Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P2150
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDO FRÓIS
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO
DIREITO AO RECURSO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Nº do Documento: SJ200809030021503
Data do Acordão: 09/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO RECURSO
Sumário :
I - Tem sido entendimento jurisprudencial deste STJ o de que o recurso se rege pela lei em vigor à data da decisão recorrida ou, pelo menos, da sua interposição, pois o direito ao recurso só surge com a prolação da respectiva decisão (cf. Acs. de 23-11-2007, Proc. n.º 4459/07 - 5.ª, e de 30-04-2008, Proc. n.º 110/08 - 5.ª – este citando José António Barreiros, in Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, 1997, I, pág. 189: «…em matéria de recursos, o problema da lei aplicável à prática dos actos processuais respectivos haverá de encontrar-se em função da regra geral – a da vigente no momento do acto – e não em função de um critério especial, pelo qual se atenda à lei vigente no momento da interposição do recurso a qual comandaria inderrogavelmente toda a tramitação do recurso»).
II - Também Germano Marques da Silva parece concordar com tal interpretação pois, para ele, a excepção da não aplicação imediata da lei nova só se impõe «quando desta resultar, no caso concreto, diminuição do direito de defesa do arguido, frustrando as expectativas de defesa relativamente à admissibilidade de certos actos de defesa que ficariam prejudicados pela aplicação imediata da lei nova».
III - Como diz Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal, I, págs. 62-63), do princípio geral da aplicação da lei processual no tempo, segundo o qual a lei aplicável é a vigente no momento em que o acto processual foi ou é cometido, resulta que se um processo terminou no domínio de uma lei revogada o mesmo mantém pleno valor; se o processo se não iniciou ainda, embora o facto que constitua o seu objecto tenha sido cometido no domínio da anterior legislação, é-lhe inteiramente aplicável a nova legislação; e, se a lei nova surge durante a marcha do processo, são válidos todos os actos processuais realizados de harmonia com a lei anterior, sendo submetidos à nova lei todos os actos ulteriormente praticados.
IV - Em matéria de recursos tal significa, em conjugação com o princípio jurídico-constitucional da legalidade, que a lei nova será de aplicar imediatamente, sem embargo da validade dos actos já praticados, a menos que por efeito da aplicação da lei nova se verifique um agravamento da situação do arguido ou se coloque em causa a harmonia e unidade do processo. Assim, a lei nova é aplicável a todos os actos processuais futuros, com a ressalva imposta pelas als. a) e b) do n.º 2 do art. 5.º. É esta a orientação que este Supremo Tribunal tem assumido, de forma pacífica (cf. Ac. de 20-02-2008, Proc. n.º 4838/07 - 3.ª).
V - Integrando o recurso e o respectivo direito de interposição um direito fundamental do arguido, se a lei nova lhe retirar um grau de recurso – para o STJ – que em abstracto lhe assistia face ao regime processual anterior, é de admitir o recurso interposto (Ac. do STJ de 05-03-2008, Proc. n.º 100/08).
VI - O recurso penal – que consta do art. 2.º do protocolo n.º 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovado, para ratificação, pela Resolução da AR n.º 22/90, de 27-09, e ratificado pelo Decreto do PR n.º 51/90 – é um dos direitos fundamentais do arguido, com consagração no art. 32.º, n.º 1, da CRP (após a 4.ª revisão constitucional), pelo que há que salvaguardar sempre a existência de um duplo grau de jurisdição (o que não é a mesma coisa que um duplo grau de recurso).
VII - Na verdade, o TC tem decidido que o núcleo essencial de garantias de defesa abrange o «direito a ver o caso examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior» (cf. Ac. do TC n.º 565/07, DR II Série, de 03-01-2008). Por isso, deve aceitar-se que o legislador possa fixar um limite abaixo do qual não é possível um terceiro grau de jurisdição – duplo grau de recurso –, reservando o STJ para a apreciação dos casos mais graves.
VIII - Tendo em consideração que:
- o crime por que o arguido/recorrente foi condenado, de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, é punível com pena de 4 a 12 anos de prisão, pelo que, face à anterior redacção do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, admitia recurso até ao STJ;
- a nova redacção dada àquela al. f) já não permite o recurso para o STJ, pois o acórdão da Relação (de que agora se pretende recorrer) é condenatório e confirmou – em recurso – a pena de 5 anos de prisão (portanto, não superior a 8 anos);
- até ao momento em que foi proferido o acórdão da 1.ª instância, o arguido ainda não tinha o direito de recorrer, pois que tal direito só se concretiza quando é proferida a decisão recorrida e se esta lhe for desfavorável; tal recurso rege-se pelas normas vigentes nessa ocasião, pelo que não pode dizer-se que, agora, se esteja a retirar-lhe esse direito ao recurso (para o STJ); e a expectativa que o arguido tinha (de poder recorrer para o STJ se o acórdão da Relação fosse contrário às suas pretensões) não tem protecção jurídica (neste sentido cf. os Acs. deste STJ nos Procs. n.ºs 4562/07 e 4828/07, ambos da 5.ª Secção, e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao CPP, pág. 997, anotação 12); é de concluir que o direito de defesa do arguido não fica limitado, nem se verifica um agravamento sensível da sua posição, com a aplicação imediata do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na sua actual redacção, introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, e a consequente não admissão do presente recurso.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

