Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00025613 | ||
Relator: | LOPES ROCHA | ||
Descritores: | SENTENÇA PENAL CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO VIOLAÇÃO DOLO ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS ERRO NOTÓRIO | ||
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Nº do Documento: | SJ199411090461303 | ||
Data do Acordão: | 11/09/1994 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIAL. | ||
Área Temática: | DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/PESSOAS / CRIM C/SOCIEDADE / CRIM C/PATRIMÓNIO. DIR PROC PENAL - RECURSOS. | ||
Legislação Nacional: | CP82 ARTIGO 22 N1 ARTIGO 78 ARTIGO 201 N1 ARTIGO 205 N1 N3 ARTIGO 260 ARTIGO 300 N1 N2 ARTIGO 306. CPP87 ARTIGO 127 ARTIGO 163 ARTIGO 410 N1 N2 B. | ||
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Sumário : | I - O meio de impugnação que a alínea b) do n. 2 do artigo 410 do Codigo de Processo Penal refere é "a contradição insanável" da fundamentação, não a simples "contradição não compreensível". II - Assim, a ejaculação que o arguido fez sobre as calças da ofendida, mesmo junto à berguilha, não significa que a sua intenção tivesse sido violá-la. III - A violação é um crime de natureza dolosa. IV - Para efeitos do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal, o erro há-de não passar despercebido ao comum dos observadores, sendo, por isso, de rejeitar o seu conceito subjectivo. V - É chocante que um crime contra a autodeterminação sexual seja punível com pena inferior à do que atente contra o património. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 - A, com os sinais dos autos, respondeu perante o Tribunal Colectivo do 2. Juízo Criminal de Lisboa (1. Secção), acusado pelo Ministério Público da prática em autoria material, e em concurso real, de: um crime previsto e punido pelo artigo 201, n. 1 do Código Penal, na forma tentada; um crime previsto e punido pelo artigo 306 ns. 1 e 2, alínea a) do mesmo Código; e ainda um crime previsto e punido pelo artigo 260, também do mesmo Código, com referência ao artigo 3, alínea f) do Decreto-Lei 207/A/75 de 17 de Abril. Foi condenado na pena única de 3 anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares: 2 anos de prisão pelo crime de atentado ao pudor com violência; de 2 anos de prisão pelo crime de roubo; 7 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida. O acórdão proferido condenou-o contudo em 2 UCs de taxa de justiça e em 7500 escudos de procuradoria a favor dos S.S.M.J.. nos termos do disposto no artigo 109, n. 1 do Código Penal, foi declarada perdida a favor do Estado a navalha apreendida. 2 - Inconformado com o decidido, interpôs recurso para este Supremo Tribunal o Magistrado do Ministério Público, que foi admitido por tempestivo e legal, com subida imediata, nos autos e com efeito suspensivo. Motivando o recurso, concluiu o Magistrado recorrente: 2.1. Os actos de relevância sexual praticados pelo arguido devem ser aferidos pelo propósito final que terá usado ao abordar a menor; 2.2. Tal propósito, enquanto facto psíquico não é passível de prova directa, mas apenas através de ilações; 2.3. Dos actos externos praticados pelo arguido decorre a séria probabilidade de conjunção carnal entre o órgão sexual do arguido e o órgão genital da menor, não acusando devido à ejaculação precoce do arguido; 2.4. Tal elevada probabilidade não é compatível com a ausência de vontade do arguido em procurar manter relações de cópula concreta com a menor; 2.5. Ao dar como não provado tal intenção o Tribunal Colectivo gravou uma contradição não compreensível, desde logo face às regras da experiência comum, entre os factos externos e os factos próprios dados como provados; 2.6. O Tribunal Colectivo não atendeu ao relatório médico legal arrolado como prova da acusação, não dando consequentemente como provado que o arguido se ejaculou para cima das calças da menor junto à braguilha, sendo certo que as mesmas estavam puxadas para baixo - violando assim o artigo 163 do Código de Processo Penal e errou na apreciação da prova; 2.7. Mesmo com a qualificação jurídica a que o Tribunal Colectivo aderiu, a pena aplicada é de uma benevolência não merecida, não se justificando, mesmo apesar