Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | SÉRGIO POÇAS | ||
Descritores: | CESSÃO DE QUOTA COMPRA E VENDA CONTRATO DE PERMUTA PACTO DE PREFERÊNCIA DIREITO DE PREFERÊNCIA EFICÁCIA REAL ACÇÃO DE PREFERÊNCIA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO DECLARAÇÃO EXPRESSA DECLARAÇÃO TÁCITA DIREITO À INDEMNIZAÇÃO | ||
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Apenso: | |||
Data do Acordão: | 09/12/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS. DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - SOCIEDADES POR QUOTAS / QUOTAS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, N.º2, 413.º, 414.º, 421.º,1410.º, 1555.º, N.º1. CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 228.º, 229.º, N.º5. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 715.º, N.º2, 726.º. LEI DAS SOCIEDADES POR QUOTAS DE 1901: - ARTIGO 6.º, § 3.º, 42.º, § 3.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 08-02-2011, REVISTA N.º 767/06.2. | ||
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Sumário : | O direito de preferência convencional para ter eficácia real depende do preenchimento de três requisitos cumulativos: que a eficácia real tenha sido convencionada por declaração expressa; que o direito de preferência respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo; que esse direito de preferência tenha sido registado, nos termos da respectiva legislação. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Relatório No Tribunal do Comércio de Lisboa, AA intentou a presente acção contra BB; CC e mulher DD; EE e mulher FF; GG e marido HH e Mar - SGPS, S.A pedindo que se reconheça o seu direito de preferência na cessão da quota que os l°s a 5º RR detinham na sociedade II, Filhos, Lda. e que transmitiram à 6ª Ré e que, consequentemente, se ordene a substituição do 6º R. pelo A. na posição de cessionário e titular da referida quota, com efeitos retroactivos à data da outorga da escritura celebrada, mediante o pagamento do respectivo preço de cessão correspondente a € 411.006,00. Pede ainda seja ordenado o cancelamento das inscrições da titularidade da quota que tenham sido feitas a favor da 6ª Ré. Por último para o caso da pretensão acima referida não proceder, pede a condenação dos Io a 5o RR. no pagamento de uma indemnização no montante de € 411.006,00 pelos prejuízos que lhe causaram com a violação do seu direito de preferência. Alegou ser sócio da Sociedade II, Filhos, Lda., juntamente com os Io a 5o RR. que eram co-titulares da quota deixada por óbito de JJ. Por carta datada de 20 de Dezembro de 2002 mas apenas recebida pelo A. a 6 de Janeiro de 2003 o Io R. deu conhecimento ao A. e à Sociedade II, Filhos, Lda. que a quota de que os cinco primeiros RR. eram titulares havia sido transmitida à 6a Ré pelo montante de € 411.006,00 pago em acções do capital social da 6a Ré. Nos termos do art. 5o do pacto social da Sociedade II, Filhos, Lda a cessão de quotas a estranhos depende do direito de preferência dos restantes sócios, logo, tem o A. direito de preferência na cessão operada dado que a 6a Ré não é nem nunca foi sócia da II, Filhos, Lda. Não tendo os Io a 5o RR. dado ao A. o direito de preferência nem tendo a cessão sido consentida pela Sociedade II, Filhos, Lda, tem o A. direito a haver para si a quota alienada. Quanto ao pedido indemnizatório alega o A. que a Sociedade II, Filhos, Lda sempre foi uma sociedade familiar, que a 6a Ré é uma sociedade anónima cujas acções podem a todo o tempo ser transferidas para terceiros e que, por conseguinte, a entrada da 6a Ré na sociedade traduz-se na perda do direito do A. de controlar e impedir a entrada de terceiros na vida societária da II, Filhos, Lda, e na perda do direito de adquirir uma nova quota na Sociedade que os próprios RR. avaliam em € 411.006,00. Os RR. contestaram, arguindo várias excepções que foram conhecidas no despacho saneador, ressalvada a caducidade do direito de o A. propor a presente acção, cujo conhecimento se relegou para final. A este propósito alegam os RR. que, nos termos previstos no art. 1410° do Cod. Civil o preferente tem o prazo de seis meses, contados da data em que teve conhecimento do negócio, para propor a acção. Uma vez que o A. teve conhecimento da cessão em 