Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
113/07.8IDMGR.C1-B.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: RODRIGUES DA COSTA
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO
NOTIFICAÇÃO
ARGUIDO
OBJECTO DO RECURSO
TRÂNSITO EM JULGADO
REFORMATIO IN PEJUS
DIREITOS DE DEFESA
DECISÃO SURPRESA
REJEIÇÃO DE RECURSO
FALTA
PRESSUPOSTOS
DECISÃO
CONFERÊNCIA
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 11/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: INDEFERIDO
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / COMUNICAÇÃO DOS ACTOS PROCESSUAIS ( COMUNICAÇÃO DOS ACTOS PROCESSUAIS ) / NULIDADES - RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 113.º, N.º2, 118.º, N.ºS 1 E 2, 417.º, N.ºS 2,3 E 4, 437.º, 438.º, 440.º, N.º1, 441.º, N.º1, 445.º, 448.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27/11/2003, PROC. N.º 465/02, DA 5ª SECÇÃO, DE 03/11/2005, PROC. N.º 2031/05, DA 5.ª SECÇÃO, E DE 28/05/2014, PROC. N.º 330/13, DA 3.ª SECÇÃO.
-DE 14/09/2011, PROC. N.º 344/04.2GTSTR.S1-A, DE 05/12/2012, PROC. N.º 105/11.2TBRMZ.E1-A.S1, E DE 20/02/2013, PROC. N.º 1388/05.2TAVRL.P1-A.S1, TODOS DA 3.ª SECÇÃO.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.ºS 469/97 E 533/99, RESPECTIVAMENTE PUBLICADOS NOS DR 2.ª S DE 16/10/97 E DE 22/11/99.
Sumário :


I - No recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, o parecer do MP emitido ao abrigo do disposto no art. 440.º, n.º 1, do CPP, não tem que ser notificado ao recorrente, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do mesmo Código.
II - No recurso para fixação de jurisprudência o que está em causa é um conflito de jurisprudência, em que o objectivo primordial a conseguir é a uniformização das soluções jurisprudenciais, eliminando-se o conflito originado por duas decisões opostas de tribunais superiores (do STJ, ou das Relações), a respeito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação. Só reflexamente o interesse de um determinado sujeito processual ou parte civil (porque não se trata da específica posição do arguido, que já não tem aqui esse estatuto) pode ser afectado, na medida em que a decisão que vier a ser proferida tem eficácia no processo, não obstante o trânsito em julgado da decisão recorrida (art. 445.º do CPP), com respeito, naturalmente, pelo princípio da proibição da reformatio in pejus.
III -Por conseguinte, não se trata já, nesta fase, de assegurar propriamente as garantias do processo criminal, tal como decorrem do art. 32.º da CRP, pois estas pressupõem a existência de um processo criminal, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão, sendo que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência pressupõe justamente o trânsito em julgado da decisão recorrida, bem como da decisão que serve de fundamento.
IV - Neste recurso o respectivo processo já correu os seus termos até ao trânsito em julgado da respectiva decisão, tratando-se agora de fixar o sentido da jurisprudência que deve ficar a valer, ante a constatada realidade de dois acórdãos divergentes. O arguido, que o foi no processo principal, se tem legitimidade, a par de outros sujeitos processuais, para interpor esse recurso, não é já alvo de qualquer actividade processual tendente ao apuramento da sua responsabilidade pela prática de uma infracção. Esse foi o objecto do processo principal. O objecto do recurso extraordinário é o diferendo jurisprudencial submetido à apreciação do mais alto tribunal da hierarquia dos tribunais, visando a interpretação de uma dada norma e a fixação do sentido com que ela deve ficar a valer, em termos semelhantes aos da enunciação normativa.
V - Nesta perspectiva, não se impõe um direito de defesa na dimensão densificada com que se nos apresenta no processo criminal e, de uma forma geral, em todos os processos sancionatórios, desde a fase preliminar até ao trânsito em julgado da respectiva decisão, incluindo, portanto o direito ao recurso como parte integrante do direito de defesa. Aqui, já não se trata de reapreciar uma decisão proferida contra o arguido ou em que, em todo o caso, haja que assegurar, na sua plenitude, os direitos de defesa e as garantias do processo criminal. Do que se cura é de resolver o conflito de jurisprudência, independentemente da posição dos sujeitos processuais, maxime, do arguido. Assim também a posição do MP é muito diferente, visto que já não aparece na veste de titular da acção penal, mas de simples defensor da legalidade.
VI - Não se pode falar de decisão surpresa quando a solução adoptada pelo STJ corresponde a uma posição bem definida de um sector significativo da jurisprudência do mesmo. Competindo ao requerente delinear os pressupostos do recurso para fixação de jurisprudência, exigir-se-lhe-ia que os conhecesse e que estivesse a par da doutrina e da jurisprudência que se têm elaborado sobre eles. Assim, não pode a decisão ser tida como inopinada, nem pode constituir fundamento para nulidade, por violação do princípio do contraditório.
VII - De acordo com o art. 441.º, n.º 1, do CPP, a rejeição do recurso por inadmissibilidade (falta dos respectivos pressupostos) ou não oposição de acórdãos, é decidida na conferência e não por despacho liminar. É, pois, na conferência que se decide a questão preliminar dos pressupostos necessários à prossecução do recurso.
VIII - Em segundo lugar, o recurso interposto foi rejeitado com fundamento em não se ter respeitado a unicidade de questões e de acórdãos indicados como fundamento e, além disso, por não se ter justificado a oposição entre os arestos ditos em conflito. E foi entendido não se dever convidar o recorrente a aperfeiçoar o requerimento, por se julgar não aplicável a este tipo de recurso a norma dos recursos ordinários que prevê tal convite e por, a ser admissível o convite, ele implicar a alteração da própria motivação, o que não é consentido nos próprios recursos ordinários.
Decisão Texto Integral:            

