Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | BORGES SOEIRO | ||
Descritores: | NEXO DE CAUSALIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ20070306001381 | ||
Data do Acordão: | 03/06/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | 1. No âmbito do direito civil, o artigo 563º do Código Civil consagra a vertente mais ampla da causalidade adequada, ou seja, a sua formulação negativa. 2. Esta vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite: - não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não; - como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano. 3. No entanto, para esta modalidade, o facto-condição já não deve ser considerado causa adequada do dano quando se mostre, pela sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas por ocorrência de circunstâncias anómalas ou excepcionais. 4. No caso dos autos, como a possibilidade de a recorrente ganhar o concurso estava envolta em manifesta álea, por dependente da vontade de outrem, que não os contraentes, pelo que era imprevisível, (no sentido de coisa fortuita ou acidental que ocorreria ou deixaria de ocorrer), não poderá ser imputado esse facto – não ter ganho o concurso - à recorrida, como consequência ainda do incumprimento do contrato celebrado. 5. Só esta conclusão é compatível com o conceito de causalidade adequada, sendo que o lesante é responsável por todos os prejuízos que “necessariamente” resultem do não cumprimento do contrato. 6. A mesma teoria da causalidade adequada visa excluir da indemnização os danos que resultaram de “desvios fortuitos”, com o objectivo de libertar o lesante do risco de suportar, quase em termos de versari in re illicita, todos os danos a que o seu acto deu origem. 7. Ao invés, a relevância negativa da causa virtual quando se efective, representa uma limitação à causalidade como pressuposto da responsabilidade. Deixa-se de responder pelo prejuízo ou prejuízos que efectivamente se causaram. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. “AA-Construções e Obras Públicas, Ldª” veio propor acção declarativa com processo ordinário, contra “BB, S.A”, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 20.003,69, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 12% ao ano desde a data da citação até integral pagamento. Alegou, para tanto e em síntese, que: - A autora dedica-se à construção civil e obras públicas e a ré dedica-se à exploração de serviços postais na modalidade de “Serviço de Correio Urgente”; - Em 13.05.2002, a Câmara Municipal de .... lançou um concurso público para limpeza e desobstrução do troço do rio, sendo certo que as propostas para o dito concurso deveriam ser apresentadas até às 16.00 horas do dia 06.06.2002; - As condições do referido concurso permitiam o envio das propostas através do correio, sob registo e com aviso de recepção; - Em 05.06.2002, a autora entregou pelas 12.00 horas, na Estação de Correios de Caneças, através do serviço SEM 12 correio urgente, a respectiva documentação para ser enviada para a C.M.....; - O serviço contratado garantia a entrega do envelope contendo os documentos para o processo de concurso no dia seguinte (06.06.2002) até às 12.00 horas; - Contudo, a referida apenas chegou ao seu destino no dia 07.06.2002, pelas 11.10 horas; - A autora despendeu várias quantias quer com o envio através dos correios, com pagamento da proposta do concurso, com a preparação de todo o processo quer em mão-de-obra de engenheiros civis, topógrafos, ajudante e empregados administrativos, quer em deslocações; - A autora de lucro em obras de idêntico valor é de 25% do valor da proposta de empreitada, o que deixou de obter com a conduta da ré; - Face à exclusão do concurso, a autora sofreu danos na sua imagem. * Citada para contestar, veio a ré pedir a sua absolvição do pedido por improcedência da presente acção, alegando, em síntese, que:- Houve erro de encaminhamento do objecto, pelo que a ré apenas entregou a encomenda da autora ao seu destino no dia 07.06.2002, pelas 11.10 horas; - Nos termos do contrato celebrado entre a autora e a ré, em caso de demora na entrega do objecto, a responsabilidade da ré está limitada ao pagamento de uma indemnização até ao montante de esc: 200.000$00 por objecto transportado, de acordo com as cláusulas contratuais de transporte apostas no verso da guia de transporte; - A demora