20 de Dezembro de 2002, à data em que propôs a primeira acção para exercer a preferência (4 de Julho de 2003) já tinha caducado o direito de o fazer. Quanto à questão de fundo alegam não ter existido uma cessão de quota propriamente dita mas sim uma transferência da quota de uma parte do património dos RR. para outra parte do seu património dado que a 6a Ré é uma sociedade que pertence à sua família. Acrescentam que não receberam qualquer preço pela transferência tendo apenas recebido acções da 6a Ré, pois, com a transferência que operaram, aumentaram o capital social da 6a Ré. Tais acções têm um valor pecuniário muito superior ao seu valor nominal. Concluem, assim, não ter o A. qualquer direito de preferência. Acrescentam que nunca se poderia considerar ser o valor da transferência de €411.006,00 já que os primeiros 5 RR. têm prestações suplementares a receber da II, Filhos, Lda. no montante de € 139.239,44, pelo que o depósito efectuado pelo A. de € 411.006,00 nunca seria suficiente dado que sempre se teria de considerar como preço o valor das referidas prestações suplementares. Quanto ao pedido indemnizatório negam a existência de quaisquer prejuízos para o A.. O A. replicou e os RR. treplicaram. Foi proferida decisão que, na improcedência da acção, absolveu os RR. do pedido. Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que dando razão ao recorrente decidiu: Pelo exposto e decidindo, na procedência da apelação, revoga-se a decisão recorrida e, consequentemente, reconhece-se ao A. o direito de preferência na cessão da quota que os l°s a 5o RR detinham na sociedade II, Filhos, Lda. e que transmitiram ao 6o R. e, por via disso, ordena-se a substituição do 6o R. pelo A. na posição de cessionário e titular da referida quota, com efeitos retroactivos à data da outorga da escritura celebrada, mediante o pagamento do respectivo preço de cessão correspondente a € 411.006,00. Determina-se, ainda, o cancelamento das inscrições da titularidade da quota que tenham sido feitas a favor da 6a R..
Inconformados com o decidido pela Relação, recorrem agora os réus para o STJ, concluindo do modo seguinte: 2.O artigo 5º do pacto social estabelece o seguinte: É livre a cessão de quotas entre sócios; para estranhos a cessão no todo ou em parte fica dependente do direito de preferência dos restantes sócios, ou de qualquer deles, nos termos seguintes (...)". Ressalta claramente a ilegalidade desta cláusula e que a mesma está a subordinar os efeitos da cessão a requisito diferente de consentimento da sociedade, o que o artigo 229.°, n.º 5 do C.S.C, proíbe. 3.As palavras "subordinado" e "dependente" são normalmente sinónimas, como pode ver-se em qualquer dicionário e deduzir dos artigos 486.° e 493.° do C.S.C.. 4.Na falta de convenção expressa ou de registo, uma cláusula de preferência não tem eficácia real, sendo evidente que do art. 5º dos estatutos da Sociedade não consta uma estipulação "expressa" da eficácia real da preferência, não sendo admissível (por contrária ao art. 421.° do CCiv), uma mera declaração tácita nesse sentido. 5.A preferência contemplada no artigo 5º do pacto social não tem eficácia real pois a mesma não está expressamente estipulada no seu texto. 6.Não é igual um montante em dinheiro líquido a um conjunto de acções de uma sociedade anónima (sem cotação em bolsa) pois o seu valor depende da avaliação do património social, das expectativas de lucros futuros da sociedade anónima, da percentagem (dominante ou não) a adquirir na dita sociedade. 7.Importa atender também ao interesse dos sócios cedentes, quando não pretendem simplesmente alienar a quota, mas apenas restruturar o modo de exercício da sua participação na sociedade, passando de directa a indirecta e passando as decisões dos contitulares das quotas a ser tomadas de modo mais expedito pelos administradores da SGPS. 8.Quando a cessão da quota se efectua mediante uma troca por acções, não existe um "preço"; mesmo que à quota e às acções seja atribuído um valor, este não tem a natureza de um preço, visto que, na hipótese de troca, ninguém entrega moeda corrente. 