            I.

            Notificado do acórdão de 16/10/2014, que rejeitou o recurso para fixação de jurisprudência, o recorrente AA veio arguir a nulidade do acórdão, invocando os seguintes fundamentos, que se sintetizam:

            - O parecer do Ministério Público deveria ter sido notificado ao recorrente nos termos do art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP), para se pronunciar, querendo, no cumprimento do princípio do contraditório, que foi violado, com a consequência da nulidade.

            - O recorrente foi colhido com uma decisão surpresa, que, esgrimindo um argumento jurídico ex novo, cortou cerce as suas pretensões, sem que lhe fosse dada a oportunidade de intervir, o que constitui nulidade, por preterição do contraditório.

            O recorrente arguiu ainda

- a inconstitucionalidade dos arts. 437.º, n.º 1 e 438.º, n.º 2, ambos do CPP, na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida, segundo a qual o recorrente só pode invocar uma única questão de direito, pois tal solução estabelece uma espécie de numerus clausus que posterga os princípios de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva, arredando as garantias de defesa do processo criminal (arts. 16.º, 20.º e 32.º, n.ºs 1 e 7 da CRP).

            - A esses acresce a violação dos princípios da interpretação das leis em conformidade com a Constituição e o direito à protecção jurídica através dos tribunais (art. 202.º, n.º 2 do CRP). E ainda

            - Violação de princípios decorrentes de tratados internacionais que informam o nosso ordenamento jurídico, tais como o art. 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 14.º, n.º 1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

            - Para além do referido, não foi dado cumprimento ao disposto no art. 414.º, n.º 2 do CPP, convidando-se o recorrente a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, o que veio a traduzir-se na omissão de pronúncia sobre as razões que fizeram naufragar a aplicabilidade de tal despacho de aperfeiçoamento, constituindo nulidade.

     2. O Ministério Público emitiu parecer em que contrariou as razões invocadas pelo recorrente e as arguidas nulidades e inconstitucionalidades, concluindo pelo indeferimento do requerimento.

            3. Com dispensa de vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

            II.

            4. Decidindo as questões colocadas:

4.1. O cumprimento do art. 417.º, n.º 2 do CPP

Como alega, e bem, o Ministério Público junto deste Tribunal, se a falta de cumprimento do referido normativo se devesse ter por verificada, a sanção correspondente não seria a nulidade, mas a da simples irregularidade.

É que a matéria das nulidades está regulada no processo penal de forma autónoma e completa, sem necessidade de recurso a quaisquer normas supletivas, nomeadamente do processo civil, vigorando nesse regime o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei de processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei (art. 118.º, n.º 1 do CPP).

Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregu­lar – artigo 118, n.º 1 do Código de Processo Penal (n.º 2 do mesmo normativo).

Ora, devendo as irregularidades serem arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, no prazo de três dias, contados daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou tiverem intervindo em qualquer acto nele praticado, e não tendo o requerente observado essas determinações legais, pois foi notificado do acórdão reclamado por carta expedida em 20/10/2014, presumindo-se, por isso, notificado em 23/10/2014 (n.º 2 do art. 113.º do CPP), e só vindo a dar entrada ao seu requerimento em 04/11/2014, é evidente que veio fora de prazo, devendo a irregularidade ter-se por sanada.

Isto, se a referida irregularidade devesse ter-se por verificada. Mas não ocorreu irregularidade alguma.

Com efeito, o parecer do Ministério Público emitido ao abrigo do disposto no art. 440.º, n.º 1 do CPP não tem que ser notificado ao recorrente, como foi decidido no acórdão de 22/02/2007, proferido no Proc. n.º 4040/06, desta mesma secção e do qual foi relator o mesmo desta decisão de reclamação e que seguimos de perto.

Tratando-se aqui de um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, é por via da remissão que as normas que disciplinam este tipo de recurso fazem para a disciplina dos recursos ordinários, enquanto disciplina subsidiária daquele (art. 448.º), que se invoca a necessidade de notificação ao recorrente do parecer que o Ministério Público venha a emitir ao abrigo do disposto no art. 440.º, n.º 1 , nos mesmos termos do art. 417.º, n.º 2, ambos do CPP.

Ora, no respeitante a este tipo de recurso, o que está em causa é um conflito de jurisprudência, em que o objectivo primordial a conseguir é a uniformização das soluções jurisprudenciais, eliminando-se o conflito originado por duas decisões opostas de tribunais superiores (do STJ, ou das Relações), a respeito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação. Só reflexamente o interesse de um determinado sujeito processual ou parte civil (porque não se trata da específica posição do arguido, que já não tem aqui esse estatuto) pode ser afectado, na medida em que a decisão que vier a ser proferida tem eficácia no processo, não obstante o trânsito em julgado da decisão recorrida (art. 445.º do CPP), com respeito, naturalmente, pelo princípio da proibição da reformatio in pejus.

Por conseguinte, não se trata já, nesta fase, de assegurar propriamente as garantias do processo criminal, tal como decorrem do art. 32.º da Constituição, pois estas pressupõem a existência de um processo criminal, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão, sendo que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência pressupõe justamente o trânsito em julgado da decisão recorrida, bem como da decisão que serve de fundamento.

Ora, tendo em conta estas especificidades, não parece que o parecer que o Ministério Público venha a emitir ao abrigo do art. 440.º, n.º 1 do CPP, deva ser notificado ao arguido, nos termos do art. 417.º, n.º 2.

Em primeiro lugar, muito embora o art. 448.º disponha que aos “recursos previstos no presente capítulo aplicam-se subsidiariamente as disposições que regulam os recursos ordinários”, o art. 440.º, n.º 1 estabelece que, “recebido no Supremo Tribunal de Justiça, o processo vai com vista ao Ministério Público, por 10 dias, e é depois concluso ao relator, por 10 dias, para exame preliminar”. E logo a seguir determina os trâmites subsequentes: o relator pode determinar que o recorrente junte certidão do acórdão com o qual o recorrido se encontra em oposição (n.º 2) e, no exame preliminar, verifica a admissibilidade, o regime de subida do recurso e a existência de oposição entre os julgados (n.º 3). Nada se determina sobre a notificação do eventual parecer do Ministério Público.

Poder-se-ia dizer que se trata de uma lacuna, a preencher pelo recurso à norma subsidiária do art. 417.º, n.º 2. Mas a verdade é que se não trata de lacuna.

Qual a razão de ser da notificação ordenada por aquele art. 417.º, n.º 2, enquanto norma inserida no capítulo dos recursos ordinários?