· No 1º Juízo Criminal da Maia, no processo comum nº 15/07.8 ABPRT, foi o arguido:
· AA, filho de R... J... da C... G... e de M... G... M... C... G..., natural de Apúlia, Esposende, nascido a 17/09/1986, solteiro, agricultor, residente em Calle de La F..., la Puebla de La Barca, nº..., actualmente em prisão preventiva no estabelecimento Prisional do Porto;

submetido a julgamento perante tribunal colectivo, acusado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º-1, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência á tabela I-B, anexa a esse diploma.

A final, pela prática desse crime p. e p. pelo citado artº 21º-1, do referido DL 15/93, de 22.01, foi – além do mais - condenado na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

Inconformado com tal condenação e considerando, por um lado, que lhe deveria ter sido aplicado o regime respeitante a jovens delinquentes, constante do DL 401/82, de 23 de Setembro e, por outro lado, que a pena aplicada é excessiva e deveria ter sido suspensa na sua execução, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 23 de Abril de 2008, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

De novo inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, o arguido interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação do acórdão condenatório e pela aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes, alterando-se a medida da pena e aplicando de uma pena menos grave e próxima do limite mínimo da moldura penal, suspendendo-se a execução da mesma; ou, entendendo-se não ser de aplicar o regime penal especial para jovens delinquentes, então, deverá suspender-se a execução da pena aplicada.

Na sua motivação, formula as seguintes conclusões:

