Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SOUSA GRANDÃO | ||
Descritores: | CATEGORIA PROFISSIONAL RESCISÃO PELO TRABALHADOR DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO AVISO PRÉVIO | ||
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Nº do Documento: | SJ200803120042194 | ||
Data do Acordão: | 03/12/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - A categoria profissional, por exprimir a posição contratual do trabalhador, é objecto de protecção legal – e também convencional – que se evidencia, sobretudo, a três níveis: (i) na actividade a desenvolver; (ii) na remuneração devida; (iii) na hierarquização do trabalhador no seio da empresa. II - A violação da categoria profissional reconduz-se a um comportamento que a lei elege como “justa causa” de “rescisão” contratual por banda do trabalhador (art. 35.º, n.º 1, alínea b), da LCCT). III - Constitui justa causa de rescisão do contrato pela autora, em Julho de 2003, o facto de a ré lhe ter determinado, em Outubro de 2002, que deixaria de desempenhar as funções de desenhador gráfico - que a autora vinha exercendo desde a data da sua admissão ao serviço da ré (em 1993) -, para passar a exercer funções de arquivo, junto à entrada das instalações da empresa/ré, debaixo de uma escada, onde dispunha de uma secretária, e, simultaneamente, ter colocado outra pessoa a desempenhar as funções de desenhador gráfico, instalando-a na sala de desenho, onde antes trabalhava a autora, sendo que esta era a única trabalhadora na empresa com aquela categoria profissional. IV - Justifica-se uma indemnização de € 3.000,00 à autora, a título de danos não patrimoniais, por a ré lhe ter retirado, sem qualquer justificação, as funções que correspondiam à sua categoria profissional, substituindo-as por outras de categoria inferior, por, ao contrário dos restantes trabalhadores da ré, não lhe ter aumentado o salário entre 1998 e 2003 e por não a ter convidado para a festa de Natal de 2002 da empresa, o que colocou a autora numa situação humilhante e marginalizada, causando-lhe desgosto, tristeza e mágoa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1 – RELATÓRIO 1-1 AA intentou, no Tribunal do Trabalho do Barreiro, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “BB – Produção, Importação e Exportação de Objectos Publicitários Lda.”, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe os montantes discriminados na P.I., quer retributivos – por indevida dedução salarial, falta de pagamento de prestações e omissão de actualização do vencimento – quer indemnizatórias – decorrentes da resolução com justa causa, que operou, do contrato de trabalho celebrado entre as partes. A Ré contraria os fundamentos aduzidos e reclama a improcedência total da acção. 1-2 Instruída e discutida a causa, foi proferida sentença, cujo segmento decisório se reproduz: “ Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência: a) julgo válida a resolução do contrato de trabalho por iniciativa da Autora, pelo que condeno a Ré a pagar-lhe a indemnização por antiguidade, que corresponde a um mês de remuneração por cada ano ou fracção, tendo como limite mínimo três meses (3.11.1993 a 8.07.2003), que, no caso, se cifra em €6.853,99 (€ 527,23 x 13); b) condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 7.500, a título de danos não patrimoniais; c) condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de €19,12, indevidamente descontada, com juros desde Janeiro de 2002 até integral pagamento; d) condeno a ré a pagar à Autora a quantia de €131,79, acrescida de juros desde a data do seu vencimento até integral pagamento; e) os valores a que aludem as alíneas a) e b) são devidos desde a citação até integral pagamento; f) no mais, absolvo a Ré dos respectivos pedidos.” Sob apelação da Ré, o Tribunal da Relação de Lisboa alterou a decisão, no que respeita à indemnização por danos não patrimoniais – que fixou em €3.000,00 – e à data do início da contagem dos juros de mora sobre a quantia de €19,12 – que fixou em Julho de 2003 – confirmando, no mais, a sentença apelada. 