É, segundo jurisprudência do Tribunal Constitucional, que remonta à polémica gerada em torno do art. 664.º do CPP de 1929, assegurar as garantias de defesa do arguido, ou seja, as garantias do particular a quem é imputada uma determinada infracção, dando-lhe a oportunidade de responder sempre que o Ministério Público, representante da acusação, se pronunciar sobre o objecto do processo ou sobre o conhecimento do recurso. Isto na formulação mais lata e abrangente, que acabou por ser consagrada, do direito de defesa, garantido através do contraditório – um direito de defesa que compreensivelmente se leva a uma expressão enfática quando está em causa a imputação de uma infracção, concedendo ao arguido o direito de ter a última palavra (Por todos, cf. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 469/97 e 533/99, respectivamente publicados nos DR 2.ª S de 16/10/97 e de 22/11/99).

Ora, no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, como se disse já, não está em causa a imputação de uma infracção, nem rigorosamente se trata de garantir os direitos inerentes ao estatuto de arguido. O respectivo processo já correu os seus termos até ao trânsito em julgado da respectiva decisão, tratando-se agora de fixar o sentido da jurisprudência que deve ficar a valer, ante a constatada realidade de dois acórdãos divergentes. O arguido, que o foi no processo principal, se tem legitimidade, a par de outros sujeitos processuais, para interpor esse recurso, não é já alvo de qualquer actividade processual tendente ao apuramento da sua responsabilidade pela prática de uma infracção. Esse foi o objecto do processo principal. O objecto do recurso extraordinário é o diferendo jurisprudencial submetido à apreciação do mais alto tribunal da hierarquia dos tribunais, visando a interpretação de uma dada norma e a fixação do sentido com que ela deve ficar a valer, em termos semelhantes aos da enunciação normativa, isto é, em termos gerais e abstractos, muito embora os tribunais em geral, ao contrário do que sucedia com os assentos, não sejam obrigados a seguir a orientação perfilhada, mas devendo fundamentar obrigatoriamente a divergência em relação a essa orientação. A decisão tem eficácia apenas no processo onde foi interposto o recurso, mas vale para situações idênticas (enquanto a jurisprudência fixada não for modificada), não no sentido de acatamento obrigatório, mas no da exigida fundamentação da divergência em relação ao decidido, apoiada em argumentos que não sejam os da mera reprodução da posição que ficou vencida. Daí o recurso obrigatório de decisão que vá contra a jurisprudência fixada.  

Nesta perspectiva, não se impõe um direito de defesa na dimensão densificada com que se nos apresenta no processo criminal e, de uma forma geral, em todos os processos sancionatórios, desde a fase preliminar até ao trânsito em julgado da respectiva decisão, incluindo, portanto o direito ao recurso como parte integrante do direito de defesa. Aqui, já não se trata de reapreciar uma decisão proferida contra o arguido ou em que, em todo o caso, haja que assegurar, na sua plenitude, os direitos de defesa e as garantias do processo criminal. Do que se cura é de resolver o conflito de jurisprudência, independentemente da posição dos sujeitos processuais, maxime, do arguido. Assim também a posição do Ministério Público é muito diferente, visto que já não aparecendo na veste de titular da acção penal, mas de simples defensor da legalidade.

Por outro lado, incumbe ao recorrente, no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, seja ele arguido ou outro sujeito processual, delinear os pressupostos desse recurso, identificando os acórdãos contraditórios e justificando a oposição que origina o conflito (artigos 437.º e 438.º do CPP).

Os outros sujeitos processuais e, nomeadamente o Ministério Público, têm o direito de se pronunciarem sobre esses pressupostos – e tão só sobre eles, visto que o que está em causa na primeira fase deste recurso é justamente a questão preliminar da admissibilidade do recurso e da oposição de julgados, sendo que, na conferência, a que o relator há-de submeter essa questão, os juízes se pronunciam sobre a existência desses pressupostos, rejeitando o recurso no caso de faltar algum deles, ou fazendo prosseguir o processo até ao seu julgamento em conferência pelo plenário das secções criminais (artigos 441.º e segs.). Com isso – com a oportunidade conferida aos sujeitos processuais interessados de responderem -, fica esgotado o direito ao contraditório.

Daí que se não imponha, por todo o complexo de razões que foram adiantadas, a notificação do parecer que o Ministério Público eventualmente venha a emitir no Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 440.º, n.º 1 do CPP.