1- Vem o Arguido recorrer do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que manteve a sua condenação como autor, nos termos do art. 26° do C. Penal, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21° do DL n° 15/93 de 22/01, na pena de cinco ano.:: de prisão efectiva.
2- Atendendo aos circunstancialismos do caso que foram dados como provados pelo Tribunal a quo, nomeadamente, a total cooperação do Arguido com as entidades judiciárias desde o momento em que foi detido, a integral confissão de todos os factos que foi de terminante para se alcançar a descoberta da verdade material, a baixa condição económico-social do Recorrente, o facto deste ter sido um mero transportador do produto estupefaciente, de estar profundamente arrependido por ter acedido a fazer aquele transporte, de ser um sujeito bem integrado na sociedade, com família que o apoia e que se encontra disponível para o ajudar a ultrapassar esta fase da sua vida, de nunca ter anteriormente sido condenado pela prática qualquer crime e de ter 20 anos quando cometeu o crime pelo qual foi condenado, impunha-se ao Tribunal a quo uma decisão diferente à que foi tomada. Assim,
3- Entende o Arguido que a não aplicação do regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos _ DL N. o 401/82, DE 23 DE SE7EMBRO_ viola o artigo 4.°deste Decreto-Lei que prevê a especial atenuação da pena nos termos dos artigos 73.° e 74.° do Código Penal (actualmente 72.° e 73.°), quando for aplicável a pena de prisão e houver sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
4- A aplicação deste regime é um poder-dever do Julgador e impunha-se no caso sub iudice tendo em conta que existem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime ou contemporâneas dele que diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (n.01 do art. 72.° do Código Penal), nomeadamente, actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente que segundo o n.o 2 daquele artigo têm que ser considerados para efeitos da especial atenuação da pena.
5- Em lugar de se relevar a atenuação do grau de culpa do Arguido e a diminuição das exigências de prevenção especial e geral em função da integral confissão da prática do crime, da total colaboração com as entidades judiciárias na descoberta da verdade material e da demonstração de arrependimento e da vontade de nunca mais voltar a cometer crimes, o Tribunal a quo decidiu relevar negativamente o facto do Arguido trabalhar e, por isso, não ter aparente razão para justificar a tentação do "lucro fácil" e assim, presumir que voltará a sentir-se tentado a cometer crimes o que o Arguido não pode compreender!
6- Assim, não resulta qualquer dúvida que a reinserção do Arguido na sociedade não exige a aplicação desta pena absolutamente exacerbada, antes pelo contrário, parece evidente que a aplicação e manutenção desta pena terá efeitos completamente perversos para a formação deste jovem, com consequências muito gravosas para a vida do Arguido no seu futuro após o período de encarceramento.
7 - Sem prescindir do referido acerca da aplicação do regime dos jovens adultos, e independentemente de ser absolutamente exacerbada a medida da pena que foi aplicada ao Arguido face à sua postura irrepreensível antes e após o cometimento do crime, destaca-se que mesmo considerando a pena de prisão de cinco anos, sempre se terá que aplicar ao caso sub iudice o regime de suspensão de execução da pena de prisão, o que o Tribunal a quo não entendeu, violando o artigo 50.0 do Código Penal.
8- Este artigo consagra um poder vinculado do Tribunal, um poder-dever que, aliás, é veementemente incentivado pelo legislador português, e que foi violado pelo Tribunal a quo uma vez que estão, in casu, preenchidos os seus pressupostos de aplicação, ou seja, a medida da pena de prisão aplicada não é superior a cinco anos e a personalidade do Arguido, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste permitem concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
9- Ao manter a aplicação ao Arguido de uma pena de cinco anos de prisão, o Tribunal a quo viola o artigo 71.° do Código Penal, uma vez que ao aplicar-se o regime dos jovens adultos, a moldura penal abstracta é de 9,6 meses a 8 anos, ou seja, a pena de cinco anos de prisão é manifestamente desajustada à medida da culpa do Arguido e às exigências de prevenção que o caso requer, devendo proceder-se à ponderação do circunstancialismo envolvente e das condições pessoais, do ora Recorrente, esclarecidas pelo pai do mesmo e pelo próprio Arguido, as quais impunham a aplicação de uma pena próxima do limite núnimo da moldura penal e suspensão na sua execução, eventualmente, sob condição.
10- Assim, a mera invocação de fundamentos carecidos de qualquer suporte probatório e de índole claramente generalista e persecutória, como os invocados pelo Tribunal a quo para a pena aplicada ao Arguido não são, nem podem ser suficientes para uma correcta aplicação dos art., 71°, 72° e 73° todos do C. Penal, que in casu foram violados.
11- Igualmente se encontra violado o artigo 50.°, na redacção que lhe foi dada pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, uma vez que o caso sub iudice reúne todos os pressupostos legais para que, após ter sido encontrado o quantum justo da pena, esta seja suspensa, o que não foi aplicado na decisão recorrida.

Respondeu o MºPº, junto do Tribunal da Relação do Porto, pugnando pela não admissibilidade do recurso.

É do seguinte teor, a respectiva motivação (onde não formula conclusões):