1-3 Continuando irresignada, a Ré pede a presente revista, onde convoca o seguinte núcleo conclusivo útil: 1 – o acórdão recorrido incorre no mesmo erro interpretativo da sentença, por um lado, ao ignorar factualidade constante dos autos e, por outro, ao interpretar e aplicar erradamente normativos legais; 2 – a A. invocou a violação de vários direitos, para fundamentar a rescisão com justa causa do contrato de trabalho; 3 – de todos eles, apenas ficou provado que, a partir de Outubro de 2002, a A. passou também a exercer tarefas de arquivo numa secretária, no piso da entrada das instalações da R.; 4 – “passou também” porque, já em data anterior, a A. tinha exercido tarefas não compreendidas na sua categoria profissional; 5 – se o Tribunal valorizou positivamente o facto de, em data posterior a Outubro de 2002, a A. ter passado a exercer funções que não apenas as compreendidas na sua categoria profissional, porque não valorizar de igual modo o facto de a A. já ter exercido, em datas anteriores, funções que considera violadora das suas garantias legais? 6 – O IDICT levantou auto de notícia relativamente à não ocupação efectiva do posto de trabalho, o qual foi objecto de recurso julgado procedente, conforme decisão do Trib. Trabalho do Barreiro (proc. nº 474/04. OTTBRR); 7 – nessa decisão, pode ler-se: “(…) mesmo que se admitisse que o IDICT tem razão ao invocar que a trabalhadora, desde Outubro de 2002, passou a exercer funções que não se enquadram no conteúdo funcional da sua categoria profissional, tal constatação por si só, do nosso ponto de vista, não é bastante para dar consistentemente como violados os preceitos legais (…) “e mais, “… da factualidade assente não resulta de modo claro, consistente e inequívoco que houve uma conduta da arguida violadora das normas legais supra referidas”; 8 – o que está em causa é o facto de saber se – como concluiu o Acórdão – apesar de, dos seis motivos para a referida rescisão, apenas um ter sido dado como provado, é ainda este, nos moldes em que se apresenta, suficiente para fundamentar aquela rescisão; 9 – o Acórdão conclui erradamente que a A. passou, a partir de Outubro de 2002, a fazer trabalho não compreendido na sua categoria profissional, passando, apenas a fazer (fundamentação de direito – fls. 10 do Acórdão) “arquivo, a executar no piso da entrada das instalações da R, junto à entrada (…). Concomitantemente, para além do trabalho de arquivo, por ordem da Ré, a A. passou a desenvolver actividades várias no armazém, na parte de produção, tais como, a dobrar impermeáveis para embalamento, a prensar bonés, retirar t-shirts da máquina e tarefas de secagem e embalagem destas”; 10 – mesmo nos dias de trabalho em que eram desenvolvidas tarefas de ajuda na produção (11.12.2002; 27.12.2002; 6.1.2003; 22.01.2003; 24-02.2003) a A. também desempenhava tarefas relacionadas com a sua actividade – fls. 87 a 99 dos factos dados como provados – nº 19; 11. de uma análise atenta da matéria provada resulta claramente que, dos motivos alegados pela A. para a mencionada rescisão, não resultou provada a violação, pela Ré, de nenhum deles, de forma a que existisse um comportamento culposo que, pela sua gravidade e consequências, tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – art.ºs 34º e 9º do D.L. nº 64-A/89, de 27/2; 12 – o que o Tribunal ad quem deve apreciar é a questão de saber se esta factualidade é ou não suficiente para se concluir pela existência de justa causa na rescisão do contrato efectuada pela R.; 13 – ao decidir que sim, considerando que houve violação culposa das garantias legais do trabalhador, o Acórdão interpretou erradamente o art.º 35º nº1 al. b) do d.L. nº 64-A/89 (L.C.C.T.); 14 – para valorar a justa causa invocada pela A., não basta o Acórdão afirmar que, apesar de, dos seis motivos invocados, basta apenas a 1ª instância dar como provado um deles, para que seja suficiente concluir-se pela existência de justa causa; 15 – tanto mais que, essa valoração é feita à luz de uma análise parcial da fundamentação de facto; 16 – de facto, andou mal o Acórdão ao subscrever a tese da sentença de que, face à matéria assente, o que houve foi um abaixamento da categoria profissional da Autora e não uma prestação pelo trabalhador de actividades compreendidas (digitalização e tratamento de imagens e fotolitos recorrendo a computador e software adequado) ou não (o arquivamento de documentação e colaboração pontual na produção) no objecto do trabalho, nos termos do art.