Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | GARCIA CALEJO | ||
Descritores: | ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA CABEÇA DE CASAL LEGATÁRIO TESTAMENTO PRESTAÇÃO DE CONTAS | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 01/14/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS SUCESSÕES / ENCARGOS DA HERANÇA / ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA / SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA / LEGADOS / TESTAMENTARIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO / PENHORA. | ||
Doutrina: | - Carvalho Fernandes, Lições de Direito das Sucessões, pp. 288, 459. - Oliveira Ascenção, Direito Civil, Sucessões, pp. 387, 450, 452. - Pereira Coelho, Sucessões, 2ª edição, pp. 65 e segs., 237. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 2068.º, 2079.º, 2088.º, 2093.º, 2265.º, N.º1, 2270.º, 2276.º, N.º1, 2277.º, 2278.º, 2279.º, 2320.º, 2325.º, 2326.º. CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO (CPPT): - ARTIGO 223.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 861.º- A. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - O testamenteiro, por expressa vontade da testadora, ficou incumbido de «vigiar o cumprimento do testamento, executando-o conforme a sua vontade». II - Nos termos do art. 2079.º do CC, a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal, devendo este prestar contas anualmente, como estipula o disposto no art. 2093.º do CC. III - Em relação ao legatário, o cabeça de casal não lhe poderá exigir os bens certos e determinados que foram legados e estavam já em seu poder à data do falecimento do autor da herança. Não estando esses bens em poder do legatário, o cabeça de casal poderá exigir do herdeiro ou de herdeiros a sua entrega. IV - Existindo herdeiro, é dele que o legatário deve exigir o cumprimento do legado. V - O legatário, normalmente, mesmo aceitando o legado, não adquire (logo) a sua posse. A posse do legatário opera-se através da entrega da coisa, por quem estiver onerado com a obrigação de cumprimento do legado no tempo e no lugar estabelecido no art. 2270.º do CC. VI - No caso, não havendo herdeiros e não existindo a posse dos ditos depósitos por parte de outrem, a legatária, nos termos do art. 2279.º do CC, poderia exigir da ré, Caixa Geral de Depósitos, a entrega do numerário constante dos depósitos em causa. VII - Ao testamenteiro não compete, enquanto tal, cumprir legados. A sua função essencial é vigiar o cumprimento do testamento ou de o executar. Também não cabe ao cabeça de casal cumprir legados. A sua função é administrar a herança com os contornos referidos no texto do acórdão. VIII - A ré, Caixa Geral de Depósitos, face à notificação que lhe foi efectuada pela entidade fiscal, não poderia deixar de realizar a penhora. Caso o não fizesse poderia incorrer em responsabilidade subsidiária, como decorre do art. 223.º do CPPT. A quantia em falta, sem que a ré pudesse a isso obstar, foi penhorada em execução fiscal, ficando adstrita ao pagamento da dívida fiscal da autora da herança, pelo que não terá que a entregar à autora. XIX - O legado da autora não estava a coberto de ter de responder pelas dívidas da herança, sendo o facto de ter de suportar com os outros legados, proporcionalmente, tais dívidas, é questão externa a dirimir junto dos outros legatários. X - Não tendo a ré, Caixa Geral de Depósitos, a importância de € 21 439, 56 em depósito já que, por solicitação do cabeça de casal/testamenteiro, foi a mesma entregue a este, a ré não terá que a entregar e restituir à autora. XI - O cabeça de casal deve prestar contas da administração, anualmente (art. 2093.º, n.º 1, do CC), pelo que terá que ser junto dele que a autora se deverá dirigir, pedindo-lhe explicações e esclarecimentos pelo levantamento monetário em questão. * sumário elaborado pelo relator | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I- Relatório: 1-1- A Junta de Freguesia de ---, propôs a presente acção com processo ordinário contra a Caixa Geral de Depósitos, SA, pedindo que: a) Se declare que a A. é titular do direito de propriedade sobre os saldos bancários (dinheiro e valores) existentes em nome de AA, testadora melhor identificada nos autos, na Caixa Geral de Depósitos de Peso da Régua e da Rua Barros Lima, no Porto; no Banco Nacional Ultramarino (Caixa Geral de Depósitos), dependência da Praça da Liberdade, no Porto; nos montantes reportados à data do seu óbito, em 16 de Novembro de 2008, por referência às contas nºs: ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, com saldos bancários (em dinheiro e valores) nos valores de 715,00 €, 490567,31 €, 61.736,00€, 34.975 €, entre outros cuja existência se venha apurar até final e posteriores remunerações desde essa data até integral e efectiva entrega à A. de tais saldos bancários; b) Se condene a Ré a reconhecer o pedido formulado em a); c) Se condene a Ré a entregar e restituir à A. os saldos bancários (dinheiro e valores) existentes em nome de AA, testadora melhor identificada nos autos, na Caixa Geral de Depósitos de Peso da Régua e da Rua Barros Lima, no Porto; no Banco Nacional Ultramarino (Caixa Geral de Depósitos), dependência da Praça da Liberdade, no Porto; nos montantes reportados à data do seu óbito, em 16 de Novembro de 2008, por referência às contas nºs.: ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, com saldos bancários (em dinheiro e valores) nos valores de 715,00 €, 490 567,31 €, 61.736,000, 34.975,00 €, entre outros cuja existência se venha apurar até final e posteriores remunerações desde essa data até integral e efectiva entrega à A. de tais saldos bancários, destinando-se este dinheiro e valores a fundo de maneio para cumprimento dos encargos dos legados à A. pela testadora falecida. Fundamenta estes pedidos, em síntese, dizendo que por testamento, BB legou-lhe diversos bens imóveis e saldos bancários, nos termos que se encontram discriminados no artigo 5.° da p.i. Após o óbito de AA, ocorrido a 16.11.2008, e apesar de instada, a R. recusa-se a entregar à A. os saldos bancários (dinheiro e valores) que lhe foram legados pela falecida.
A R. contestou, invocando a incompetência territorial do tribunal. Além disso referiu que apenas foram legados à A. os saldos bancários das contas abertas nas agências da CGD de Peso da Régua e Rua Barros Lima no Porto e do BNU na Praça da Liberdade, que somavam apenas o montante de € 9.237,92, acrescido de 206 acções da EDP. Que de uma das contas não incluídas no legado saiu, em Dezembro de 2009, a quantia de € 116.605,99, em execução de penhora fiscal, e que, no dia 12-04-2010, o testamenteiro levantou a quantia de € 21.439,56. Defende ainda que apenas poderá entregar os valores legados ao testamenteiro, a quem competirá zelar pelo cumprimento dos legados.
A A. replicou, defendendo a improcedência da excepção deduzida.
