Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | FERNANDO FRÓIS | ||
| Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ACORDÃO DA RELAÇÃO APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO DIREITO AO RECURSO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ200809030021503 | ||
| Data do Acordão: | 09/03/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | REJEITADO RECURSO | ||
| Sumário : | I - Tem sido entendimento jurisprudencial deste STJ o de que o recurso se rege pela lei em vigor à data da decisão recorrida ou, pelo menos, da sua interposição, pois o direito ao recurso só surge com a prolação da respectiva decisão (cf. Acs. de 23-11-2007, Proc. n.º 4459/07 - 5.ª, e de 30-04-2008, Proc. n.º 110/08 - 5.ª – este citando José António Barreiros, in Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, 1997, I, pág. 189: «…em matéria de recursos, o problema da lei aplicável à prática dos actos processuais respectivos haverá de encontrar-se em função da regra geral – a da vigente no momento do acto – e não em função de um critério especial, pelo qual se atenda à lei vigente no momento da interposição do recurso a qual comandaria inderrogavelmente toda a tramitação do recurso»). II - Também Germano Marques da Silva parece concordar com tal interpretação pois, para ele, a excepção da não aplicação imediata da lei nova só se impõe «quando desta resultar, no caso concreto, diminuição do direito de defesa do arguido, frustrando as expectativas de defesa relativamente à admissibilidade de certos actos de defesa que ficariam prejudicados pela aplicação imediata da lei nova». III - Como diz Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal, I, págs. 62-63), do princípio geral da aplicação da lei processual no tempo, segundo o qual a lei aplicável é a vigente no momento em que o acto processual foi ou é cometido, resulta que se um processo terminou no domínio de uma lei revogada o mesmo mantém pleno valor; se o processo se não iniciou ainda, embora o facto que constitua o seu objecto tenha sido cometido no domínio da anterior legislação, é-lhe inteiramente aplicável a nova legislação; e, se a lei nova surge durante a marcha do processo, são válidos todos os actos processuais realizados de harmonia com a lei anterior, sendo submetidos à nova lei todos os actos ulteriormente praticados. IV - Em matéria de recursos tal significa, em conjugação com o princípio jurídico-constitucional da legalidade, que a lei nova será de aplicar imediatamente, sem embargo da validade dos actos já praticados, a menos que por efeito da aplicação da lei nova se verifique um agravamento da situação do arguido ou se coloque em causa a harmonia e unidade do processo. Assim, a lei nova é aplicável a todos os actos processuais futuros, com a ressalva imposta pelas als. a) e b) do n.º 2 do art. 5.º. É esta a orientação que este Supremo Tribunal tem assumido, de forma pacífica (cf. Ac. de 20-02-2008, Proc. n.º 4838/07 - 3.ª). V - Integrando o recurso e o respectivo direito de interposição um direito fundamental do arguido, se a lei nova lhe retirar um grau de recurso – para o STJ – que em abstracto lhe assistia face ao regime processual anterior, é de admitir o recurso interposto (Ac. do STJ de 05-03-2008, Proc. n.º 100/08). VI - O recurso penal – que consta do art. 2.º do protocolo n.º 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovado, para ratificação, pela Resolução da AR n.º 22/90, de 27-09, e ratificado pelo Decreto do PR n.º 51/90 – é um dos direitos fundamentais do arguido, com consagração no art. 32.º, n.º 1, da CRP (após a 4.ª revisão constitucional), pelo que há que salvaguardar sempre a existência de um duplo grau de jurisdição (o que não é a mesma coisa que um duplo grau de recurso). VII - Na verdade, o TC tem decidido que o núcleo essencial de garantias de defesa abrange o «direito a ver o caso examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior» (cf. Ac. do TC n.º 565/07, DR II Série, de 03-01-2008). Por isso, deve aceitar-se que o legislador possa fixar um limite abaixo do qual não é possível um terceiro grau de jurisdição – duplo grau de recurso –, reservando o STJ para a apreciação dos casos mais graves. VIII - Tendo em consideração que: - o crime por que o arguido/recorrente foi condenado, de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, é punível com pena de 4 a 12 anos de prisão, pelo que, face à anterior redacção do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, admitia recurso até ao STJ; - a nova redacção dada àquela al. f) já não permite o recurso para o STJ, pois o acórdão da Relação (de que agora se pretende recorrer) é condenatório e confirmou – em recurso – a pena de 5 anos de prisão (portanto, não superior a 8 anos); - até ao momento em que foi proferido o acórdão da 1.