanço, sob pena de, não o fazendo, perdermos interesse no cumprimento do contrato em causa. Informamos, também, que prevendo a entrega do balanço referido, bem como dos comprovativos da regularização, ou quantificação, das dívidas ao Sector Público, marcamos para o dia 4 de Julho próximo, às 10 horas, no Cartório Notarial de Estarreja, a escritura das cessões de quotas prometidas.” - A carta remetida em 13/09/2001 tem tese teor: “ (…) Face a tudo o que antecede, perdemos definitivamente o interesse na realização do contrato prometido, pelo que, desde já, declaramos resolvido o contrato promessa referido em epígrafe, imputando-vos todas as consequências do não cumprimento.” Foram colhidos os vistos. Os dois únicos pontos a decidir, resultante da delimitação do âmbito do recurso feita pela recorrente, são a existência de incumprimento por válida e eficaz, conversão da mora e se está verificada a perda de interesse no negócio por parte da recorrida. Conhecendo, 1- Resolução do contrato-promessa. 2- Perda de interesse do credor. 3- Conclusões. 1- Resolução do contrato de promessa. 1.1- Como princípio, a resolução do contrato promessa, quer por consenso, quer “ope legis”, erradica-o “ex tunc”, mau grado o facto que a origina ocorrer após a sua celebração. O direito à resolução é potestativo e tem na base o incumprimento, efectivando-se, como regra, por declaração recepticia do contraente cumpridor ao contraente faltoso, nos termos conjugados dos artigos 224º nº 1 e 436º nº 1 do Código Civil. Terá na sua origem uma situação de incumprimento transitório – ou mora – traduzido na não realização da prestação no prazo acordado, e ao qual, portanto, o devedor se vinculou, mas cujo cumprimento ainda será possível. A obrigação só se considera definitivamente não cumprida ocorrendo uma das três situações: se o devedor fizer uma declaração, clara, inequívoca e peremptória que não cumprirá o contrato; se, e existindo mora, o devedor não cumprir no prazo, razoável, que o credor, mediante interpelação, lhe fixar; se, em consequência da mora, o credor perder o interesse na prestação. Muito brevemente – e por não relevar na economia desta decisão – dir-se-á, quanto à primeira causa, que se impõe “que o renitente emita uma declaração séria, categórica e que não deixe que subsistam quaisquer dúvidas sobre a sua vontade (e propósito) de não outorgar o contrato prometido”. (cf. o Acórdão do STJ – desta mesma conferência – de 5 de Dezembro de 2006 – 06 A3914 – onde, ainda, se refere que essa causa “tem de ser expressa por uma declaração absoluta e inequívoca de repudiar o contrato” e se citam, em abono desta tese, o Dr. Brandão Proença, in “Do Incumprimento do Contrato Promessa”, 91e “inter alia” os Acórdãos do STJ de 7/3/91 – BMJ 405-456, de 28/03/2006 – Pº 327/06-1ª e de 18/04/2006 – Pº 844/06). Com este breve apontamento, deixemos a figura do “anticipatory breach of contract”. 1.2- A interpelação admonitória (ou cominatória) consiste na fixação de um prazo razoável, podendo até ser marcada nova data para a escritura, e, nesse acto de fixação, ser estabelecida a cominação da resolução automática do contrato. Coenvolve uma intimação de cumprimento, a fixação de um termo peremptório e uma declaração de que a obrigação padecerá de incumprimento definitivo, se não cumprida dentro do novo prazo fixado. Para que possa validar-se esta interpelação impõe-se uma de duas condições: que o prazo fixado “ab initio”não tenha sido clausulado, expressa e inequivocamente, como prazo fatal; que tenha havido um retardamento da prestação. Impõe-se ainda que o novo prazo fixado – que não se confunde nem acresce ao termo inicial – seja razoável, isto é, estabelecido em coerência com os princípios da boa fé, da cooperação dos contraentes e do não exercício abusivo do direito. Na primeira das condições o prazo tem a ver com a finalidade da obrigação, nos termos em que foi firmada, o que acontece nos negócios fixos absolutos e o seu decurso é gerador da caducidade do contrato, já que o objectivo proposto não pode ser alcançado com a prestação ulterior. O retardamento (mora) implica que, perante um negócio fixo não absoluto (“usual, relativo ou simples” – RLJ 110-326-327) o devedor se atraze culposamente (aqui, a culpa é de presumir – nº 1 do artigo 799º CC) mas a prestação ainda é possível, sendo que o devedor em “mora solvendi” continua obrigado à satisfação da prestação. E é por não se compreender que a mora se mantenha por tempo indefinido que a lei (artigo 808º nº1) dá ao credor a faculdade de estabelecer um prazo suplementar, agora, sim, peremptório. 