Após ter sido julgada procedente a excepção de incompetência territorial, os autos foram remetidos às Varas Cíveis de Lisboa. Em audiência preliminar foi, então, proferido despacho saneador tabelar e seleccionada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória, integrada por um único artigo. Posteriormente, com base na prova apresentada, A. e R. acordaram em dar como assente o único artigo da base instrutória, e prescindiram da faculdade de produzir alegações em julgamento. Foi proferida sentença, com a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo a acção totalmente procedente por provada na íntegra e, consequentemente: a) Reconheço o direito de propriedade da autora sobre os SALDOS BANCARIOS (dinheiro e valores) existentes em nome de AA, testadora melhor identificada nos autos, na CAIXA GERAL OE DEPÓSITOS de Peso da Régua (ou Régua) e da Rua Barros Lima, no Porto; no BANCO NACIONAL ULTRAMARINO (Caixa Geral de Depósitos), dependência da Praça da Liberdade, no Porto, nos montantes reportados à data do seu óbito em 16 de Novembro de 2008 por referência às contas números: ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---; b) Condeno a Ré a entregar e restituir à autora os dinheiros e valores existentes nos referidos saldos bancários, nos montantes reportados à data do óbito em 16 de Novembro de 2008, de AA, e posteriores remunerações desde essa data até integral e efectiva entrega à autora”. 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí proferido a seguinte decisão: “Julga-se procedente a Apelação e, nessa conformidade, revoga-se parcialmente a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, eliminando-se, na alínea a), da parte decisória, a referência ali efectuada quanto à totalidade dos saldos bancários das contas existentes à data da morte da testadora, uma vez que se consideram dali validamente retirados pela Apelante os valores respeitantes à execução fiscal e ao depósito solicitado pelo testamenteiro. Determina-se, ainda, a eliminação da alínea b) daquela sentença, passando a mesma a ter o seguinte teor: É reconhecido o direito de propriedade da A/Apelada sobre os SALDOS BANCARIOS (dinheiro e valores) existentes em nome de AA, testadora melhor identificada nos autos, na CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS de Peso da Régua (ou Régua) e da Rua Barros Lima, no Porto; no BANCO NACIONAL ULTRAMARINO (Caixa Geral de Depósitos), dependência da Praça da Liberdade, no Porto, nos montantes reportados à data do seu óbito em 16 de Novembro de 2008 por referência às contas números: ---, ---, ---, ---, --- ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, considerando-se validamente dali retiradas pela Apelante as quantias que foram objecto de execução fiscal e aquelas que foram entregues ao testamenteiro CC e que, por tal facto, não devem ser objecto de devolução, por parte da Apelante, à Apelada”.
1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- A recorrente não impugna, antes aceita, o reconhecimento declarado pelo Tribunal da Relação de Lisboa do direito de propriedade da A./Apelada sobre os SALDOS BANCÁRIOS (dinheiro e valores) existentes em nome de AA, testadora melhor identificada nos autos, na CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS de Peso da Régua (ou Régua) e da Rua Barros Lima, no Porto; no BANCO NACIONAL ULTRAMARINO (Caixa Geral de Depósitos), dependência da Praça da Liberdade, no Porto, nos montantes reportados à data do seu óbito em 16 de Novembro de 2008 por referência ás contas números ---, ---,---,---,---,---, ---, ---, ---, ---, ---, ---,---, ---, ---. 2ª- Porém, a recorrente não se conforma com a decisão proferida: Na parte em que determinou a eliminação na alínea a), da parte decisória da sentença em primeira instância, a referência ali efectuada quanto à totalidade dos saldos bancários das contas existentes à data da morte da testadora, uma vez que se consideraram dali validamente retirados pela Apelante os valores respeitantes à execução fiscal e ao depósito solicitado pelo testamenteiro; e na parte em que ao determinar a eliminação da alínea b) daquela sentença, passou a considerar validamente retiradas pela Apelante dos saldos bancários das contas existentes à data da morte da testadora as quantias que foram objecto de execução fiscal e aquelas que foram entregues ao testamenteiro CC e que, por tal facto, não devem ser objecto de devolução, por parte da Apelante, à Apelada. 3ª- Porquanto, nestas partes, a mesma fez errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto como se vai demonstrar. 4ª- A recorrente, como legatária, sucedeu em bens e valores determinados do património da falecida - artigo 2030°, nºs 1 e 2 do C.C .. 5ª- O que ocorreu por testamento, enquanto acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles, no quadro de sucessão testamentária - artigos 2179°, n° 1 e ss. do C.C .. 6ª- E com a aceitação do legado adquire-se, com retroação à data da abertura da sucessão, um direito de propriedade sobre a coisa legada - STJ, 3.3.1998., CJ/STJ, 1998, to -III. 7ª- Acresce que a nomeação de legatário pode ser sujeita a encargos - artigo 2244° do C.C., o que no caso se verifica. 8ª- Por outro lado, a obrigação de cumprir os encargos, é quanto ao legatário, limitada pelo valor dos objetos legados e dentro das forças do legado - artigos 2071º e 2276º do C.C. - Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4a Ed., págs. 583 a 587; 9ª- Ora, neste quadro, a entrega do legado deve ser feita no lugar em que a coisa legada se encontrava ao tempo da morte do testador e no prazo de um ano a contar dessa data artigo 2270º do C.C. 10ª- Aqui chegados, importa referir que à data do óbito da testadora, que ocorreu em 16.11.2008. conforme facto provado em 4. da sentença recorrida, não existia qualquer penhora sobre a conta n° --- da Agência da Régua pelo 3° Serviço de Finanças no processo --- para deposito do valor de 116.605,99 €. 11ª- Mais: a efetivação da penhora, assim como o depósito do valor à ordem do processo de execução fiscal referido foram efetuados em desrespeito pelo testamento e pelas obrigações legais que sobre a recorrente impendiam de entregar os valores da dita conta à recorrida, em cumprimento do legado, logo após o óbito, em 16.11.2008., plasmadas nas disposições legais dos artigos 2030°, nºs. 1 e 2 do C.C., 2179°, nº 1 e ss. do C.C., 2244° do C.C., 2071 ° e 2276° do C.C., artigo 2270° do C.C. e Ac. do STJ, 3.3.1998., CJ/STJ, 1998, 1° -III, assim como em Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4a Ed., págs. 583 a 587; 12ª- Dado que, quer em 26.11.2009. quer em 15.12.2009, e ainda quando a recorrida efectuou o pagamento do valor de 116 605,99 € já não era a testadora, nem a sua herança, donas e possuidoras da conta e do saldo penhorados. 