das penas em abstracto previstas, que o atentado ao pudor e o roubo tenham a mesma pena; 2.8. Face à qualificação jurídica feita pelo Tribunal Colectivo teriam por correcta uma pena única nunca inferior a 4 anos de prisão, devendo tal pena ser superior e mais ajustada à censura merecida caso se corrija o propósito do arguido, esclarecendo que pretendia consumar o acto sexual de cópula; 2.9. O acórdão violou: os artigos 22, 23, 72, 201, n. 1 e 205, do Código Penal e os artigos 127, 163, e 410, ns. 1 e 2 do Código de Processo Penal; 2.10. Deve ser alterado no sentido de imputar ao arguido um crime de violação na forma tentada e, em qualquer caso, aplicando ao agente uma pena conforme à real culpa revelada e às graves repercussões para a vítima e para a sociedade. 3 - O recorrido contra-motivou concluindo que o acórdão impugnado não violou qualquer disposição legal devendo, em conformidade, ser mantido. 4 - Corridos os vistos, realizou-se a audiência com o formalismo legal, arguindo agora apreciar e decidir: 5 - São os seguintes os factos dados como provados no Tribunal "a quo": 5.1. No dia 1 de Março de 1993, cerca das 13 horas, o arguido entrou no prédio sito na Rua dos Combatentes da Grande Guerra, Lote 104, Odivelas nesta cidade e comarca de Lisboa; 5.2. Para entrar no referido prédio, o arguido aproveitou-se da abertura da porta feita pela menor Vera Lúcia Pontes Nascimento Delgado, m. id. em auto, que ali habitava o quarto andar e que na altura aí se estava a introduzir; 5.3. Já dentro do prédio o arguido seguiu a Vera Lúcia até ao elevador e nele entrou conjuntamente com a menor; 5.4. No interior do elevador, e com este em funcionamento, o arguido sacou de uma navalha, devidamente descrita no auto de exame de folha 26, que aqui se dá por reproduzida na integra; 5.5. E encostou-a ao pescoço da Vera Lúcia ao mesmo tempo que pronunciava a seguinte frase: "Não grites, pois não tenho problemas em matar-te!; 5.6. O que ocorreu durante o tempo correspondente ao percurso feito pelo elevador entre o rés-do-chão e o 4 andar; 5.7. Local onde o elevador se imobilizou e onde a Vera Lúcia foi obrigada a sair, ainda sob a ameaça da referida navalha; 5.8. Foi ainda sob a ameaça da navalha que o arguido conduziu a Vera Lúcia a uma arrecadação do prédio situada no último andar, sem acesso pelo elevador; 5.9. E ali, o arguido sempre empunhando a navalha ordenou a Vera Lúcia que se despisse; 5.10. Esta, com receio que efectivamente o arguido utilizasse a arma que empunhara, obedeceu à ordem dada e despiu-se da cintura para baixo; 5.11. Enquanto o arguido abria a braguilha das suas próprias calças e do seu interior retirou o pénis; 5.12. Foi na situação descrita que o arguido agarrou a Vera Lúcia e se roçou na mesma, sempre tentando beijá-la; 5.13. Sem consentimento da mesma e contra a vontade desta que se debatia para se livrar do arguido; 5.14. Tendo entretanto o arguido ejaculado quando se encontrava encostado à ofendida; 5.15. A ofendida Vera Lúcia não conhecia o arguido de parte alguma; 5.16. Acto contínuo aos factos descritos o arguido ainda ameaçando a Vera Lúcia com a navalha ordenou-lhe que esta lhe entregasse todo o dinheiro que trazia consigo; 5.17. O que a Vera Lúcia cumpriu, entregando-lhe a quantia de 120 escudos em moeda do Banco de Portugal; 5.18. Na posse da qual o arguido se ausentou do local, levando-a consigo; 5.19. Bem sabendo que não lhe pertencia e de que agia contra a vontade e em prejuízo da sua dona, e integrando-a no seu património; 5.20. O arguido agiu ainda com a intenção de satisfazer os seus desejos lascivos. 5.21. O arguido agiu sempre de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei; 5.22. A ofendida Vera Lúcia nasceu a 22 de Setembro de 1978, é estudante e vive com os pais no prédio dos autos; 5.23. O arguido é de condição económica e social modesta, tem como habilitações literárias a 4. classe, e vivia, à data dos factos, com o pai, dois irmãos e um sobrinho; a mãe faleceu quando tinha dois anos de idade; 5.24. Antecedentes criminais: do C.R.C. do arguido nada consta; 5.25. O arguido confessou parcialmente os factos. 6 - O Tribunal Colectivo julgou não provados os seguintes factos. 