º 22º do D.L. 49.408; 17 – andou mal o Tribunal a quo ao ignorar que a fls. 87, 88 e 89 constam as datas em que a A. executou temporariamente tarefas não compreendidas na sua categoria profissional (matéria dada como provada; ponto 19 da fundamentação) e que essas datas são anteriores a Outubro de 2002, data em que a sentença considera que a Ré encarregou unilateralmente a A. de executar tarefas não compreendidas na sua categoria profissional (fls. 290); 18 – a R. não violou as garantias e direitos da A.; 19 – face à factualidade apurada, na actuação da R. não existe nexo de imputação da violação ou ofensa à conduta culposa da empregadora; 20 – devendo, assim, o Acórdão impugnado – que julgou válida a resolução do contrato – ser revogada, absolvendo-se a R. do pagamento à A. da indemnização por antiguidade, pois que violou os art.ºs 9º e 34º do D.L. nº 64-A/89 e os art.ºs 21º nº1 al. D) e 22ª 4ºs 1 e 7 (a contrario) do D.L.nº 49.408; 21 – mesmo que assim não seja entendido, quando muito, tratou-se da utilização legítima pela entidade patronal do jus variandi, consagrado naquele art.º 22º (redacção da Lei nº 21/96, de 23/7); 22 – o que ficou igualmente provado é que embora encarregue pontualmente do exercício de funções de categorias inferiores, à A. não foi retirada qualquer regalia ou diminuída a retribuição; 23 – admitir-se o contrário era imputar à R. um ónus excessivamente pesado e permitir à A. o exercício abusivo de um direito – rescisão com invocação de justa causa – que a lei, definitivamente, não quer proteger; 24 – a atribuição à A. de uma indemnização por danos não patrimoniais mostra-se manifestamente abusiva, excessiva e desadequada, em violação do art.º 496º nº 3 do C.C.; 25 – de facto, ficou provado que causou desgosto, tristeza e mágoa à A. a conduta da R., designadamente o afastamento das suas funções de desenhadora, a não justificação de factos e a inexistência de aumento salarial; 26 – acontece que a R. foi absolvida do pedido de aumentos salariais, não ficou provado que tivesse existido descriminação salarial e que a R. injustificou bem 5 dias 6 faltas constantes dos autos; 27 – a atribuição da referida indemnização, sabendo-se que a A. a pedia assente em 6 motivos, dos quais o tribunal apenas considerou um, é manifestamente excessiva e violadora do referido art.º 496º nº3; 28 – a situação invocada pela A. verifica-se num curto espaço temporal – Outubro de 2002 a Maio de 2003 – numa relação laboral que durou mais de 10 anos; 29 – sendo que à A. seria atribuída, por um período de 8 meses, um valor indemnizatório superior àquele que a lei atribui para um período de duração da relação laboral de 6 anos! 30 – deve, pois, ser revogada a decisão que fixou em € 3.000,00 aquela indemnização ou, pelo menos, ser essa quantia substancialmente reduzida; 31 – o Acórdão insiste em condenar a R. a pagar à A. a quantia de €19,12, a título de falta indevidamente injustificada, porque se enquadrava na situação constante do art.º 23º nº2 al. E) do D.L. 874/76, de 28/12; 32 – também aqui andou mal o Tribunal, que nem sequer fez qualquer juízo interpretativo sobre a norma em apreço, limitando-se a referir que “integra a situação prevista na alínea E) do artigo 23º nº2 do D.L. 874/76, de 28/12 e encontra-se devidamente justificada pela A. prévia e posteriormente”; 33 – a falta refere-se ao doc. nº 17 junto com a P.I. e trata-se de uma declaração de um estabelecimento de ensino em como a A. esteve ali presente no dia 3/7/02, das 9h às 10h45, para tratar de assuntos relacionados com o seu educando; 34 – não existe no D.L. nº 874/76 qualquer tipificação de faltas para “reuniões escolares”, nem em qualquer IRC aplicável, não se enquadrando a situação no referido art.º 23º nº2 al. E); 35 – assim, a falta foi legitimamente injustificada pela R. – nº3 desse preceito; 36 – também esta decisão deve ser revogada por violar aquele normativo. 