Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | LOURENÇO MARTINS | ||
| Nº do Documento: | SJ200204100004783 | ||
| Data do Acordão: | 04/10/2002 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T J V REAL STO ANTÓNIO | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 148/99 | ||
| Data: | 07/05/2001 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Sumário : | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. No processo comum n°148/99, do TJ de Vila Real de Santo António, foi submetido a julgamento, pelo Colectivo, o arguido: A, id. nos autoa, tendo sido condenado, por acórdão de 5 de Julho de 2001, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, pp. pelo n.º 1 do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 9 anos de prisão. Foi declarado perdido a favor do Estado o veículo de matrícula UB. Recorreu para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 4 de Dezembro de 2001, confirmou inteiramente o acórdão recorrido. Mais uma vez não se conforma o arguido, interpondo de novo recurso, agora para este Supremo Tribunal, concluindo a motivação pelo seguinte modo (transcrição): "1. Existe contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, por nos factos assentes e dados como provados não constarem os indicados na fundamentação da decisão, que não são inócuos ou inúteis e contribuíram para a convicção adquirida pelo tribunal e, em consequência, para a decisão ( art. 410º, n.º 2, al. b), 2.ª parte, do Cód. Proc. Penal). 2. A pena de 9 anos de prisão aplicada ao arguido não é a mais criteriosa, por excessiva e não adequada (art. 71.º, do Cód. Penal). 3. Não devendo o arguido ser condenado em pena superior a 5 anos de prisão. 4. Isto, no caso de não se decidir pelo reenvio do processo para novo julgamento art. 426.º, n.º1, do Cód. Proc. Penal). "Normas jurídicas violadas Ao decidir , como decidiu, o douto acórdão recorrido violou pelo menos o disposto nos arts. 410°., nº 2, al. b), 2.ª parte, do Cód. Proc. Penal, e 71°., do Cód. Penal, normas, essas, que devem ser interpretadas e aplicadas com o sentido que consta dos artigos das conclusões da presente motivação de recurso (art°, 412° n° 2, als. a) e b), do Cód. Proc. Penal)". Respondeu o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na Relação de Évora, dizendo em síntese: "- O vício contemplado no art. 410°, n.o 2, al. b) do C P Penal, ou seja, a contradição insanável na fundamentação só surge com a afirmação de factos ou actos de sinal contraditório e que não podem coexistir no mundo dos acontecimentos ou no mundo dos valores. - E somente releva se reportado a factos essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes ou susceptíveis de influenciar a medida da pena. - Para haver contradição entre factos, tem evidentemente de haver pelo menos dois factos de sentido oposto. - Ao apontar esse suposto vício, o recorrente nunca refere qual ou quais os factos provados ou não provados que estão em antinomia com a proposição constante do Acórdão de 1ª instância e por ele dita contraditória. - Nem esta proposição respeita a factos essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes. - Essa asserção constante do Acórdão de 1ª instância, inserindo-se no exame crítico da prova e enunciando a razão de ciência de três testemunhas, cujo depoimento foi decisivo para a formação da convicção do Tribunal, não inclui factos que estejam em oposição com quaisquer outros. - Ao reclamar a sua condenação em pena de prisão não superior a cinco anos, o recorrente vem deduzir uma pretensão manifestamente infundada. - O recorrente não assinala, nem foi dada como provada, qualquer circunstância que diminua o elevado grau de ilicitude da sua conduta delitiva e o intenso dolo com que agiu. - A pretensão do recorrente não se apoia em qualquer razão válida e carece de apoio legal. - Destarte, o presente recurso não enunciando quaisquer fundamentos sérios e compreensíveis, não pode ter outra sorte, que não seja a sua rejeição, por manifesta improcedência, nos termos do art. 420°, n.º 1 do C P Penal. - Se assim não se atender, cumpre sublinhar que o Colectivo ponderou adequadamente, em relação ao ora recorrente, todos os elementos do simétricos a que o art. 71 ° do C Penal manda atender, pelo que bem andou o Tribunal da Relação ao confirmar a pena de nove anos de prisão em que o recorrente foi condenado. Termos em que deve improceder o recurso e ser mantido integralmente o douto acórdão. 2. Já neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta é da mesma opinião que o seu Colega. Notificado o recorrente, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 417º, n.º 2, do CPPenal, veio manter o seu ponto de vista, sem outras explicitações. Entendeu o Relator submeter a questão prévia à conferência por lhe parecer procedente. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir de acordo com o artigo 420º do CPPenal. II Como tem sido dito em idênticas oportunidades, em termos de política legislativa, a figura da rejeição destina-se a "potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência" com vista a obviar "ao reconhecido pendor para o abuso de recursos", conforme se diz no preâmbulo do Código de Processo Penal -III, c). Segundo a doutrina da especialidade, a possibilidade de rejeição liminar, em caso de improcedência manifesta, tem em vista moralizar o uso do recurso e a sua desincentivação como instrumento de demora e chicana processuais. O recurso ter-se-á por manifestamente improcedente quando, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, se puder concluir, sem margem para dúvidas, que o mesmo está claramente votado ao insucesso, que os seus fundamentos são inatendíveis (1). A rejeição do recurso com base na sua manifesta improcedência, implica que o acórdão se limite a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão (citado artigo 420º, n.ºs 1 e 2). III Mas sem qualquer razão. Este Supremo Tribunal, em regra, não conhece de matéria de facto, como é o caso, nomeadamente não conhece, nem directa nem indirectamente, dos vícios a que se refere o artigo 410º, n.º 2, do CPPenal, como o seria se o fizesse a partir da decisão da Relação. Pode conhecer deles oficiosamente, sempre que resultem do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Como bem salienta o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na Relação de Évora, a contradição insanável da fundamentação tem de reportar-se a factos essenciais à caracterização do crime, suas circunstâncias juridicamente relevantes ou susceptíveis de influenciar a medida da pena, sendo que o recorrente nem sequer refere qual ou quais os factos provados ou não provados que estão em antinomia. O Colectivo da 1.ª Instância, ao indicar a fundamentação probatória dos factos provados em 1 a 3, 5 e 6 - que se resumem ( e não foi pouco !), a ter o arguido transportado, na sua viatura automóvel, de Espanha para Portugal, 45 quilogramas de haxixe, distribuídos por 180 "sabonetes", acondicionados num fundo falso existente por detrás dos bancos da referida viatura - afirma: "as (três) testemunhas, para além de se aperceberem da presença do "pisteiro" que abria caminho ao arguido, detiveram este e procederam à busca à sua viatura, descobrindo o haxixe no fundo falso que se percebia ter sido recentemente fechado com cola de contacto de cheiro intenso, da qual havia um tubo na mesma viatura". Entende o recorrente que este elemento "cheiroso" devia constar dos factos provados e daí a contradição. Mas como se afirma no douto acórdão recorrido, "o recorrente labora num equívoco: é que a decisão de facto não é o mesmo que motivação de facto, isto é, os fundamentos da decisão não são os factos da decisão". E mais adiante acrescenta que o Colectivo, nesse excerto, disse da "razão de ciência da prova produzida que legitima a inclinação do tribunal para que considerasse os factos constantes da decisão de facto nos termos em que foram perspectivados". Talvez com mais propriedade se deva entender que o Colectivo se limitou a acrescentar um elemento, transmitido pelas testemunhas, que ajudou a conferir verosimilhança e credibilidade aos depoimentos. Não tinha, assim, que ser incluído na matéria de facto dada como provada, mas foi um motivo da convicção formada pelo Colectivo e que este explicitou, nos termos do n.º 2 do artigo 374º do CPPenal (2). Quanto às razões elencadas pelo acórdão recorrido no que concerne à medida da pena, não merecem qualquer censura. Nem a quantidade de haxixe transportada pode ser minimizada nem tão pouco a qualidade desta droga, em franca expansão na Europa (3), cujos efeitos continuam a não ser desmentidos na sua danosidade. Sendo manifesta a sem razão do recurso a consequência é a sua rejeição. IV Pelo exposto, acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o presente recurso por ser manifesta a sua improcedência. Pagará o recorrente - n.º 4 do artigo 420º do CPP - cinco UCs, com custas e procuradoria pelo mínimo. Processado em computador pelo relator, que rubrica as restantes folhas. Lisboa, 10 de Abril de 2002 Lourenço Martins, Pires Salpico, Leal Henriques. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ (1) - Acórdãos deste Supremo, de 17.10.96 - P.º n.º. 633/96, e de 6.05.98, P.º n.º 113/98, na BD Informatizada DGSI/JSTJ (Internet), aresto último que se acompanha; cfr. também os acórdãos de 30.06.99 - P.º n.º 527/99, e de 5.04.00 - P.º n.º 47/2000, de 20.02.02 - P.º n.º 3921/2001-3.ª. (2) - Onde se diz: "Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para fomular a convicção do tribunal". (3) - Como consta do Relatório último do Órgão Internacional de Controlo de Estupefacientes das Nações Unidas de 2001. |