9.Não pode haver preferência no normal contrato de escambo, porque e na medida em que o titular desse direito não pode exercê-lo em condições iguais ("tanto por tanto") às do adquirente: a coisa dada por este em troca da coisa recebida do alienante não lhe poderá ser dada pelo preferente, razão por que este não se poderá fazer substituir ao adquirente. 10.O que os sócios cedentes quiseram e está inequivocamente provado foi "trocar" a sua quota por acções da SGPS familiar, numa reorganização concentrada de todas as suas participações sociais que a lei abertamente lhe permite. 11.O interesse dos cedentes não reside na percepção do preço (ainda que o preço justo) da quota; reside sim na percepção em espécie das acções do cessionário que lhe facultem continuar a gerir (indirectamente) a quota na sociedade participada. 12.Ver nos 411.006 euros a contrapartida da quota transferida para a SGPS (como se fez no acórdão da Relação) não capta fielmente a realidade do negócio efectivamente concluído pelo cedente (contitulares da quota). 13.Não é passível de extensão a alegada preferência estatutária dos restantes sócios à cessão de quota "por troca" com acções infungíveis da holding familiar constituída pelos RR. para nela concentrar as suas participações sociais e através dela continuar a gerir (indirectamente) essas mesmas participações. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o Douto Acórdão Recorrido e substituindo-o por Acórdão que não reconheça o invocado direito de preferência do A., nem a sua legitimidade para lançar mão, nos termos em que o fez, da acção de preferência, com as legais consequências.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Sem prejuízo do conhecimento oficioso que em determinadas situações se impõe ao tribunal, o objecto e âmbito do recurso são dados pelas conclusões extraídas das alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC[2]). Nas conclusões, o recorrente – de forma clara e sintética, mas completa – deve resumir os fundamentos de facto e de direito do recurso interposto. Face ao exposto e às conclusões formuladas importa resolver: a) Da legalidade da cláusula do pacto social que só permite a livre cessão de quotas depois de ser dada preferência aos sócios e/ou sociedade; b)Da eficácia real da cláusula de preferência prevista nos estatutos; c) Do pedido de indemnização. II. Fundamentação II.I. De Facto Nas instâncias foram considerados provados os seguintes factos: 1. O Autor é sócio fundador da sociedade II & Filhos, Lda., sociedade comercial por quotas, com sede na Cova da Iria, Fátima, pessoa colectiva n.º 500 179 875, com o capital social de € 600 000 (seiscentos mil euros), matriculada na Conservatória de Registo Comercial de Ourém, sob o n.º 79, na qual o Autor detém uma quota representativa de 15% do respectivo capital social, no valor nominal de € 90 000,00. 2. A sociedade II, Filhos, Lda. foi constituída através de contrato de sociedade celebrado por escritura outorgada em 2 de Março de 1956, no Cartório Notarial de Vila Nova de Ourém, a fls. 38 v.º do livro de Escrituras n.º B – 398, do dito Cartório. 3. O capital social da sociedade II, Filhos Lda. é de € 600 000, encontrando-se integralmente realizado, e é representado por 8 quotas, as quais, em 19 de Dezembro de 2002, se encontravam distribuídas pelos sócios: - LL, BB, CC, EE e GG – ora 1.º a 5.º RR. – titulares em comum, sem determinação de parte ou direito, de uma quota no valor nominal de € 150 000, representativa de 25% do montante total do capital social da sociedade; - MM e NN, titulares em comum de uma quota no valor nominal de € 150 000, representativa de 25% do montante total do capital social da sociedade; - AA, titular de uma quota nominal de € 90 000, representativa de 15% do montante total do capital social da sociedade; - OO, titular de uma quota no valor nominal de € 50 000, representantiva de 8% do montante total do capital social da sociedade; - PP, titular de uma quota no valor nominal de € 50 000, representativa de 8% do montante total do capital social da sociedade; - QQ, titular de uma quota no valor nominal de € 50 000, representativa de 8% do montante total do capital social da sociedade; - RR, titular de uma quota no valor nominal de € 30 000, representativa de 5% do montante total do capital social da sociedade; - SS, titular de uma quota no valor nominal de € 30 000, representativa de 5% do montante total do capital social da sociedade. 