1-4 A A. contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso. 1-5 No mesmo sentido, sem reacção das partes, se pronunciou a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta. 1-6 Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2 – FACTOS As instâncias fixaram a seguinte factualidade: 1 – a A. foi admitida ao serviço da R. no dia 3/11/93, mediante retribuição, sob as ordens e direcção desta, para exercer as funções inerentes à categoria de desenhadora gráfica, mediante a retribuição mensal ilíquida de € 527,23, com direito a férias, subsídio de férias e de Natal de igual montante; 2 – a A. cumpria um horário de trabalho de 40 horas semanais de 2ª a 6ª feira, distribuídas entre as 9h e as 18h, com intervalo para almoço das 13h às 14h; 3 – exercia a sua actividade laboral na sala de desenho, na sede da empresa Ré; 4 – a R. executava as tarefas inerentes à sua categoria profissional de desenhadora gráfica, designadamente, recebia as maquetas para posterior execução dos fotolitos; analisava o desenho de logotipos, o material a ser impresso, sendo este trabalho feito conjuntamente com o chefe de produção ou com o colega que iria executar o trabalho na fábrica, optimizando-se os resultados da produção; com o computador e programa de software adequado, analisava os logotipos que deveriam ser trabalhados ou melhorados, separando as cores para impressões nas máquinas impressoras; retocava os fotolitos, anexando-os à maqueta com os respectivos pantones a fim de serem entregues na produção; 5 – as relações de trabalho entre a A. e a R. eram reguladas pelo CCTV do sector da indústria gráfica e transformadora do papel, sendo que a R. se dedica à exploração do negócio do comércio de brindes publicitários e a A. é associada do Sindicato dos Quadros e Técnicos de Desenho; 6 – por carta datada de 8/5/03, a A. comunicou à R. que se despedia com justa causa, com efeitos a partir de 8/7/03, conforme doc. fls. 11, que se dá aqui por reproduzido; 7 – a partir de Outubro de 2002, após um período de baixa da A., a R., na pessoa dos seus gerentes, deu ordens no sentido da A. deixar de desenvolver as funções de desenhadora, informando-a que passaria a fazer arquivo, a executar no piso da entrada das instalações da R., junto à entrada, debaixo de uma escada que dá acesso ao escritório do 1º andar, onde havia uma secretária; 8 – ao mesmo tempo, no local onde a A. exercia a sua actividade profissional, na sala de desenho, foi colocada uma pessoa a trabalhar, a desempenhar as funções de desenhador gráfico; 9 – para além do trabalho de arquivo, a A., por ordem e vontade da R., desenvolvia actividades várias no armazém, na parte de produção, tais como, a dobrar impermeáveis para embalamento, prensar bonés, retirar t-shirts da máquina e tarefas de secagem e embalamento destas; 10 – no período do Natal de 2002, a A. não foi convidada para o jantar de Natal da empresa, sentindo-se com tal atitude da R. marginalizada e perseguida; 11 – entre 1998 e 2003, a R. não procedeu a qualquer aumento salarial da A., sendo a única trabalhadora que, neste período, não teve aumento salarial; 12 – no dia 3/7/02, entre as 9h e as 10h45, a A. não compareceu ao trabalho, tendo comunicado à R. com antecedência essa ausência, através de documento escrito, constante de fls. 23 dos autos, em virtude de ter ido a uma reunião escolar da filha; essa falta não foi justificada pela R. e, em consequência, a R. não permitiu a prestação laboral da A. na restante parte do dia e descontou o dia de trabalho no seu vencimento; 13 – a R. não justificou, e descontou à A., as seguintes faltas ao trabalho, as quais foram comunicadas à R. conforme doc. fls. 23 a 47, que se dão por reproduzidas, designadamente: MÊS/ANO HORAS NÃO PAGAS VALOR Janeiro 2002 6,30 19,12 Abril 2002 3,00 9,09 Maio 2002 3,00 9,09 Julho 2002 13,15 119,73 Setembro 2002 4,50 13,65 Agosto 2002 3,00 9,09 TOTAL DO VALOR DESCONTADO ……….. 179,77 14 – por cartas registadas, em 10/7/02 e 31/10/02, a R. foi instada pelo Sindicato dos Quadros Técnicos do Desenho no sentido de alterar o seu comportamento relativamente à A., conforme fls. 15,e 18, cujo teor se dá por reproduzido; 15 – em face de denúncia desse Sindicato de 17/7 e 31/7, o IDICT levantou auto de notícia relativamente à não ocupação efectiva do posto de trabalho, porque a R. não rectificou a situação, o qual foi objecto de recurso de impugnação, julgado procedente, conforme decisão a fls. 202 e 208 e, quanto aos demais pontos, pronunciou-se no sentido constante de fls. 51, as quais se dão aqui por reproduzidas; 16 - em consequência da conduta da R., designadamente ao afastar a A. das suas funções de desenhadora, e a não justificação de faltas e inexistência de aumento salarial, a A. sentiu-se humilhada e marginalizada, o que lhe causou desgosto, tristeza e mágoa, que culminou na sua demissão invocando justa causa, por considerar não ter condições para continuar a trabalhar para a R.; 17 – a A. era a única trabalhadora com a categoria profissional de desenhadora gráfica; 18 – a R. tem 12 trabalhadores; 19 – em períodos de maior aumento de encomendas, tais como Natal, a R. ordenava/solicitava a ajuda de outros trabalhadores, para além dos que trabalhavam na produção, entre os quais a A.; 20 – a A. desenvolveu as tarefas discriminadas a fls. 87 a 99 nos dias aí referidos, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 21 – a R. pagou à A., a título de subsídio de Natal relativo ao ano de cessação do contrato, a quantia de €131,81. São estes os factos. 