Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SANTOS CABRAL | ||
Descritores: | DIREITOS DE DEFESA DIREITO AO RECURSO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONALIDADE DECISÃO QUE PÕE TERMO À CAUSA MULTA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA EXAME CRÍTICO DAS PROVAS IN DUBIO PRO REO | ||
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Nº do Documento: | SJ20080423008993 | ||
Data do Acordão: | 04/23/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO O SUMÁRIO | ||
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Sumário : | I - Mesmo antes de o art. 32.°, n.º 1, da CRP ter passado a especificar o recurso como uma das garantias de defesa – o que sucedeu com a Lei Constitucional 1/97, de 20-09 –, constituía jurisprudência pacífica e uniforme do TC que uma das garantias de defesa é, justamente, o direito ao recurso. Este direito é de há muito identificado por aquele Tribunal com a garantia do duplo grau de jurisdição, “quanto a decisões penais condenatórias e, ainda, quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais”. II - Tal significa que, embora valha no processo penal português o princípio da recorribilidade das decisões judiciais, plasmado no art. 399.° do CPP, do ponto de vista jurídico-constitucional não são ilegítimas, à luz do art. 32.°, n.º 1, da CRP, restrições do direito ao recurso relativamente a decisões penais não condenatórias ou que não afectem a liberdade ou outros direitos fundamentais do arguido. Esta disposição constitucional não imporá, portanto, a concessão ao arguido do direito de recorrer de toda e qualquer decisão judicial que lhe seja desfavorável. III - Segundo o TC, o duplo grau de jurisdição, imposto pelo art. 32.°, n.º 1, da CRP, abrange tanto o recurso em matéria de direito como o recurso em matéria de facto, com a salvaguarda de que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não tem, porém, de «implicar renovação de prova perante o tribunal ad quem, nem tão-pouco que conduzir à reapreciação de provas gravadas ou registadas» (Ac. n.º 573/98, tirado em plenário). Como se refere ainda nesta decisão, «o tribunal colectivo, tendo em conta as regras do seu próprio modo de funcionamento e as que comandam a audiência de discussão e julgamento, constitui, ele próprio, uma primeira garantia de acerto no julgamento da matéria de facto. Depois, no recurso de revista alargada, há também lugar a uma audiência de julgamento, sujeita às regras respectivas, nela podendo haver alegações orais. E, embora esse recurso de revista alargada vise, em regra, tão-só o reexame da matéria de direito, o Supremo Tribunal de Justiça pode, não apenas anular a decisão recorrida, como decretar o reenvio do processo para novo julgamento. Questão (para este último efeito) é que detecte erros grosseiros no julgamento do facto (a saber: insuficiência da matéria de facto, contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova) e que o vício detectado resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum». IV - Não tendo o direito ao recurso sobre a matéria de facto – como decidiu o TC no Ac. n.º 401/91 (inDR I-A, de 08-01-1992) – que implicar renovação de prova perante o tribunal ad quem, nem tão-pouco que conduzir à reapreciação de provas gravadas ou registadas (Ac. n.º 253/92, in DR II, de 27-10-1992), a garantia do duplo grau de jurisdição sobre o facto tem fatalmente que circunscrever-se a uma verificação pelo tribunal de recurso da coerência interna e da concludência de tal decisão, sendo certo que a efectividade de tal reapreciação do acerto da decisão sobre a matéria de facto pelo tribunal ad quem depende, de forma decisiva, da circunstância de ela estar substancialmente fundamentada ou motivada, não através de uma mera indicação ou arrolamento dos meios probatórios, mas de uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto relevante como provado ou não provado. V - O sistema da revista alargada preserva, assim, o núcleo essencial do direito ao recurso, em matéria de facto, contra sentenças penais condenatórias. VI - É insustentável, em termos dogmáticos, defender em abstracto a constitucionalidade, necessariamente obrigatória, da admissibilidade de três graus de recurso. VII - De acordo com o entendimento já expresso por este STJ, decisão que põe termo à causa é aquela que tem como consequência o arquivamento, ou encerramento do objecto do processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito. Em última análise, trata-se da decisão que põe termo àquela relação jurídica processual penal, ou seja, que determina o terminus da relação entre o Estado e o cidadão imputado, configurando os precisos termos da sua situação jurídico-criminal. VIII - A decisão de aplicação de uma multa não configura tal perfil, consubstanciando única e exclusivamente uma decisão de natureza interlocutória e não uma decisão que ponha fim à causa. Consequentemente, por inadmissibilidade do respectivo recurso, não pode, nem deve, o STJ apreciar qualquer patologia concernente ao mesmo. IX - Momento fundamental em processo penal é o julgamento com o objectivo de produzir uma decisão que comprove, ou não, os factos constantes do libelo acusatório e, assim, concretizar, ou não, a respectiva responsabilidade criminal. Nessa concretização, o julgador aprecia livremente a prova produzida, com sujeição às respectivas regras processuais de produção, aos juízos de normalidade comuns a qualquer cidadão, bem como às regras de experiência que integram o património cultural comum, e decide sobre a demonstração daqueles factos, extraindo, em seguida, as conclusões inerentes à aplicação do direito. X - Perante os intervenientes processuais e perante a comunidade, a decisão a proferir tem de ser clara, transparente, permitindo acompanhar de modo linear a forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a decisão sobre a matéria de facto e, também, sobre a matéria de direito. Estamos assim perante a obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador, ou seja, a obrigação de exposição dos motivos de facto e de direito que hão-de fundamentar a decisão. Tal fundamentação implica um exame crítico da prova que se situa nos limites propostos, entre outros, pelo Ac. do TC n.º 680/98, e que já tinha adquirido foros de autonomia também ao nível do STJ com a consagração de um dever de fundamentação no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num determinado sentido. Por essa forma acabaram por obter consagração legal as opções daqueles que consideravam a fundamentação uma verdadeira válvula de escape do sistema permitindo o reexame do processo lógico ou racional que subjaz à decisão. Também por aí se concretiza a legitimação do poder judicial contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre o qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto. XI - A motivação existirá, e será suficiente, sempre que com ela se consiga conhecer as razões do decisor. E é evidente que o dever de fundamentação da decisão começa e acaba nos precisos termos que são exigidos pela necessidade de tornar clara a lógica de raciocínio que foi seguida, não conformando uma obrigação de explanação de todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenrolou a dinâmica dos factos em determinada situação e muito menos de equacionar todas as perplexidades que assaltam a cada um dos intervenientes processuais perante os factos provados. XII - A liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» –, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo. A consequência mais relevante da aceitação destes limites à discricionariedade estará em que, sempre que os mesmos se mostrem violados, será a matéria susceptível de recurso ainda que o tribunal ad quem conheça, em princípio, apenas matéria de direito: é a solução acolhida expressamente no art. 410.º, n.º 2, do CPP, e que a doutrina denomina de «recurso de revista ampliada». XIII - O facto de o tribunal de 1.ª instância ter submetido a sua actuação à regra da livre convicção, nos limites propostos por aqueles princípios, não contende com a possibilidade de o Tribunal da Relação se pronunciar sobre a verosimilhança do relato de uma testemunha ou perito e demais meios de prova, de apreciar a emergência da prova directa ou indiciária e de aí controlar o raciocínio indutivo, pois que estaremos perante uma questão de verosimilhança ou plausibilidade das conclusões contidas na sentença. Por outro lado, a credibilidade em concreto de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que informam a opção do julgador, e estas podem, e devem, ser escrutinadas. XIV - Pode-se, assim, concluir que o recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na perspectiva do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP –, ou determinado a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova. XV - Porém, tal sindicância deverá ter sempre uma visão global da fundamentação sobre a prova produzida, de forma a poder acompanhar todo o processo dedutivo seguido pela decisão recorrida em relação aos factos concretamente impugnados. Não se pode, nem deve, substituir a compreensão e análise do conjunto da prova produzida sobre um determinado ponto de facto pela visão parcial e segmentada eventualmente oferecida por um dos sujeitos processuais. XVI - O princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (art. 32.º, n.º 2, da CRP), vale só em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito: aqui, a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto. XVII - Relativamente, porém, ao facto sujeito a julgamento o princípio aplica-se sem qualquer limitação e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude e da culpa, às condições objectivas de punibilidade, bem como às circunstâncias modificativas atenuantes e, em geral, a todas as circunstâncias relevantes em matéria de determinação da medida da pena que tenham por efeito a não aplicação da pena ao arguido ou a diminuição da pena concreta. Em todos estes casos, a prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido. XVIII - Este STJ tem assumido, genericamente, o entendimento de que o princípio in dubio pro reo se encontra intimamente ligado ao da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP), do qual constitui faceta, e de que este último apenas comporta as excepções integradas no princípio da prova legal ou tarifada ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum. XIX - De tal pressuposto emerge a conclusão de que o aludido princípio se situa em sede estranha ao domínio cognitivo do STJ enquanto tribunal de revista (ainda que alargada), por a sua eventual violação não envolver questão de direito (antes sendo um princípio de prova que rege em geral, ou seja, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário), o que conduz à asserção de que este Supremo Tribunal tão-só está dotado do poder de censurar o não uso do falado princípio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida patentemente insuperável e que perante ele, e mesmo assim, optou por entendimento decisório desfavorável ao arguido. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão que, pela prática, em autoria material, na forma consumada e como reincidente, de um crime de ofensa à integridade física grave agravada pelo resultado, p. e p. pelos arts. 18º, 143º, n.º 1, 144º, al. d), e 145º, n.º 1, al. b), do Código Penal, o condenou na pena de 8 (oito) anos de prisão. As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: Da inconstitucionalidade I. A actual versão do artigo 400, nº 1 f) do CPP é inconstitucional. Citando: f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; II. De facto, a possibilidade de recorrer não pode ficar dependente da medida da pena aplicada pelo tribunal recorrido. III. Ou seja, face a duas situações idênticas e a duas decisões de dupla conforme (1ªe 2ªinstância), ambos os arguidos acusados e condenados pelos mesmos factos, teriam a possibilidade, ou não, de recorrer para o STJ, conforme o tribunal da Relação aplicasse, ou não, pena superior a 8 anos. IV. Salvo o devido respeito, parece-nos que a possibilidade de recorrer, a competência do tribunal e a alçada deve depender da medida da pena abstracta a aplicar e não da pena concreta aplicada. V. A solução hoje em vigor, viola o princípio da igualdade e da não descriminação. Artigo 13º da CRP. VI. De facto, no exemplo supra exposto a possibilidade de recorrer para o ST J ficaria dependente não da gravidade do crime em si e dos factos abstractos dos quais o arguido é acusado, mas da concreta interpretação e aplicação da lei feita pelos tribunais recorridos, que poderiam determinar se a sua decisão seria ou não recorrível. VII. Parece-nos que este regime viola os direitos do arguido e que é face a determinados crimes em abstracto, é imperativa a garantia de 3 graus de recurso. VIII. Tal garantia impõe-se pela importância do crime em abstracto e não pode ficar dependente da aplicação do direito feita nos Tribunais inferiores. IX. De facto, a CRP estabelece Artigo 32 (Garantias de processo criminal) 1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. 2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa. 3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória. 4. Toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais. 5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório. 6. A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento. 7. O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei. 8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. 9. Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior. 10. Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa. Ora, a actual versão do artigo 400, nº 1 f) viola o nº 1 do artigo 32° da CRP, nº 1 e 9 .. De facto, o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. XI. Ora tal garantia, deixa de ser uma garantia se depender da decisão recorrida. De facto, para ser uma garantia tem que ter uma conta a medida abstracta e não a pena concreta. Da omissão de pronúncia XII. O Tribunal da Relação não se pronunciou sobre o recurso de 23-05-2007 e em concreto sobre as seguintes alegações: I. Cabe decerto, ao Presidente do Tribunal dirigir e moderar a discussão, proibindo, em especial, todos os expedientes manifestamente impertinentes ou dilatórios. 11. Com todo o respeito, entendemos que o requerido não é impertinente atento o supra exposto, nem dilatório, pois pretende apenas acelerar o processo e dar-lhe mais celeridade, face à decisão de o Tribunal se pronunciar em momento posterior. 111. Por outro lado, com todo o respeito nunca seria uma conduta manifestamente impertinente ou dilatória. IV. Razão pela Qual se recorre da decisão de aplicar a multa, pois o tribunal recorrido fez uma aplicação errada da Lei e violou o artigo 323. alínea g) do CPP. V. Acresce, que a multa aplicada não indica a sua fundamentação legal. XIII. O Tribunal da Relação não se pronunciou sobre as questões colocadas pelo Procurador da República em 4-09-2007 e em concreto sobre as seguintes alegações: XIV. Existe omissão de pronúncia quando o juiz ou o tribunal colectivo deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e que se encontram no âmbito do objecto da causa. Da falta de fundamentação, erro notório na apreciação da prova e violação do princípio In Dubio Pro Reo XV. O Tribunal recorrido violou o artigo 379.° ao não se pronunciar sobre questões que devia apreciar. XVI. Se assim, não se entender o douto acórdão foi omisso e violou o 410, n° 2 ao não esclarecer os seguintes pontos, decorrentes das contradições dos depoimentos, Qual a razão por que a BB não informou os polícias da agressão? Qual a razão porque a mesma agressão não consta do auto? Qual a razão porque a BB disse: "A polícia viu tudo do princípio ao fim Costuma de estar carros de frente à carrinha e ainda podia ter a desculpa de não poder ver - mas é que naquele dia - não estava carros nenhum deles dava para ver o Intendente todo cá para baixo. E eu a chama-los aí aflita e eles a fazerem sinal de luzes. sem fazerem nada. Se o homem morreu por causa dos polícias, E o pior e que estavam a ver se não tinham feito sinais de luzes. Eles viram tudo. " Estarão os polícias a mentir? Porquê? Qual a razão de 4 polícias escreverem e afirmarem que não viram nada? Havia ou não havia ângulo de visão do carro da PSP para o intendente? Qual o local exacto onde o cc estava? Era visível ou tinha um carro à frente? E ainda o cc estava virado para cima ou para baixo? XVII. Sendo a verdade só uma e presumindo-se que os agentes são pessoas sérias - qual a motivação para a BB imputar um comportamento inidóneo, pouco ético aos agentes ao ponto de afirmar: "Se o homem morreu por causa dos polícias?" XVIII. Porque é que o Tribunal quis ouvir os restantes 3 agentes? Não bastava à sua convicção o depoimento da BB? Se o depoimento da BB fosse absolutamente fidedigno e a convicção do tribunal estivesse 100% a seu favor - porque quis ouvir os agentes? XIX. Ora, o Tribunal tem o dever de procurar a verdade, e não pode omitir esforços, nem pode não se pronunciar no acórdão sobre estes pontos, sob pena não cumprir a sua missão. XX. A ocorrer, tal omissão só poderia ser valorada no sentido da presunção da sua inocência. XXI. Atenta a complexidade e a confusão do processo os termos da acusação e os depoimentos contraditórios da única testemunha ocular face aos depoimentos dos agentes policiais e face ao Arguido, faz todo o sentido aplicar o princípio "in dubio pro Reu". XXII. O Tribunal violou os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo. XXIII. O Tribunal não se pronunciou sobre estas questões com o fundamento de não se tratar de matéria da acusação. XXIV. Ao contrário do alegado pelo Tribunal. a descoberta da verdade material não distingue os factos na acusação e fora da acusação. XXV. Pelo exposto e por se nos afigurar indispensável para a descoberta da verdade e aplicação da Justiça, entende-se que o Tribunal recorrido esteve mal ao omitir resposta às questões acima indicadas. XXVI. O arguido entende ainda existir erro notório de apreciação da Prova. XXVII. Já nas Ordenações do Reino se escrevia: "nunca fariam prova plena para a condenação uma só testemunha, ou pluralidade de testemunhas singulares que depusessem sobre factos diferentes ou defeituosos". XXVIII. De facto, é notória a contradição entre a única testemunha ocular e os 4 agentes, não estão a mentir. XXIX. É notório que as primeiras provas obtidas não apontam para qualquer agressão antes para uma situação de auxílio a uma pessoa que está mal. XXX. O n° 2 do art. 374 do Código de Processo Penal português exige a fundamentação da sentença como pressuposto de sua validade, não se confundindo esta com a simples enumeração dos meios de prova de que se utilizou o julgador para decidir. XXXI. Ora, no presente processo o Tribunal nem se deu conta das contradições dos depoimentos dos vários agentes e da testemunha BB, não estudou, não quis explicar a questão e antes de uma forma passional e emotiva condenou o arguido. (ver depoimentos da BB e dos agentes) XXXII. O valor probatório atribuído aos documentos autênticos como o auto de notícia, tem como pressuposto uma constatação imediata do facto pela autoridade ou funcionário público, no exercício das suas funções. XXXIII. O tribunal violou o artigo 169º do CPP. Da violação das regras de experiência XXXIV. Segundo as regras de experiência, os agentes da Polícia tomam conta das ocorrências de forma diligente e séria. XXXV. A não o fazerem terão que ser responsabilizados criminalmente. XXXVI. Ora, se não se escreveu no auto qualquer referência a uma agressão, identificando no entanto a BB e afirmando que a mesma apenas teria dito estar no local um indivíduo que não estava bem, é porque assim foi. XXXVII. Aliás tal é confirmado no depoimento dos agentes. XXXVIII. Segundo as regras de experiência, as testemunhas ocular de um crime participam o mesmo de imediato à Policia, quando esta está a 20 metros do local. XXXIX. Assim, sendo a verdade una, não resta outra hipótese senão concluir estar a BB a mentir ao vir passado semanas alegar uma agressão, que teria presenciado e não denunciou logo. XL. Por fim a versão do arguido apresentada em audiência é congruente, e está em sintonia com as declarações prestadas no TIC. XLI. De facto, o arguido teve desacatos com um outro indivíduo naquela noite. XLII. Há erro na avaliação da prova e contradição insanável na própria sentença. Ver extractos do depoimento da BB (página 15 e 16) e aos factos provados (página 3). XLIII. Escreve-se que está provado, (Página 3 do acórdão) 1 Na madrugada do dia 12-12-2006, a arguido envolveu-se numa troca de palavras com um indivíduo cuja identidade se desconhece, quando ambos se encontravam no interior do bar "Ferro Velho", sito na Rua dos Anjos, em Lisboa . 