13ª- Antes, pelo contrário, no seguimento do que acima se referiu, a recorrente é que desde a data do óbito da testadora é que é a real e verdadeira titular do direito de propriedade sobre os SALDOS BANCÁRIOS (dinheiro e valores) existentes na CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS de Peso da Régua e da Rua Barros Lima, no Porto; no BANCO NACIONAL ULTRAMARINO (Caixa Geral de Depósitos), dependência da Praça da Liberdade, no Porto supra identificados, entre outros, cuja existência se venha a apurar até final. - Entre eles o saldo da conta penhorada. 14ª- E, como proprietária, a recorrente goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas - artigo 1305º do C.C. 15ª- Podendo exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence - artigo 1311 ° do C.C .. 16ª- Neste quadro, foram violados pelo Tribunal da Relação de Lisboa os artigos 223° do CPPT e 861° A do CPC, 17ª- Para mais, a recorrente sempre desconheceu a existência de tal penhora, até ao decurso dos presentes autos, pelo que nunca poderia, querendo, ter exercido quaisquer embargos de terceiro em tempo e no prazo de 30 dias após o cumprimento do acto - artigo 237° do CPPT ou sequer questionado perante a recorrente o levantamento do saldo bancário da conta para depósito à ordem do processo executivo. 18ª- As mesmas considerações supra valem para o alegado pagamento ao testamenteiro constante do facto 29. dos factos provados, em 12.04.2010. no valor de 21 439,56 €. 19ª- O qual foi efetuado em desrespeito pelo testamento e pelas obrigações legais que sobre a recorrida impendiam de entregar os valores da dita conta à recorrente, em cumprimento do legado, logo após o óbito, em 16.11.2008., plasmadas nas disposições legais dos artigos 2030°, nºs. 1 e 2 do C.C., 2179°, n" 1 e ss. do C.C., 2244° do C.C., 2071° e 2276° do C.C., artigo 2270° do C.C. e Ac. do STJ, 3.3.1998., CJ/STJ, 1998, 1° -III, assim como em Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Ed., págs. 583 a 587. 20ª- Assim os débitos efetuados nas contas bancárias pelo testamenteiro e ordenados pelas Finanças foram contrários à lei e são reclamados pela recorrida, tal como doutamente decidido pelo Tribunal. 21ª- Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal da Relação de Lisboa o estatuído nas disposições legais dos artigos 2030°, nºs. 1 e 2 do C.C., 2179°, n" 1 e ss. do C.C., 2244° do C.C., 2071° e 2276° do c.c., artigo 2270° do C.C. e Ac. do STJ, 3.3.1998., CJ/STJ, 1998, 1°- III, assim como em Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4a Ed., págs. 583 a 587. 21ª- O Tribunal violou igualmente, por força do que acima se alegou o vertido nos artigos 223° e 237° do CPPT. 22ª- Diga-se, por último, que nenhum encargo patrimonial, ilegal ou inconstitucional, fez recair sobre a recorrida. 23ª- A recorrida, pelas regras do enriquecimento sem causa, pode pedir a restituição do valor das prestações efetuadas à verdadeira devedora que é a herança da falecida, enquanto património autónomo titular de direitos e obrigações, no caso, patrimoniais. 24ª- Desde logo, pela regra geral do artigo 473º do C.C., ou por via da repetição do indevido do artigo 476º do C.C. ou ainda pelo cumprimento de obrigação alheia na convicção de estar obrigado a cumpri-la do artigo 478º do C.C.. 25ª- Pela matéria de facto do ponto 27 da Matéria de Facto Provada da sentença fica demonstrada a recusa e dificuldade colocada pela recorrida na entrega legado à recorrente. 26ª- E, como se disse e reitera, a recorrente é titular do direito de propriedade sobre os SALDOS BANCÁRIOS (dinheiro e valores) existentes na CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS de Peso da Régua e da Rua Barros Lima, no Porto; no BANCO NACIONAL ULTRAMARINO (Caixa Geral de Depósitos), dependência da Praça da Liberdade, no Porto supra identificados, entre outros, cuja existência se venha a apurar até final. 27ª- O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas - artigo 1305º do C.C .. 28ª- O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence - artigo 1311º do C.C .. 29ª- Tal é o caso da recorrente, por via da presente ação judicial. 30ª- Por todo o exposto, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, com as legais consequências. 31ª- Desde logo, revogando-se a decisão recorrida: Na parte em que determinou a eliminação na alínea a), da parte decisória da sentença em primeira instância, a referência ali efectuada quanto à totalidade dos saldos bancários das contas existentes à data da morte da testadora, uma vez que se consideraram dali validamente retirados pela Apelante os valores respeitantes à execução fiscal e ao depósito solicitado pelo testamenteiro; e na parte em que ao determinar a eliminação da alínea b) daquela sentença, passou a considerar validam ente retiradas pela Apelante dos saldos bancários das contas existentes à data da morte da testadora as quantias que foram objecto de execução fiscal e aquelas que foram entregues ao testamenteiro CC e que, por tal facto, não devem ser objecto de devolução, por parte da Apelante, à Apelada. 32ª- E substituindo-a por outra que: Mantendo o reconhecimento do direito de propriedade da autora sobre os SALDOS BANCÁRIOS (dinheiro e valores) existentes em nome de AA, testadora melhor identificada nos autos, na CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS de Peso da Régua (ou Régua) e da Rua Barros Lima, no Porto; no BANCO NACIONAL ULTRAMARINO (Caixa Geral de Depósitos), dependência da Praça da Liberdade, no Porto, nos montantes reportados à data do seu óbito em 16 de Novembro de 2008 por referência às contas números: ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---; Mais declare a condenação da recorrida a entregar e restituir à recorrente os dinheiros e valores existentes nos referidos saldos bancários, nos montantes reportados à data do óbito em 16 de Novembro de 2008, de AA, e posteriores remunerações desde essa data até integral e efectiva entrega à recorrente autora.