ª instância, o arguido ainda não tinha o direito de recorrer, pois que tal direito só se concretiza quando é proferida a decisão recorrida e se esta lhe for desfavorável; tal recurso rege-se pelas normas vigentes nessa ocasião, pelo que não pode dizer-se que, agora, se esteja a retirar-lhe esse direito ao recurso (para o STJ); e a expectativa que o arguido tinha (de poder recorrer para o STJ se o acórdão da Relação fosse contrário às suas pretensões) não tem protecção jurídica (neste sentido cf. os Acs. deste STJ nos Procs. n.ºs 4562/07 e 4828/07, ambos da 5.ª Secção, e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao CPP, pág. 997, anotação 12); é de concluir que o direito de defesa do arguido não fica limitado, nem se verifica um agravamento sensível da sua posição, com a aplicação imediata do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na sua actual redacção, introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, e a consequente não admissão do presente recurso. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
· No 1º Juízo Criminal da Maia, no processo comum nº 15/07.8 ABPRT, foi o arguido: submetido a julgamento perante tribunal colectivo, acusado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º-1, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência á tabela I-B, anexa a esse diploma. A final, pela prática desse crime p. e p. pelo citado artº 21º-1, do referido DL 15/93, de 22.01, foi – além do mais - condenado na pena de 5 (cinco) anos de prisão. Inconformado com tal condenação e considerando, por um lado, que lhe deveria ter sido aplicado o regime respeitante a jovens delinquentes, constante do DL 401/82, de 23 de Setembro e, por outro lado, que a pena aplicada é excessiva e deveria ter sido suspensa na sua execução, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 23 de Abril de 2008, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
De novo inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, o arguido interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação do acórdão condenatório e pela aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes, alterando-se a medida da pena e aplicando de uma pena menos grave e próxima do limite mínimo da moldura penal, suspendendo-se a execução da mesma; ou, entendendo-se não ser de aplicar o regime penal especial para jovens delinquentes, então, deverá suspender-se a execução da pena aplicada. Na sua motivação, formula as seguintes conclusões: 1- Vem o Arguido recorrer do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que manteve a sua condenação como autor, nos termos do art. 26° do C. Penal, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21° do DL n° 15/93 de 22/01, na pena de cinco ano.:: de prisão efectiva. Respondeu o MºPº, junto do Tribunal da Relação do Porto, pugnando pela não admissibilidade do recurso.
É do seguinte teor, a respectiva motivação (onde não formula conclusões):
1. A admissão deste recurso não é questão pacífica, pois tendo-se o processo iniciado no domínio do CPP, na redacção anterior à promulgação da lei 48,07, de 29.08, temos que, com a entrada em vigor do CPPR por força da citada lei, questões há que se colocam, quais sejam a da aplicação do CPPR (LN) a esses processos, preexistentes à entrada em vigor da citada lei n.º 48.07. ou, ao invés, e em que medida, se aplica a esses processos a lei antiga (LA), nomeadamente, aos processos iniciados anteriormente à versão do CPP, ora alterada, importando, pois saber se e porque tal ocorre, e de que forma ocorre. Colhidos os vistos, cumpre conhecer. Questão prévia: da admissibilidade do recurso: No caso em apreciação o arguido foi condenado, na 1ª instância, pena de 5 anos de prisão. Essa pena foi confirmada, em recurso, pelo Tribunal da Relação. Inconformado, o arguido interpõe o presente recurso para este STJ. Será o recurso admissível?
1. Não é admissível recurso: a) De despachos de mero expediente; b) De decisões que ordenam actos dependentes de livre resolução do tribunal; c) De acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa; d) De acórdãos absolutórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância; e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º nº 3; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções; g) Nos demais casos previstos na lei.