1.3.1- “In casu”, resulta da matéria de facto estarmos perante um negócio fixo não absoluto (isto é, sem prazo fatal) em que a escritura de cessão de quotas seria outorgada “no prazo de 60 dias, após a sociedade tomar posse efectiva do prédio objecto” do direito de preferência, o que foi clausulado em 21 de Dezembro de 2000, sendo que à autora deveriam os réus apresentar o balanço da “A...C..., Lda.” até 31 de Janeiro de 2001. A escritura do contrato de compra e venda do prédio foi outorgada em 15 de Fevereiro de 2001. Em 21 de Junho de 2001 a Autora pediu o balanço aos réus, fixando o dia 29 do mesmo mês para a sua entrega, declarando perder o interesse no negócio, e marcou escritura para o dia 4 de Julho seguinte, à qual os réus não compareceram. Por carta de 13 de Setembro de 2001 comunicaram os réus a resolução do contrato por terem perdido “definitivamente o interesse na realização do contrato prometido”. Foi, ainda provado que várias vezes, entre Janeiro e Junho de 2001, a autora pediu ao réu marido a entrega dos documentos contabilísticos da 2ª ré e que o contrato só interessava à autora depois de conhecer a situação económica e fiscal desta ré. 1.3.2- Pode concluir-se que os Réus incorreram em mora, na modalidade de significativo atraso na prestação. E a carta de 21 de Junho, a designar a escritura para o dia 4 de Julho, integra uma declaração resolutória, sendo que o prazo fixado não se afigura desrazoável, tanto mais que vinha insistindo, há vários meses, pela entrega de elementos permissivos a realização do contrato definitivo, isto é a situação arrastava-se desde Janeiro, não parecendo abusivo que o novo prazo para a escritura fosse fixado em 12 dias. Mas duas objecções se podem opor. A primeira é que o prazo cominatório nos termos constantes da carta não se reportou expressamente à realização do contrato prometido mas à entrega do balanço. Ora como julgou este STJ no Acórdão de 6 de Fevereiro de 2007 – 06 A4749 – desta mesma conferência, “o prazo cominatório destina-se (e é fixado para) à celebração do contrato prometido, que não para o cumprimento de quaisquer outras obrigações acessórias ou complementares que integrem o “iter” negocial”. Daí que a interpelação admonitória deva dirigir-se à celebração do contrato prometido e não à satisfação de compromissos laterais. É evidente que não se desconhece que a importância de certos deveres secundários (acessórios da obrigação principal) cujo incumprimento pode conduzir ao incumprimento do “majus” (cf. v.g. o Acórdão do STJ de 16/12/93 – CJ/STJ I, 3, 185). Trata-se, porém, de situações que contribuem, embora decisivamente, para o retardamento sendo que o incumprimento em si mesmo, embora com o seu imprescindível contributo, deve ser apreciado, conhecido e tratado autónomamente e não colocar nele a tónica do incumprimento final. Isto é, verificada a mora culposa do promitente faltoso o contraente fiel deve proceder a interpelação admonitória (com a fixação do aludido prazo suplementar peremptório) para a outorga do contrato prometido (sendo que esse cumprimento já pressupõe a satisfação dos deveres acessórios) que não para o cumprimento de deveres secundários. A segunda objecção é que a interpelação deve conter a cominação expressa da resolução do contrato. Não pode tergiversar num plano de equivocidade, deixando o devedor na dúvida se está ou não perante um prazo peremptório gerador do termo do contrato. Daí que a carta de 21 de Junho de 2001 só possa subsistir como interpelação admonitória feito o apelo à interpretação do expectável pelo declaratário, nos termos do nº 1 do artigo 236º do Código Civil. Assim decidiu a Relação. Mas discorda-se já que se a interpelação não contém – clara e inequivocamente – a determinação de celebrar contrato prometido com a cominação de incumprimento definitivo (gerador da resolução) sendo que, outrossim, a nota cominatória se reporta à apresentação de certos documentos que mais não são do que uma obrigação acessória. Se um declaratário normal não se vê posto perante uma interpelação destinada ao cumprimento do contrato prometido, mas, e em primeira linha, se lhe se coloca a questão da obrigação secundária sem, sequer, lhe cominar a inércia, e, claramente, com a resolução, não há eficaz notificação admonitória. 