A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido e tendo da sua peça retirado as seguintes conclusões: 1ª- Os débitos efetuados nas contas bancárias tituladas pela falecida - pelo testamenteiro e ordenados pelas Finanças - mostram-se conformes à lei, não foram questionados por ninguém, designadamente pela aqui Recorrente, nos presentes autos, ou fora deles 2ª- Jamais poderia a sentença condenar a CGD a entregar valores que já não se encontravam nas contas bancárias que considerou haverem sido legadas à Recorrida e que delas saíram por via legal. 3ª- Decidir-se diferentemente seria violar o disposto nos arts. 223º do CPPT, que rege a penhora de saldos bancários na execução fiscal, assim como o art. 237° do mesmo Código, no que respeita à oposição por terceiros à penhora, assim como o art. 2265º nº 1 do C.Civil. 4ª- Decisão contrária faria recair sobre a Recorrida um encargo patrimonial ilegal e inconstitucional, por violador do seu direito à propriedade privada, e que consubstancia verdadeiro confisco, fora dos requisitos constitucionalmente previstos 5ª- A Autora peticionou a declaração da sua titularidade, a título de legatária, do direito de propriedade sobre determinados saldos bancários (dinheiro e valores) existentes em nome da testadora AA, na CGD e BNU e a condenação da Ré a restituir-lhe o valor de tais saldos. 6ª- Conforme consta da matéria de facto assente (nºs 25 e 26), no âmbito do processo fiscal nº ---, em que foi executada a testadora, a Ré foi notificada, em 26/11/2009, pelo 3° Serviço de Finanças do Porto, da penhora da conta nº --- da Agência da Régua, tendo em 15/12/2009 sido notificada para efectuar o depósito do valor penhorado, de € 116.605,99, o que fez. 7ª- Quer a efectivação da penhora, quer o depósito do valor à ordem do processo de execução fiscal foram efectuados de acordo com as obrigações legais que recaem sobre a Recorrente, conforme resulta do disposto no art. 223° do CPPT e 861º-A do CPC. 8ª- A responsabilidade pelo pagamento da dívida fiscal ou de outra natureza é transmissível mortis causa, nos termos gerais de direito, maxime dos arts. 2024°,2025° e 2068°, todos do C.Civil. 9ª- Não cabe à entidade bancária questionar a legalidade da penhora, sendo sua obrigação efetuar a mesma, passando ela própria a responder pela dívida se proceder de forma diferente, como previsto no nº 5 do art. 223° do CPPT. 10ª- Como resulta do art. 237º do CPPT, se a penhora ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro. 11ª- A Recorrente nunca invocou ter questionado tal penhora junto de quem a ordenou, e, ao que se saiba, nunca o fez. E a legalidade do levantamento de tal quantia da conta bancária em causa, para depósito à ordem do processo executivo fiscal, não foi questionado nos autos pela aqui Recorrente, nem podia sê-lo. 12ª- Este débito no âmbito da penhora foi efectuado de conta bancária que nem sequer havia sido legada à Autora, de acordo com a interpretação do testamento então feita pela Recorrida, mas que não viu judicialmente reconhecida. 13ª- Seguindo-se a tese da Recorrente, como todo o património da falecida foi objeto de legados (nº 1 dos factos provados), a dívida fiscal (ou outra) não poderia ser cobrada. Conforme consta do testamento, a testadora fez "os seguintes legados sobre todos os bens à presente data existentes no seu património, com os correspondentes encargos” 14ª- Conforme resulta do art. 2277° do C.Civil, os legados devem ser reduzidos, se os bens da herança forem insuficientes para pagamento dos encargos. 15ª- Importante é ainda o regime contido no art. 2276°/2: "Se o legatário com encargo não receber todo o legado, é o encargo reduzido proporcionalmente". 16ª- Omite ainda a Recorrente que, como decidido pelo testamenteiro, em execução das suas funções e dando cumprimento à vontade da testadora, os saldos bancários deveriam ser utilizados, entre outros fins, para pagamento das dividas da falecida (nº 10 dos factos provados). 17ª- Como, por outro lado, salienta o Acórdão recorrido, se a penhora foi efetuada quando os bens deveriam ter já sido entregues à Recorrente, "é questão que envolve um juízo de responsabilidade a ser apurado junto do testamenteiro e ao qual a Apelante é alheio”. 18ª- Em qualquer caso, pelo menos desde 24/3/2009, a Recorrente poderia ter conhecimento dos saldos existentes nas contas em causa (nº 6 dos factos provados), podendo desde então diligenciar pela sua entrega, o que nunca fez, antes da presente ação. 19ª- Tais saldos encontravam-se disponíveis para levantamento, conforme a Recorrida informou o testamenteiro, por carta de 21.12.2009, cujo conteúdo consta do nº 27 dos factos provados. 20ª- Não foi invocado, pelo que não foi provado, que a Recorrente se recusou, ou sequer dificultou a entrega dos saldos bancários, cumpridos que fossem os requisitos legais. 21ª- Sequer foi invocado que a Recorrida diligenciou junto da Recorrente, por outra via, por qualquer entrega de saldos. Bem ao invés. Como resulta das cartas resposta da Recorrida, juntas pela Recorrente, esta apenas solicitou informação sobre saldos de contas tituladas pela falecida. Nunca solicitou a transferência ou o levantamento do saldo das contas. 22ª- Assim, ainda que existisse qualquer obrigação legal da Recorrida (e não da Recorrente, como se afirma nas alegações) à Recorrente, que não existe, a mesma nunca poderia ter-se por incumprida, temporária ou definitivamente, pois nunca foi a Recorrida interpelada para tal entrega. 23ª- A Recorrida, a pedido do testamenteiro CC, debitou nas contas da falecida a quantia de € 21.439,56, tal como consta do nº 29 da matéria assente. 24ª- De acordo com o previsto no art. 2265º nº 1 do C.Civil, o cumprimento dos legados incumbe aos herdeiros, a não ser que o testador haja disposto de forma diferente. E assim aconteceu no caso presente, que cometeu tal tarefa aos testamenteiros. 25ª- Como previsto no testamento, os saldos das contas legados à Recorrente destinam-se a fundo de maneio para cumprimento dos encargos dos legados, pelo que a Recorrida apenas podia entregar os saldos ao testamenteiro, ao qual competia vigiar o cumprimento dos legados. 26ª- E foi a próprio Recorrente que invocou que igual comportamento foi seguido por outras instituições de crédito, como o BBVA.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação: 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º nº 3 e 685º A nº 1 do C.P.Civil). Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir: - Se se deve, ou não, considerar validamente retiradas pela R., dos saldos bancários das contas existentes à data da morte da testadora Caixa Geral de Depósitos, as quantias que foram objecto de execução fiscal e aquelas que foram entregues ao testamenteiro CC
2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto: 1. No dia 5.11.2003, por testamento público lavrado a fls. 129 a 135 do Livro 2-A do 49 Cartório Notarial do Porto, de fls. 33 a 46, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, BB fez diversos legados sobre todos os bens à data existentes no seu património com os correspondentes encargos. 2. Nos termos do artigo segundo alínea I) do referido testamento, AA fez legado à Autora dos saldos bancários (dinheiro e valores) existentes na Caixa Geral de Depósitos de Peso da Régua e da Rua Barros Lima, no Porto, e no Banco Nacional Ultramarino (Caixa Geral de Depósitos), dependência da Praça da Liberdade, no Porto, destinando-se este dinheiro e valores a fundo de maneio para cumprimento dos encargos dos legados estabelecidos nas alíneas a), b), e h) (prédio urbano conhecido como “casa da Eira e anexos”, prédio urbano conhecido como “casa das Varandas ou Eiró” e prédio rústico conhecido como “Vinha Grande”). 