1. A admissão deste recurso não é questão pacífica, pois tendo-se o processo iniciado no domínio do CPP, na redacção anterior à promulgação da lei 48,07, de 29.08, temos que, com a entrada em vigor do CPPR por força da citada lei, questões há que se colocam, quais sejam a da aplicação do CPPR (LN) a esses processos, preexistentes à entrada em vigor da citada lei n.º 48.07. ou, ao invés, e em que medida, se aplica a esses processos a lei antiga (LA), nomeadamente, aos processos iniciados anteriormente à versão do CPP, ora alterada, importando, pois saber se e porque tal ocorre, e de que forma ocorre.
Numa primeira análise do recurso interposto importa precisar que o mesmo apela, desde logo, à aplicação da aI. f) do n.ºl do art. 400 do CPP que estatui ,na sua redacção introduzida pela Lei n.º 48.07, de 29.08, que não é admissível recurso, de acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações que confirmem decisão de 1.2 instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.
Na redacção anterior, a esta alteração de 29.08, lei n.º 48.07, estabelecia o normativo em causa que eram irrecorríveis os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou de prisão não superior oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.
Deste modo, ao abrigo da redacção actual da lei 48.07, de 29.08, do art. 400.º, n.ºl ai f) o acórdão, qua tale, questionado em recurso, é insusceptível de recurso, porquanto confirmou a decisão condenatórias do arguido recorrente já que o mesmo, como vimos supra, foi condenado em uma pena de prisão superior a oito anos de prisão.
Na redacção anterior resultava, podia resultar, ser admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo em conta que estamos perante um acórdão condenatório proferido por este Tribunal da Relação confirmativo da decisão da 1ª instância em processo por crime a que corresponde a pena de 4/ 12 anos de prisão - crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelo art. 21º nº 1, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Esta era uma das vertentes jurisprudenciais da interpretação do art. 400.Q, nº 1 al. f), quando/sempre que a pena aplicável seja igual a 8 anos de prisão, sendo esta interpretação defensora que o conceito de pena aplicável se afere pela pena aplicada. Coloca-se como uma questão que nunca deveria de deixar de ser apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, atenta a não uniformização de posições quanto a esta matéria.
2. Temos, deste modo, que o recurso apresentado e dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, foi interposto de um Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, tirado na vigência da Lei n.º 48.07, o qual, nos termos daquela disposição referida, não permite o recurso nas situações em que o Tribunal da Relação confirma a decisão da 1.ª instância, que aplique pena não superior a oito anos de prisão, decisão da 1.ª instância esta, prolatada em 9.10.07.
Porém, dever-se-á de ter em atenção que quer o acórdão da 1.ª instância, proferido em 9.10.07, quer o acórdão desta Relação, ora objecto de recurso são prolatados após a entrada em vigor do CPPR apud lei 48.07. Ora,
3. Colocada a questão, nestes termos, vejamos quando se integra na sua esfera de poderes processuais, para aquele que se diz recorrente, o seu direito a recorrer, quando é que ele tem o direito de recorrer.
Como sabemos direito ao recurso, abstractamente considerado, integra-se nos direitos de defesa cuja consagração constitucional está plasmada no nº 1 do art.º 32.º da Constituição. Mas o direito de recorrer de certa e determinada decisão, ou o exercício em concreto do direito ao recurso só existe depois de tal decisão estar lavrada. Só perante esta se pode aferir da legitimidade e interesse relevante em recorrer. Daí que tem sido considerado, não só que a lei aplicável em matéria de recursos é a lei vigente à data da decisão recorrida, mas também que é esta lei que rege a própria questão da admissibilidade do recurso.
Se a decisão é proferida no domínio da lei antiga, que por hipótese admitia recurso, não se aplicará a lei nova que o recusa, sob pena de, por via de tal aplicação retroactiva, se estar a agravar a situação processual do arguido. Mas se a decisão é proferida já no domínio da lei nova que impede, no caso, o recurso, a lei nova aplicar-se-á, mesmo que o processo já venha do tempo da lei antiga.
A agravação da situação processual do arguido terá de resultar da negação de um direito, com a lei nova, que a lei velha supostamente previa, e de que o arguido já fosse titular. Ora, no domínio da lei velha, o, ora recorrentes, nunca poderia ser titular de um direito a interpor o recurso que interpôs, pela simples razão de não estar realizada a situação fáctica de que dependia o exercido desse direito. Essa situação fáctica exigiria, antes do mais, que a decisão de que se interpõe recurso já pudesse existir, o que, aliás, e sublinhe-se, não era o caso sub judice. No caso sub-judice o recorrente não tinha, ao interpor o recurso para o Tribunal da Relação qualquer expectativa, pois tendo-se o processo se iniciado no domínio da LA o acórdão da primeira instância foi tirado no domínio da LN, bem como foi no domínio desta que o recurso para a Relação do Porto foi interposto.O recorente para o Tribunal da Relação do Porto, não pode alegar que tinha qualquer expectativa, sem protecção " qua tale ", de poder vir a recorrer da decisão, se lhe interessasse, e isto, obviamente, perfilhando tese contrária á que acima defendemos.
Analisando mais pormenorizada mente a questão colocada temos de considerar o seguinte:
1. O recorrentes foi condenado, na 1.ª instância. como autor do crime de tráfico de estupefacientes do art. 21 nº1 do DL nº 15/93 de 22 de Janeiro, em pena de prisão não superior a oito anos de prisão. (cinco anos), já depois de entrada em vigor a actual redacção da al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP;
2. A decisão da Relação foi proferida, naturalmente, depois de entrada em vigor a actual redacção da al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP, confirmando tal condenação.
3. O presente recurso foi interposto depois dessa data, (naturalmente).
Daqui decorre:
Não contendo a lei 48.07, de 29.08, que entrou em vigor, em 15 de Setembro de 2007 (cf. art. 7º da referida lei) qualquer norma transitória que contemple a sua aplicação no tempo, cf. art. 7º do DL nº 78/87, de 17 de Fevereiro, que aprovou o CPP de 1987, bem como o art. 6º da lei 59/98, aquando da reforma do CPP de 1998.
Considerando que esta alteração, do CPP, por força da lei nº 48.07, introduziu alterações profundas no âmbito dos recursos.
Temos a considerar que a lei 48/07 nada dizendo, no que toca à resolução de questões neste âmbito (aplicações de leis no tempo, norma de conflitos, atenta a sucessão no tempo de partes significativas da lei processual penal), cumpre formular a questão e responder-lhe.
Questão: É de aplicar a nova redacção do art. 400º do CPP, ao caso sub judice?
Não havendo lei de conflitos temos que fazer apelo à norma do CPP que trata da "aplicação da lei processual no tempo".
O art. 5º nº 1 do CPP estatui o seguinte, e citamos:
1. A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
A lei processual penal é de aplicação imediata, nomeadamente em matéria de recursos, porém salvaguardando a validade dos actos realizados na vigência da anterior.
Que actos haverá que salvaguardar?
O art. 5º no seu nº 2 diz o seguinte:
I. A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriorlente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou
Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.
Como se afere esse agravamento da situação processual do arguido.
A agravação da situação processual do arguido terá de resultar da negação de um direito, com a lei nova, que a lei velha supostamente previa, e de que o arguido já fosse titular. Ora, no domínio da lei velha, os, ora recorrentes, nunca poderiam ser titulares de um direito a interpor o recurso que interpuseram, pela simples razão de não estar realizada a situação fáctica de que dependia o exercido desse direito. Essa situação fáctica exigiria, antes do mais, que a decisão de que se interpõe recurso já existisse. Não é o caso. Manifestamente.
Neste sentido vai v. g. o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in "Comentário do Código de Processo Penal, na anotação 12 e 13, por exemplo, do art. 399 do CPP., neste sentido de que, no caso não haverá nenhum agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, vão os Acs. TC nºs 189. 2001,369-2001, 102-2004,2.2006 e 162.06.
Estes os termos que nos levam a defender que, in casu, os presentes recursos não devem ser admitidos, por a decisão ser irrecorrível, nos termos do que dispõem os arts. 400º nº 1 al. f) e, se por acaso o for, deve o mesmo nesse Alto Tribunal, ser rejeitado.

