Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A225
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LOPES PINTO
Nº do Documento: SJ200302180002251
Data do Acordão: 02/18/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 466/02
Data: 04/16/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" e mulher B propuseram contra Município da Figueira da Foz acção a fim de serem considerados proprietários do terreno e edificação nele existente, tudo identificado nos arts. 26º, 27º, 29º e 1º a 5º da petição inicial, o qual tem a área de 600 m² e, a título subsidiário, definir-se qual a sua área actual, condenando-se o réu a abrir mão das parcelas por ele retiradas e ocupadas, restituindo-as livres e desocupadas àqueles.
Contestando, o réu, reconhecendo o direito de propriedade dos autores sobre o terreno, impugnou por a área ser menor (apenas 455,63 m²), concluindo pela improcedência da acção.
Prosseguindo a acção, procedeu pelo pedido principal, por sentença que a Relação não manteve, absolvendo o réu do pedido.
Inconformados agora os autores, pediram revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas longas e complexas alegações -
- a decisão contida no acórdão deve-se a 2 erros da Relação sobre a matéria de facto;
- um, ao enunciar como infra-estruturas «o alargamento do caminho, melhoramento da curva que o mesmo faz com a rotunda, ampliação desta última e construção (em 1995/1996) do passeio actualmente existente», trabalhos estes feitos pela Câmara, em parte (no referente ao 'caminho') a pedido da Junta de Freguesia de Buarcos;
- essas infra-estruturas não estavam previstas no processo de loteamento, nem fazem parte dele, não lhe pertencem nem as parcelas de 188 e 108,89 m² que a Câmara retirou o foi em execução ou para execução do processo administrativo de loteamento e de acordo com o projecto de rede viária ou projecto de melhoramentos viários aí contidos, como a Relação entendeu ou deixou subentendido;
- todas essas obras representam intervenções pontuais do réu, feitas fora de qualquer processo de loteamento, nomeadamente fora do licenciado pelo alvará nº 16/84, e sem processo interno da Câmara, aliás, como reconheceu na audiência preliminar de 00.02.28, constando tal da respectiva acta;
- outro, ao considerar que o réu alegou - e não o fez - que «todas as obras efectuadas na área circundante foram implantadas na zona de cedência do próprio processo de loteamento, sem que o réu tivesse feito qualquer ocupação parcelar da zona do lote»;
- pelo contrário, ficou provado que o réu bem sabia que lhe não pertenciam e que não contactou com os autores ou com os seus antecessores nem lhes pediu autorização para retirar parcelas de terreno;
- assim, além de errado, o acórdão é obscuro e ambíguo quando afirma que os autores e seus antecessores concordaram com os termos do processo de loteamento e da respectiva cedência ao réu 'de áreas para infra-estruturas ou melhoramentos dos quais, aliás, terão sido beneficiários directos ou, pelo menos, não prejudicados, sob pena de se não entender a sua inacção até ao momento em que viram a obra embargada por excesso de volumetria, relativamente ao espaço físico existente (subsistente) no momento da edificação';
- há no acórdão uma clara 'contradictio in terminis', viciando por esse erro a decisão, o que implica a sua nulidade;
- provado que o terreno dos autores só não tem efectivamente a área de 752,52 m² por o réu ilegitimamente se ter apoderado de 188 e de 108,89 m²;
- assim, não faz sentido o acórdão recorrido 'agarrar' a resposta negativa ao quesito 21 para concluir que «recaindo o ónus da prova sobre os autores, a estes competia provar - e não o lograram fazer - que o seu terreno, depois de concluído e concretizado todo o referido processo de cedência de áreas para infra-estruturas, ainda manteria a área de 600 m²»;
- violado o disposto no art. 668º-1 c) CPC.
Contra-alegando, defendeu o réu a confirmação do acórdão.
Colhidos os vistos.