no serviço da ré não excedeu o dobro do prazo convencionado, pelo que, nos termos do artº 382º, do Cód. Comercial, a ré não tem de responder pelos danos e perdas resultantes dessa demora, para além da indemnização fixada no contrato. No mais impugnou os factos articulados pela autora. Proferiu-se despacho saneador, com a elaboração dos factos tidos por assentes e da base instrutória. Realizou-se o julgamento, tendo, a final, o Ex.mo Juiz proferido sentença na qual julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.809,55, acrescida dos juros de mora calculados às taxas, respectivamente de 7% e 4%, desde a citação e até integral pagamento. Inconformada a Autora veio interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a sentença recorrida, com exclusão do segmento relativo à taxa devida dos juros de mora que a fixou em 12%. Ainda inconformada, veio agora interpor recurso de revista para este STJ, concluindo a sua alegação pela seguinte forma: A – A R/Apelada faltou culposamente, ao cumprimento da obrigação de entrega da proposta da A/Apelante, para o concurso público para limpeza e desobstrução do troço do rio Alcabrichel, entre a ponta do Casal da Figueira e a ponte de Ermigeira, no concelho de ...., (Anúncio n° 7172001 DR n° 1 10., Ill Série de 13.05.02) e por esse facto, e nos termos do artigo 798° do CC, tornou-se a R/Apelada responsável pelos danos causados à A/Apelante; B – A Douta Sentença de 1a instância e o Acórdão Recorrido, absolveram a R, na parte, respeitante aos benefícios que a lesada deixou de obter (2a parte do n° 1 do artigo 564°), por entender que neste caso, não existia o necessário nexo causal entre o facto e o dano, e ou que existiam causas hipotéticas virtuais capazes de gerar um efeito de liberação da obrigação de indemnizar. C – A consideração nesse sentido, resultou na sentença de Ia instância de "não existir qualquer facto provado (nem a autora alegou) que a mesma teria sido vencedora”. D – Na realidade, não só estão alegados factos capazes de estabelecer o necessário nexo causal, como também está dado como assente que "Em virtude do referido em G) ( não entrega atempada da proposta e consequente exclusão do concurso) a A não sabe, nem pode saber, se a sua proposta seria vencedora. (Factos assentes N). " E - Atentos os critérios aferidores das propostas a concurso, constantes do documento n° 2 junto com a PI (preço; prazo de execução; qualidade técnica da proposta) jamais se poderiam alegar factos que indiciassem que seria a proposta da A a vencedora, atenta a natureza altamente subjectiva da escolha, quer pelo carácter subjectivo dos critérios em contenda, quer pelo facto de os mesmos serem avaliados por um júri. F - Estando assente a impossibilidade de a A saber se a sua proposta seria a vencedora, porque tal, adiante-se, era materialmente impossível de verificar não se poderá falar em inexistência de nexo causal entre o facto e o dano. Fazê-lo é conceder à lesante um privilégio injustificado, não comportado no espírito do legislador, que elaborou a norma constante do artigo 563° do CC, nem tão pouco consolidado pela Jurisprudência. G - Assim, o dito comportamento é apto, à produzir a exclusão da proposta da A do concurso, assim como, de a mesma ser avaliada, e ainda, pelo que fica dito, de gerar uma situação de impossibilidade material absoluta de provar que a proposta da A seria a vencedora do concurso. Há pois toda a cadeia causal necessária e suficiente para justificar o dano reclamado. H - Não é necessária uma causalidade directa, basta uma indirecta, já que, a R. lesante é responsável por todos os factos ulteriores que eram de esperar segundo o curso normal das coisas, ou que foram especialmente favorecidos pela conduta do agente quer na sua própria verificação, quer na sua actuação concreta em relação ao dano em causa (lucro cessante). I - A conduta da R favoreceu especialmente a impossibilidade material de provar que a proposta da A seria a vencedora, pelo que a atribuição indemnizatória não extrapola o nexo causal na variante negativa contido no artigo 563° do CC. J - Esta vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite não só a ocorrência de outros factores condicionantes contemporâneos ou não como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano. Assim, o incumprimento contratual da R - gerou - a exclusão da A do