3 – DIREITO 3.1 Conforme deflui do núcleo conclusivo recursório, a Ré continua a censurar na presente revista – como já fizera na apelação relativamente à sentença da 1ª instância – os segmentos decisórios do Acórdão em crise, nos quais, sucessivamente: 1ª – se julgou verificada a justa causa da resolução contratual operada pela Autora; 2ª – se reconheceu o direito, também reclamado pela demandante, a uma indemnização por danos não patrimoniais; 3ª – se considerou ilegitimamente injustificada a falta ao serviço, por parte da Autora, no dia 3 de Julho de 2003. A tanto se circunscrevem, pois, as questões que ora nos cumpre dilucidar. 3.2.1. A lei possibilita a desvinculação contratual por declaração unilateral do trabalhador, sem necessidade de observar o prazo de aviso prévio previsto no art.º 38º do “Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho”, aprovado pelo D.L. nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (L.C.C.T.) – em vigor à data dos factos – naquelas situações que qualifica de todos anormais e particularmente graves e em que, por via disso, deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa por mais tempo. Essas situações reconduzem-se aos comportamentos do empregador enunciados no art.º 35º do citado diploma. Para que exista “justa causa” – cujo conceito, nos termos expressos daquele art.º 35º e do seu precedente art.º 34º, condiciona o direito do trabalhador a “rescindir” o vínculo – torna-se mister que aqueles comportamentos do empregador inviabilizem, de imediato e praticamente, a subsistência da relação de trabalho, que o contrato pressupõe. Lança-se assim, mão do conceito de “justa causa” consagrado no art.º 9º da referida L.C.C.T., como já era entendimento generalizado na anterior “Lei dos Despedimentos”, em cujo domínio se considerava, embora a lei não o explicitasse, que se achava subjacente ao conceito geral de “justa causa” a ideia de “inexigibilidade”, que igualmente enforma a noção de “justa causa” disciplinar, consagrada no domínio da faculdade de ruptura unilateral por banda da entidade patronal. Nos precisos termos daquele art.º 35º (nº4), a “justa causa” de rescisão imediata, por parte do trabalhador, constituída por algum dos comportamentos enumerados nas várias alíneas do seu nº1, tem de ser apreciada pelo Tribunal nos termos do art.º 12º nº 5 do mesmo diploma, com as necessárias adaptações. Para a apreciação da “justa causa”, deve, assim, o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que, no caso, se mostrem relevantes, ponderando-se, em face delas, se é de concluir pela impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho. 3-2-2 A factualidade provada evidencia, na parte ora útil, que: - a Autora foi admitida ao serviço da Ré em 3/11/93 para, sob as suas ordens e direcção, exercer as funções inerentes à categoria de desenhadora gráfica, prestando essa actividade na sala de desenho de que a empresa dispõe; - a partir de Outubro de 2002, a Ré instruiu a Autora para deixar de desenvolver as funções de desenhadora, informando-a que passaria a fazer arquivo, executando essas funções junto à entrada das instalações da empresa, debaixo de uma escada, onde dispunha de uma secretária; - simultaneamente, a Ré colocou outra pessoa a desempenhar as funções de desenhador gráfico, instalando-a na referida sala de desenho, sendo certo que, no universo da empresa, a Autora era a única trabalhadora com aquela categoria profissional; - para além das tarefas de arquivo, a Ré instruiu a Autora para também desenvolver actividades várias no sector de produção do armazém, designadamente dobrando impermeáveis para embalamento, prensando bonés e executando tarefas de secagem e embalamento de t-shirts; - a referida situação manteve-se ininterruptamente desde Outubro de 2002 até 8 de Julho de 2003, altura em que cessou o vínculo por impulso resolutivo da Autora. Em sede normativa, importa coligir ainda - porque também aqui aplicável – o “Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho”, aprovado pelo D.L. nº 49.408, de 24/11/69 (L.C.T.). Por via de regra, está vedado ao empregador baixar a categoria profissional do trabalhador – art.