Matéria de facto fixada pelas instâncias -
a)- no processo de obras nº 406/94 da Câmara Municipal da Figueira da Foz, instaurado em 1994 a pedido do autor, foi-lhe, em 98.03.18, concedido alvará de licença de construção, com o nº 113, de um bloco habitacional;
b)- este bloco habitacional situa-se em Caminho de D. Maria ou Rio de Baixo (actual Rua ...) - Buarcos - Figueira da Foz, ao lado do Hotel Restaurante ..., na confluência da Rua das Tamargueiras com a chamada Rotunda da Tamargueira (Rotunda da Praça do Mar Português), na Av. Marginal Oceânica ou Av. do Brasil, pouco a Norte da Fortaleza de Buarcos, considerando o sentido Figueira da Foz - Cabo Mondego;
c)- por despacho de 98.10.21, as autoridades do Município decretaram o embargo da obra, que já se encontrava em vias de conclusão, que foi executado em 98.10.27 e 98.10.28;
d)- o fundamento do embargo foi o de que o terreno onde o bloco habitacional está a ser construído não tinha a área de 600 m², pressuposta pelo processo e respectivas licenças, mas a de 455,63 m², considerando o réu que foram alterados os pressupostos do licenciamento;
e)- através de escritura pública outorgada em 94.07.07, no Cartório Notarial de Ansião, C e mulher D, declararam vender aos autores, que declararam comprar, o terreno onde o bloco habitacional está a ser implantado: lote de terreno destinado a construção urbana, com a área de 600 m², designado por lote nº 1, sito no caminho de D. Maria ou Rio de Baixo, freguesia de Buarcos, concelho da Figueira da Foz, a confrontar do Norte com E, do Sul com estrada, Nascente com caminho e do Poente com vala, inscrito na matriz respectiva sob o artº 1.836º - (doc. de fls. 19 a 22);
f)- o terreno em causa encontra-se descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o nº 01110/090590, da seguinte forma: rústico - caminho de D. Maria ou Rio de Baixo - lote de terreno destinado a construção urbana, designado por lote nº 1; área - 600 m²; Norte, E; Sul , estrada; Nascente, caminho; e Poente, vala; e aí inscrito a favor dos autores pela inscrição G-2 - (doc. de fls. 30 e 31);
g)- e encontra-se inscrito na 2ª Repartição de Finanças da Figueira da Foz, na matriz predial urbana da freguesia de Buarcos sob o art. 1.836º, como tendo a área de 600 m² (doc. fls. 34 e 35);
h)- o terreno em questão representa o remanescente do prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz no nº 58.363, a fls. 16 do Lº B - 151, com natureza rústica e inscrito na matriz de Buarcos sob o art. 1.836º, com a área de 7.680 m² (doc. de fls. 24);
i)- Empreendimentos F, Lª., requereu o loteamento do prédio referido na alínea anterior, que foi aprovado pela Câmara Municipal em reunião de 84.09.07, tendo sido emitido o correspondente alvará 16184, de 84.09.12;
j)- na sequência do processo de loteamento, foi autorizada a construção de 5 lotes, numerados de A a E, tendo a loteadora doado ao réu uma parcela de terreno com a área de 5.428 m²;
k)- os serviços camarários efectuaram 2 levantamentos topográficos, com 2 resultados diferentes: um com a área de 455,63 m², e outro com a área de 564,52 m²;
l)- há mais de 15 anos que consta, em plantas camarárias de situação ou localização, como área do terreno identificado nas als. f) e g), a de 600 m²;
m)- no processo de loteamento aludido na al. a), a Câmara Municipal da Figueira da Foz aceitou que o terreno tinha a área de 600 m², como constava das plantas juntas àquele;
n)- em 1987, foi pedido à Câmara Municipal informação da viabilidade de construção de uma discoteca - bar - restaurante no terreno identificado nas als. f) e g), tendo tal informação sido negativa, mas confirmando a Câmara Municipal a área de 600 m²;
o)- quando o arquitecto G elaborou a planta do terreno e zona envolvente junta a fls. 42, no estudo prévio que efectuou, verificou que o terreno tinha, pelo menos, 600 m²;
p)- os serviços técnicos da Câmara Municipal da Figueira da Foz, no deferimento do projecto de obras nº 406/94 referido na al. a), aceitaram que o terreno tinha a área de 600 m²;
q)- o terreno aludido nas als. f) e g) fazia sobre o antigo caminho de D. Maria (actual Rua ...), nas suas confrontações Nascente e Sul, e sobre a Av. Marginal Oceânica ou Av. do Brasil, nas suas confrontações Sul e Poente, um talude de cerca de 2 metros de altura, em forma «de barriga»;
r)- o antigo caminho de D. Maria tinha uma largura irregular, de 2 a 3 metros, nele passando só um carro em cada sentido, à vez;
s)- a Junta de Freguesia de Buarcos, presidida pelo Sr. Barraca, pediu à Câmara Municipal o melhoramento daquela zona;
t)- por volta de 1985, a Câmara Municipal fez trabalhos de alargamento e pavimentação do caminho de D. Maria, de modo a que este ficasse com uma largura uniforme;