concurso - gerou - a situação de a A não poder ganhar o concurso - gerou - a impossibilidade material de saber se in casu ganharia o concurso - gerou - a perda do montante que a A obteria de lucro se ganhasse o concurso. K - É igualmente clara, a irrelevância de um conjunto de causas hipotéticas virtuais descritas na alínea E das presentes conclusões, já que estas não poderão ser impeditivas do processo causal, pois em nada afectam o nexo entre o facto operante (não entrega atempada da proposta) e o dano ( não ganhar o concurso - perda do lucro), não demonstrando que sem o facto operante a lesada teria dano idêntico. L - Acresce que, os princípios gerais de direito substantivo ( artigo 342° do CC) e adjectivo (artigo 516 ° do CPC) em matéria de repartição da prova, nos esclarecem que competia à A a prova da causalidade efectiva entre o facto e o dano, e esta foi efectivamente realizada (até onde era objectiva e materialmente possível). Mas a não verificação hipotética do dano é que é, (quando for) um facto extintivo daquele direito, e nesse caso a alegação e prova, cabia à R. M - A R cumpria alegar e provar, o que não fez, duas coisas: i. Que a(s) causa(s) hipotética(s) se havia(m) verificado sem a causa real; ii) Que a(s) causa(s) hipotética(s) teria(m) provocado efectivamente o dano; N - Desta forma pela aplicação conjugada dos artigos 324°, 797°, 798°, 563° e 564° e 566° todos do Código Civil,(violados no Douto Acórdão Recorrido), deverá a R/Apelada ser condenada no pagamento da quantia de € 16.694,14 pelo lucro que a A. deixou de receber, por ter sido excluída do concurso, e consequentemente definitivamente impossibilitada de o ganhar ou de fazer prova que o ganharia. Nas contra alegações, a recorrida defende a manutenção do julgado. Foram colhidos os vistos. Decidindo. 2. Foi considerada como provada, pelas Instâncias, a seguinte factualidade: I- Dos factos assentes: - A autora, entre outras actividades, dedica-se à construção civil e obras públicas. (Factos assentes A); - A ré tem como objecto social a prestação de serviços de recolha, tratamento, transporte e distribuição de documentos, mercadorias e outros envios postais de âmbito nacional e internacional, bem como serviços complementares na área logística. (Factos assentes B); - Em 13.05.2002, a Câmara Municipal de ...., lançou um concurso público para limpeza e desobstrução do troço do Rio Alcabrichel, entre a ponta do Casal da Figueira e a ponte de Ermigeira, no Concelho de ...., conforme Anúncio nº 71/2002, publicado no DR nº 110, III Série, de 13.05.2002. (Factos assentes C); - O ponto 11 a) das condições do concurso referido em C) permitia o envio das propostas através do correio, sob registo e com aviso de recepção. (Factos assentes D); - Nos termos do ponto 11 b) das condições do concurso referido em C), as propostas documentadas deveriam ser apresentadas até às 16.00 horas do 24º dia (incluindo Sábados, Domingos e Feriados) contados a partir do dia seguinte ao da publicação no Diário da República, isto é, deveriam ser apresentadas até às 16.00 horas do dia 06.06.2002. (Factos assentes E); - Em 05.06.2002, cerca das 12.00 horas, a autora contratou o serviço de “EMS 12” da ré, tendo enviado, a partir da Estação de Correios de Caneças, um objecto titulado pela guia de transporte ED13015206.4 PT, destinado à Câmara Municipal de ...., Avª 5 de Outubro, ..... (Factos assentes F); - O sócio gerente da autora compareceu no dia no dia 07.06.02, pelas 10h30 para a abertura das propostas, na C.M. de ...., tendo aí sido alertado que a proposta da autora, não havia chegado, pelo que a autora estava excluída do Concurso. (Factos assentes G); - O objecto titulado pela guia de transporte ED13015206.4 PT e referido em F) chegou à C.M. de .... pelas 11h10 do dia 07.06.02. (Factos assentes H); - A autora jamais contrataria os serviços da ré se soubesse que o objecto titulado pela guia de transporte ED13015206.4 PT e referido em F) apenas chegaria à C.M. de .... pelas 11h10 do dia 07.06.02. (Factos assentes I); - O preço base para a execução da empreitada era de € 87.788,43 acrescido de Iva à taxa legal em vigor. (Factos assentes J); - A autora despendeu a quantia de € 11,40, a título de taxa cobrada pelo serviço referido em F). (Factos assentes L); - A distância entre Amadora (Casal de Cambra) e .... é de cerca de 50 Km. (Factos assentes