Remetido o processo a este STJ, o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que o recurso deve ser rejeitado por inadmissibilidade.
Foi cumprido o estatuído no artigo 417º-2 do CPP.

Colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Questão prévia: da admissibilidade do recurso:

No caso em apreciação o arguido foi condenado, na 1ª instância, pena de 5 anos de prisão.

Essa pena foi confirmada, em recurso, pelo Tribunal da Relação.

Inconformado, o arguido interpõe o presente recurso para este STJ.

Será o recurso admissível?


Decidindo:
Nos termos do artigo 399º do CPP, “É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”.
E, nos termos do estatuído no artigo 401º-1-b) do mesmo Código, tem legitimidade para recorrer o arguido, de decisões contra ele proferidas.
Porque o recorrente, in casu, é o arguido e recorre da sentença que o condenou na pena de 5 anos de prisão, tem legitimidade e interesse em agir para tanto.
Ora, o recurso para as Relações é o regime regra.
Por isso, os casos de recurso para o STJ estão taxativamente previstos nas várias alíneas do artigo 432º do Código de Processo Penal (ou noutros casos que a lei especialmente preveja artigo – cfr. 433º do CPP).
Fora desses casos, o recurso não é admissível.
Na verdade, o artigo 400º do Código de Processo Penal, referindo-se às “decisões que não admitem recurso”, na redacção anterior, dada pela Lei nº 48/07, de 29 de Agosto, estabelecia:

1. Não é admissível recurso:

a) De despachos de mero expediente;

b) De decisões que ordenam actos dependentes de livre resolução do tribunal;

c) De acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa;

d) De acórdãos absolutórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância;

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º nº 3;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções;

g) Nos demais casos previstos na lei.