º 21º nº1 al. D). Só assim não será – art.º 23º - quando essa regressão for imposta por necessidades prementes da empresa, ou por estrita necessidade do trabalhador – devendo ser aceite e autorizada pelo Instituto Nacional do Trabalho (actual IDICT) – ou quando o trabalhador haja substituído outro de categoria superior e com o contrato suspenso, retomando então as funções de origem. A enunciada disciplina legal harmoniza-se , aliás, com a previsão constante do antecedente art.º 22º. De harmonia com este preceito: - o trabalhador deve, em princípio, exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado (nº1); - excepcionalmente: 1 – pode a entidade patronal encarregar o trabalhador de exercer outras funções para as quais tenha qualificação e capacidade, posto que afins ou funcionalmente ligadas com as que correspondem à sua actividade normal, ainda que não compreendidas na categoria respectiva (nº2) e desde que o trabalhador mantenha, concomitantemente, o desempenho dessa sua actividade normal (nº3); 2 – Salvo convenção em contrário, o empregador também pode encarregar temporariamente o trabalhador de serviços não compreendidos no objecto do contrato, desde que o exija o interesse da empresa e a mudança não implique diminuição retributiva nem modificação substancial da posição do trabalhador (nº7). Como se vê, a “categoria profissional”, por exprimir a posição contratual do trabalhador, é objecto de protecção legal – e também convencional – que se evidencia, sobretudo, a três níveis: - na actividade a desenvolver; - na remuneração devida; - na hierarquização do trabalhador no seio da empresa. Por isso se compreende que a sua violação se reconduza a um dos comportamentos que a lei elege como “justa causa” de “rescisão” contratual por banda do trabalhador – art.º 35º nº1 al. B) da L.C.C.T. (“violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador”). 3.2-3 Os factos elencados supra evidenciam à saciedade, que a Ré destituiu a Autora das funções que correspondiam à sua categoria profissional, atribuindo-lhe tarefas substancialmente distintas e às quais correspondia uma categoria patentemente inferior. É dizer que a Ré actuou unilateralmente o objecto do contrato de trabalho da Autora, à margem das situações em que essa faculdade lhe é excepcionalmente consentida, violando, de forma ostensiva, os sobreditos preceitos legais. Aliás, estamos em crer que se verifica mesmo uma violação do dever de ocupação efectiva. Porque este dever corresponde, no domínio laboral, a uma concretização do art.º 762º nº2 do Código Civil, a sua violação pressupõe a má fé do empregador. Recuperemos, neste contexto, a lição de Pedro Romano Martinez: “Se um empregador tem trabalhadores ao seu serviço, não será normal que prescinda do seu trabalho se não tiver razões justificativas para o fazer. Por isso, estará em causa um problema de boa fé; não se permite que o empregador actue de má fé, prejudicando um determinado trabalhador. Tal actuação corresponderia a uma violação do art.º 762º nº2 do C.C., onde se estabelece que as partes devem proceder de boa fé, não apenas no cumprimento das obrigações, mas também no exercício do direito correspondente” (in “Direito do Trabalho”, Abril de 2002, pág. 525 e 526). No concreto dos autos, a má fé da demandada decorre, a nosso ver, da factualidade supra descrita, no ponto em que se demonstra ter a Ré substituído a Autora de imediato por outra pessoa, não obstante ser aquela a única trabalhadora da empresa com aptidão para exercer as funções de desenhadora gráfica. Por outro lado, cabe recordar que a violação do dever de ocupação efectiva não pressupõe a inactividade do trabalhador, antes se basta com o impedimento do exercício das funções que constituem o objecto do contrato. Foi o caso. 3.2.4 É de todo evidente que a alteração produzida não se enquadra no exercício do “ins variandi”, como pretende a Ré: - desde logo, porque tal exercício pressupõe que não ocorra uma modificação substancial da posição do trabalhador; - ademais, porque se torna mister, na espécie, que “… o interesse da empresa assim o exija, isto é, é necessário, que o recurso do “ins variandi” tenha por fundamento um interesse sério e objectivo da própria empresa, ligado a ocorrências ou situações de natureza transitória, que não se confunda, portanto, com as meras conveniências pessoais do empregador” – Ac. desta Secção de 23/2/05, na Revista nº 3159/04. Ora, como bem sublinha a Exm.