 Para além do acórdão indicado, de que foi relator o mesmo deste processo, outros acórdãos do STJ vão no mesmo sentido, como, por exemplo, os acórdãos de 14/09/2011, Proc. n.º 344/04.2GTSTR.S1-A; de 05/12/2012, Proc. n.º 105/11.2TBRMZ.E1-A.S1 e de 20/02/2013, Proc. n.º  1388/05.2TAVRL.P1-A.S1,  todos da 3.ª Secção.

4.2. Decisão surpresa

O requerente diz ter sido colhido com uma decisão-surpresa, o que constituiria nulidade por violação do princípio do contraditório.

Ora, sobre este princípio, no que tange à sua aplicação no âmbito deste tipo de recurso, já dissemos a forma e os limites com que deve ser entendido, na explanação que fizemos no número anterior.

Porém, não se pode sequer falar aqui de decisão-surpresa, pois a solução que foi adoptada corresponde a uma posição bem definida de um sector significativo da jurisprudência do STJ, como se procurou evidenciar pelos arestos convocados em abono da decisão. E outros poderiam ter sido indicados.

De resto, tal não implica a criação artificial de uma espécie de numerus clausus, pois o requerente poderia interpor dois recursos, cada qual com a sua questão perfeitamente individualizada e com a indicação do correspondente acórdão-fundamento.

Ora, competindo ao requerente, como vimos, delinear os pressupostos do recurso para fixação de jurisprudência, exigir-se-lhe-ia que os conhecesse e que estivesse ao par da doutrina e da jurisprudência que se têm elaborado sobre eles.

Se tivesse tido o cuidado requerido, o requerente não teria sido surpreendido com a decisão.    

Assim, esta não pode ser tida como inopinada, nem pode constituir fundamento para nulidade, por violação do princípio do contraditório.

4.3. Inconstitucionalidades

O requerente invocou uma série de violações de direitos e princípios constitucionais, sem que nem sempre os explicitasse devidamente, como lhe competia.

Essencialmente estão em causa os direitos e princípios correlacionados com o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e com o direito de defesa e as garantias criminais.

Quanto ao direito de defesa e garantias criminais, já vimos que os mesmos não estão particularmente em causa neste tipo de recurso. Não se pode mesmo falar de um verdadeiro direito de defesa e de garantias criminais, tendo em vista o especial estatuto de arguido num processo com a natureza deste.

Toda a elaboração jurisprudencial sobre tal direito e garantias, em especial do Tribunal Constitucional, visam o especial estatuto que é conferido ao arguido num processo criminal, mas que não é transportável para o particular domínio do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Quanto ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, repita-se, mais uma vez, que estamos em face de um recurso extraordinário em que não se cura de efectivar um direito próprio do recorrente, embora, na qualidade de arguido, que o foi no processo principal, ele tenha legitimidade para interpor o recurso. O objectivo que se pretende alcançar com tal espécie de recurso é a certeza e segurança jurídicas, não um  direito pessoal do recorrente, carecido de tutela jurisdicional.

Ao recorrente cabe definir os pressupostos de que depende o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nomeadamente a oposição de acórdãos sobre a mesma questão de direito e no âmbito da mesma legislação, justificando devidamente aquela oposição, em ordem a obter-se a solução do conflito jurisprudencial assim suscitado, não em nome de uma pretensão própria, mas no interesse da sociedade em geral e da comunidade jurídica em particular. Só reflexamente o interesse do recorrente pode ser satisfeito, como já afirmado.

Mas, de qualquer modo, o acesso ao direito do requerente, na acepção por ele defendida, e voltando agora ao problema do numerus clausus, nunca ficaria prejudicado, já que, como se disse, ele poderia interpor dois recursos, identificando em cada um deles uma única questão.

Assim, não se vê como possam ter sido ofendidos os direitos e princípios constitucionais invocados com a solução dada ao caso.

Também não se entende a referência ao art. 202.º, n.º 2 da Constituição, sobretudo a partir da sua ampla e genérica formulação: Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.     