3. AA nomeou três pessoas que, em conjunto, ficaram encarregadas de vigiar o cumprimento do testamento, executando-o conforme a sua vontade: DD, ou na falta deste, o seu filho EE, CC, e FF, ou na falta deste o seu filho GG. 4. Em 16.11.2008, AA faleceu na Freguesia de Paranhos, concelho do Porto, no estado de divorciada. 5. Em 22.12.2008, foi outorgada escritura pública de habilitação de herdeiros, de fls. 30 a 32, da qual consta que a falecida deixou como única pessoa em situação de concorrer à herança a irmã consanguínea HH, casada no regime de comunhão de adquiridos com II. 6. A ré remeteu à autora a carta, datada de 23.03.2009, relativa a prestação de informações sobre contas tituladas por AA com o seguinte teor: «( ... ) Mais informamos Vexa que lhe serão entregues contra a apresentação desta carta e mediante o pagamento de € 318,62 (comissões acrescidas de impostos legais), a(s) informação (ões) e extracto(s) bancário(s) relativo(s) à(s) conta(s) nº ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, tituladas) pela(s) falecida(s) em epigrafe ( ... )>>. 7. Em 19.11.2008, no Porto, teve lugar uma reunião dos testamenteiros da herança aberta por óbito de AA, conforme acta de fls. 50 a 52, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 8. Na reunião, DD e FF, bem como EE e GG declararam recusar a testamentaria, por razões de ordem pessoal. 9. CC declarou expressamente aceitar a testamentaria, bem como o desempenho do cargo de cabeça-de-casal da herança. 10. Na reunião foi ainda decidido "proceder ao pagamento de todas as despesas com o funeral, dos encargos com a testamentaria e com a administração e liquidação do património hereditário e das dívidas da falecida, através do dinheiro existente nas contas à ordem da Caixa Geral de Depósitos - para o efeito deverá ser aberta uma conta naquela instituição bancária, em nome da herança, para a qual serão transferidas todas as quantias existentes nas referidas contas à ordem da falecida". 11. À data do óbito, AA era titular única da Conta 0.0. Extracto Nº --- da Agência de Peso da Régua - saldo de € 9.246,09. 12. Da conta de Activos Financeiros nº --- da Agência de Peso da Régua - sem saldo. 13. Da conta 0.0. Extracto nº --- da Agência da Praça da Liberdade Porto - sem saldo. 14. Da conta de Activos financeiros nº --- da Agência da Praça da Liberdade, Porto - 206 acções EDP. 15. Da conta 0.0. Extracto nº --- da Agência da Praça da Liberdade Porto - sem saldo. 16. Da conta de Activos Financeiros nº --- da Agência da Praça da Liberdade, Porto - sem saldo. 17. Da conta nº --- da Agência da Régua, com o saldo de € 528,51. 18. Da Conta Cx. Poupo Ref. N° --- da Agência Fernão Magalhães sita na Rua Barros Lima, Porto, sem saldo. 19. Da Conta 0.0. Extracto n° --- da Agência Fernão Magalhães, Porto, com o saldo de € 8.558,93. 20. Da Conta de Activos Financeiros n° --- da Agência Fernão Magalhães, Porto, com 531 unidades de participação a curto prazo. 21. Da Conta N° --- da Agência da Régua, com o saldo de € 490.567,31. 22. Da Conta nº --- da Agência da Régua, com o saldo de € 61.736,00. 23. Da Conta de Activos Financeiro n° --- na Agência da Régua, com 3456,51548201 U. P. CXG Tesouraria. 24. Da Conta de Consigo Rendas Casa n° --- na Agência de Peso da Régua, com o saldo de € 2,30. 25. A ré foi notificada pelo 3° Serviço de Finanças do Porto, em 26.11.2009, da penhora da Conta nº --- da Agência da Régua, até ao valor de € 116.605,99. 26. Em 15.12.2009, a ré foi notificada para efectuar o depósito do valor penhorado à ordem do Processo Executivo Fiscal N° ---, para pagamento, o que fez. 27. A ré, por carta de 21.12.2009, informou o testamenteiro CC do seguinte: "Relativamente aos depósitos legados à Junta de Freguesia de --- o saldo dos mesmos será entregue aos testamenteiros em conjunto, a fim de executarem a vontade da testadora. Encontrando-se a partir da presente data disponíveis para o levantamento. ( ... ) Na escritura de habilitação de herdeiros consta como única herdeira do remanescente da herança a irmã consanguínea a Sr. D. HH. Como V. Exa. tem conhecimento, a autora da herança não dispôs dos depósitos existentes na nossa Agência da Régua, fazendo estes, portanto, parte do remanescente da herança. Sendo assim, a sua entrega terá de ser efectuada à Sra. D. HH ( ... )" 28. Na cidade de Peso da Régua (vulgarmente conhecida por «Régua»), a ré apenas possui uma agência sita na Rua Serpa Pinto, nº 103. 29. Em 12.04.2010, a ré entregou ao testamenteiro CC, a pedido deste, a quantia de € 21.439,56. -----------------------------------------------
2-3- Como se vê, a recorrente, Junta de Freguesia de ---, discorda da parte em que o acórdão recorrido considera validamente retiradas pela R., Caixa Geral de Depósitos, dos saldos bancários das contas existentes à data da morte da testadora, as quantias que foram objecto de execução fiscal e aquelas que foram entregues ao testamenteiro CC. No seu entender essas quantias foram incorrectamente subtraídas das contas da falecida (testadora). Isto porque, em síntese, a recorrente, como legatária, sucedeu, por testamento, em bens e valores determinados do património da falecida – art. 2030°, nºs 1 e 2 do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem). Com a aceitação do legado adquire-se, com retroacção à data da abertura da sucessão, um direito de propriedade sobre a coisa legada. A nomeação de legatário pode ser sujeita a encargos (art. 2244º), mas no caso isso não se verifica. Por outro lado, a obrigação de cumprir os encargos, é quanto ao legatário, limitada pelo valor dos objectos legados e dentro das forças do legado (art. 2071º e 2276º). Assim, a entrega do legado deve ser feita no lugar em que a coisa legada se encontrava ao tempo da morte do testador e no prazo de um ano a contar dessa data (art. 2270º). Ora, à data do óbito da testadora, que ocorreu em 16.11.2008, não existia qualquer penhora sobre a conta n° --- da Agência da Régua pelo 3° Serviço de Finanças no processo --- para depósito do valor de 116.605,99 €. A efectivação da penhora, assim como o depósito do valor à ordem do processo de execução fiscal referido foram efectuados em desrespeito pelo testamento e pelas obrigações legais que sobre a C. Geral de Depósitos impendiam de entregar os valores da dita conta à recorrida, em cumprimento do legado, logo após o óbito, em 16.11.2008, nos termos dos arts. 2030°, nºs. 1 e 2, 2179° nº 1 e ss., 2244°, 2071º e 2276°, 2270°. Em 26.11.2009, em 15.12.2009 e ainda quando a Caixa Geral de Depósitos efectuou o pagamento do valor de 116.605,99 € já não era a testadora, nem a sua herança, donas e possuidoras da conta e do saldo penhorados, mas sim a Junta recorrente. E como proprietária goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, podendo exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (arts. 1305º e 1311º). Estas considerações valem para o alegado pagamento ao testamenteiro, em 12.04.2010, no valor de 21 439,56 €. Sobre a questão em debate que acima se identificou, o