ª Procuradora-geral Adjunta, a Ré nada alegou ou provou sobre a concorrência dos pressupostos assinalados, quer na vertente da “transitoriedade”, quer na vertente da “justificação objectiva” nem, muito menos, que tivesse havido algum “acordo” por parte da Autora, conforme se aduzia no art.º 25º da contestação. Nem se diga – como também alega a recorrente – que a Autora já executara outras funções não integradas na sua categoria-estatuto, antes do período mencionado no ponto nº 7 dos factos provados, o que não teria sido devidamente valorizado pelas instâncias. Reporta-se a recorrente à matéria vertida nos pontos nº 19 e 20 da mesma factualidade. Sucede que essa matéria apenas evidencia que: — a afectação de outros trabalhadores, entre os quais a Autora, para colaborar no sector de produção, apenas se verificava “… em períodos de maior aumento de encomendas, tais como o Natal”, sendo que a Ré não logrou demonstrar que esse específico condicionalismo tivesse ocorrido desde Outubro de 2002 até à cessação do vínculo contratual; - antes de Outubro de 2002, essa afectação foi, no caso da Autora, meramente esporádica (docs. fls. 87 a 89) e concomitante com funções integradas na sua categoria profissional. De resto, ainda que assim não fosse, só se lograria demonstrar que, afinal, o comportamento violador da Ré era ainda mais reiterado! Nem se diga, por fim, que as instâncias também ignoraram a factualidade vertida no ponto nº15. Trata-se de um auto de notícia, levantado pelo IDICT, relativamente à não ocupação efectiva do posto de trabalho da Autora, que a Ré impugnou em juízo, vindo a obter ganho de causa com a procedência do respectivo recurso. Como também observa a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, está ali em causa, tão-somente, uma factualidade relacionada com um eventual comportamento contraordenacional da Ré, cuja apreciação se coloca “… num patamar diferente daquele em que ora nos situamos”. Com efeito, a subsunção jurídica é diversa num e noutro caso, o que logo consequencia, sem mais, que aquele segmento decisório nunca teria a virtualidade de se impor na presente acção. As considerações expendidas levam-nos à necessária conclusão de que a analisada conduta da Ré, no que respeita às funções que cometeu à Autora, inviabilizaram a subsistência da relação contratual. Somos a concluir, por isso, que a demandante tinha motivo bastante para se desvincular da empresa, pelo que a implementada “rescisão” se operou com “justa causa”. Destarte, nenhuma censura nos merece o Acórdão em crise no que concerne a este segmento decisório. 3-3 Sustenta a recorrente que a atribuição à Autora de uma indemnização por danos não patrimoniais se revela “… manifestamente abusiva, excessiva e desadequada, pelo que deverá a respectiva decisão “…ser revogada… ou, pelo menos, substancialmente reduzida” a quantia arbitrada. Em abono da sua tese, refere que a Autora apenas logrou provar um dos seis motivos em que fez assentar o seu pedido “rescisório”. Cabe dizer que a demandante não provou apenas a violação da sua categoria profissional, por virtude das funções que lhe foram cometidas pela Ré: a par disso, também provou que foi a única trabalhadora da empresa a não beneficiar de aumentos salariais entre 1998 e 2003 e, bem assim, que a Ré não lhe justificou uma falta, embora soubesse que a Autora o fez por ter ido a uma reunião escolar da filha, na qual, aliás, ocupou apenas uma pequena parte da manhã, apresentando-se ao serviço logo após. De qualquer modo, este pedido indemnizatório acoberta-se sobretudo – há que reconhecê-lo – no esvaziamento de funções a que foi votada a Autora. Sabendo-se que a colaboração creditória assume particular relevância na contratação laboral, torna-se mister que