Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01A3861
Nº Convencional: JSTJ00042896
Relator: ALÍPIO CALHEIROS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
EXECUÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: SJ200203190038616
Data do Acordão: 03/19/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 683/01
Data: 06/04/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
DIR CIV - DIR REAIS / DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 1424 N1.
DL 268/94 DE 1994/10/25 ARTIGO 1 N2 ARTIGO 6 N1.
Sumário : Porque a imposição legal do locatário financeiro da obrigação de pagar as despesas do condomínio não exonera o proprietário da fracção autónoma, é este, parte legítima na execução movida pela administração do condomínio para obter o pagamento da respectiva quota parte
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Por apenso à execução que lhe foi movida pelo Condomínio do Edifício A, a B - Sociedade de Locação Financeira, S.A. deduziu embargos de executado, alegando para tanto, que é parte ilegítima, em virtude de ter celebrado um contrato de locação financeira com a também executada "C - Investimentos e Serviços Imobiliários, S.A.", sendo esta quem responde pelo pagamento dos encargos do condomínio, por força das normas que regem esse tipo de contratos, ilegitimidade essa que também resulta de a ora embargante não constar no título dado à execução

O embargado contestou, dizendo em resumo que a embargante não pode invocar a sua relação contratual de natureza obrigacional, por ser vinculativa "inter partes", sendo certo que a existência desse contrato - que não lhe foi comunicado pela embargante e do qual só veio a ter conhecimento após ter requerido uma certidão da conservatória do registo predial - não liberta a ora embargante das obrigações que emergem da sua qualidade de condómino.
Alegou ainda que em caso de incumprimento da locatária, a embargante/condómina terá que assumir as suas responsabilidades.
O despacho saneador julgou a embargante parte ilegítima, absolvendo-a da instância.
Inconformada com esta decisão, dela recorreu a embargada, tendo o Tribunal da Relação do Porto dado provimento ao recurso, julgando a embargante parte legítima.
A embargante, discordando desta decisão interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal, concluindo as suas doutas alegações pela forma seguinte:
1) Ao regime geral da propriedade horizontal (art. 1424°, n. 1 do Cód. Civil) sobrepõe-se um REGIME EXCEPCIONAL, para as situações também elas excepcionais, da LOCAÇÃO FINANCEIRA.
2) Este regime excepcional resulta do art. 10°, n.º 1, al. b) do DL 149/95, de 24/Junho com a redacção que lhe foi dada pelo DL 265/97, de 2/Outubro e que afasta para os casos de locação financeira o regime geral do Cód. Civil.
3) E é precisamente este regime excepcional, que prevê especificamente o tipo de situações como a dos autos, que torna a recorrente parte ilegítima na execução, responsabilizando a locatária (executada C).
4) Acresce que toda esta situação estava devidamente registada e logo publicitada, como é obrigatório de acordo com o regime previsto no art, 2°, n° I, al. I) do Cód. Registo Predial.
5) OBRIGAÇÃO DE REGISTO ESTA, QUE SÓ VEM CONFIRMAR QUE O REGIME PREVISTO ART. 10°, N°1, AL. H) do DL 149/95, de 24/Junho com a redacção que lhe foi dada pelo DL 265/97, de 2/Outubro tem aplicação erga omnes.
6) Uma vez que este registo é largamente anterior no tempo ao momento da realização das assembleias de condóminos, não é invocável qualquer desconhecimento desta situação por parte do recorrido.
7) Os títulos executivos invocados são as actas n.ºs. 3 e 8 que são juntas na acção executiva como Docs. 2 e 3.
8) Quando o DL 268/94 de 25/Outubro refere que a Acta da reunião da Assembleia de Condomínios serve de título executivo contra o proprietário, parte do pressuposto que o proprietário tenha que pagar tais despesas, o que por força do referido art. 10.º, n.º 1, al. b) não é o caso da recorrente.
9) A recorrente por força deste artigo da lei está dispensada de tal pagamento que fica a cargo do locatário
l0) Com isto conclui-se que O RECORRIDO NÃO TEM QUALQUER TÍTULO QUE O TORNE CREDOR DA RECORRENTE, nos termos do art. 46°, al. d) do Cód. Proc. Civil, conjugado com o art.º 6°, n° 1 do DL 268/94 de 25/Outubro.
11) Logo, a recorrente é por estas razões parte ilegítima na execução.
A embargante por seu lado defende a confirmação da decisão impugnada.
Corridos os vistos cumpre decidir.
O Tribunal da Relação deu como provados os seguintes factos:
1 - A embargante é proprietária das fracções autónomas designadas pelas letras "A", "B", "C", "D", "E", "F", "G", "H", "I" "1" "L" "K" "M" "BJ" "BK" "BL " "BM" "BN" "BO" "BP" "OE" "OF" "OG" "OH" "Ol" "O1" "OK" "OL " "OM" "ON" "00" "OP" "OQ", "OR", "OS" e "OT', cuja soma de permilagem totaliza 75,9080 do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal denominado "Edifício A", sito na freguesia de Massarelos, Porto ( doc. fls. 6 a 90, junto aos autos principais, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido );
2 - Por contrato celebrado em 30 de Dezembro de 1997, a embargante deu de locação financeira à executada "C - Investimentos e Serviços imobiliários, S.A." as referidas fracções, nos termos e condições constantes do documento de fls. 8 a 17, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido;
3 - Pela Ap.28, de 12/2/98, foi inscrita a favor da sociedade "C" o direito emergente desse contrato de locação financeira, tendo pela Ap. 26, da mesma data, sido inscrita a aquisição das fracções a favor da embargante ( doc. fls. 6 a 90);
4 - No dia 6 de Abril de 1999 reuniu a assembleia geral ordinária dos condóminos do edifício "A", na qual esteve presente a executada "C", tendo sido aprovado o orçamento para o ano de 1999, no valor de 50033145 escudos (doc. fls. 91 a 96, junto aos autos principais, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido);
5 - Em função da permilagem atribuída às aludidas fracções, competiria o pagamento da importância anual de 3797916 escudos;
6 - No dia 13 de Dezembro de 1999, reuniu a assembleia geral extraordinária dos condóminos do edifício "A", tendo sido deliberado reduzir para 45269267 escudos o orçamento para 1999 (doc. fls. 98 a 106, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido), cabendo às fracções dos autos a importância de 3610586 escudos, importância esta que se encontra em débito;
7 - Nas actas das referidas assembleias de condóminos não consta o nome da ora embargante, tendo sido a executada "C" quem esteve presente na assembleia de 6/4/99 (e ausente na extraordinária).
A matéria de facto indicada não é posta em causa pela Recorrente, não há motivo para a alterar , nos termos do disposto nos artigos 729, n.º 2, e 722, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, nem se verificam circunstâncias que justifiquem se ordene a sua ampliação, nos termos do disposto no n.º 3, do citado artigo 729.
Impõe-se assim a este Supremo Tribunal nos termos do disposto no artigo 729, n.º 1, do Código de Processo Civil).
É, pois, com base nela que deve resolver-se a única questão posta nas conclusões das alegações da Recorrente, sabido que estas delimitam o objecto do recurso, nos termos dos artigos 684, n.º 3 e 690, números 1e 3, do Código de Processo Civil, já que o Supremo Tribunal de Justiça, fora dos casos previstos na lei, apenas conhece de matéria de direito, nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 1, da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, qual seja a de determinar se o proprietário de fracções autónomas dadas em locação financeira é parte ilegítima em execução contra ele movida para pagamento das despesas do condomínio.
Na primeira instância entendeu-se que o condómino, naquelas circunstâncias, é parte ilegítima, com o fundamento de que, impondo o artigo 10.º, n.º 1, b), do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 265/97, de dois de Outubro, ao locatário financeiro, no caso de locação de fracção autónoma, a obrigação de pagar as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum, isso significava que dessa obrigação estava liberto o locador financeiro.