4 – A quota detida pelos 1.º a 5.º RR no capital social da II, Filhos, Lda. pertencia originalmente a JJ, então casada sob o regime da comunhão geral de bens com o 1.º R. LL, tendo vindo ao património comum dos 1.º a 5.º RR por dissolução daquela comunhão conjugal e sucessão hereditária, em consequência do óbito da dita JJ, em 25 de Março de 2001. 5 – Os RR. LL, BB, UU, EE e GG escreveram uma carta dirigida à sociedade II, Filhos, Lda., datada de 20 de Dezembro de 2002, cuja cópia se mostra junta a fls. 123, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, que entregaram à mulher do Autor. 6 – No dia 19 de Dezembro de 2002 foi celebrada uma escritura pública em que foram outorgantes os aqui RR., sendo os RR. GG e LL representado pelo R. BB, denominada «Aumento de Capital e Alteração do Contrato Social» (fls. 136). 7 – O negócio celebrado através da referida escritura foi efectuado com o conhecimento e autorização das RR. DD, FF e HH. 8 – O acordo celebrado entre os RR. e formalizado na escritura identificada em 6) foi realizado sem o consentimento da sociedade II, Filhos, Lda. e dos seus restantes sócios. 9 – Dispõe o art. 5.º do Contrato de Sociedade da II, Filhos, Lda. que «é livre a cessão de quotas à sociedade ou a outros sócios; para estranhos a cessão no todo ou em parte fica dependente do direito de preferência dos restantes sócios, ou de qualquer deles, nos termos seguintes: a) quando qualquer sócio desejar ceder a sua quota – no todo ou em parte – avisará os restantes por carta registada com aviso de recepção, na qual indique o nome do pretendente e o preço da cessão; b) Se no prazo de vinte dias, a contar da data da recepção da carta, nenhum dos sócios desejar usar da preferência, bastando para tal não responder, fica o cedente livre para efectuar o contrato com o pretendente, nos termos da proposta; c) Se qualquer sócio desejar a opção fá-lo-á pelo preço da proposta, devendo no prazo de cinco dias, a contar da comunicação, entregar ao cedente um sinal correspondente a dez por cento do mesmo preço, e fixando-se desde logo um prazo, que ficará escrito, para a efectivação do negócio; d) Se o sócio pretendente não entregar o sinal naquele prazo, fica o cedente imediatamente liberto do compromisso e poderá realizar o seu contrato com o estranho, o mesmo sucederá se o adquirente não efectivar o negócio no prazo marcado; e) Se qualquer dos contratantes, havendo sinal passado, se negar, haverá perda do sinal ou restituição em dobro, conforme o caso; f) Se mais de um sócio desejar a opção haverá licitação partindo da base da proposta, e a quota será atribuída – no todo ou em parte – ao que mais der, aplicando-se o regime do sinal e prazos acima estabelecido;” -- 10 -A 6.ª R. – ..., SGPS, S.A. -, não é, nem nunca foi sócia da sociedade II, Filhos, Lda. -- 11 -Na escritura identificada em 6) a 6ª R. foi representada pelo co-réu EE. -- 12 -A sociedade II, Filhos, Lda. foi criada em 1956, por quatro irmãos, filhos de II, e um genro deste: -- -VV, XX, AA, e JJ, todos filhos de II, e ainda, PP, à data casado no regime da comunhão geral com YY, também ela filha de II. -- 13 -A sociedade adoptou a firma II, Filhos, Lda. em homenagem à sua natureza e base familiar, tendo os seus sócios sempre actuado no sentido de manterem exclusivamente no seio daquela família o controle total societário da mesma. 14 -Quando o sócio XX saiu da sociedade rateou a sua quota pelos seus irmãos e cunhado referidos em 12). -- 15-Com o óbito do sócio VV, a sua quota foi transmitida e mantém-se indivisa no património das respectivas filhas, ZZ e AAA. -- 16 -Com o óbito do sócio PP, a sua quota foi transmitida para o património dos seus filhos, QQ, PP e OO, onde se mantém. -- 17 -Com o óbito da JJ, a sua quota foi transmitida indivisa para o seu marido, LL, ora 1.º R., e respectivos filhos, BB, CC, EE e GG, ora 2.º a 5.