2- Perda de interesse do credor. Precisando o disposto no nº 1 do artigo 808º do Código Civil, e como acima se acenou, a perda do interesse do credor, sequente à mora do devedor cria uma situação de incumprimento paralela ao não acatamento da interpelação admonitória. Daí que este preceito coloque essas situações em alternativa (“… perder o interesse que tinha na prestação ou esta não for realizada…”). São duas realidades distintas, já que se é fixado um prazo suplementar é porque ainda há interesse na prestação; desaparecido este a inexecução existe desde logo. O único elemento comum é a mora, pois é este atraso que provoca ou o desinteresse ou a fixação de prazo suplementar fatal para cumprir. Na situação em apreço a autora declarou a perda de interesse se não fosse satisfeita uma condição de trânsito – entrega de um balanço – e interpelou os réus para o satisfazerem. Se como vimos tal não pode valer como interpelação admonitória para resolução, pois que não condiciona a cominação com a não outorga do contrato definitivo mas com mero acto de trânsito, pode sim valer como dar conhecimento da essencialidade dos documentos, sob pena de se verificar a perda do interesse. E tal afirmação – agora já definitiva – da irrelevância intempestiva da prestação surge na segunda carta de 13 de Setembro de 2001, em que é reafirmada a perda de interesse e imputado o incumprimento aos Réus. Resta, finalmente, aferir da ocorrência efectiva – e objectiva – da perda de interesse, geradora do direito potestativo à resolução do contrato. Decidimos no citado Acórdão de 6 de Fevereiro de 2007: “Na expressão do Acórdão do STJ de 15 de Outubro de 2002 (CJ/STJ, 111, 92) exige-se “uma perda subjectiva do interesse com verificação objectiva”. A demonstração tem de ser concreta – objectiva – não sendo suficiente a mera alegação do credor nesse sentido. É que o direito de resolução terá de ser aferido em termos de razoável normalidade negocial, com apego aos princípios de honestidade no trato contratual não dependendo de meros caprichos ou impulsos de ocasião. A perda de interesse não é um mero “não quero” mas tem de se fundar numa causa objectiva que o cidadão comum possa apreender e compreender. Como se diz no Acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Dezembro de 2003, “não basta o juízo valorativo arbitrário do próprio credor antes aquela (falta de interesse) há de ser apreciada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz).” – 03B3697. E tenha-se presente que a perda do interesse tem de resultar da mora, isto é, de relevante retardamento da prestação. (cf. para maior desenvolvimento, o Prof. Baptista Machado – “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in “Obras Dispersas” I, 1991, 137/146; Prof. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 5ª ed, 898, Prof. A. Varela – RLJ 118-55 – referindo o “Kein interesse”).” Ora, verificando-se ter-se provado que “à autora apenas interessava a aquisição das quotas depois do conhecimento fiscal e económico da 2ª ré” (nº 22), que os réus nunca lhe forneceram esses elementos mau grado sucessivos pedidos da autora (nºs 17 e 18) e que nem sequer responderam à carta em que a autora lhe fez a imposição de entrega dos elementos contabilísticos (nº 23), é objectiva a verificação da falta de interesse em prosseguir a negociação dirigida ao contrato prometido, o qual, de acordo com os princípios da cooperação, da honestidade e da boa fé contratuais, deveria estar informado com os elementos contabilísticos que o justificavam, não sendo do interesse da autora a sua celebração sem os mesmos. Ademais o próprio contabilista dos réus informara a autora de que a contabilidade da 2ª ré “já não era efectuada há vários anos em virtude dos réus não entregarem os documentos nem lhe pagarem os honorários” (nº 19). Pode assim concluir-se que a perda do interesse se funda numa causa objectiva e perceptível pelo cidadão comum. Improcedem, assim, os argumentos da recorrente. 3- Conclusões. Pode, assim, concluir-se que: a) A translação da mora em incumprimento no negócio fixo não absoluto impõe uma interpelação admonitória, com fixação de um prazo suplementar cominatório (peremptório) para a outorga do contrato prometido. b) O novo prazo deve ser razoável, permitindo ao promitente faltoso algum tempo suplementar e deve ser avaliado de acordo com os princípios da boa fé, da cooperação e do não exercício abusivo do direito. c) A interpelação admonitória só produz o efeito do nº1 do artigo 808º do Código Civil se intimar à outorga do contrato prometido dentro do prazo fixado, sob pena de se verificar o incumprimento definitivo e a consequente resolução, mas não se basta com a mera intimação para cumprir uma obrigação secundária, acessória ou complementar. d) A perda do interesse na prestação, sendo também consequência da mora, independe de interpelação cominatória, gerando-se – verificada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de valoração “a se” e perceptíveis por qualquer pessoa – o incumprimento definitivo. Nos termos expostos, e ainda que com motivação distinta do Acórdão recorrido, acordam negar a revista. Custas pela recorrente. Supremo Tribunal de Justiça, 8 de Maio de 2007 Sebastião Póvoas (relator) Moreira Alves Alves Velho |