No fundo defende-se que no caso de contratos de arrendamento com estipulação da obrigação do pagamento da quota parte das despesas comuns por parte do locatário, a obrigação, por resultar de estipulação entre as partes, não vincula os demais condóminos, enquanto na locação financeira, por resultar da lei, aquela obrigação já é vinculativa.

Por seu lado o Tribunal da Relação decidiu-se pela legitimidade passiva do locador financeiro defendendo que as disposições dos artigos 1424, n.º 1, do Código Civil, que impõe aos condóminos a obrigação do pagamento das despesas comuns e do artigo 10.º, n.º 1, b), do Decreto-Lei n.º 149/95, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 Outubro, não colidem entre si por terem natureza diferente.

A primeira tem natureza real, vinculando "erga omnes" dada a conexão funcional entre a obrigação direito real - é obrigado quem é titular do direito real, - a segunda reveste natureza obrigacional, vinculativa inter - partes.
Entendemos que, independentemente da qualificação jurídica a atribuir à obrigação do pagamento de despesas comuns por não condóminos, arrendatário ou locatário financeiro, a solução não pode deixar de ser a de responsabilizar o condómino (se só ele ou também o arrendatário ou o locatário financeiro é problema que não tem de ser aqui e agora apreciado).
Na verdade a sua obrigação de pagamento despesas comuns resulta tanto do disposto no art.º 1424, do Código Civil, como do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, sendo certo que o número dois do artigo 1.º, deste diploma, estatui que "as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções".
Isto é os preceitos legais atinentes, mesmo sabendo-se que o ordenamento jurídico já impõe, directamente ou por estipulação das partes, a obrigatoriedade de os locatários suportarem as despesas do condomínio, não exonera da sua obrigação os proprietários locadores.
Nem podia ser de outra maneira.
Com efeito as despesas do condomínio têm muito a ver com a manutenção, conservação e reparação dos imóveis.
Nesta perspectiva o proprietário é o principal interessado em que essas despesas se realizem e daí que a lei lhe imponha, em primeira mão, o dever de contribuir para essas despesas.
Por outro lado se se aceitasse o princípio de que, havendo um outro responsável pelo despesas comuns, para além do proprietário condómino, este ficaria liberto daquele dever, isso seria colocar, em muitos casos, em situação difícil ou mesmo irremediável, a administração do condomínio.
Basta equacionar as hipótese de os arrendatários ou locatários financeiros não cumprirem aquelas obrigações ou estarem impossibilitados de mesmo coercivamente as cumprirem.
O próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.º 268/94, já referido, esclarece que "as regras aqui consagradas....... têm o objectivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros". E a eficácia do regime da propriedade horizontal e respectiva administração passa por continuar a responsabilizar os condóminos pelas despesas comuns, independentemente de igual responsabilidade para com ele ou mesmo para com o condomínio caber a terceiros.

Entende-se, pois, que o condómino de fracção autónoma, dada em locação financeira, é parte legítima na execução contra ele movida pela administração do condomínio a fim de obter o pagamento das despesas comuns proporcionais à quota parte da respectiva fracção.
Nestes termos e pelas razões expostas nega-se a revista confirmando-se o aliás douto acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 19 de Março de 2002
Alípio Calheiros,
Azevedo Ramos,
Silva Salazar.