Em suma, não vemos qualquer violação às normas constitucionais supracitadas, nem aos dispositivos de direito internacional referidos pelo requerente, nomeadamente, o art. 10.º da Declaração dos Direitos do Homem, o art. 14.º, n.º 1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o art. 6.º, n.º 1 da Convenção dos Direitos do Homem, que definem princípios e estabelecem direitos de teor semelhante aos analisados.

4.4. Omissão de pronúncia

Esta questão é dificilmente perceptível.

Diz o requerente que o acórdão enferma de nulidade por omissão de pronúncia quanto ao cumprimento do art. 414.º, n.º 2 do CPP, por ter omitido o despacho de aperfeiçoamento do requerimento de recurso e por não ter fundamentado devidamente a postergação de tal despacho.

Em primeiro lugar, o despacho de aperfeiçoamento está previsto no art. 417.º, n.ºs 3 e 4 e não no art. 414.º, n.º 2. Por outro lado, a rejeição do recurso extraordinário não está prevista no referido normativo, mas no art. 441.º, n.º 1. De acordo com este, a rejeição do recurso por inadmissibilidade (falta dos respectivos pressupostos) ou não oposição de acórdãos, é decidida na conferência e não por despacho liminar. É, pois, na conferência que se decide a questão preliminar dos pressupostos necessários à prossecução do recurso.

Em segundo lugar, o recurso interposto foi rejeitado com fundamento em não se ter respeitado a unicidade de questões e de acórdãos indicados como fundamento e, além disso, por não se ter justificado a oposição entre os arestos ditos em conflito.

E foi entendido não se dever convidar o recorrente a aperfeiçoar o requerimento, por se julgar não aplicável a este tipo de recurso a norma dos recursos ordinários que prevê tal convite e por, a ser admissível o convite, ele implicar a alteração da própria motivação, o que não é consentido nos próprios recursos ordinários. Nestes termos:
Acresce que não é exigível, aqui, o convite para reformulação de conclusões, que, aliás, não foram formuladas e, muito menos da motivação de recurso, como tem sido jurisprudência deste Tribunal e do próprio Tribunal Constitucional (entre outros, vejam-se os Acórdãos de 27/11/03, Proc. n.º 465/02 – 5ª Secção, de 03/11/2005, Proc. n.º 2031/05, da 5.ª Secção, tendo como relator o mesmo deste processo e de 28/05/2014, Proc. n.º 330/13, da 3.ª Secção, indicado também no parecer do Ministério Público, no qual se salienta que, conforme jurisprudência do Tribunal Constitucional, «do art. 20.º da Constituição, não decorre um genérico direito à obtenção de um despacho de aperfeiçoamento, isto é, não pode retirar-se uma exigência constitucional geral de convite para aperfeiçoamento, sempre que o recorrente não tenha apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação» e ainda que, «diferentemente do disposto no art. 417.º, n.ºs 3 e 4, o 440.º do CPP, que se refere ao exame preliminar, não prevê o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso – apenas prevê que o relator possa determinar que o recorrente junte certidão do acórdão com o qual o recorrido se encontra em oposição – nem consente tal aperfeiçoamento».
Além de que, acrescentamos nós, o convite ao aperfeiçoamento nunca poderia ser para a modificação essencial da motivação de recurso, como sucederia no caso da identificação de uma única questão controvertida e da justificação da oposição de acórdãos.

Como resulta claro do excerto transcrito, não há omissão de pronúncia, que só existiria se o tribunal não se pronunciasse sobre qualquer questão colocada ou que o tribunal devesse conhecer oficiosamente, não sendo esse o caso. É evidente que, se foi entendido não ser de convidar o recorrente a aperfeiçoar o requerimento de recurso, tal implicava a não prolação de despacho que convidasse o recorrente a tal aperfeiçoamento.

Por outro lado, o segmento da decisão que entende não ser de formular o convite está devidamente fundamentado e apoiado em jurisprudência, quer do STJ, quer do Tribunal Constitucional.

Assim, não ocorre qualquer nulidade a tal respeito.

III.

5. Nestes termos, acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir o requerimento formulado por AA, por não se detectar qualquer nulidade ou inconstitucionalidade no acórdão reclamado.

6. Custas pelo requerente com 3 UC de taxa de justiça

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Novembro de 2014

                                              

                                   Artur Rodrigues da Costa (relator)

                                               Souto de Moura