6.1. Que o arguido tivesse a intenção de manter relações sexuais de cópula completa com a menor Vera Lúcia; 6.2. Intenção que só não concretizou devido ao facto de o arguido não se ter contido e ter ejaculado sobre as calças da Vera Lúcia mesmo junto à braguilha das mesmas; 6.3. Que o arguido fosse já conhecido das autoridades policiais por cometer ou tentar cometer, com outras menores, actos semelhantes aos descritos. 7 - Como resulta do que se relatou em 2, as questões a resolver são as seguintes: a) Se o arguido, atendendo aos factos descritos, incorreu na prática de um crime de violação na forma tentada; b) Se o Tribunal Colectivo, ao dar como não provado a intensão, por parte do arguido de manter relações de cópula completa com a ofendida, gerou contradição não compreensível face às regras da experiência comum, entre os factos externos e os factos psíquicos dados como provados e, não atendendo ao relatório médico legal, não dando consentimento como provado que o mesmo arguido se ejaculou para cima das calças da menor junto à braguilha, sendo certo que as mesmas estavam puxadas para baixo, violou o artigo 163 do Código de Processo Penal; c) Se, mesmo com a qualificação jurídica a que aderiu, o Tribunal Colectivo usou de benevolência não merecida, não se justificando que o atentado ao pudor e o roubo tenham sido punidos com a mesma pena, devendo, antes optar por uma pena única não inferior a 4 anos de prisão, mais ajustada à censura merecida caso se corrija o propósito do arguido, esclarecendo que pretendia consumar o acto sexual de cópula; consequentemente; d) Se foram violados os artigos do Código Penal e do Código de Processo Penal citados acima no ponto 2.9.. 8 - Como resulta de tudo quanto fica exposto, o digno recorrente invoca "uma contradição não compreensível", face às regras de experiência comum, entre os factos externos e os factos jurídicos, digo, psíquicos dados como não provados, ideia que melhor precisou na motivação fundamento das conclusões, mas não nestas últimas. Ora, o meio de impugnação referido no artigo 410, n. 2, alínea b) do Código Penal é a "contradição insanável da fundamentação" e não a simples "contradição não compreensível". Mas este vício tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Acontece que, do texto da decisão tal vício não resulta. O Tribunal Colectivo, como vimos, julgou não provado o facto constante da acusação, de que o arguido tivesse a intenção de manter relações sexuais de cópula completa com a menor ofendida e que tal intenção só se não concretizou devido ao facto de o arguido não se ter contido e ter ejaculado sobre as calças dela, mesmo junto à braguilha, facto igualmente articulado na acusação. É certo que o artigo 127 do Código de Processo Penal manda apreciar as provas segundo as regras da experiência, mas logo acrescenta "e a livre convicção do legislador". Trata-se de dois critérios cumulativos. O que significa que as regras da experiência, só por si, não bastam para impor ao julgador que adquira uma convicção em determinado sentido. Pode admitir-se que, em regra, quem pratica os factos materiais como aqueles que o Tribunal considera provado (v. supra, n. 5), actua com o propósito de conseguir a chamada cópula completa com a ofendida. Mas não se segue daí que tal aconteça sempre, tudo dependendo das peculiares circunstâncias do caso concreto. E aí entra em jogo a tal livre convicção do julgador. O acórdão recorrido, uma vez que não considerou provada a intenção do arguido de conseguir manter cópula com a ofendida, não existe qualquer contradição, e muito menos insanável, na sua fundamentação. Com efeito, era-lhe pedido que julgasse estar preenchido o tipo legal da violação e para isso, necessário era que considerasse provados os factos integrantes do crime. Um dos elementos da figura legal é justamente "ter cópula" e o correspondente crime é, na natureza, doloso; logo, para o seu preenchimento, pressupõe que o agente tenha actuado com qualquer das formas ou modalidades descritas no artigo 14 do Código Penal. Mas, pela convicção a que chegou o Tribunal Colectivo, ao arredar que o arguido tenha actuado com a descrita intenção necessariamente típico da facti species legal. Não pode agora este Supremo Tribunal conservá-lo por dever ter julgado de modo