douto acórdão recorrido referiu, entre o mais: “Decorre expressamente do testamento junto aos autos, que a testadora nomeou, como testamenteiros três pessoas que, em conjunto, "ficaram encarregadas de vigiar o cumprimento do testamento, executando-o conforme a sua vontade… Relativamente aos mesmos testamenteiros, e conforme decorre também dos Pontos 7 a 10 dos Factos Provados, sabemos que "em 19.11.2008, no Porto, teve lugar uma reunião dos testamenteiros da herança aberta por óbito de AA… e "que nessa reunião… CC declarou expressamente aceitar a testamentaria, bem como o desempenho do cargo de cabeça-de-casal da herança". Foi ainda decidido nessa mesma reunião que o testamenteiro iria "proceder ao pagamento de todas as despesas com o funeral, dos encargos com a testamentaria e com a administração e liquidação do património hereditário e das dívidas da falecida, através do dinheiro existente nas contas à ordem da Caixa Geral de Depósitos - para o efeito deverá ser aberta uma conta naquela instituição bancária, em nome da herança, para a qual serão transferidas todas as quantias existentes nas referidas contas à ordem da falecida". Desenhado este quadro fáctico, temos de concluir que as transferências dos saldos bancários existentes nas contas das instituições bancárias referidas pela testadora sempre teriam de ser entregues, não aos legatários, mas sim, ao testamenteiro expressamente nomeado no testamento, com a finalidade de executar a vontade da testadora e que, no caso, é o Sr. CC, único dos indicados pela testadora que aceitou a testamentaria. Acresce que, tendo sido expressamente definido no testamento que os dinheiros e valores dos saldos bancários legados pela testadora à Apelada se destinavam a fundo de maneio para cumprimento dos encargos dos legados estabelecidos naquele mesmo testamento (dois prédios urbanos e um rústico), mais reforçada sai a ideia de que apenas ao mencionado CC deveriam ser entregue aqueles montantes, por forma a permitir que o mesmo pudesse vigiar a estrita execução da vontade da testadora, o que lhe era exigível nos termos do disposto nos artigos 2320°, 2327° e 2329° do Código Civil. Assim sendo, a decisão proferida terá também de ser alterada nesta parte, uma vez que a Apelante apenas deverá entregar os valores em causa ao testamenteiro e não à Apelada. Se o testamenteiro actuou ou não dentro do âmbito legal que lhe era imposto, no respectivo prazo legal e em respeito ao cumprimento do determinado no testamento, cuja testamentaria expressamente aceitou, é questão cujo conhecimento que não cabe no âmbito deste processo, nomeadamente porque o mesmo não foi aqui demandado - artigo 2332° do Código Civil… Com a decisão acima proferida quase que deixa de ter interesse a última das questões colocadas, no caso, o saber-se se a Apelante actuou correctamente ao proceder ao depósito do valor que lhe foi determinado pelo serviço de Finanças do Porto, no âmbito da penhora efectuada à conta nº --- existente no Banco Nacional Ultramarino, agência da Régua, e que teve lugar no processo fiscal movido contra a testadora. Ora, por um lado, como já vimos, estamos a falar dos valores de uma conta que, embora legada à Apelada, deve ser objecto de cumprimento por parte do testamenteiro. Por outro lado, não se vê como poderia a Apelante deixar de cumprir o determinado pelo serviço de Finanças numa acção executiva instaurada com base em falta de pagamentos fiscais da responsabilidade da testadora e pelos quais respondem os bens da mesma. Se os valores objecto da penhora em causa foram temporalmente efectuados numa altura em que os bens deveriam ter já sido entregues aos legatários, ou seja, não deveriam estar já depositados na Apelante, é questão que envolve um juízo de responsabilidade a ser apurado junto do testamenteiro e ao qual a Apelante é alheia. Com efeito, e como linearmente decorre do disposto no artigo 223° do CPPT, caso a Apelante deixasse de cumprir com o que lhe foi determinado pela serviço fiscal, para além de incorrer em responsabilidade subsidiária, estaria flagrantemente a violar as disposições do artigo 861º-A do Código de Processo Civil, com as consequências daí decorrentes. Por identidade de razões, a questão colocada quanto à entrega efectuada pela Apelante ao testamenteiro CC, no montante de € 21.439,56 surge como destituída de qualquer interesse no âmbito da presente acção devendo, caso assim seja entendido pela Apelada, ser objecto de discussão em acção própria que tenha como destinatário o testamenteiro instituído - artigo 2332° do Código Civil. Com efeito, sendo indiscutível que o mencionado CC é o testamenteiro instituído pela testadora, os actos praticados pelo mesmo apenas podem ser objecto de escrutínio em acção própria, que não a presente e por quem, em relação ao testamento, mostre interesse para a respectiva prestação de contas. Por outro lado, os actos praticados pela Apelante em relação ao testamenteiro encontram-se escudados no âmbito do artigo 2265º nº 1, do Código Civil e, como tal, outra não poderia ter sido a posição assumida pela Apelante, de acordo …”. Ou seja, segundo o acórdão recorrido e, em resumo, deve concluir-se que as transferências dos saldos bancários existentes nas contas das instituições bancárias referidas pela testadora teriam de ser entregues, não aos legatários, mas sim, ao testamenteiro expressamente nomeado no testamento, com a finalidade de executar a vontade da testadora. Assim a Caixa apenas deveria entregar os valores em causa ao testamenteiro e não à Junta de Freguesia A.. Se o testamenteiro actuou ou não dentro do âmbito legal que lhe era imposto, no respectivo prazo legal e em respeito ao cumprimento do determinado no testamento, cuja testamentaria expressamente aceitou, é questão cujo conhecimento que não cabe no âmbito deste processo, nomeadamente porque o mesmo não foi aqui demandado. Por outro lado, não se vê como poderia a R. deixar de cumprir o determinado pelo serviço de Finanças numa acção executiva instaurada com base em falta de pagamentos fiscais da responsabilidade da testadora e pelos quais respondem os bens da mesma. Se os valores objecto da penhora em causa foram temporalmente efectuados numa altura em que os bens deveriam ter já sido entregues aos legatários, ou seja, não deveriam estar já depositados na R., é questão que envolve um juízo de responsabilidade a ser apurado junto do testamenteiro e ao qual a R. é alheia. Com efeito, e como decorre do disposto no artigo 223° do CPPT, caso a R. deixasse de cumprir com o que lhe foi determinado pela serviço fiscal, para além de incorrer em responsabilidade subsidiária, estaria flagrantemente a violar as disposições do artigo 861º-A do Código de Processo Civil, com as consequências daí decorrentes. Por outro lado, os actos praticados pelo testamenteiro apenas podem ser objecto de escrutínio em acção própria.