Por seu turno, o artigo 432º do mesmo código, referindo-se ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, dispunha:

Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em primeira instância;

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri;

d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

e) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

Com a revisão do Código de Processo Penal, operada pela Lei nº 48/2007 de 24 de Setembro de 2007, o artigo 400º passou a estatuir que:

1. Não é admissível recurso:

a) De despachos e mero expediente;

b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância;

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

g) Nos demais casos previstos na lei.

No caso agora em apreciação o acórdão da Relação confirmou a decisão do tribunal de 1ª instância que aplicou a pena de 5 anos de prisão por crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º-1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro.

Estatui o artigo 5º do CPP, no seu nº 1, que a lei processual é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior; mas, o nº 2 alínea a) do mesmo preceito, excepciona o caso de, daquela aplicação imediata, resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
Sendo assim, importa averiguar se, no caso em apreço, a aplicação imediata do artigo 400º-1-f) do CPP resulta agravamento para a situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
A propósito deste artigo 5º do CPP, Simas Santos e Leal Henriques in CPP anotado, comentando tal normativo referem que “o artigo … joga com realidades nem sempre fáceis de comprrender e caracterizar na prática” e consideram que aquela expressão “agravamento sensível” tem um sentido quantitativo e qualitativo, correspondendo a agravamento palpável, significativo, importante, com repercussão na esfera jurídica processual do arguido, enquanto a expressão “ainda evitável” significa que “ a excepção aí mencionada só existe como tal se ainda for possível obviar ao agravamento da situação processual do arguido, quer actua, quer esperada (expectativas legítimas)”.
Tem sido entendimento jurisprudencial que o recurso se rege pela lei em vigor à data da decisão recorrida ou, pelo menos, da sua interposição, pois o direito ao recurso só surge com a prolação da respectiva decisão (cfr. acs. deste STJ de 23.11.2007, Proc. 4459/07 – 5ª e de 30.04.2008 in Proc. 110/08 – 5ª – este, citando José António Barreiros in Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, 1997, I, 189 “ … em matéria de recursos, o problema da lei aplicável à prática dos actos processuais respectivos haverá de encontrar-se em função da regra geral – a da vigente no momento do acto – e não em função de um critério especial, pelo qual se atenda à lei vigente no momento da interposição do recurso a qual comandaria inderrogavelmente toda a tramitação do recurso”.
Também Germano Marques da Silva parece concordar com tal interpretação pois para ele, a excepção da não aplicação imediata da lei nova só se impõe “quando desta resultar, no caso concreto, diminuição do direito de defesa do arguido, frustrando as expectativas de defesa relativamente à admissibilidade de certos actos de defesa que ficariam prejudicados pela aplicação imediata da lei nova”.

Como diz Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal, I, págs. 62-63), do princípio geral da aplicação da lei processual no tempo, segundo o qual a lei aplicável é a vigente no momento em que o acto processual foi ou é cometido, resulta que se um processo terminou no domínio de uma lei revogada o mesmo mantém pleno valor; se o processo se não iniciou ainda, embora o facto que constitua o seu objecto tenha sido cometido no domínio da anterior legislação, é-lhe inteiramente aplicável a nova legislação; e, se a lei nova surge durante a marcha do processo, são válidos todos os actos processuais realizados de harmonia com a lei anterior, sendo submetidos à nova lei todos os actos ulteriormente praticados.

Em matéria de recursos tal significa, em conjugação com o princípio jurídico-constitucional da legalidade, que a lei nova será de aplicar imediatamente, sem embargo da validade dos actos já praticados, a menos que por efeito da aplicação da lei nova se verifique um agravamento da situação do arguido ou se coloque em causa a harmonia e unidade do processo. Assim, a lei nova é aplicável a todos os actos processuais futuros, com a ressalva imposta pelas als. a) e b) do n.º 2 do art. 5º.

É esta a orientação que este Supremo Tribunal tem assumido, de forma pacífica (v. Ac. deste STJ – 3ª de 20-02-2008, Proc. n.º 4838/07).

Integrando o recurso e o respectivo direito de interposição, um direito fundamental do arguido, se a li nova lhe retirar um grau de recurso – para o STJ – que em abstracto lhe assistia face ao regime processual anterior, é de admitir o recurso interposto (Ac. STJ de 05.03.2008, Porc. 100/08).