diferente, sem qualquer imediação com as provas adquiridas e valoradas na primeira instância. Assim, não se detecta qualquer contradição que responda ao meio de impugnação a que se refere a alínea b) do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal. Quanto ao meio referido na alínea c) - Erro notório na apreciação da prova - não se mostra a sua evidência, entendido, como deve ser, que a notoriedade não decorre de uma apreciação subjectiva, antes tem de assentar em erro susceptível de não passar despercebido ao comum dos observadores, ou seja quando o homem médio dele facilmente se dá conta (como quer Maia Gonçalves, no seu "Código de Processo Penal - anotado", 6. Edição, página 584). E deve ponderar-se que tal erro tem de resultar do próprio texto da decisão, não sendo admissível o apelo a outros elementos do processo, aliás seria reduzir a bem pouco o critério legal da apreciação da prova fundada na livre convicção do julgador. Além disso, o Tribunal Colectivo apenas deu como provado (v. supra, n. 5) que o arguido quis realmente roçar-se pela ofendida, depois de lhe ordenar que ela se despisse da cintura para baixo, o que ela fez, sempre tentando beijá-la e que se ejaculou quando à mesma se encontrava encostado, depois de abrir a braguilha e de retirar o pénis. É certo que não deu como provado que a intenção de praticar a cópula só se não concretizou devido ao facto de não se ter contido e ter ejaculado sobre as calças da mesma ofendida, junto à braguilha destas. Mas é preciso interpretar esta declaração em termos hábeis. Com efeito, depois de ter como não provada a intenção de manter cópula completa com a ofendida, declaração esta que tem de conjugar-se, em termos de avaliação, com a matéria de facto dada como provada, logo ficou afastada a hipótese de qualificação da conduta como preenchendo o tipo legal da violação pouco importante saber se esta não se consumou devido à ejaculação precoce. A forma da tentativa também exige, como se diz no artigo 22, n. 1, do Código Penal, que o agente pratique acto de execução de um crime que decidiu cometer. Assim, não se tendo por provado que tenha decidido cometer o crime de violação, por falta do elemento intencional "querer ter cópula", fica logo afastada a hipótese da tentativa. Pouco relevo, por isso, tem a declaração de não se ter provado que o crime se não consumou devido à ejaculação precoce nas calças da menor. A resposta negativa, em terreno fáctico, quanto à intenção de copular, é absorvente para afastar a própria tentativa. O Tribunal Colectivo entraria em contradição insanável da fundamentação, isso sim, se, depois de não ter dado como provada a intenção de copular logo a seguir desse como provado que a cópula só não se concretizou devido à ejaculação na braguilha nas calças da ofendida. Daí que tenha de interpretar-se esta última resposta negativa aos factos articulados na acusação como mero corolário da resposta negativa à intenção de manter relações sexuais de cópula completa. E bem pode admitir-se que, assim, o pormenor da ejaculação nas calças da menor, não tenha qualquer relevo para a qualificação do facto como crime de atentado ao pudor. Segue-se que a crítica, feita no recurso à circunstância de o Colectivo não ter dado como provada a dita ejaculação no sítio indicado, com violação do artigo 163 do Código de Processo Penal, não atendendo a relatório médico legal, se antolha improcedente. É certo que esta disposição vai no sentido de que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador. Mas logo acrescenta que, se a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência (n. 2 do citado artigo). Só que não se punha aqui qualquer problema de divergência com os peritos. O relatório de folha 29 dos autos é claro no sentido de que a pesquisa de espermatozóides foi negativa para o exsudado vaginal e manchas encontradas nas cuecas é positiva para as manchas encontradas nas calças e camisola da menor Vera Lúcia, acrescentando não haver elementos médico-legais que permitissem concluir ter a mesma sido vítima de violação. Aquilo que o exame pericial disse ter observado nas calças e na camisola da ofendida não é incompatível com a convicção do Tribunal Colectivo de que os factos apurados preenchiam o