Vejamos: Está em causa, no caso vertente, uma sucessão testamentária. Com efeito, a falecida BB, no dia 5.11.2003 elaborou o testamento acima referenciado em que fez legado à A. dos saldos bancários (dinheiro e valores) existentes na Caixa Geral de Depósitos nos locais acima indicados, destinando-se o dinheiro e valores a fundo de maneio para cumprimento dos encargos dos legados estabelecidos. A testadora nomeou testamenteiro que, no caso, incidiu, por renúncia dos outros, em CC, pessoa que declarou expressamente aceitar a testamentaria. Nos termos do art. 2320º “o testador pode nomear uma ou mais pessoas que fiquem encarregados de vigiar o cumprimento do testamento, no todo ou em parte: é o que se chama testamentaria”, sendo que, de acordo com o art. 2325º, “o testamenteiro tem as atribuições que o testador lhe conferir, dentro dos limites da lei”. No caso dos autos, o testamenteiro, por expressa vontade da testadora, ficou incumbido de «vigiar o cumprimento do testamento, executando-o conforme a sua vontade». De harmonia com o disposto no art. 2326º “se o testador não especificar as atribuições do testamenteiro, competirá a este (dentre outras funções) exercer as funções de cabeça de casal, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 2080”. E, neste caso, o testamenteiro foi nomeado para o cargo de cabeça de casal da herança (vide facto acima referido sob o nº 9) e al. c) do referido art. 2326º. No que toca aos poderes do testamenteiro, na falta de estipulação por parte do testador, compete-lhe exercer as tarefas a que se refere o art. 2326º, ou seja, para além do exercício do cargo de cabeça de casal, cuidar das despesas do funeral e pagar as despesas e sufrágios respectivos e vigiar a execução das disposições testamentárias (als. a) e b) da disposição). Em jeito de síntese refere Carvalho Fernandes (Lições de Direito das Sucessões, pág. 288) que “em plena harmonia com a noção do art. 1230º, cabem aqui funções que respeitam à execução do testamento [al. a)] e à vigilância do seu cumprimento [al. b)]. Complementarmente, o testamenteiro pode exercer as funções de cabeça de casal; neste domínio, a al. c) do art. 2326º revela que tal ocorrerá nos termos do nº 1 do art. 2080º, fechando assim o círculo de harmonização destas normas”. Decorre, por outro lado, do disposto no art. 2079º que a administração da herança, até à sua liquidação e partilha[1], pertence ao cabeça de casal. Este, de acordo, com o art. 2088º pode pedir aos herdeiros ou a terceiros a entrega dos bens que deva administrar. O cabeça de casal deve prestar contas da administração anualmente, como estipula o disposto no art. 2093º. Em relação aos bens sujeitos à administração do cabeça de casal, afirma Oliveira Ascenção (Direito Civil, Sucessões, pág. 450) que “nos termos do referido artigo 2079º, a administração da herança, até à liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal. Essa administração abrange a totalidade do património hereditário (art. 2087º nº 2). Em consequência, o art. 2088º-1 permite ao cabeça de casal «pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituídos …Em compensação, os poderes do cabeça de casal não abrangem os bens doados em vida do autor da sucessão (art. 2087º -2)”. No que toca ao legatário (com relevância para o presente caso) acrescenta o mesmo autor que os poderes do cabeça de casal não abrangem também “mesmo na ausência de declaração específica da lei, os bens certos e determinados que foram legados e estavam já em poder do legatário. Não se compreenderia efectivamente que o cabeça de casal fosse exigir bens já da propriedade dos legatários e cuja entrega teria de ser feita no prazo de um ano. Aliás o art. 2088º permite ao cabeça de casal pedir os bens que deva administrar «aos herdeiros ou a terceiros». Não se refere ao legatário, que não é evidentemente um terceiro em relação a bens que são já da sua propriedade”. Quer dizer, em relação ao legatário, o cabeça de casal não lhe poderá exigir os bens certos e determinados que foram legados e estavam já em seu poder. Não estando esses bens em poder do legatário, o cabeça de casal poderá exigir do herdeiro ou de terceiros a sua entrega. Ao cabeça de casal compete, como se viu, a administração da herança. Compete-lhe usar todos os meios conservatórios em relação ao património hereditário. Mas, como esclarece Oliveira Ascenção (mesma obra, pág. 452), “o cabeça de casal não tem em geral a função de satisfazer o passivo hereditário ou de cumprir legados …também não tem poderes de disposição. Pode porém alienar frutos e outros bens deterioráveis; e pode mesmo vender frutos não deterioráveis, na medida em que tal for necessário para satisfação dos encargos acima referidos (art. 2090º 2”. Os factos provados demonstram que a falecida estabeleceu legados sobre todos os bens existentes no seu património à data da sua morte (vide facto referido acima sob o nº 1). Concretamente em relação à A., a falecida fez legado dos saldos bancários (dinheiro e valores) existentes na entidade bancária acima referenciada (a R.), destinando-se o dinheiro e valores a fundo de maneio para cumprimento dos encargos dos (outros) legados (a favor da A.) estabelecidos nas alíneas a), b), e h)[2]. Estabelece o art. 2265º nº 1 que “na falta de disposição em contrário, o cumprimento do legado pertence aos herdeiros”. No caso, não se vê que exista qualquer disposição em contrário, daí que o cumprimento do legado deveria pertencer à herdeira. Note-se que se deu como provado que, em 22.12.2008, foi outorgada escritura pública de habilitação de herdeiros, da qual consta que a falecida deixou como única pessoa em situação de concorrer à herança, a irmã consanguínea HH. Porém, como igualmente consta do testamento, todos os bens da herança foram objecto de legados (vide facto acima referido sob o nº 1). A ser assim, então a dita irmã da falecida não será herdeira e, consequentemente, não terá que proceder à satisfação do legado. É certo, todavia, que não cabe ao cabeça de casal o cumprimento dos legados. O art. 2279º permite ao legatário a possibilidade de reivindicar de terceiro a coisa legada, contanto que esta seja certa e determinada. Pese embora esta possibilidade, o legatário, normalmente, mesmo aceitando o legado, não adquire (logo) a sua posse. Como refere Oliveira Ascenção (obra referida, pág. 387) “o legatário pode, é certo, reivindicar de terceiro a coisa legada, contanto que seja certa e determinada (art. 2279º)… A reivindicação é uma acção de propriedade e não de posse. A propriedade foi sem dúvida adquirida pelo legatário pela aceitação, independentemente da apreensão material da coisa; a posse não” (sublinhado nosso). A posse do legatário opera-se através da entrega da coisa, por quem estiver onerado com a obrigação de cumprimento do legado no tempo e no lugar estabelecido no art. 2270º. Neste sentido vide Oliveira Ascenção (mesma obra, pág. 387) e também Carvalho Fernandes (obra citada pág. 459) que, a este propósito, refere “se a coisa não se encontrar na posse de terceiro, mas na de outra pessoa a quem o cumprimento do legado caiba, é através da acção de cumprimento do legado que o legatário deve exercer o seu direito”. Em jeito de síntese, afirma Oliveira Ascenção (mesma obra e página) “quer dizer, o legatário adquire a posse através do herdeiro e não directamente do autor da sucessão …Portanto o verdadeiro esquema é o seguinte: o herdeiro adquire de facto a posse da herança, como totalidade, com a devolução. Na herança estão compreendidas …as coisas legadas. É o herdeiro quem deve subsequentemente transmitir a posse ao legatário”. Todo este raciocínio parte do pressuposto da existência de herdeiro. Existindo herdeiro é dele que a legatária deveria exigir o cumprimento do legado. Não havendo herdeiro e não existindo a posse dos ditos depósitos por parte de outrem, a nosso ver, a legatária, nos termos do dito art. 2279º, poderia exigir da R., Caixa Geral de Depósitos, a entrega do numerário constante dos referidos depósitos. De resto, nos termos do testamento, o dinheiro desses depósitos deveria dar cumprimento aos encargos dos legados (de prédios) estabelecidos nas alíneas a), b), e h), ou seja, tal dinheiro seria necessário ao cumprimento escrupuloso do testamento. Como já se viu ao testamenteiro não compete, enquanto tal, cumprir legados. A sua