ª RR. -- 18 -No dia 16 de Fevereiro de 2003 realizou-se uma assembleia-geral da sociedade II, Filhos, Lda., da qual foi elaborada a acta junta aos autos a fls. 146 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. -- 19 -No dia 18 de Março de 2003 deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Ourém, a acção declarativa que corre termos no 2º juízo daquele tribunal com o nº 477/03.2TBVNO, intentada pelos aqui RR. pessoas singulares contra a sociedade II, Filhos, Lda. na qual é pedida a anulação das deliberações sociais aprovadas na assembleia geral de 16 de Fevereiro de 2003 e que seja a ali R. condenada a reconhecer como eficaz a transmissão da quota operada entre os RR pessoas singulares e a 6º R, nos termos e com os fundamentos constantes da respectiva p.i. cuja cópia se mostra junta a fls. 512 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. -- 20 -A referida acção foi contestada pela R. nos termos e com os fundamentos constantes do articulado cuja cópia se mostra junta a fls. 527 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido. -- 21 -Até à data não foi proferida decisão final na referida acção. -- 22 -A carta referida em 5) foi entregue à mulher do A em 6 de Janeiro de 2003. - 23 -Foi através dessa carta que os RR. deram conhecimento à sociedade II, Filhos, Lda. e aos seus sócios da celebração do negócio referido em 6). 24 -A constituição da Sociedade ... S.G.P.S., S.A. teve como objectivo a concentração das participações sociais dos RR. na holding familiar. -- 25 -O A. sabe que na sociedade II & Filhos, Lda. os sócios, incluindo os RR. pessoas singulares, realizaram prestações suplementares. -- 26 - O A. sabe que tais prestações suplementares realizadas pelos RR. foram transmitidas por contrato particular de cessão à 6ª . R.-- 27 - ... -Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. pessoa colectiva nº 505169940 com sede na Quinta de Santa Rosa, Apartado 1042 Camarate, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Predial/Comercial de Loures (doc. fls. 986). -- 28 - Tem por objecto social a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas (doc. fls. 986). -- 29 - O Conselho de Administração da Sociedade ... SGPS é composto por: LL, CC e EE (doc. fls. 986). -- 30 - Os estatutos actualizados da Sociedade ... SGPS são os que constam do doc. fls. 991 que aqui se dá por reproduzido. -- 31 - O A. e BBB casaram entre si em 2 de Dezembro de 1961 sem convenção antenupcial (doc. fls. 1009). -- II. II. De Direito 1. Da legalidade da cláusula do pacto social que só permite a livre cessão de quotas depois de ser dada preferência aos sócios e/ou sociedade. Concluem os recorrentes, designadamente: 1.É ilegal a cláusula existente num pacto social em que se estabelece que as cessões de quotas entre os sócios são livres, no todo ou em parte, e que a estranhos só depois de ser dada preferência primeiro aos sócios não cedentes e depois à sociedade; 2.O artigo 5º do pacto social estabelece o seguinte: É livre a cessão de quotas entre sócios; para estranhos a cessão no todo ou em parte fica dependente do direito de preferência dos restantes sócios, ou de qualquer deles, nos termos seguintes (...)". Ressalta claramente a ilegalidade desta cláusula e que a mesma está a subordinar os efeitos da cessão a requisito diferente de consentimento da sociedade, o que o artigo 229.°, n.º 5 do C.S.C, proíbe (sublinhado nosso). ______Como se sabe, tanto na sentença de 1.ª instância como no acórdão da Relação concluiu-se pela validade da cláusula acima referida e ínsita no pacto social da II, Filhos, Lda _____ Os recorrentes têm razão? Não têm, salvo o devido respeito. Fundamentemos: Primeiramente importa ter em atenção que aquando da constituição da sociedade II, Filhos, Lda. vigorava na ordem jurídica portuguesa a Lei das Sociedades por Quotas – Lei de 11/04/1901 – que posteriormente veio a ser revogada pelo DL n.º 262/86 de 02-09 que aprovou o Código das Sociedade Comerciais e que na mesma altura, ou seja, aquando da constituição da referida sociedade, vigorava na ordem jurídica portuguesa o Código Civil de 1867, aprovado pela Carta de Lei de 01-07-1867. Ora à data da constituição da sociedade II, Filhos, Lda., o art. 6.º da Lei das Sociedades por Quotas de 1901 dispunha que « As quotas sociais são transmissíveis nos termos de direito», acrescentando o § 3.º que «A escritura social pode fazer depender a cessão de quotas do consentimento da sociedade, ou de outros requisitos». Parece assim claro que a lei que analisamos permitia a transmissão das quotas sociais. Mas se assim é, resulta nítido daquele § 3.