2 Na sequência de tal troca de palavras, o arguido foi expulso do bar "Ferro Velho"; 3. De seguida, o arguido permaneceu na via pública, próximo do bar "Ferro Velho", à espera que o referido indivíduo de identidade desconhecida surgisse no local onde se encontrava; XLIV. No entanto a BB (frisa-se única testemunha ocular) disse: Acrescentou a testemunha BB que entretanto também o arguido entrou no "Securas" , que por seu turno encerrou cerca das 02h00. Afirmou a testemunha BB que nesse momento saiu do bar "Securas" e permaneceu no rua, junto deste bar. à espera que uma sua amiga que trabalha no "Securas", a testemunha M...Z..., saísse, a fim de se dirigirem para o Cais do Sodré. Ainda de acordo com a descrição dos factos feita pela testemunha BB , após ter saído do bar "Securas" também o arguido fez o mesmo, (NOTA NÃO FICOU NA RUA PRÓXIMO AO BAR FERRO VELHO• HÁ CONTRADICÃO COM O PONTO 3 PROVADO)altura em que "armou confusão" consigo por, segundo afirmou, o arguido ter pensado que a testemunha BB era a amiga desta com quem anteriormente se havia desentendido. Depois, referiu a testemunha BB, o arguido começou a subir a Rua dos Anjos e cruzou-se com um rapaz• Que por sua vez vinha a descer a mesma rua (NOTA NÃO FICOU NA RUA PRÓXIMO AO BAR FERRO VELHO- HÁ CONTRADICÃO COM O PONTO 3 PROVADO),tendo aquele perguntado a este se lembrava daquilo que tinha feito dentro do bar e desferiu no último um soco. Referiu ainda a testemunha BB que depois de interpelado pelo arguido o rapaz não teve qualquer reacção nem teve tempo de reagir, sendo que o soco desferido pelo arguido deve ter sido com muita força "porque o rapaz caiu direito", Acrescentou ainda a testemunha BB que a discussão que o arguido manteve no bar "Ferro Velho" com um outro indivíduo não teve nada a ver com o rapaz em quem aquele desferiu o soco, pois este rapaz não era a mesma pessoa com quem o arguido se desentendeu no "Ferro Velho". Daí a testemunha BB ter concluído que, face ao comportamento do arguido, este teve que ter confundido o rapaz em quem desferiu o soco com aquele com quem se desentendeu no interior do "Ferro Velho". XLV. Ora, das duas uma ou o arguido ficou na Rua à porta do "Ferro Velho" ou foi ao "Securas" e de seguida subiu a Rua dos Anjos. XLVI. De facto, os dois locais são diferentes e correspondem a situações diferentes, sendo que ou a agressão; ou se deu junto ao Ferro Velho - ou junto ao Securas a subir a Rua dos Anjos. XLVII. A única explicação é que como o arguido alega terão havido 2 agressões, uma a 1 indivíduo não identificado à porta do Ferro Velho (ver depoimentos do arguido), que o arguido confessou erroneamente desde o primeiro interrogatório de arguido preso e que o arguido pensava ser o cc (o arguido só foi confrontado com uma fotografia do CC em audiência) e outra ao CC, que o arguido desconhece e que a BB vá-se saber porquê - imputa ao arguido (por acção) e a 4 agentes da Polícia (por omissão de auxilio) XLVIII. O arguido e os 4 agentes negam a versão da BB. XLIX. O arguido entende estar a BB a mentir e deseja procedimento criminal contra a mesma. L. Desde o primeiro interrogatório que o arguido diz e cita-se folhas 61 dos autos: Decidiu então permanecer no exterior do estabelecimento á espera do referido individuo que perseguia saísse e tendo saído, na altura o indivíduo que lhe havia passado uma rasteira dirigiu-se ao mesmo perguntando-lhe porque lhe tinha feito tal coisa ao que este respondeu desferindo uma cabeçada na sua cara que lhe provocou o partir de dois dentes incisivos tendo por tal desferido ao mesmo uma palmada na zona frontal da sua cabeça que lhe provocou a queda imediata de costas LI. O Tribunal deu erroneamente como provado que o arguido agrediu o CC, sendo que a contradição insanável entre o, depoimento do arguido e dos 4 agentes tiram toda a credibilidade ao depoimento da única alegada testemunha ocular BB. Conclui pedindo a absolvição. Respondeu o Ministério Público referindo, em conclusão, que: 1.° É de admitir o recurso, nos termos dos arts. 399.° e 400.° 1 al. f) do C.P.P., na versão anterior à Lei n.o 48/07, de 29/8; 2.° Estando o recurso interlocutório, interposto a 23/5/07, relacionado com a aplicação de uma multa imposta, de que se alegou, nomeadamente, ter resultado a violação do art. 323.° al. g) do C.P.P., o mesmo não é susceptível de provocar a nulidade a que alude o art. 379.° al. c) do C.P.P., relativamente ao acórdão recorrido; 3. ° Não existe omissão de pronúncia quanto ao alegado pelo Procurador da República em 4-9-07, relacionado com a condenação como reincidente, de que se alegou, nomeadamente, ter havido violação do disposto no art. 359.° do C.P.P. ( alteração substancial de factos); 4.° Com efeito, tal questão resulta tacitamente conhecida pela decisão proferida quanto a outro recurso intercalar interposto pelo ora recorrente, no qual se conheceu de tal matéria em termos da considerar subsumível ao antecedente art. 358.° (alteração não substancial de factos); 5. ° Aliás, do ulterior afastamento daquela condenação como reincidente, resulta manifestamente que não ocorre a nulidade a que se refere o art. 379.° al. b) do C.P.P.; 6.° Não foi violado o art. 169.° do C.P.P., nem as regras da experiência comum a que se refere o art. 127.° do mesmo diploma, face ao que se fez constar no auto de notícia quanto à inexistência de agressão, mais se referindo que tal não foi constatado presencialmente pelo agente autuante; 7. ° Aliás, tal nunca faria prova plena quanto à inexistência de lesões, matéria que é médico-legal e que foi objecto de esclarecimento pericial em sentido contrário, nos termos do art. 159.° do C.P.P.; 8.° Quanto a vícios, e em especial ao erro notório na apreciação da prova, é de entender que o mesmo não ocorre quanto a matéria da agressão a soco que resulta considerada pelo depoimento de uma única testemunha, mas cujo depoimento foi corroborado pelo constante de outros depoimentos, que se refere ao circunstancialismo que antecedeu e sucedeu a mesma; 9.° Da referência feita por 2 testemunhas, quanto ao ora recorrente a dada altura se ter deslocado para próximo de um outro bar, o "Securas" que fica do outro lado da rua do bar "Ferro Velho", não parece que daí resulte contradição insanável quanto à localização que foi dada como provada, mais se precisando que tal ocorreu na esquina à entrada da travessa da Bica na esquina da rua dos Anjos; 10.° Não é de dar lugar a procedimento criminal contra uma dessas testemunhas se a matéria de facto que sustenta esse pedido não consta como provada e a mesma não é susceptível de ser considerada, nos termos do art. 431.° do C.P.P., por não ter sido interposto recurso da matéria de facto. Após a discussão da causa e a produção da prova, encontram-se assentes os seguintes factos, com relevância para a decisão a proferir: Nesta instância o ExºMº Sr. Procurador Geral adjunto igualmente emitiu parecer no qual, em síntese, suscita a questão da admissibilidade do recurso interposto, apontando para a confirmação da decisão recorrida. Os autos tiveram os vistos legais. * Cumpre decidir. Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade: 1. Na madrugada do dia 12-12-2006, a arguido envolveu-se numa troca de palavras com um indivíduo cuja identidade se desconhece, quando ambos se encontravam no interior do bar “Ferro Velho”, sito na Rua dos Anjos, em Lisboa; 2. Na sequência de tal troca de palavras, o arguido foi expulso do bar “Ferro Velho”; 3. De seguida, o arguido permaneceu na via pública, próximo do bar “Ferro Velho”, à espera que o referido indivíduo de identidade desconhecida surgisse no local onde se encontrava; 4. Quando o arguido estava assim posicionado, o CC desceu a Rua dos Anjos, no sentido Avenida Almirante Reis/Largo do Intendente, após ter acompanhado a sua amiga M...M...T..., com quem havia passado o serão em sua casa, até ao cimo da Rua dos Anjos, onde esta faz esquina com a Avenida Almirante Reis, local onde aquela apanhou um taxi; 5. No momento em que o CC se aproximava da Travessa da Bica, onde residia e que é perpendicular à Rua dos Anjos, próximo do aludido bar “Ferro Velho”, o arguido abeirou-se daquele; 6. De seguida, o arguido, confundindo o CC com o aludido indivíduo cuja identidade se desconhece, perguntou àquele se se lembrava daquilo que tinha feito dentro do bar e, sem que o CC tenha esboçado qualquer reacção, por palavras ou gestos, logo de imediato o arguido desferiu um violento soco no lado esquerdo da cabeça do CC, na zona do olho esquerdo deste; 7. O indivíduo com quem o arguido manteve a troca de palavras no interior do bar “Ferro Velho” a que supra se faz alusão não se tratava do CC; 8. Mercê do impacto causado pelo soco desferido pelo arguido, o CC foi de imediato projectado para o solo, onde caiu desamparado, batendo com a cabeça no passeio; 9. Na sequência da queda, o CC ficou imóvel e inconsciente no solo, com uma respiração ofegante e curta; 10. Em resultado do soco desferido pelo arguido e da queda consequente, o CC sofreu as seguintes lesões internas: - Infiltração sanguínea no pericranio, na região frontal anterior esquerda, com eixo maior transversal com 6cm de comprimento e 2 cm de largura; - Infiltração sanguínea no músculo temporal esquerdo, com 12 cm de comprimento e 2,5 cm de largura; - Fractura de calote craniana com início no osso frontal, logo atrás da crista lateral esquerda do osso frontal, e terminando no osso parietal esquerdo; - Fractura da base do crânio, interessando ambos os andares anteriores e corpo do osso esfenóide; - Hematoma epidural, sobre o lobo parietal esquerdo, com 6cmx5cm, com 0,2cm de espessura média; - Hematoma subdural sobre os lobos frontal e temporal direitos, com compressão do pólo frontal; - Infiltração sanguínea nas leptomeninges; - Focos de contusão nos lobos frontais e temporais; - Edema acentuado do encéfalo; 11. Em consequência destas lesões crânio-vasculo-encefálicas, o CC morreu; 12. O arguido tinha conhecimento de que desferia um soco em alguém nas circunstâncias acima descritas e, ainda assim, quis agir dessa forma; 13. O arguido tinha consciência de que ao agir pela forma descrita, podia pôr em perigo a vida do CC, conformou-se com essa possibilidade, confiando que a morte deste não sobreviria, como sobreveio, em consequência de tal agressão; 14. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei; 15. O arguido encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos, ininterruptamente, desde 22-12-2006, tendo sido detido na mesma data; 16. O arguido nasceu em Cabo Verde e é oriundo de uma família numerosa de 8 irmãos, sendo 3 uterinos e 5 consanguíneos, de baixo estatuto sócio-económico e cultural; 17. O arguido começou a trabalhar com 8 anos de idade, na pesca, tendo ainda executado trabalhos na área da construção civil, juntamente com o progenitor; 18. Neste contexto, a escola enquanto processo de socialização normal, não foi valorizada, tendo-a o arguido abandonado logo após ter concluído a 4ª classe; 19. O arguido frequentou cursos de formação, de ladrilhador e serralharia civil, bem como no campo das artes marciais; 20. O arguido emigrou para Portugal com cerca de 17 anos de idade, procurando alternativas de vida mais favoráveis, tendo o seu desempenho laboral ocorrido sobretudo no ramo da construção civil; 21. A actividade profissional do arguido em Portugal nem sempre teve um carácter contínuo, foi caracterizada por uma grande mobilidade, bem como por dificuldades decorrentes da oferta de emprego; 22. O arguido tem dois filhos, de idades próximas, resultantes de dois relacionamentos afectivos, tendo chegado a contrair matrimónio, mas encontrando-se o processo de divórcio a decorrer há já alguns anos; 23. O consumo de álcool fez parte dos hábitos do arguido, com repercussões negativas no seu comportamento com os outros, designadamente no âmbito dos relacionamentos afectivos; 24. Antes de se encontrar preso preventivamente, o arguido teve a sua residência no Cacém mas, em consequência de incumprimento do pagamento do respectivo empréstimo bancário, passou a viver em casa de uma companheira, mãe de um dos seus descendentes; 25. Esta companheira do arguido evidencia problemas do foro mental; 26. Ainda antes de se encontrar preso preventivamente, o arguido trabalhava como pedreiro para a empresa “Cimera” há cerca de dois anos, inicialmente integrado num regime de subempreitada e, nos últimos cerca de sete meses, como contratado pela referida empresa; 27. Esta empresa está disposta a reintegrar novamente o arguido; 28. Consta do relatório social elaborado nos presentes autos relativo às condições pessoais e à situação económica do arguido que no que a este se refere “será de assinalar, ao que tudo indica, alterações de comportamento, sendo a agressividade/impulsividade, uma das possíveis formas de expressão, no decurso do consumo por vezes excessivo de bebidas alcoólicas, com possíveis alterações na percepção dos seus comportamentos e acontecimentos, sendo ainda baixos os níveis de tolerância a qualquer frustração/contrariedade”; 29. No Estabelecimento Prisional onde se encontra, o arguido trabalha na cozinha e tem beneficiado de visitas, sobretudo, as mais regulares, da companheira; 30. Por sentença proferida em 21-02-1995 nos autos de processo comum singular com o n.