u)- na sequência, o caminho de D. Maria ficou com uma plataforma de 10 metros, sendo 8 metros de faixa de rodagem e 1 metro de berma de cada lado;
v)- ao longo do terreno identificado nas als. f) e g), o alargamento fez-se só do lado e à custa desse terreno;
x)- o prédio do outro bordo do caminho nunca foi tocado, pois estava vedado com um muro, que ainda se mantém;
y)- nos trabalhos de alargamento do caminho de D. Maria a Câmara Municipal desaterrou parte do talude do terreno mencionado nas als. f) e g), levando a respectiva terra, chegando a fazer nele uma «entrada» com a profundidade de 6,70 metros;
w)- em 1985, na presidência do Dr. H, foi feita a primitiva rotunda, com o diâmetro de 28 metros;
z)- mais tarde, em 1986, a rotunda foi ampliada, ficando com 36 metros de diâmetro,
a-1)- e a faixa de rodagem que a contorna alargou de 8 para 10 metros;
b-1)- estas ampliações foram feitas à custa do terreno identificado nas als. f) e g);
c-1)- com o alargamento do caminho de D. Maria, melhoramento da curva que o mesmo faz com a rotunda e para ampliação desta última, a Câmara Municipal retirou parcelas do terreno identificado nas als. f) e g) que atingiram a área de 188 m²;
d-1)- em 1995/1996, o réu construiu o passeio actualmente existente, com uma largura média de quase 3 metros e o comprimento de quase 40 metros, totalmente no prédio referido nas als. f) e g), ocupando 108,89 m²;
e-1)- a Câmara Municipal, para efectuar os trabalhos de alargamento do caminho de D. Maria, melhoramento da curva que o mesmo faz com a rotunda e para ampliação desta última, não contactou com os autores ou com os seus antepossuidores, nem lhes pediu autorização para retirar parcelas do terreno referido nas als. f) e g),
f-1)- e sabia que tais parcelas não lhe pertenciam;
g-1)- a diferença entre os 2 levantamentos topográficos mencionados na al. k) reside no facto de, no segundo, ter sido dada como pertencente ao terreno referido nas als. f) e g) a área de 108,89 m², ocupada para a construção do passeio,
h-1)- e de, no primeiro levantamento, se ter considerado que essa área pertence ao réu;
i-1)- antes do processo de loteamento e da cedência de áreas para infra-estruturas a área correspondente à inserção do lote tinha cerca de 752,52 m².
Decidindo: -
1.- Para uma melhor compreensão do litígio em causa e seu desenvolvimento interessa ter presente a origem próxima da acção, verificar qual a sua (da acção) natureza e quais os poderes do STJ relativamente à decisão do facto.
A presente acção surge em função do tribunal administrativo ser incompetente para conhecer de questões de direito privado (a área do terreno não ser inferior a 600 m² tendo sido a ré quem retirou à parcela de terreno a área que eventualmente falte) cuja apreciação, juntamente com a declaração de nulidade do despacho de embargo, o autor aí peticionara.
No dia imediato à propositura desta acção, o T.A.C. de Coimbra, considerando que à decisão do recurso para si interposto interessa definir qual a área de terreno do recorrente, suspendeu a instância até que o tribunal comum se pronuncie.
Na acção, pedem os autores, a título principal, se os declare proprietários do terreno e da edificação nele existente, tudo identificado nos arts. 26º, 27º, 29º e 1º a 5º da petição inicial, o qual tem a área de 600 m² e, a título subsidiário, qual a sua área actual, condenando-se o réu a abrir mão das parcelas por ele retiradas e ocupadas, restituindo-as livres e desocupadas àqueles.
O pedido formulado a título principal corresponde a uma acção de simples apreciação (CPC- 4º, 2 a)) enquanto o formulado a título subsidiário corresponde a acção de condenação - contendo implícito o de reconhecimento do direito de propriedade, reivindica a restituição do que diz lhe pertencer (CPC- 4º,2 b)).
Na 1ª instância, o tribunal reconheceu que a área era e é de 600 m² pelo que procedeu o pedido principal.
Contra-alegando na apelação, não preveniram os autores, para o caso de ser procedente, a hipótese da apreciação dos pedidos a título subsidiário (CPC- 684º-A,1).
Alegando na revista, limitaram-se ao pedido formulado a título principal.
Muito embora se continue a reiterar com muita frequência que os poderes de cognição do STJ relativamente à decisão do facto são limitados face à sua natureza a estrutura, não sendo uma 3ª instância, é este, a cada passo, chamado a reafirmar o que, unanimemente, a jurisprudência e a doutrina afirmam e se dispõe na lei - o STJ, porque tribunal de revista, aplica definitivamente o regime jurídico aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido.