Ora o recurso penal – que consta do artigo 2º do protocolo nº 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 22/90, de 27 de Setembro e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 51/90 – é um dos direitos fundamentais do arguido.
Tal direito tem consagração no artigo 32º-1 da Constituição da República Portuguesa (após a 4ª revisão constitucional).
Sendo assim, há que salvaguardar sempre a existência de um duplo grau de jurisdição (o que não é a mesma coisa que um duplo grau de recurso).
Na verdade, o Tribunal Constitucional tem decidido que o núcleo essencial de garantias de defesa abrange o “direito a ver o caso examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior (v. g. Ac. TC nº 565/07, DR II Série de 03.01.08).
Por isso, deve aceitar-se que o legislador possa fixar um limite abaixo do qual não é possível um terceiro grau de jurisdição – duplo grau de recurso) – reservando o STJ para apreciação dos casos mais graves.
Como atrás de disse, o crime por que o arguido/recorrente foi condenado, é o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º-1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro.
Tal crime é punível com pena de 4 a 12 anos de prisão.
Por isso, face à anterior redacção do artigo 400º -1 –f, do CPP admitia recurso até ao STJ, uma vez que, de acordo com a moldura penal abstracta respectiva, tal crime é punível com pena de prisão superior a 8 anos e o acórdão é condenatório.
Porém, a nova redacção dada àquela alínea f) do nº 1 do citado artigo 400º do CPP já não permite o recurso para o STJ pois o acórdão da Relação (acórdão de que agora se pretende recorrer) é condenatório e confirmou – em recurso – a pena de 5 anos de prisão (portanto, não superior a 8 anos).
Sendo assim, a nosso ver, da aplicação imediata desse preceito legal (artigo 400º-1-f) do CPP, actual redacção introduzida pela Lei 48/07, de 29 de Agosto) não resulta agravamento sensível da posição do arguido.
É que, até ao momento em que foi proferido o acórdão da 1ª instância, o arguido ainda não tinha o direito de recorrer pois que tal direito só se concretiza quando é proferida a decisão recorrida e se esta lhe for desfavorável. E tal recurso rege-se pelas normas vigentes nessa ocasião.
Sendo assim, como é, porque à data da decisão da Relação (de que agora se pretende recorrer) o arguido ainda não tinha o direito de interpor recurso para o STJ (esse direito só nasce no momento em que aquela decisão é proferida) não se pode dizer que agora, se esteja a retirar-lhe esse direito de recurso (para o STJ).
Por outro lado, o direito do arguido ao recurso (o direito de que atrás falamos, que o arguido tem de ver reexaminada a causa por um tribunal superior) já lhe foi assegurado e até já o exerceu (ao interpor recurso para o Tribunal da Relação).

Porém, como se disse, o direito de defesa do arguido, consagrado constitucionalmente – artigo 32º-2 da CRP – não exige um duplo grau de recurso mas apenas um duplo grau de jurisdição.

Sendo assim, o direito de defesa do arguido não fica limitado nem se verifica um agravamento sensível da sua posição, com a aplicação imediata do artigo 400º-1-f) do CPP e, consequentemente, ao não se admitir o presente recurso.

É que, até ser proferida o acórdão da Relação, o arguido apenas tinha uma expectativa de poder recorrer para o STJ se o acórdão da Relação fosse contrário às suas pretensões.

Porém, essa expectativa não tem protecção jurídica (neste sentido cfr. os Acs. deste STJ nos Processos nºs 4562/07 e 4828/07, ambos da 5ª Secção)

No mesmo sentido se pronuncia também Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário ao CPP, pág. 997, anotação 12).

Nestes termos, considera-se que o acórdão da Relação do Porto, ao confirmar a decisão da 1ª instância que condenou o arguido na pena de 5 anos de prisão, não admite recurso.

Decisão:

Pelo que fica exposto, acorda-se em conferência, nesta 3ª Secção Criminal do STJ, em rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA, por legalmente não admissível – cfr. artigos 420º-1 e 414ª-2, ambos do CPP.

Custas pelo arguido – artigo 513º-1 do CPP – que pagará ainda 4 UCs de taxa de justiça, nos termos do artigo 420º-4 do mesmo diploma legal.

Lisboa, 3 de Setembro de 2008

Fernando Fróis (Relator)

Henriques Gaspar