º 1094/93 da 2ª Secção do 5º Juízo Criminal de Lisboa, o arguido foi condenado pela prática em 28-02-1993 de um crime de dano na pena de 7 meses de prisão, que foi declarada perdoada; 31. Por acórdão proferido em 23-03-1995 nos autos de processo comum colectivo com o n.º 312/94 da 1ª Secção da 10ª Vara Criminal de Lisboa, o arguido foi condenado pela prática em 30-04-1990 de um crime de incêndio na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, e em pena de multa, tendo aquela suspensão vindo a ser revogada; 32. Por acórdão proferido em 17-11-1997 nos autos de processo comum colectivo com o n.º 51/97 da 1ª Secção da 9ª Vara Criminal de Lisboa, o arguido foi condenado pela prática em 04-01-1997 de um crime de violação de domicílio, de um crime de dano e de dois crimes de ofensa à integridade física, nas penas, respectivamente, de 7 meses de prisão, de 7 meses de prisão e de 14 meses de prisão por cada um dos crimes de ofensa à integridade física e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos de prisão; 33. Por acórdão proferido em 06-11-1998 nos autos de processo comum colectivo com o n.º 557/96.9PGLSB da 2ª Secção da 4ª Vara Criminal de Lisboa, transitado em julgado em 08-11-1999, o arguido foi condenado pela prática em 11-12-1996 de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, n.º 1, als. a) e b), e 131º, do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão; 34. Neste processo foi realizado cúmulo jurídico da pena no mesmo imposta ao arguido com aquelas que ao mesmo foram aplicadas no aludido processo 51/97, tendo o arguido sido condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão; 35. O arguido iniciou o cumprimento desta pena única de prisão em 12-12-1997 e foi colocado em liberdade condicional em 09-12-2002; 36. O CC tinha 35 anos de idade; 37. Era licenciado em psicologia, gostava de fotografia, era solteiro e vivia sozinho, em casa própria, que tinha adquirido há cerca de 6 anos, sita na Travessa da Bica, em Lisboa; 38. O CC trabalhou durante 10 anos para a CP; 39. O CC era pessoa saudável, alegre, optimista, bem disposta, dedicada à família e amigos e com gosto pela vida; 40. Entre o momento em que o arguido desferiu o soco no CC, cerca das 02h00 do dia 12-12-2006, e as 18h10 do dia 13-12-2006, quando o segundo faleceu, este sofreu dores; 41. A demandante civil DD é mãe do falecido CC e a sua única herdeira; 42. A morte do CC causou à demandante civil desgosto, dor, tristeza e um vazio que nunca preencherá. * II.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA Da acusação do Ministério Público, não se provou que: a) Na madrugada do dia 12-12-2006, o arguido envolveu-se numa troca de palavras com o CC, quando ambos se encontravam no interior do bar “Ferro Velho”, sito em Lisboa; b) Na madrugada do dia 12-12-2006, o CC esteve no interior do bar “Ferro Velho”, em Lisboa; Do pedido de indemnização civil, não se provou que: c) O CC licenciou-se no ISPA com média de 18 valores; d) Em Dezembro de 2006, o CC frequentava dois cursos de formação, iniciados em 22-05-2006 e em 23-10-2006, auferindo mensalmente cerca de €600,00; e) O CC preparava-se para iniciar um estágio de psicologia no Hospital de São Francisco Xavier; f) No período temporal referido no ponto 40. que antecede o CC sofreu angústia. * I A primeira questão suscitada pelo recorrente incide sobre a admissibilidade do recurso interposto, invocando a inconstitucionalidade de disposições processuais penais cuja aplicação não foi colocada em casa, muito menos com o sentido por si pretendido. Nesta conformidade não existisse a circunstância de, posteriormente, o Exmº Sr.Procurador Geral Adjunto suscitar a questão da admissibilidade nem sequer haveria que enunciar qualquer pronúncia sobre tal matéria. Sobre esta questão dir-se-á: Na redacção anterior a 15 de Setembro de 2005, dispunha o artigo 400 alínea f) do Código de Processo Penal que não era admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso pela relações que confirmem decisão de primeira instância em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos mesmo em caso de concurso de infracções. No dia 15 de Setembro de 2007 entrou em vigor a Lei 48/2007 que introduziu a denominada Reforma de Processo Penal. Na mesma altera-se o teor do referido artigo 400 e estabelece-se uma nova alínea f) do número 1 que vem concretizar a admissibilidade do recurso da mesma decisões unicamente em relação á pena efectivamente aplicada. Aquela alteração entrou em vigor no dia 15 de Setembro (artigo 7 da referida Lei) É distinta e relevante a projecção dos regimes definidos nas duas redacções do artigo em causa no tocante á matéria do presente recurso. Na verdade, face á lei, na redacção anterior, o presente recurso era admissível e face á lei nova tal admissibilidade não é possível. Questão de aplicação da lei no tempo sobre a qual regula o artigo 5 do Código de Processo Penal que proclama a imediata aplicação da lei processual penal, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior. Á regra geral sucedem duas excepções consignadas no número 2 do normativo em causa e que se referem: a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa. b)Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo. Pela forma citada consagra-se o principio “tempus regit actum” o qual se conjuga com o princípio do respeito pelo anterior processado. Sobre tal conjugação se pronunciou Castanheira Neves referindo que o problema da aplicação das leis no tempo só surge, portanto, porque certas circunstâncias podem, porventura, justificar o pretender-se que esta distribuição natural de tempos e domínios de vigência não coincida com o campo de aplicação das normas a que esses domínios de vigência se referem. Por outras palavras, acrescenta, pode em certos casos pretender-se que a "solução natural" sofra excepções: ou aplicando-se a lei a factos que decorreram num período anterior ao da sua vigência (i. é, retroactivamente), ou deixando de aplicar-se a factos que se verificam nesse período (não sendo assim, ou nesses casos, a lei de aplicação imediata). E porque a primeira pretensão vai geralmente referida ao direito material - pretende-se submeter a uma nova e diferente apreciação um facto anterior ou os seus efeitos -, e a segunda tem sobretudo a ver com o direito processual - pretende-se ou põe-se a questão de saber se um acto ou situação processual embora actual, mas integrada na unidade de um processo que teve o seu início num período anterior de vigência, não deverá continuar a regular-se pela lei anterior -; porque é assim, porque essa pretensão excepcional relativamente ao direito material é o da retroactividade, e a pretensão excepcional relativamente ao direito processual é a de não aplicação imediata, é que se enunciam os princípios que se lhes opõem (i. é, que visam negar, em gerai, a validade e as excepções - para o princípio da não-retroactividade, para aqui o princípio da vem algo mais do que a solução natural - aquela que sem eles se imporia pela própria natureza temporal das leis _ na medida em que visam repelir em geral aquelas excepções. Nestes termos, adianta o mesmo Mestre, o problema em direito processual (criminal) põe-se assim: "a lei só dispõe para o futuro", mas no "futuro", i. é, depois do início do seu domínio de vigência, é naturalmente só ela que dispõe - por outras palavras, é de aplicação imediata. As excepções decorrem em primeiro lugar, do próprio princípio de que resulta que os actos e as situações processuais praticados e verificados no domínio da lei anterior terão o valor que essa lei lhes atribuir. Só que sendo eles actos e situações de um "processo" - a desenvolver, como tal, num dinamismo de pressuposto para consequência -, decerto que muitas vezes o respeito pelo valor desses actos e situações implicará o ter de aceitar-se o seu intencional desenvolvimento processual. E implicá-lo-á sempre que a nova regulamentação desses desenvolvimentos (os actuais) não puder integrar-se unitariamente com o sentido e valor dos actos seus pressupostos, se houver entre aquela nova regulamentação e este valor uma contradição normativa. Nesses casos o respeito pelo valor dos actos anteriores justifica uma excepção: o desenvolvimento processual desses actos continuará a ser regulamentado pela lei anterior. A menos que para a intenção de verdade e de justiça, porque esteja dominada a nova lei, seja intolerável a persistência da lei anterior. Em segundo lugar, não fica excluído que se justifiquem excepções à aplicabilidade imediata da nova lei por aquelas mesmas razões que levam a excluí-la também em direito criminal - para dar plena eficácia aos princípios nullum crimen ... , nulla poena ... (recorde-se que a nova lei criminal já será de aplicação imediata se daí resultar benefício para o autor do delito). É assim que se deverá excluir a aplicação da nova lei processual sempre que essa aplicação a um processo pendente pudesse traduzir-se indirectamente numa incriminação ou numa agravação, insusceptíveis de se verificarem pela aplicação da lei processual anterior - pense-se, p. ex., na atribuição do processo agora a um tribunal especial cujo estatuto fizesse prever aquelas consequências. O sentido desta justificação dar-nos-á também, em terceiro lugar, o critério por que se deverá, no problema em causa, decidir a qualificação (como material ou processual) de alguns institutos mistos de