In casu, a Relação não fez uso dos poderes consignados no art. 712º CPC.
Os autores, conquanto invoquem 'erro da Relação sobre a matéria de facto' (fls. 247), não alegam que tenha havido ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Os juízos de valor sobre a matéria de facto são, desde que, na sua formulação, se não apele essencialmente à sensibilidade do jurista, juízos de facto e, como tal, matéria de facto.
A Relação pode extrair dos factos apurados ilações que sejam o desenvolvimento lógico desses factos (já o saber se é ou não desenvolvimento lógico é sindicável pelo STJ).
Não se alega contradição na decisão, tal como foi recebida (isto é, não alterada), sobre a matéria de facto mas que a fixada não autorizava que a Relação, sob pena de contradição, dela extraísse as ilações a que procedeu.
O STJ apenas sindica o aspecto adjectivo, isto é, o enquadramento processual do que foi apurado.
Distinto do erro na apreciação da prova é o problema da valoração da prova.
2.- Divergiram as instâncias quanto à extensão da presunção estabelecida no art. 7º do CRP, apenas coincidindo na abrangência da existência do direito e da titularidade por quem da inscrição consta. Enquanto a 1ª instância considerou que, por se ter invertido o ónus da prova, cumpria «à ré alegar e provar que a inscrição registral não corresponde à verdade, provando que a área descrita no registo não corresponde à realidade e está falseado» (fls. 198), já a Relação não sufragou uma tal extensão pelo que «teriam os autores de demonstrar os elementos da causa de pedir que invocaram ... o que, claramente, não lograram fazer quanto à pretendida área de terreno» e «procedendo ao exame crítico das provas» concluiu «que o terreno dos AA tem a área, não de 600 m², mas a de apenas 455,63 m²» (fls. 231).
Nesta acção pretendem os autores se reconheça que o terreno de que são proprietários tem a área de 600 m², sendo que uma tal definição é essencial ao contencioso que no TAC desenvolvem.
A ré não contesta o direito de propriedade dos autores mas tão somente que o terreno tenha a área indicada por aqueles.
Compete a quem demanda (CC- 342º,1) a prova deste facto (a área) a menos que a seu favor disponha de presunção.
A aquisição derivada de um bem imóvel tem obrigatoriamente, sob pena de nulidade, de constar de escritura pública.
O registo predial deve identificar o prédio; para o efeito, o conservador deve verificar não só se o prédio referido nos documentos é o mesmo que consta da descrição como se da inscrição do acto a identificação física, económica e fiscal do prédio fica a constar em conformidade com o documento que titula o acto aquisitivo.
Actualmente a área é uma das menções obrigatórias da descrição.
Não se compreende, pois, sem que se prove uma justificação bastante, que surja, no registo, o prédio dos réus com uma área diferente à constante da escritura.
Esta menção, embora hoje obrigatória, não confere direitos ao titular da inscrição e as contradições entre as áreas constantes da descrição, da matriz e do título, que, inclusive, podem resultar apenas de um erro de medição podem ser resolvidas ou por acordo, ou por processo de rectificação ou pela junção da planta do prédio assinada pelos proprietários confinantes ou por via judicial.
Ainda que a explicação para a conformidade entre registo e matriz possa residir no facto de o CRegPr. procurar conjugar aquele com esta, se, por hipótese, tal tiver sucedido privilegiou-se indevidamente a conjugação em desfavor do título quando a alteração não era no sentido de diminuir mas de aumentar a área que era indicada como a adquirida.
Muito a propósito, escreveu Seabra Magalhães (in Estudos de Registo Predial) - «há-de reconhecer-se, todavia, que o sistema tradicional da descrição dos imóveis não se adequa à exigência de rigor na respectiva identificação, o que se reflecte negativamente na observância do dever de verificação da identidade registral». E, mais adiante, «os prédios são então descritos e actualizados com base em declarações que os intervenientes prestam nos títulos, ou os interessados perante a conservatória, em qualquer caso sem nenhuma espécie de autenticidade nem garantia de precisão» (p. 64-65).
A área, elemento definidor do prédio, não é abrangida pela presunção registral (esta circunscreve-se ao direito inscrito, não se estende à descrição do bem - área e confrontações físicas dele constantes).
O espaço físico ocupado pelo prédio-mãe, com a identidade física, matricial, registral e económica desapareceu, dando lugar a área para infra-estruturas e a novas unidades entre si autónomas (5 delas formando lotes e uma outra tida como a remanescente - esta, a em questão).