Por seu turno, o artigo 432º do mesmo código, referindo-se ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, dispunha:
Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) De decisões das relações proferidas em primeira instância; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º; c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri; d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito; e) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.
Com a revisão do Código de Processo Penal, operada pela Lei nº 48/2007 de 24 de Setembro de 2007, o artigo 400º passou a estatuir que:
1. Não é admissível recurso: a) De despachos e mero expediente; b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal; d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância; e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; g) Nos demais casos previstos na lei.
No caso agora em apreciação o acórdão da Relação confirmou a decisão do tribunal de 1ª instância que aplicou a pena de 5 anos de prisão por crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º-1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro. Estatui o artigo 5º do CPP, no seu nº 1, que a lei processual é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior; mas, o nº 2 alínea a) do mesmo preceito, excepciona o caso de, daquela aplicação imediata, resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa. Como diz Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal, I, págs. 62-63), do princípio geral da aplicação da lei processual no tempo, segundo o qual a lei aplicável é a vigente no momento em que o acto processual foi ou é cometido, resulta que se um processo terminou no domínio de uma lei revogada o mesmo mantém pleno valor; se o processo se não iniciou ainda, embora o facto que constitua o seu objecto tenha sido cometido no domínio da anterior legislação, é-lhe inteiramente aplicável a nova legislação; e, se a lei nova surge durante a marcha do processo, são válidos todos os actos processuais realizados de harmonia com a lei anterior, sendo submetidos à nova lei todos os actos ulteriormente praticados.
Em matéria de recursos tal significa, em conjugação com o princípio jurídico-constitucional da legalidade, que a lei nova será de aplicar imediatamente, sem embargo da validade dos actos já praticados, a menos que por efeito da aplicação da lei nova se verifique um agravamento da situação do arguido ou se coloque em causa a harmonia e unidade do processo. Assim, a lei nova é aplicável a todos os actos processuais futuros, com a ressalva imposta pelas als. a) e b) do n.º 2 do art. 5º. É esta a orientação que este Supremo Tribunal tem assumido, de forma pacífica (v. Ac. deste STJ – 3ª de 20-02-2008, Proc. n.º 4838/07). Integrando o recurso e o respectivo direito de interposição, um direito fundamental do arguido, se a li nova lhe retirar um grau de recurso – para o STJ – que em abstracto lhe assistia face ao regime processual anterior, é de admitir o recurso interposto (Ac. STJ de 05.03.2008, Porc. 100/08). Ora o recurso penal – que consta do artigo 2º do protocolo nº 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 22/90, de 27 de Setembro e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 51/90 – é um dos direitos fundamentais do arguido. Porém, como se disse, o direito de defesa do arguido, consagrado constitucionalmente – artigo 32º-2 da CRP – não exige um duplo grau de recurso mas apenas um duplo grau de jurisdição. Sendo assim, o direito de defesa do arguido não fica limitado nem se verifica um agravamento sensível da sua posição, com a aplicação imediata do artigo 400º-1-f) do CPP e, consequentemente, ao não se admitir o presente recurso. É que, até ser proferida o acórdão da Relação, o arguido apenas tinha uma expectativa de poder recorrer para o STJ se o acórdão da Relação fosse contrário às suas pretensões. Porém, essa expectativa não tem protecção jurídica (neste sentido cfr. os Acs. deste STJ nos Processos nºs 4562/07 e 4828/07, ambos da 5ª Secção) No mesmo sentido se pronuncia também Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário ao CPP, pág. 997, anotação 12). Nestes termos, considera-se que o acórdão da Relação do Porto, ao confirmar a decisão da 1ª instância que condenou o arguido na pena de 5 anos de prisão, não admite recurso.
Decisão:
Pelo que fica exposto, acorda-se em conferência, nesta 3ª Secção Criminal do STJ, em rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA, por legalmente não admissível – cfr. artigos 420º-1 e 414ª-2, ambos do CPP.
Custas pelo arguido – artigo 513º-1 do CPP – que pagará ainda 4 UCs de taxa de justiça, nos termos do artigo 420º-4 do mesmo diploma legal. Lisboa, 3 de Setembro de 2008 Fernando Fróis (Relator) Henriques Gaspar |