efeitos materiais e processuais. Assim 1) a prescrição (fundamento de exclusão de pena e pressuposto processual) 2) a denúncia e a acusação particular( condição de punibilidade e condições de procedibilidade); 3) o caso julgado (extinção do jus puniendi e excepção processual); 4) a exterritorialidade (fundamento de exclusão de punibilidade e impedimento de procedibilidade) Pronunciando-se sobre o tema em apreço Taipa de Carvalho acentua a distinção entre normas processuais penais materiais e normas processuais materiais formais tornado tal distinção o eixo da resolução da questão de aplicação da lei processual penal no tempo. Insurgindo-se contra a aceitação superficial do principio da aplicação imediata das leis processuais penais na sua globalidade o mesmo Autor chama á colação os cultores de visão imediatista, segundo a qual toda a norma que directamente condicionasse (p. e., queixa e prescrição), orientasse (p. e., espécies de prova) ou pressupusesse (p. e., prisão preventiva) o processo era uma norma exclusivamente processual, partiam para a afirmação indiscutível do princípio da aplicação imediata. Tal aplicação imediata, no seu entender, menospreza as rationes juridico-política e politico-criminal da aplicação da lei penal favorável e descura a distinção entre normas processuais penais materiais e normas processuais penais formais. Esquecem-se, adianta Taipa de carvalho, que as primeiras (de que são exemplos, como já referimos, a queixa, a prescrição, as espécies de prova, os graus de recurso, a prisão preventiva, a liberdade condicional) condicionam a efectivação da responsabilidade penal ou contendem directamente com os direitos do arguido ou do recluso, enquanto que as segundas (de que são exemplos as formas de citação ou convocação, a redacção dos mandados, as formas de audição e registo dos intervenientes processuais: estenografia, video, etc., prazos de notificação do arguido, formalidades e prazos dos exames periciais, formalidades e horários das buscas), regulamentando o desenvolvimento do processo, não produzem os efeitos juridico-materiais derivados das primeiras. De tal pressuposto arranca o mesmo Autor para afirmar a sujeição das normas processuais penais materiais ao princípio constitucional da aplicação da lei penal favorável: proibição da retroactividade desfavorável e imposição da retroactividade favorável (CRP, Arts. 18.0, nº 2 e 3, 29.nº 4 - 2.a Parte, 282. nº3 2ª. Parte; CP, ART. 2º, nº4) Argumenta com a circunstância de a ratio de garantia política do cidadão face a possíveis decisões legislativas ou judiciais arbitrárias ou mesmo persecutórias, ao mesmo tempo que determinou a consagração constitucional da proibição da retroactividade da lei penal posterior desfavorável, determina a sua aplicabilidade às referidas normas processuais penais materiais - ubi eadem ratio, ibi eadem iuris dispositio. Também nestas, os direitos do arguido e do recluso estão em causa, não deixando, portanto, de estar sempre presente a possibilidade de o poder punitivo tentar servir-se de alterações legislativas posteriores ao tempus delicti para agravar retroactivamente a situação jurídica dos referidos arguido ou recluso. A ratio político criminal constitucionalmente consagrada na lei fundamental portuguesa conduz, por sua vez, á aplicação retroactiva das normas processuais penais materiais favoráveis. Favoráveis, quer quando da sua aplicação resulta a impossibilidade ou redução das possibilidades de aplicar a pena (caso do encurtamento dos prazos de prescrição ou da exigência de queixa) em consequência da nova concepção politico criminal que a lei nova incarna quer quando da sua aplicação aumentam direitos de defesa do arguido (p. e., aumento dos graus de recurso ou eliminação da suficiência probatória de determinado meio de prova) ou as possibilidades de o recluso ver, efectivamente, reduzida a pena (p. e., aumento do período de liberdade condicional). Ainda segundo o mesmo Autor o principio da irretroactividade desfavorável e da retroactividade favorável da lei penal- em que se incluem as normas processuais penais materiais - afirmado no citado art. 29º da Constituição- não será mais do que a concretização, no campo jurídico-penal, das razões de garantia politica e da máxima restrição possível das intervenções estaduais nos direitos, liberdades e garantias, proclamadas pelo artigo 18 do mesmo diploma fundamental. Deste modo, tem de concluir-se que a sucessão de leis processuais materiais rege-se pelos princípios constitucionais de proibição de retroactividade da lei penal desfavorável e da imposição da retroactividade da lei penal favorável. Estes princípios que foram, pelo art. 29 da CRP elevados à dignidade penal, estão consagrados no art. 2º nº4 do Código Penal. No desenvolvimento do seu argumentário conclui que o artigo 5 do Código de Processo Penal tem um campo de aplicação limitado ás normas processuais formais o que aliás é expresso na sua afirmação de que “apesar de o inovador art. 5º do novo Código de Processo Penal de 1988 (421) referir, no n. ° 2-a), a aplicabilidade da lei processual vigente no inicio do processo penal, quando da aplicação imediata. da lei nova resultar um «agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente do seu direito de defesa», há que afirmar claramente que todo este artigo só é aplicável às leis (normas) processuais penais formais. Nestas, sim, o princípio geral é o da aplicação imediata - tempus regit actum (CPP, 5.°, 1 -, sendo a excepção a aplicação da L.N. só aos processos iniciados depois da sua entrada em vigor, o que significa a ultra actividade da LA (CPP, 5.°, 2, b))”. Tese sem dúvida sugestiva, e acentuando uma destrinça fundamental, tem contra si a circunstância de efectuar uma interpretação restritiva do artigo 5 do Código de Processo Penal que não tem fundamento na letra ou no espírito da lei e que, ao invés do adequado método dedutivo de interpretar a lei e concluir, antes elabora, em primeiro lugar, a conclusão para em seguida induzir a interpretação adequada a tal conclusão. Na verdade, a questão de aplicação de aplicação da lei processual penal é regulada no citado artigo 5 em qualquer uma das facetas policromáticas que apresenta e quer estejam em causa normas processuais materiais quer formais. Como já bem acentuava Figueiredo Dias o eixo fundamental de decisão da mesma questão é a posição processual do arguido e, nomeadamente, o seu direito de defesa. Na verdade, para este Mestre a aplicação temporal da lei processual penal acentua-se em regra que ela "só dispõe para o futuro", mas que esta regra será respeitada logo que a lei nova se aplique a actos processuais que tenham lugar já no seu domínio de vigência, mesmo que o processo tivesse sido instaurado (ou a infracção a que se refere tivesse sido cometida) no domínio da lei antiga. Para alguns, adianta, o princípio da legalidade só tem incidência substantiva e não processual, a que acresceria o carácter instrumental e a natureza publicistica das normas processuais. Quando muito haveria que ressalvar aqui, como em geral, o valor que a lei antiga atribuiu a actos praticados e a situações verificadas no seu domínio de vigência e que agora não deveria ser posto em causa Esta doutrina não merece o inteiro aplauso de Figueiredo Dias que, pronunciando-se sobre a mesma, refere que é a dominante; mas não parece que seja a melhor. Assim, adianta, logo que a circunstância de o processo ser constituído por uma longa e complexa tramitação, em que os diversos actos se encadeiam uns nos outros de forma por vezes inextricável, pode conduzir a que se deva aplicar uma alteração legislativa processual apenas aos processos iniciados na vigência da lei nova - mesmo que a solução contrária não conduza directamente a pôr em causa o valor de um certo acto ou situação constituído à sombra da lei antiga Em segundo lugar, e sobretudo, sabemos já que - para além do nulo valor da invocação da «instrumentalidade» do processo - o princípio jurídico-constitucional da legalidade se estende, em certo sentido, a toda a repressão penal e abrange, nesta medida, o próprio direito processual penal. Aqui deparamos com o essencial: tal como vimos suceder no problema da analogia, importa que a aplicação da lei processual penal a actos ou situações que decorrem na sua vigência, mas se ligam a uma infracção cometida no domínio da lei processual antiga, não contrarie nunca o conteúdo da garantia conferida pelo princípio da legalidade. Daqui resultará que não deve aplicar-se a nova lei processual penal a um acto ou situação processual que ocorra em processo pendente ou derive de um crime cometido no domínio da lei antiga, sempre que da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido ou, em particular, uma limitação do seu direito de defesa. Temos, assim, por adquirido que, face ao artigo 5 do Código de Processo Penal, a não aplicação imediata da alteração cominada no processo penal pela Lei 48/87 apenas se poderá sufragar numa das duas situações previstas no número 2 ou seja: Quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido nomeadamente um limitação do seu direito de defesa. A alteração da competência do Supremo Tribunal de Justiça implica uma desarmonia processual? -Pensamos que a resposta necessariamente tem de ser negativa e que a articulação da sequência de actos processuais não é minimamente beliscada pela aplicabilidade da lei nova. É evidente que o facto de o recurso ter sido admitido com uma determinada conformação formal, e dirigido a este Supremo Tribunal, não tem qualquer relevância para afirmação de uma desadequação dessa índole. A aplicação da lei nova não tem qualquer consequência em termos de passado, ou em termos de futuro, em relação á harmonia e regularidade dos actos processuais que consubstanciam o processo penal. Subsiste assim uma segunda ordem de reserva que se situa na posição processual, maxime no direito de defesa do arguido Com já tivemos ocasião de referir o direito de defesa do arguido integra um complexo de direitos parcelares que constituem, em última análise, o seu estatuto processual. Para Figueiredo Dias a concessão daqueles autónomos direitos processuais, legalmente definidos, corresponde ao reconhecimento do arguido como sujeito, e não como objecto de processo. Os actos processuais do arguido deverão ser, assim, expressão da sua livre personalidade e da cidadania. Como sujeito processual penal assistem ao arguido relevantes direitos entre os quais o direito de audiência; o direito de presença; direito de assistência do defensor e direito à interposição de recursos. Aspecto importante da sua defesa material é exactamente o seu direito de, em qualquer momento e em qualquer fase do processo, apresentar requerimentos exposições ou memoriais que tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais, desde que se contenham dentro dos limites do processo, e tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. No caso vertente a aplicação da lei nova terá como resultado directo a negação da sindicabilidade da decisão recorrida por este Supremo Tribunal de Justiça. Em contrapartida, a aplicação da lei antiga abre campo a tal recorribilidade. Assim, é evidente que o direito ao recurso, étimo do direito de defesa, assume uma dimensão qualitativamente mais densa face á lei antiga uma vez que esta o admite, contrariamente á lei nova. Nesta conformidade, e aplicando-se a redacção anterior do artigo 400 do Código de Processo Penal proceder-se-á á sindicância da decisão recorrida. * II Ainda em referência a pretensa inconstitucionalidade ocorre-nos uma profunda perplexidade perante a tese ensaiada pelo recorrente do direito aos três graus de recurso, tese essa que constitui algo de absolutamente inovador em termos doutrinais ou jurisprudenciais. Na verdade, é certo que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal. Mesmo antes de o artigo 32.