crime de atentado ao pudor. Em suma, o mesmo Tribunal não divergiu do juízo contido no parecer pericial e só em caso contrário lhe competia fundamentar (a divergência). Bem vistas as coisas, o que o Digno Magistrado recorrente quer dizer é que o acórdão recorrido devia ter apreciado a conduta do arguido de outra maneira, convencendo-se de que a súmula dos factos exteriores apurados, aliado ao elemento psíquico, configuram um crime tentado de violação, baseando-se na elevada probabilidade de tais factos revelarem a intenção de copular com a ofendida. Mas um juízo de condenação pressupõe uma certeza moral da parte do julgador e não basta a melhor probabilidade, ainda que elevada; e ainda que a prova do elemento psíquico possa resultar de ilações tiradas da especial confirmação de actos externos. E sobretudo não pode falar-se em "contradição não compreensível entre factos externos e factos psíquicos, já que uns e outros têm de se provar como condição da imputação a título de dolo no pretendido crime de violação. A experiência comum é um argumento falível, pois nem sempre as aparências permitem julgar como certo que exista o elemento subjectivo necessário à perfeição do crime em todos os seus elementos". Em conclusão: não existe erro notório na apreciação da prova. Improcedem, pelo exposto, as conclusões 2.1. a 2.7. da motivação do recurso e não há que "corrigir", como vem pretendido, o "propósito" do arguido, esclarecendo-se que este pretendia consumar o acto sexual da cópula (conclusão 2.8.), por se tratar de matéria de facto subtraída ao poder de cognição deste Supremo Tribunal. 9 - Relativamente à pena aplicada, temos que dar alguma razão ao Magistrado recorrente. Com efeito, é um princípio chocante que a um crime grave contra a autodeterminação sexual da vítima corresponda uma pena inferior à cominada para um crime contra o património. Mas aí a falta deve atribuir-se à lei e não aos julgadores. São efectivamente criticáveis as razões de política criminal que levaram o legislador a optar por essa solução. Em todo o caso, não pode ignorar-se que o crime de roubo pelo qual foi condenado o arguido tem como elemento constitutivo o uso de violência ou ameaça com um perigo iminente para a integridade física ou para a vida ou colocando, o agente, a pessoa ofendida na impossibilidade de resistir - como se verificou nos autos. E são tais circunstâncias, como elementos do tipo, que conferem a este uma particular gravidade, em confronto com o furto. O mesmo é dizer que, no roubo, estão protegidos outros bens jurídicos além do património, e eminentemente pessoais: a liberdade pessoal, a integridade física e psíquica da vítima e até a própria vida, como tudo resulta do tipo legal do crime do artigo 306 do Código Penal. Vejamos, então, se o acórdão recorrido determina correctamente a medida das penas parcelares correspondentes aos crimes de atentado ao pudor com violência e de roubo, já que não está em causa a pena pelo crime do artigo 260 do mesmo Código (detenção de arma proibida), não contestada no recurso. Temos por adequada a subsunção dos factos com tipos legais de crime dos artigos 205, ns. 1 e 3 e 300, ns. 1 e 2, alínea a) do referido Código. Os factos provados revelam que o grau de ilicitude é elevado, que o arguido agiu com dolo directo e intenso, que o modo de execução foi particularmente censurável, já que os crimes foram planeados e aproveitando-se o agente das circunstâncias em que a vítima se encontrava, que fortemente diminuíam as possibilidades de resistência à agressão, agindo de surpresa, para além da diferença de idade e da condição de adolescente da mesma vítima. Igualmente censuráveis foram os sentimentos manifestados na preparação dos crimes e os fins que o arguido se propôs alcançar, em especial no atentado ao pudor. E se é certo, quanto a este último, que a satisfação do instinto sexual anda na maior parte dos casos associada aos crimes sexuais, não pode ignorar-se que, no caso concreto, o arguido procurava um modo fácil e rápido de conseguir tal satisfação sobre uma vítima indefesa e naturalmente imatura em razão da idade. E no crime de roubo aguiu notoriamente por cupidez. Nada se provou que possa justificar ou atenuar tal conduta, em função das condições