º que o princípio da transmissibilidade podia ser restringido pelo pacto social, no qual podiam reflectir-se os muitos interesses em jogo. Na verdade, no respeito daquele normativo, cada sociedade por quotas, desenharia um regime concreto mais ou menos severo, mais ou menos próximo de algum dos outros tipos de sociedades comerciais. Afigura-se-nos isento de discussão que dentro dos limites ao princípio da transmissibilidade de quotas, claramente se enquadra o direito de preferência o qual pode ter por fonte a lei – direito de preferência legal – ou a vontade das partes – direito de preferência convencional. Se é verdade que a lei criou um direito de preferência legal a favor dos sócios no caso de arrematação ou adjudicação judicial de quotas (art. 42.º, § 3.º), e nada dispôs (expressamente) sobre cláusulas de preferência, parece indubitável que tais cláusulas são legalmente admissíveis, não só por aplicação das regras gerais, como ainda por o direito de preferência poder ser um dos requisitos a que alude o citado art. 6.º, § 3.º. Assim não vemos razões, à luz da lei em vigor à data em que foi constituída a sociedade, para concluir pela invalidade de uma cláusula – como a que está em causa nos presentes autos – em que no caso de cessão de quotas a um estranho à sociedade se faça depender a mesma de um direito de preferência a atribuir aos sócios[3]. Por outro lado a cláusula em análise do mesmo modo em nada afronta o disposto nos artigos 228º e 229º, nº 5 do actual CSC. De facto o direito de preferência estabelecido no pacto de nenhum modo subordina os efeitos da cessão a requisito diferente do consentimento da sociedade nem de algum modo condiciona aquele consentimento[4]. Conclui-se assim pela legalidade da cláusula (direito de preferência) prevista no artigo 5º do pacto social. 2. Da eficácia real da cláusula de preferência prevista no pacto social Entendeu a Relação (ao contrário do que havia decidido a 1ª instância) estarmos perante um direito de preferência convencional a que foi atribuída eficácia real e a que é aplicável o disposto no artigo 1410.º do CC, ex vi do artigo. 421.º do mesmo diploma. Com tal entendimento não se conformam os recorrentes. De facto concluem, designadamente: 4.Na falta de convenção expressa ou de registo, uma cláusula de preferência não tem eficácia real, sendo evidente que do art. 5º dos estatutos da Sociedade não consta uma estipulação "expressa" da eficácia real da preferência, não sendo admissível (por contrária ao art. 421.° do CCiv), uma mera declaração tácita nesse sentido. 5.A preferência contemplada no artigo 5º do pacto social não tem eficácia real pois a mesma não está expressamente estipulada no seu texto (sublinhado nosso). Vejamos: Como acima já se assinalou, importa ter presente que a sociedade em causa nos presentes autos, cujo pacto social prevê o direito de preferência dos sócios na cessão de quotas a estranhos, foi constituída em 2 de Março de 1956, isto é, ainda no âmbito do Código Civil de 1867. Ora no domínio deste Código Civil a cláusula de preferência tinha um efeito meramente obrigacional: o pactuante ficava obrigado a alienar a quota à sociedade ou aos sócios, titulares da preferência. No entanto, como é consabido, a violação daquela obrigação apenas conferia ao preferente o direito a indemnização. Com o novo Código Civil as coisas alteraram-se. Na verdade, o artigo 413.º, veio permitir que o direito de preferência, constituído por mero pacto, tenha eficácia real, sendo no entanto necessário o preenchimento de três requisitos: - que a eficácia real tenha sido convencionada pelos pactuantes; que o direito de preferência respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo; que esse direito de preferência tenha sido registado, nos termos da respectiva legislação. Ou seja, do disposto nos artigos 421º e 413º surge cristalino que não basta convencionar o direito de preferência, é ainda necessário convencionar que tal direito tem eficácia real. Mas como é claro do que se vem expondo, o actual regime não era o regime previsto aquando da celebração do pacto social. Coloca-se assim a questão da aplicação da lei no tempo, questão aliás, se bem vemos, não expressamente tratada pelas instâncias[5]. Tendo a presente