°, nº1, da Constituição da República Portuguesa ter passado a especificar o recurso como uma das garantias de defesa, o que sucedeu com a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, constituía jurisprudência pacífica e uniforme do Tribunal Constitucional que uma das garantias de defesa, de que fala o nº1 do artigo 32.°, é, justamente, o direito ao recurso. Este direito ao recurso, como garantia de defesa, é de há muito identificado pelo Tribunal Constitucional com a garantia do duplo grau de jurisdição, "quanto a decisões penais condenatórias e, ainda, quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais" . O exposto significa que, embora valha no processo penal português o princípio da recorribilidade das decisões judiciais, plasmado no artigo 399.° do Código de Processo Penal (CPP), do ponto de vista jurídico-constitucional não são ilegítimas, à luz do artigo 32.°, nº 1, da CRP, restrições do direito ao recurso relativamente a decisões penais não condenatórias ou que não afectem a liberdade ou outros direitos fundamentais do arguido. Esta disposição constitucional não imporá, portanto, a concessão ao arguido do direito de recorrer de toda e qualquer decisão judicial que lhe seja desfavorável. Segundo o Tribunal Constitucional, o duplo grau de jurisdição, imposto pelo artigo 32.°, nº 1, da CRP, abrange tanto o recurso em matéria de direito, como o recurso em matéria de facto, com a salvaguarda de que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não tem, porém, de "implicar renovação de prova perante o tribunal ad quem, nem tão-pouco que conduzir à reapreciação de provas gravadas ou registadas (Acórdão nº 573/98 tirado em plenário). Como se refere ainda nesta decisão “o tribunal colectivo tendo em conta as regras do seu próprio modo de funcionamento e as que comandam a audiência de discussão e julgamento, constitui, ele próprio, uma primeira garantia de acerto no julgamento da matéria de facto. Depois, no recurso de revista alargada, há também lugar a uma audiência de julgamento, sujeita às regras respectivas, nela podendo haver alegações orais. E, embora esse recurso de revista alargada vise, em regra, tão-só o reexame da matéria de direito, o Supremo Tribunal de Justiça pode, não apenas anular a decisão recorrida, como decretar o reenvio do processo para novo julgamento. Questão (para este último efeito) é que detecte erros grosseiros no julgamento do facto (a saber: insuficiência da matéria de facto, contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova) e que o vício detectado resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”. Não tendo o direito ao recurso sobre a matéria de facto - como decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 401/91 (publicado no Diário da República, I série-A, de 8 de Janeiro de 1992) - que implicar renovação de prova perante o tribunal ad quem, nem tão-pouco que conduzir à reapreciação de provas gravadas ou registadas - Acórdão n.º 253/92 (publicado do Diário da República, II série, de 27 de Outubro de 1992) -, a garantia do duplo grau de jurisdição sobre o facto tem fatalmente que circunscrever-se a uma verificação pelo tribunal de recurso da coerência interna e da concludência de tal decisão; e sendo certo que a efectividade de tal reapreciação do acerto da decisão sobre a matéria de facto pelo tribunal ad quem depende, de forma decisiva, da circunstância de ela estar substancialmente fundamentada ou motivada - não através de uma mera indicação ou arrolamento dos meios probatórios, mas de uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto relevante como provado ou não provado. O sistema da revista alargada preserva, assim, o núcleo essencial do direito ao recurso, em matéria de facto, contra sentenças penais condenatórias - direito que, recorda-se, está compreendido no princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. (1) Sustentar em abstracto a constitucionalidade, necessariamente obrigatória, da admissibilidade de três graus de recurso é inadmissível em termos dogmáticos e impraticável em termos práticos. Invocar o principio da igualdade como arrimo daquela inconstitucionalidade é ignorar o significado da principio constitucional-artigo13 da Constituição- o qual, como principio estruturante do Estado de Direito, tem o significado de uma igual posição de direitos e deveres dos cidadãos perante a lei. Nesta conformação, e como referem Canotilho e Moreira (2) a proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. Porém, a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igualou desigualmente. Só quando os limites externos da «discricionariedade legislativa» são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma «infracção» do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio. Não se vislumbra assim a lógica do requerente cuja lógica enferma desde logo, e á partida, do facto de suscitar a constitucionalidade de um preceito processual numa dimensão que não tinha sido concitado nos presentes autos. III Invoca a recorrente que a decisão recorrida está incursa numa omissão pelo facto de não se ter pronunciado sobre o recurso interposto em 23-05-2007 o qual incidia sobre uma decisão que aplicou uma multa. Certamente que existe uma lapso na invocação feita. Na verdade, dispõe o artigo 432 b) do Código de Processo Penal que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400 do mesmo diploma. Por seu turno refere o artigo 400 nº1 alínea c) do mesmo Código que não é admissível recurso dos acórdãos proferidos em recurso pelas relações que não ponham termo á causa. A questão a decidir refere-se, assim, á competência deste Supremo Tribunal para conhecer do recurso interposto, ou seja definir se a decisão recorrida constitui, ou não, um “terminus” processual relevante nos termos dos artigos citados. Estamos em crer que a questão em apreço se prende com a própria estrutura e princípios do direito processual penal. Na verdade, na perspectiva jurídica assumida pela lei adjectiva aquele ramo do direito surge como uma regulamentação disciplinadora de investigação e esclarecimento de um crime concreto, que permite a aplicação de um consequência jurídica a quem, com a sua conduta, tenha realizado um tipo de crime. Nesta medida ele constitui, de um ponto de vista formal, um «procedimento» público que se desenrola desde a primeira actuação oficial tendente àquela investigação e esclarecimento até à obtenção de uma sentença com força de caso julgado ou até que se execute a reacção criminal a que o arguido foi condenado. Procedimento este que põe em causa não apenas o arguido, na sua relação com o detentor do poder punitivo representado pelos órgãos que no processo intervêm, mas uma série de «terceiros» -as testemunhas, os declarantes, os peritos, os intérpretes que estabelecem entre si e com os sujeitos processuais as relações jurídicas mais diversas e assumem no processo diferentes posições jurídicas. Foi justamente para se abranger juridicamente toda esta diversidade, apreendendo o processo como um unitário, que se procurou caracterizá-lo como relação jurídica processual. Tal relação, com bem aponta o Professor Figueiredo Dias deverá ter subjacente uma compreensão como relação da vida social controlada pelo direito. O conceito de relação jurídica processual penal terá então, ao menos, o efeito útil de dar a entender, com nitidez, que, com o inicio do processo penal, se estabelecem necessariamente relações jurídicas entre o Estado e todos os diversos sujeitos processuais -se bem que a posição jurídica destes seja a mais diversa e diferenciada e que dali nascem para estes direitos e deveres processuais. Nessa perspectiva nos parece de assumir o entendimento já expresso por este Supremo Tribunal no sentido de que a decisão que põe termo á causa é aquela que tem como consequência o arquivamento, ou encerramento do objecto do processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito. Em última análise trata-se da decisão que põe termo aquela relação jurídica processual penal, ou seja, que determina o “terminus” da relação entre o Estado e o Cidadão imputado configurando os precisos termos da sua situação jurídico-criminal. A decisão em causa, de aplicação de uma multa, manifestamente que não configura tal perfil, consubstanciando única e exclusivamente uma decisão de natureza interlocutória e não uma decisão que ponha fim á causa. Consequentemente, impõe-se a conclusão de que, por inadmissibilidade do respectivo recurso, não pode, nem deve, este Supremo Tribunal de Justiça apreciar qualquer patologia concernente ao mesmo. Aliás, logo á partida é manifesta a desadequação da interpelação a este Supremo Tribunal de Justiça que tem na sua génese o pagamento de uma multa processual. E o próprio princípio da proporcionalidade deveria constituir um sinal de alarme para o recorrente, obviando uma inadmissível pretensão de transplantar a patologia inerente ao recurso interlocutório em causa para a validade da decisão emitida. Sem qualquer suporte jurídico surge, ainda, uma invocação de omissão de pronuncia em relação ao cumprimento do disposto no artigo 359 do Código de Processo Penal no que respeita á imputada reincidência. Na verdade, a decisão recorrida dedica fls 21 ; 22 e 23 à invocada violação do artigo 358 do diploma citado, considerando procedente o recurso, afastando a agravante da reincidência e diminuindo a pena aplicada de oito para sete anos de prisão. O recorrente pretende que este Supremo Tribunal de Justiça declare uma omissão da decisão recorrida sendo certo que esta decisão, de forma completa e juridicamente escorreita, equacionou e decidiu a questão que lhe era proposta. A decisão da inexistência dos pressupostos factuais conducentes á respectiva declaração de reincidência tornam inconsequentes as considerações sobre as posições do Ministério Público em relação ao momento lógico anterior