função essencial é vigiar o cumprimento do testamento ou de o executar. Também não cabe ao cabeça de casal cumprir legados. A sua função é administrar a herança com os contornos já acima referidos[3]. Posto isto vejamos se a pretensão da A. pode, no caso, proceder, ou seja se se poderá declarar, como pretende, que foram invalidamente retirados pela R., Caixa Geral de Depósitos, das ditas contas bancárias, os valores respeitantes à execução fiscal e o montante monetário solicitado pelo testamenteiro. E a esta questão, a resposta só pode ser negativa aceitando-se o que sobre o tema, de essencial, se refere no douto acórdão recorrido. No que toca aos valores que foram penhorados pela entidade fiscal diz-se no aresto impugnado que “não se vê como poderia a Apelante deixar de cumprir o determinado pelo serviço de Finanças numa acção executiva instaurada com base em falta de pagamentos fiscais da responsabilidade da testadora e pelos quais respondem os bens da mesma… Com efeito, e como linearmente decorre do disposto no artigo 223° do CPPT, caso a Apelante deixasse de cumprir com o que lhe foi determinado pela serviço fiscal, para além de incorrer em responsabilidade subsidiária, estaria flagrantemente a violar as disposições do artigo 861º-A do Código de Processo Civil, com as consequências daí decorrentes”. Na verdade, a R., face à notificação que lhe foi efectuada pela entidade fiscal, não poderia deixar de realizar a penhora. Caso o não fizesse poderia incorrer em responsabilidade subsidiária, como decorre do art. 223º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. O art. 861º A do C.P.Civil estabelece, para além do mais, que a notificação à entidade bancária é feita com a menção expressa de que o saldo existente fica cativo desde a data da notificação (nº 5 do dispositivo). Note-se, por outro lado, que a dívida exequenda era da própria autora do testamento e não de terceiros, constituindo, assim, um encargo de própria herança (art. 2068º)[4]. E claro que a dívida fiscal, existindo meios penhoráveis, teria que ser cobrada. Por outro lado, conforme resulta do art. 2276º nº 1, “o legatário responde pelo cumprimento dos legados e dos outros encargos que lhe sejam impostos, mas só dentro dos limites do valor da coisa legada”. Por sua vez o art. 2277° afirma que “se a herança for toda distribuída em legados (o que será o caso), são os encargos dela suportados por todos os legatários na proporção dos seus legados, excepto se o testador houver disposto outra coisa”. Também o art. 2278º estabelece que “se os bens da herança não chegarem para cobrir os legados, são estes rateadamente…”. A este propósito afirma Pereira Coelho (Sucessões, 2ª edição, 65 e segs.) que “…o legatário também é responsável pelos encargos da herança em dois casos particulares. É responsável, em primeiro lugar, na hipótese a que se refere o art. 2277º. A herança foi toda distribuída em legados … Em segundo lugar … (embora havendo herdeiro instituído ou legítimo) se os bens da herança (stricto sensu, isto é, excluídos os legados) forem insuficientes para pagamento dos encargos hereditários. Isto já se depreende do art. 2070º nº 1, por onde se vê que os credores da herança preferem aos legatários, e resulta com clareza do art. 2278º” Disto tudo decorre, e porque a testadora não dispôs nada em contrário e a herança foi toda distribuída em legados, que o legado da A. não estava a coberto de ter de responder pelas dívidas da herança. O facto de ter de suportar com os outros legados, proporcionalmente, tais dívidas, é questão externa a dirimir junto dos outros legatários. Significa isto que a recorrente carece de razão quanto à pretensão de que se declare que os valores respeitantes à execução fiscal foram invalidamente retirados pela R.. Pelo contrário concluiu-se que, para além de a R. não ter retirado qualquer montante monetário das contas bancárias em questão, a quantia em falta, sem que a R. pudesse a isso obstar, foi penhorada em execução fiscal, ficando adstrita ao pagamento da dívida fiscal da autora da herança.
Também a recorrente pretende que a R. provisione a conta em questão com a importância monetária que, a pedido do testamenteiro, foi entregue a este. O douto acórdão recorrido respondeu à objecção dizendo, de essencial, que “…questão colocada quanto à entrega efectuada pela Apelante ao testamenteiro CC, no montante de € 21.439,56 surge como destituída de qualquer interesse no âmbito da presente acção devendo, caso assim seja entendido pela Apelada, ser objecto de discussão em acção própria que tenha como destinatário o testamenteiro instituído - artigo 2332° do Código Civil”. Esta posição é certa pelo que se irá confirmar. A R. não tem já tal importância em depósito visto que, por solicitação do cabeça de casal/testamenteiro, foi a mesma entregue a este. O cabeça de casal deve prestar contas da administração, anualmente (art. 2093º nº 1), pelo que terá que ser a ele que a A. se deverá de dirigir, pedindo-lhe explicações e esclarecimentos pelo levantamento (entrega) monetário em questão. Ao cabeça de casal, compete a administração da herança, sendo notório que essa direcção poderá acarretar despesas. Deve ser neste prisma que se deve colocar a questão da entrega do numerário em causa ao cabeça de casal/testamenteiro[5]. Como o cabeça de casal/testamenteiro não foi demandado, é evidente que a acção, sob este aspecto, teria (e tem) que improceder. O recurso improcede, se bem que por estas razões, in totum.
Nos termos dos arts. 713º nº 7 e 726º do C.P.Civil, elabora-se o seguinte sumário: - O testamenteiro, por expressa vontade da testadora, ficou incumbido de «vigiar o cumprimento do testamento, executando-o conforme a sua vontade». - Nos termos do art. 2079º a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal, devendo este deve prestar contas anualmente, como estipula o disposto no art. 2093º. - Em relação ao legatário, o cabeça de casal não lhe poderá exigir os bens certos e determinados que foram legados e estavam já em seu poder à data do falecimento do autor da herança. Não estando esses bens em poder do legatário, o cabeça de casal poderá exigir do herdeiro ou de terceiros a sua entrega. - Existindo herdeiro é dele que o legatário deve exigir o cumprimento do legado. - O legatário, normalmente, mesmo aceitando o legado, não adquire (logo) a sua posse. A posse do legatário opera-se através da entrega da coisa, por quem estiver onerado com a obrigação de cumprimento do legado no tempo e no lugar estabelecido no art. 2270º. - No caso, não havendo herdeiros e não existindo a posse dos ditos depósitos por parte de outrem, a legatária, nos termos do dito art. 2279º, poderia exigir da R., Caixa Geral de Depósitos, a entrega do numerário constante dos depósitos em causa. - Ao testamenteiro não compete, enquanto tal, cumprir legados. A sua função essencial é vigiar o cumprimento do testamento ou de o executar. Também não cabe ao cabeça de casal cumprir legados. A sua função é administrar a herança com os contornos referidos no texto do acórdão. - A R., Caixa Geral de Depósitos, face à notificação que lhe foi efectuada pela entidade fiscal, não poderia deixar de realizar a penhora. Caso o não fizesse poderia incorrer em responsabilidade subsidiária, como decorre do art. 223º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. A quantia em falta, sem que a R. pudesse a isso obstar, foi penhorada em execução fiscal, ficando adstrita ao pagamento da dívida fiscal da autora da herança, pelo que não terá que a entregar à A.. - O legado da A. não estava a coberto de ter de responder pelas dívidas da herança, sendo o facto de ter de suportar com os outros legados, proporcionalmente, tais dívidas, é questão externa a dirimir junto dos outros legatários. - Não tendo a R., Caixa Geral de Depósitos, a importância de € 21.439,56 em depósito já que, por solicitação do cabeça de casal/testamenteiro, foi a mesma entregue a este, a R. não terá que a entregar e restituir à A.. - O cabeça de casal deve prestar contas da administração, anualmente (art. 2093º nº 1), pelo que terá que ser junto dele que a A. se deverá de dirigir, pedindo-lhe explicações e esclarecimentos pelo levantamento monetário em questão.
III- Decisão: Por tudo o exposto, nega-se a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Garcia Calejo (Relator) *
|