Não há nisto qualquer fenómeno de desanexação, sim o desaparecimento de um prédio e o nascimento de novos. O registo predial, devendo reflectir essa nova realidade, não ganha força que não tinha, ou seja, a presunção registral mantém-se na extensão que lhe é própria.
Admissível a prova testemunhal e o tribunal, apreciando toda a prova produzida, onde se incluía a pericial a que procedeu, não estava, para responder àqueles factos, face à exigência de prova vinculada nem podia considerar haver inversão do ónus da prova.
Tinham os autores que invocar e provar a aquisição originária, sendo insuficiente, face ao referido antes recusando-lhe a tabular, a alegação da aquisição derivada (isto, caso a interpretação do seu título autorizasse a leitura que dele fazem os recorrentes). Claudicaram na alegação de factualidade a permitir demonstrar aquele.
O princípio da liberdade de julgamento não impunha a prevalência pretendida pelos recorrentes, escada (embora não só essa; a outra analisar-se-á adiante) a que se arrimam face ao naufrágio da prova dos factos por si articulados (CPC- 655º).
3.- Procedendo ao exame crítico das provas, a Relação concluiu, quanto que o terreno dos autores tem a área, não de 600 m², mas a de apenas 455,63 m².
Para o efeito, considerou que este terreno representa o remanescente dum prédio com a área de 7.680 m² cujo loteamento foi requerido e aprovado pela Câmara Municipal e que, na sequência do respectivo processo, foi autorizada a construção de 5 lotes, tendo-lhe a loteadora doado uma parcela de terreno com a área de 5.428 m²; que antes desse processo e da cedência de áreas para infra-estruturas, a área correspondente à inserção do lote dos autores tinha cerca de 752,52 m²; na sequência da realização de infra-estruturas - o alargamento do caminho, melhoramento da curva que o mesmo faz com a rotunda, a ampliação desta última e construção (em 95/96) do passeio actualmente existente - a Câmara Municipal retirou parcelas que atingiram as áreas de 188 e 108,89 m², ficando o terreno com a dimensão de 455,63 m².
Além de não terem, como se referiu, alegado factualidade que, se provada, autorizasse concluir pela aquisição originária do terreno na descrição física que pretendem (em discussão não está o direito de propriedade sobre o terreno, mas apenas, lembre-se, a sua identificação física na extensão dada pelos autores), outra falha de alegação resulta de não terem concretizado onde fisicamente se situa quer a área cedida para infra-estruturas quer cada um dos lotes formado.
Do facto de se ter provado que o terreno em questão é o remanescente do 'prédio-mãe' não se retira que a área pelos autores indicada como em falha não foi parcialmente absorvida quer por aquela cedida quer por estes ou algum destes lotes.
Por isso, o acórdão faz sentido quando afirma que «recaindo o ónus da prova sobre os autores, a estes competia provar - e não o lograram fazer - que o seu terreno, depois de concluído e concretizado todo o referido processo de cedência de áreas para infra-estruturas, ainda manteria a área de 600 m²»;
Estamos perante ilação que dos factos provados, e respeitando-os, a Relação retirou e não há elementos que permitam inquinar o raciocínio desenvolvido.
A fixação da matéria de facto pertence, em última instância, à Relação e aquela ilação, porque juízo de facto formulado no respeito dos factos provados, não é sindicável pelo STJ.
4.- A análise dos factos constantes das als. e-1) e f-1) não pode ser feita desligando-se do que foi referido sobre o valor da identificação física dos prédios quer na matriz quer no registo predial.
A menção da área não confere direitos ao titular da inscrição e as contradições entre as áreas constantes da descrição, da matriz e do título, que, inclusive, podem resultar apenas de um erro de medição podem ser resolvidas ou por acordo, ou por processo de rectificação ou pela junção da planta do prédio assinada pelos proprietários confinantes ou por via judicial.
Divergiam as partes sobre a área do terreno dos autores; estes recorreram à via judicial mas não alegaram factualidade que permitisse, se provada, concluir que a que acusam em falta integrava e se integra o seu terreno e por eles e seus antecessores foi possuída em termos de ter sido originariamente adquirida.
O reconhecimento, a ter havido (e a Relação pronunciou-se sobre a interpretação dessa matéria de facto - fls. 232), não é modo de adquirir o direito de propriedade (CC- 1.317º) sendo que, face ao concreto pedido, era fundamental a prova da aquisição originária, não bastaria poder haver aquele.
Face ao exposto perde toda a pertinência continuar a conhecer do recurso.
Termos em que se nega a revista.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 18 de Fevereiro de 2003
Lopes Pinto
Ribeiro Coelho
Garcia Marques