acção – que pretende ver reconhecido o direito de preferência do autor – sido instaurada na vigência tanto do actual CSC e como do actual Código Civil, período durante o qual ocorreram os factos que lhe servem de fundamento – muito embora o contrato de constituição da sociedade haja sido formado na vigência quer do CC de 1867, quer da Lei das Sociedades por Quotas de 1901, como já expôs – parece indubitável que devem ser aplicáveis as regras dos actuais diplomas legais, como resulta do disposto no nº 2 do artigo 12º do CC e as próprias partes não questionam. Assim tudo está em saber se o pacto de preferência estabelecido entre os sócios da ..., Lda. cumpre na totalidade os requisitos de forma e de publicidade a que aludem os artigos 413º e 421.º do CC, gozando assim de eficácia real. Atentemos na lei. Dispõe o artigo 421.º do CC: O direito de preferência pode, por convenção das partes, gozar de eficácia real se, respeitando a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, forem observados os requisitos de forma e de publicidade exigidos no artigo 413º(1). É aplicável neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 1410.º(2) Analisando o mencionado artigo 413º verifica-se que tem de haver declaração expressa de atribuir eficácia real e inscrição no registo Ora, como é isento de discussão, no pacto social não existe qualquer declaração expressa no sentido de atribuir eficácia real ao direito de preferência, exigência nítida na norma vigente. Como é natural, inexistindo direito de preferência com eficácia real à data da celebração, dificilmente se poderia encontrar qualquer declaração nesse sentido. Mas não havendo uma declaração expressa, poder-se-á admitir no caso uma declaração tácita, como faz a Relação? [6] Salvo o devido respeito e pese embora a fundamentação expressa[7], entendemos que o tribunal recorrido não tem razão.
Na verdade a circunstância da sociedade ter um substrato pessoal é transversal à maior parte das sociedades por quotas. Sustentar, como faz a Relação, que a cláusula que estabelece o direito de preferência ficaria esvaziada de conteúdo se não tivesse eficácia real não se nos afigura correcto. De facto tal entendimento levaria a retirar qualquer conteúdo à preferência com eficácia meramente obrigacional, o que carece de fundamento. Como se sabe, até ao Código Civil de 1966 o direito de preferência convencional sempre teve uma eficácia meramente obrigacional e a lei retirava daí – e da sua violação – as respectivas consequências: o obrigado à preferência respondia por perdas e danos no caso de não cumprir a obrigação. Assim, não é, salvo o devido respeito, correcto afirmar-se que a cláusula ficaria esvaziada de conteúdo se não lhe fosse atribuída eficácia real. Analisando o referido artigo do pacto social, no seu todo, entendemos que nem sequer de modo implícito os sócios quiseram atribuir eficácia real ao direito de preferência[8]. De facto parece claro que do pacto social nada resulta de modo a poder afirmar-se que o direito de preferência em questão produza efeitos em relação a terceiros. Na verdade não há qualquer declaração nesse sentido. E não tendo o direito de preferência eficácia real (a lei fala em declaração expressa) não é possível ao autor/sócio recorrer à acção de preferência prevista no artigo 1410.º do CC. A solução a esta questão dispensa, por desnecessária, a apreciação do requisito da publicidade no Registo Comercial. 3.Do pedido de indemnização Tendo o autor formulado o pedido de indemnização para a hipótese da improcedência do pedido principal, o que se verifica, impõe-se agora, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 715º, nº 2,e 726º do CPC apreciar tal pedido. (A Relação face à procedência do pedido principal não conheceu deste pedido por considerar, tal conhecimento, prejudicado) Tal como se havia decidido na 1ª instância, entende-se que este pedido não pode proceder. O artigo 414º do CC apenas se refere à venda, enquanto o nº 1 do artigo 1410º e o nº 1 do artigo 1555º, ambos do CC se referem à venda e à dação em cumprimento. A razão por que a lei restringe o direito de preferência à venda é porque só nestes casos será possível operar a substituição no negócio sem que a sua substância seja afectada: o dinheiro