o empregador disponibilize as condições materiais e organizativas bastantes para que o trabalhador exercite, em termos adequados, a sua prestação laboral. Uma prestação eficaz não reverte apenas em benefício da entidade patronal: ao trabalhador também assiste o direito de implementar a sua realização pessoal e a sua promoção profissional. A estas preocupações não se mostra alheio o nosso ordenamento jurídico. Sabemos que o texto fundamental confere explícita prioridade à tutela dos valores da personalidade, em cujo contexto insere o “trabalho” como vector de desenvolvimento e afirmação pessoais. A visão do “trabalho”, tal como ela se mostra corporizada na Constituição, ultrapassa claramente os paradigmas da “fonte de rendimento” e dos “ meios de subsistência” para ser reconhecido com uma forma de dignificação social do trabalhador, a que não é alheia a preocupação pela dignidade humana, a par do direito ao bom nome e reputação – art.ºs 59º nº1 al. B) e 26º nº1 da C.R.P.. Por isso, facilmente se percebe que os obstáculos, ilicitamente criados ao exercício das funções inerentes a determinada categoria profissional, sejam havidos como factores de inaceitável perturbação daqueles princípios basilares. Conforme acentua J.J. Abrantes (in “Direito do Trabalho e a Constituição, A.A.F.D.L., 1980, pág. 23), o Texto Fundamental consagra e tutela uma dimensão humana e de realização pessoal do trabalhador, que não se compadece com a disponibilidade do uso ou não uso da respectiva prestação por banda da entidade patronal. A par disso, também o nosso ordenamento infra-constitucional contém princípios fundamentais, de onde decorrem a “tutela da profissionalidade” e a consagração de deveres recíprocos de colaboração entre a entidade patronal e o trabalhador – cfr. os art.ºs 19º nº1 als. C) e D) e 21º nº1 al. A) da L.C.T. e os art.ºs 120º als. C) e D) e 122º als. A) e B) do actual Código do Trabalho. Este último preceito proíbe inclusivamente o empregador, agora de forma explícita, de “obstar, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho”. Nos termos do art.º 496º nºs 1 e 3 do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo que o montante ressarcitório será fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494º do mesmo Código, ou seja, a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. Vem provado, na sua parte nuclear, que a Ré, sem qualquer espécie de justificação, retirou à Autora todas as funções que correspondiam à sua categoria profissional, substituindo-as por outras de categoria patentemente inferior. A par disso, não lhe conferiu aumentos salariais, em ostensiva discriminação relativamente aos demais trabalhadores, não lhe justificou uma falta, nas circunstâncias, já descritas, e nem sequer a convidou para uma festa de Natal da empresa - 2003. Este comportamento colocou a Autora numa situação humilhante e marginalizada, causando-lhe desgosto , tristeza e mágoa. Estamos perante um dano indemnizável, sendo acentuada a gravidade do comportamento da Ré, cuja culpa se presume – art.º 799º nº1 do Código Civil. À luz do quadro descrito, temos por adequada a indemnização de €3.000,00 arbitrada pela Relação. 3-4 Nos termos do art.º 23º nº2 al. E) do D.L. nº 874/76, de 28 de Dezembro, são havidas como justificadas as faltas do trabalhador por virtude do cumprimento de obrigações legais. No exercício do poder paternal, cabe aos pais, além do mais, velar pela sua segurança e dirigir a sua educação – art.º 1878º nº1 do Código Civil. Este poder-dever não pode deixar de incluir o acompanhamento escolar dos filhos, designadamente a comparência a reuniões nos respectivos estabelecimentos de ensino para discutir assuntos relacionados com o mesmo. No caso vertente, a Autora comunicou antecipadamente à Ré essa falta, ocorrida no dia 3 de Julho de 2002, entre as 9h e as 10h45, sendo que a empresa recusou a sua prestação laboral no resto do dia. Como assim, essa falta foi indevidamente injustificada, carecendo de motivo bastante a respectiva dedução salarial. Sufraga-se, por isso, o juízo censório que, neste particular, a Relação dirigiu à Ré: 4- DECISÃOEm face do exposto, nega-se a revista e confirma-se o Acórdão impugnado.Custas pelo recorrente Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Março 2008 Sousa Grandão (Relator) Pinto Hespanhol Vasques Dinis |