àquela decisão IV O recorrente fez apelo ao catálogo dos vícios processuais e inconstitucionalidades e, numa técnica jurídica questionável, equaciona as mesma em alternativa ou seja, apela á existência do vicio do artigo 379 (presume-se que do Código de Processo Penal) para logo acrescentar que, senão é esta a patologia, então sempre existirá a violação do artigo 410 do mesmo diploma. Com o intuito de integrar em concreto aqueles vícios o recorrente enuncia depois várias perplexidades e dúvidas que, em seu entender, o tribunal recorrido deveria compartilhar e resolver. Desde o motivo pelo qual a agressão não consta do auto; o ângulo de visão do carro da policia ou se a vítima estava virada para cima, ou para baixo, é toda uma constelação de interrogações sobre factos que, na perspectiva do recorrente, a decisão recorrida deveria ter respondido. Em seguida enuncia uma segunda premissa de lógica argumentativa ao referir que, ausência da procura da verdade, faz sentido aplicar o princípio in dubio pro reo e, de forma implícita, mas nem por isso menos transparente, dever o recorrente ser absolvido. Subjacente a tal discurso está uma manifesta confusão de conceitos, e omissão da função deste Supremo Tribunal de Justiça em consequência do que surgem conclusões inadmissíveis. Importa precisar: - Momento fundamental em processo penal é o julgamento com o objectivo de produzir uma decisão que comprove, ou não, os factos constantes do libelo acusatório e, assim, concretizar, ou não, a respectiva responsabilidade criminal. Nessa concretização o julgador aprecia livremente a prova produzida com sujeição ás respectivas regras processuais de produção aos juízos de normalidade comuns a qualquer cidadão bem como ás regras de experiência que integram o património cultural comum e decide sobre a demonstração daqueles factos, extraindo, em seguida, as conclusões inerentes á aplicação do direito. Perante os intervenientes processuais, e perante a comunidade, a decisão a proferir tem de ser clara, transparente, permitindo acompanhar de forma linear a forma como se desenvolveu o raciocínio que culminou com a decisão sobre a matéria de facto e, também, sobre a matéria de direito. Estamos assim perante a obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador, ou seja, na obrigação de exposição dos motivos de facto e de direito que hão de fundamentar a decisão. A mesma fundamentação implica um exame crítico da prova que se situa nos limites propostos, ente outros, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 680/98, e que já tinha adquirido foros de autonomia também a nível do Supremo Tribunal de Justiça com a consagração de um dever de fundamentação no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobe as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido Por essa forma acabaram por obter consagração legal as opções daqueles que consideravam a fundamentação uma verdadeira válvula de escape do sistema permitindo o reexame do processo lógico ou racional que subjaz á decisão. Também por aí se concretiza a legitimação do poder judicial contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre o qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto. Igualmente é certo que a exigência de motivação emerge directamente de um dever de fundamentação de natureza constitucional-artigo 208-em relação ao qual ponderam Gomes Canotilho e Vital Moreira que é parte integrante do próprio conceito de Estado de Direito democrático, ao menos quanto ás decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e da garantia do direito ao recurso (Constituição Anotada pag 799).Na verdade é um dado adquirido o de que um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com razões que hão-se impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. O entendimento que a lei se basta com a mera indicação dos elementos de prova frustra a “mens legis”, impedindo de se comprovar se na sentença se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo portanto uma decisão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova. Tal entendimento assume assim uma concreta conformação violadora do direito ao recurso consagrado constitucionalmente. Como refere Gianformaggio motivar significa justificar. E justificar significa justificar-se dar a razão do trabalho produzido admitindo como linha de princípio a legitimidade das críticas formuladas ou seja a legitimidade de um controle (3) A exigência de motivação responde, assim, a uma finalidade do controle do discurso, neste caso probatório, do juiz com o objectivo de garantir até ao limite de possível o racionalidade da sua decisão, dentro dos limites da racionalidade legal. Um controle que não só visa uma procedência externa como também pode determinar o próprio juiz, implicando-o e comprometendo-o na decisão evitando uma aceitação acrítica como convicção de algumas das perigosas sugestões assentes unicamente numa certeza subjectiva A concretização de tal obrigação de fundamentação em sede de motivação da sentença é formulada em termos lapidares pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/1992 quando refere que: "A sentença, para além da indicação dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência ''Ou seja, "trata-se ( .. .) de referir os elementos objectivos de prova que permitam constatar se a decisão respeitou ou não a exigência de prova, por uma parte; e de indicar o íter formativo da convicção, isto é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir, em especial na prova indiciária, comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi irracional absurdo, por outra". Também Paulo Saragoça da Mata se pronuncia sobre o tema referindo que a fundamentação das sentenças consistirá: (a) num elenco das provas carreadas para o processo que se consubstanciará; (b) numa análise crítica e racional dos motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas e a negar importância a outras; (c) numa concatenação racional e lógica das provas relevantes e dos factos investigados (o que permitirá arrolar e arrumar lógica e metodologicamente os factos provados e não provados); e, (d) numa apreciação dos factos considerados assentes à luz do direito vigente. Adianta o mesmo Autor que apenas desse modo se garante uma tutela judicial efectiva. Com efeito, só assim o decisor justifica, perante si próprio, a decisão (o momento da exposição do raciocínio permite ao próprio apresentar e conferir o processo lógico e racional pelo qual atingiu o resultado), e garante a respectiva comunicabilidade aos respectivos destinatários e terceiros (dando garantias acrescidas de que a prova juridicamente levante foi não só correctamente recolhida e produzida, mas também apreciada de acordo com cânones claramente entendíveis por quem quer). A motivação existirá, e será suficiente, sempre que com ela se consiga conhecer as razões do decisor. * Considerando por tal forma temos que, em primeira análise, a tarefa do Tribunal da Relação ao apreciar a impugnação produzida em termos de matéria de facto incidiu, também, sobre a forma como o Tribunal de primeira instância exprimiu a lógica dedutiva que permitiu a aceitação de determinados factos em detrimento de outros. A questão era, então, a de saber se a decisão recorrida tinha cumprido o seu dever de investigar e de indagar de uma forma precisa e detalhada a validade da impugnação produzida em relação a concretos pontos de facto. A análise da mesma decisão recorrida imprime, de forma inexorável, a conclusão de que tal obrigação foi efectivamente cumprida. O Tribunal da Relação concluiu de forma correcta com uma compreensão unitária e superior de que não foram violados quaisquer dos ónus que impediam sobre a decisão recorrida em termos de fundamentação ou pronúncia. É evidente que o dever de fundamentação da decisão começa e acaba nos precisos termos que são exigidos pela exigência de tornar clara a lógica de raciocínio que foi seguida. Não conforma tal conceito uma obrigação de explanação de todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenrolou a dinâmica dos factos em determinada situação e muito menos de equacionar todas as perplexidades que assaltam a cada um dos intervenientes processuais, no caso o arguido, perante os factos provados. O tribunal tem o dever de indicar os factos que se provam e os que não se provam e a forma como alcançou a respectiva conclusão. Por seu turno aquele que discorda da forma como se formou tal conclusão e caso lhe assista o respectivo direito de recurso virá indicar aquilo de que discorda e o motivo que discorda. Esta é a lógica linear dos recursos e vir agora imputar á decisão recorrida uma patologia da maior gravidade como é a omissão de pronuncia porque não equacionou se a infeliz vítima estava virado para cima ou para baixo ou se era visível ou tinha um carro á frente revela um total alheamento de tal lógica e, essencialmente, desconhecimento da finalidade de recurso. Igualmente descabido aparece o apelo ao princípio da verdade material em conjunção com o dever de fundamentação. Na verdade, se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem, evidentemente, esta discricionariedade os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados. Repetindo um dogma amiúde citado “A liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada "verdade material" - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos)” A consequência mais relevante da aceitação destes limites à discricionariedade estará em que, sempre que tais limites se mostrem violados, será a matéria susceptível de recurso ainda que o tribunal ad quem conheça, em princípio, apenas matéria de direito: solução acolhida expressamente no artigo 410 nº 2, e que a doutrina denomina de "recurso de revista ampliada. Como afirma Figueiredo Dias a "livre" ou "íntima" convicção do juiz, de que se fala a este propósito, não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Certo é que a verdade material que se busca em processo penal não é o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, que todos sabem escapar à capacidade de conhecimento humano, tanto mais que aqui intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes de possível erro, quer porque se trata do conhecimento de acontecimentos passados, quer porque o juiz terá, as mais das vezes, de lançar mão de meios de prova que, por sua natureza - e é o que se passa sobretudo com a prova testemunhal -, se revelam particularmente falíveis. Mas nem por isso fica em aberto o caminho da pura convicção subjectiva. Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma da funções primaciais da sentença é de convencer os interessados do bom fundamento da decisão a convicção do juiz há-de ser é certo uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando de que sé tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana - o tribunal tenha logrado convencer-se dos factos para além de toda a dúvida razoável. Porém, para que se tenha a noção precisa da formação de tal convencimento é necessário que se tenha em atenção que o mesmo corresponde á síntese de um processo lógico de formação de conhecimento em que foram essenciais dois momentos: a oralidade e a imediação. * O facto de o tribunal e primeira instância ter submetido a sua actuação á regra da livre convicção, e nos limites propostos por aqueles princípios, não contende com a possibilidade de o Tribunal da Relação se pronunciar sobre a verosimilhança do relato de uma testemunha ou perito e demais meios de prova e para apreciar a emergência da prova directa ou indiciária e de aí controlar o raciocínio indutivo pois que estaremos perante uma questão de verosimilhança ou plausibilidade das conclusões contidas na sentença. Por outro lado, e conforme se referiu, a credibilidade em concreto de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que informam a opção do julgador. E estas podem, e devem, ser escrutinadas. Pode-se, assim, concluir que o recurso em matéria de facto não pressupõe, uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na perspectiva do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) - artigo 412º, nº 3, alínea b) do CPP, ou determinado a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova. Porém tal sindicância deverá ter sempre uma visão global da fundamentação sobre a prova produzida de forma a poder acompanhar todo o processo dedutivo seguido pela decisão recorrida em elação aos factos concretamente impugnados. Não se pode, nem deve substituir, a compreensão e análise do conjunto da prova produzida sobre um determinado ponto de facto pela visão parcial e segmentada eventualmente oferecida por um dos sujeitos processuais. Essa compreensão global está omissa na crítica formulada. * Invocam, ainda, o recorrente a sua discordância em relação á forma como foi abordada a questão da aplicação do princípio “in dubio pro reo”. Estamos em crer que a questão foi indevidamente colocada. Na verdade, o princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (artigo 32º, nº 2, da Constituição), vale só, evidentemente, em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito. Aqui, a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto. Relativamente, porém, ao facto sujeito a julgamento o princípio aplica-se sem qualquer limitação e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude e da culpa, às condições objectivas de punibilidade, bem como às circunstâncias modificativas atenuantes e, em geral, a todas as circunstâncias relevantes em matéria de determinação da medida da pena que tenham por efeito a não aplicação da pena ao arguido ou a diminuição da pena concreta, Em todos estes casos, a prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido Conforme refere Figueiredo Dias a sindicância do respeito pelo principio em causa configura uma questão de direito pois que se trata de um princípio geral do processo penal, pelo que a sua violação conforma uma autêntica questão de direito que cabe, como tal, na cognição do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações ainda que estas conheçam apenas de direito. Nem contra isto está o facto de dever ser considerado como princípio de prova:- mesmo que assente na lógica e na experiência (e por isso mesmo), conforma ele um daqueles princípios que devem ter a sua revisibilidade assegurada, mesmo perante o entendimento mais estrito e ultrapassado do que seja uma "questão de direito" para efeito do recurso de revista. Pronunciando-se sobre questão em apreço refere o este Supremo Tribunal tem assumido, genericamente, o entendimento de que tal principio se encontra, intimamente ligado ao da livre apreciação da prova (artº 127º, do C.P.Penal) do qual constitui faceta e este último apenas comporta as excepções integradas no princípio da prova legal ou tarifada ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum. De tal pressuposto emerge a conclusão de que o aludido princípio "in dubio pro reo” se situa em sede estranha ao domínio cognitivo do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista (ainda que alargada) por a sua eventual violação não envolver questão de direito (antes sendo um princípio de prova que rege em geral ou seja quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário), o que conduz a esta outra asserção de que o Supremo Tribunal de Justiça tão só está dotado do poder de censurar o não uso do falado princípio se, da decisão recorrida, resultar que o tribunal "a quo' chegou a um estado de dúvida patentemente insuperável e que perante ele, e mesmo assim, optou por entendimento decisório desfavorável ao arguido. Este Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Não se verificando a hipótese referida resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP que escapa ao poder de censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista. (Ac. de 23/01/2003, proc. n. 4627/02-5). Como se viu, a primeira instância não ficou em estado de dúvida quanto à ocorrência de qualquer facto, afastando decididamente a invocação do arguido em relação a uma detenção para consumo pessoal. E não tendo ficado em estado de dúvida, não cabe a invocação do princípio in dubio pro reo. * Invoca, ainda, o recorrente a existência de um erro notório na apreciação da prova o qual consubstanciaria um vicio da decisão e, consequentemente, a existência da patologia a que alude o artigo 410 do C.P.P. consubstanciada no erro notório de apreciação da prova. Nesta disposição alude-se aos vícios da decisão recorrida, umbilicalmente ligado aos requisitos da sentença previstos no artigo 374 nº2 do Código de Processo Penal, concretamente á exigência de fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal. Assim, num ponto concorda a doutrina: o artigo 410 do Código de Processo Penal consagra doutrinalmente o recurso de revista ampliada o que significa que, quando tiver havido renúncia ao recurso em matéria de facto, nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça o Tribunal "ad quem" não tem que se restringir á tradicionalmente denominada questão de direito mas antes pode alargar o seu conhecimento a questões documentadas no texto da decisão proferida pelo tribunal "a quo" que contendam com a apreciação do facto. Consubstancia-se tal recurso de revista ampliada na possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a decisão de direito não encontre na matéria de facto provada uma base tal que suporte um raciocínio lógico-subsuntivo; de verificar uma contradição insanável da fundamentação sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta precisamente a decisão contrária, ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos; de concluir por um erro notório na apreciação da prova sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária á exposta pelo tribunal. Analisando agora em concreto a existência do vício a que se reporta aquele artigo 410 no sentido apontado pelo recorrente dir-se-á que é seu entendimento o de que existe erro notório na apreciação da prova porquanto existem discrepâncias ou divergências nos depoimentos. Porém, o conceito de erro notório tem de ser interpretado, como o tem sido o de facto notório em processo civil, mormente para os efeitos do artigo 514 nº1 do respectivo Código, isto, é um facto de que todos se apercebem directamente, ou como um facto que adquire carácter notório por via indirecta, isto é, mediante raciocínios formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos. Erro notório existirá, assim, sempre que se revelem distorções de ordem entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, fora de qualquer contexto racional, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. Igualmente é exacto que nunca poderá deixar de se considerar o pressuposto base de que a existência daquele vício tem de resultar da decisão recorrida na sua globalidade, sem recurso a elementos externos. Face ao exposto é manifesto que a invocação do vício do artigo citado efectuada pelo recorrente é despropositada. O mesmo recorrente denomina de erro notório a mais patente e refinada discordância em termos de matéria de facto. Saber se a prova produzida fundamenta, ou não, uma convicção sobre a autoria dos factos ilícitos é o topo de uma avaliação que integra a globalidade da mesma prova. É que não se pode confundir erro notório com uma diferente convicção em termos probatórios e uma diversa valoração da prova produzida em audiência. Improcede, assim, o vício referido nos termos invocados pela recorrente. É, assim, manifesta a falta de fundamento do recurso interposto pelo recorrente AA pelo que, nos termos do artigo 420 do Código de Processo Penal, os Juízes que constituem a 3ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça determinam a sua rejeição. Custas pelo recorrente. Taxa de Justiça 10 UC Nos termos do artigo 420 nº4 condena-se o arguido em 8 UC . Suprmo Tribunal de Justiça, 16 de Maio de 2008 Santos Cabral (Relator) Oliveira Mendes ___________________ (1) Não deixa de se afirmar que o persistente apostrofar pelas virtualidades do duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto ignora a actualidade das palavras de Figueiredo Dias quando, em 1983, chamava a atenção para que "a jurisdição de apelação - diz-se -, qualquer que seja a perfeição e a fidelidade técnicas do registo da prova, e mesmo perante uma renovação da julgamento, será sempre 'de segunda mão', não tem as mesmas possibilidades de descoberta da verdade material que o juiz de 1ª instância; quanto mais não seja porque está temporalmente mais distanciada dos factos, sendo estes de mais difícil acesso para ela: os princípios da oralidade e da imediação dão os seus melhores frutos somente no decurso de uma audiência e, na verdade, da primeira. Ao que acresce a circunstância de a possibilidade de apelação contribuir inevitavelmente para a diminuição da qualidade da justiça prestada na 1ª instância: ela representa, na verdade, um convite implícito, tanto a um menor cuidado na apreciação dos factos a troco de um ganho de tempo, como a uma injustificável atitude sistemática de favor reum com que o tribunal de 1.a instância procurará antecipar a situação, sem dúvida mais favorável, em que o arguido se apresentará perante o tribunal de apelação" Assim, e contrariamente ao que pretende o recorrente, e na sequência do entendimento do tribunal Constitucional, conclui-se que o direito ao recurso, enquanto garantia de defesa do arguido é suficientemente tutelado através da consagração do grau único de recurso e da dupla jurisdição em matéria de facto, segundo o modelo da revista alargada, quando estão em causa acórdãos de tribunais colegiais. (2) Constituição da República Anotada (3) Conf. Pefecto Andrés Ibanez “Acerca de la motivacion de los hechos en la sentencia penal” . |