do preferente vale tanto como o do preterido. No caso concreto, uma vez que se tratou de uma troca (os 1º a 5º Réus entregaram à 6ª Ré a quota de que eram titulares na II & Filhos Lda e esta, por sua vez, entregou-lhes acções representativas do seu capital social) aquela substituição não se mostra possível, como se reconhecerá. Assim tal como se fundamenta na decisão da 1ª instância, fundamentação que sufraga, «tendo o negócio de cessão resultado de um contrato de permuta e inexistindo fungibilidade entre acções dadas em troca pela 6ª Ré e a quantia pecuniária que o A pode dar em troca, a este não assiste o direito de preferência e, por conseguinte, não estavam os RR obrigados a dar-lhe essa preferência. Inexistindo o direito de preferência, inexiste igualmente o direito indemnizatório que o pretendia fazer valer, já que assentava nos danos decorrentes de os RR não lhe terem dado a preferência» (sublinhado nosso). III. Decisão Com a fundamentação exposta, concedendo-se a revista, revoga-se a decisão recorrida, repristinando-se a decisão da 1ª instância. Custas pelo recorrido. Em Lisboa, 12 de Setembro de 2013 ---------------------- [1] Relator – Sérgio Poças 1º Adjunto – granja da Fonseca 2º Adjunto – Silva Gonçalves [2] Doravante, se o contrário não for dito os preceitos legais indicados integram o Código de Processo Civil. [3] A questão da validade destas cláusulas de preferência, já no âmbito do CSC, foi proficientemente tratada no Acórdão deste tribunal de 08-02-2011, Revista n.º 767/06.2, sendo relator o Cons. Hélder Roque. [4] Como conclui o prof. Calvão da Silva no seu parecer junto aos autos:«In casu, as cláusulas estatutárias de preferência dos outros sócios eram legais na Lei da Sociedade por Quotas de 1901 e legais continuam a ser no Código das Sociedades Comerciais…». Na mesma linha de entendimento, o prof. Coutinho de Abreu no seu parecer junto aos autos referindo à referida cláusula de preferência, escreve: «É uma cláusula válida. Em interpretação conforme a lei, ela não subordina ou faz depender a eficácia da cessão de quotas para com a sociedade a requisito diferente do consentimento desta, não faz depender essa eficácia ou produção e efeitos à observância do direito de preferência (cfr. arts. 229º, nº 5 , 228º , nº 2 do CSC). Finalmente, no mesmo sentido, se bem analisamos, conclui-se na decisão da 1ª instância: «Em suma, o art.5º do pacto, ao estabelecer a preferência dos sócios na cessão de quotas não está a fazer depender a eficácia da cessão a terceiros de qualquer requisito distinto do consentimento da sociedade. O que se estabelece é tão só o direito de preferência dos sócios, não se subordinando a eficácia de cessão para com a sociedade a essa obrigação de preferência». [5]Com efeito, aparentemente, e salvo o devido respeito as instâncias trataram toda a questão como se, aquando da constituição da sociedade e celebração do pacto social, estivessem já em vigor os artigo 414.º e 421º do CC, analisando o pacto celebrado em 1956 à luz de requisitos que à data não existiam. [7] Depois de admitir a declaração tácita (nota anterior), escreve-se : «Com efeito, consignou-se, em primeira linha, a liberdade de cessão aos sócios e à sociedade e, numa segunda linha, facultou-se a cessão a estranhos mas comprimindo-a aos casos em que os demais sócios não exercessem o direito de preferência agora questionado. Deste modo, não restam dúvidas de que originariamente os sócios pretenderam acautelar ambas as finalidades assinaladas no parecer junto pelo A.: "impedir a entrada na sociedade de sujeitos indesejados pelos sócios, em controlar a composição do substrato pessoal da sociedade (fls. 1659)", que se trata de uma empresa de configuração familiar. De resto, nem faria sentido a integração de uma tal cláusula se não fora a intenção de lhe atribuir eficácia real. Restaria esvaziada do seu conteúdo. Mais, ao trazer para o respectivo conteúdo justamente a cessão de quotas a estranhos, assume-se um impacto passível de restringir os negócios com terceiros, privilegiando os demais sócios, desde que se mantivesse a igualdade de circunstâncias. Está, pois, do nosso ponto de vista, preenchido o primeiro dos requisitos previstos pelo art.413º, nº1, aplicável subsidiariamente ». |