pessoais do agente, nomeadamente as familiares, e a sua situação económica. Também nada se provou no que concerne à conduta posterior aos factos, nem sequer o arrependimento sincero e muito menos que o arguido tenha procurado reparar as consequências dos crimes, que mereça alguma avaliação favorável no tocante à sua personalidade. Relativamente à conduta anterior, o Tribunal Colectivo considerou tratar-se de um delinquente primário, mas tal não prova que se trate de pessoa decidida a conduzir-se na vida com respeito pelo direito e pelos interesses penalmente protegidos das pessoas, em ordem a poder concluir-se que tudo não passou de uma conduta ocasional, favorecida por circunstâncias especiais e que não se repetirá. Sabe-se, por outro lado, que os crimes sexuais praticados com violência e de roubo se praticam com indesejável frequência, sobretudo nos grandes aglomerados populacionais, gerando alarme e inquietação social. Enfim, à data dos factos, o arguido tinha uma idade já sensivelmente afastada da adolescência e da menoridade penal, a exigir uma contenção e uma autodisciplina que o impedissem de praticar crimes graves. Os factos revelam, assim uma certa falta de preparação para manter uma conduta lícita, que deve ser censurada através da pena. A determinação da medida desta deve fazer-se em função da culpa mas deve ter ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes. Como escreveu o Professor Figueiredo Dias, embora a outro propósito (especialmente, os fins das penas na prespectiva de revisão do Código Penal), o modelo da determinação da pena mais adequado, como no Código vigente, é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integrais) a função de fornecer uma "moldura de prevenção", cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela de bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida "moldura de prevenção" que melhor sirva as exigências de socialização (ou em casos particulares, de advertências ou de segurança) do delinquente. Este modelo é o que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção como vectores legalmente impostos de medida da pena, dentro das intenções político-criminais básicas do Código Penal. (Cfr., do autor, o estudo "O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma", na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3 - Abril-Dezembro de 1993, página 186). Considerado o referido modelo de determinação da pena, se é razoável admitir que a pena de 2 anos de prisão encontrada, no acórdão recorrido, para o crime de roubo, se mostra proporcionada à culpa e adequada às exigências de prevenção de futuros crimes, já se não afigura correcta a media calculada para o crime de atentado ao pudor com violência. Com efeito, não pode esquecer-se que este precedeu aquela e que, comparativamente, atentas as circunstâncias do caso concreto, se revela sensivelmente mais grave e, por isso, mais censurável. Não é justo, por isso, que se tenha imposto a mesma pena, nos 2 casos porque, apesar de tudo, no atentado ao pudor com violência se ofende um bem jurídico sensivelmente superior, importando consequências mais graves para a ofendida. Quanto a este ponto não pode deixar de se reconhecer razão ao Magistrado recorrente. Tudo ponderado, decide-se aplicar ao arguido, pelo crime do artigo 205, ns. 1 e 3, do Código Penal, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, mantendo-se o decidido na 1. instância quanto ao crime de roubo. E operando o cúmulo jurídico das três penas, dentro do critério imposto no artigo 78 do Código Penal, eleva-se a pena única para 4 (quatro) anos e seis meses de prisão. 10 - Pelo exposto, concedendo parcial provimento ao recurso, condenam o arguido na pena parcelar e na pena única indicadas, mantendo, no mais, o acórdão impugnado. Sem tributação. Fixou-se em 7500 os honorários do defensor oficioso. A questão da aplicação da Lei n. 15/94, de 11 de Maio, será apreciada na 1. instância, para não privar o recorrente de duplo grau de jurisdição, como vem sendo entendido neste Supremo Tribunal. Lisboa, 9 de Novembro de 1994. Lopes Rocha; Teixeira do Carmo; Amado Gomes; Ferreira Vidigal. Decisão impugnada: Acórdão de 8 de Outubro de 1993 do 2. Juízo Criminal, 1. Secção de Lisboa. |