M); - Em virtude do referido em G), a autora não sabe, nem pode saber, se a sua proposta seria vencedora. (Factos assentes N); - No verso da guia de transporte ED13015206.4 PT, conforme cópia de fls. 82 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais, “O presente serviço inclui um seguro de riscos de transporte que permite à Postlog indemnizar o cliente no valor dos prejuízos efectivamente sofridos, bem como na devolução das correspondentes taxas pagas, com excepção de clientes com contratos próprios. Em todo e qualquer caso de pedido de indemnização, o mesmo só será satisfeito depois de produzida suficiente prova pelos reclamantes de que os prejuízos ocorreram dentro do período entre o momento da recepção e entrega dos objectos pela Postlog. Limites monetários não acumuláveis, segundo os seguintes riscos: - esc: 200.000$00/ € 997,60 por objecto/mercadoria. (Demora na entrega, Perda total ou parcial, Roubo, Furto, Espoliação e Extravio). (...). Exclusão: Em caso algum poderá a Postlog ser responsabilizada por perdas ou danos consequênciais ou especiais (incluindo, nomeadamente, lucros cessantes, perda de mercados, perda de utilização do conteúdo de mercadoria ou perda de oportunidade negocial) ou outras perdas indirectas que resultem da perda, dano, atraso, entrega mal efectuada ou extravio da mercadoria, mesmo que a Postlog tivesse conhecimento de que tais danos ou perdas poderiam surgir. (...)”. (Factos assentes O). II- Da base instrutória: - O objecto titulado pela guia de transporte ED13015206.4 PT, entregue pela autora à ré, destinado à Câmara Municipal de ...., e referido em F) era a proposta documentada da autora ao concurso público referido em C). (Resp. facto controv. 1º); - O serviço “EMS 12” da ré garantia a entrega do referido objecto, no dia seguinte (06.06.02) até às 12h00. (Resp. facto controv. 2º); - A proposta apresentada pela autora ao concurso referido em C) era no valor de € 56.114,76 acrescido de Iva à taxa legal em vigor. (Resp. facto controv. 3º); - A autora despendeu a quantia de € 58,50 com o pagamento do processo de concurso à C.M. de ..... (Resp. facto controv. 4º); - Para preparação do processo de concurso referido em C), deslocaram-se ao local (....) 2 engenheiros civis, despendendo 1 dia de trabalho, para determinação do cálculo do volume de terras, em face da necessidade de desobstrução num aprofundamento médio de 0,75m com uma largura média de rasto de 8,0 metros ao longo de 11Km. (Resp. facto controv. 5º); - E, deslocaram-se ao local 1 topógrafo e 1 porta miras para reconhecimento do local despendendo 7 dias de trabalho a efectuar um levantamento topográfico (geral e de pormenor), ao longo dos 11 Km de leito do rio. (Resp. facto controv. 6º); - O vencimento médio mensal dos engenheiros em causa é de € 2.107,00. (Resp. facto controv. 7º); - O seu horário de trabalho é de 8 horas diárias e 40 horas semanais. (Resp. facto controv. 8º); - O vencimento médio mensal do topógrafo em causa é de € 1.658,08. (Resp. facto controv. 9º); - O seu horário de trabalho é de 8 horas diárias e 40 horas semanais. (Resp. facto controv. 10º); - O vencimento médio mensal do porta miras em causa é de € 592,87. (Resp. facto controv. 11º); - O seu horário de trabalho é de 8horas diárias e 40 horas semanais. (Resp. facto controv. 12º); - Os engenheiros cobraram à autora um custo de deslocação de € 33,00. (Resp. facto controv. 13º); - O topógrafo cobrou à autora um custo de deslocação de € 238,67. (Resp. facto controv. 14º); - Só esses cálculos de custo e projecto permitiriam avançar com uma proposta de valor para a empreitada. (Resp. facto controv. 15º); - O invólucro relativo aos documentos incluía cópias autenticadas do Balanço e Demonstração de Resultados, IRC modelo 22 dos triénio, Declaração do volume de negócios trienal, Lista trienal de serviços fornecidos, Descrição de equipamento, Identificação dos técnicos responsáveis, Alvará, Declaração de Fiscal de inexistência de dívidas entre outros documentos. (Resp. facto controv. 16º); - O invólucro relativo à proposta incluía nota justificativa do preço proposto, memória descritiva, lista de preços unitários, mapa de trabalhos, cronograma financeiro, ficha de empreiteiro entre outros documentos. (Resp. facto controv. 17º); - Na elaboração do invólucro de documentos despenderam-se 10 horas de trabalho administrativo/técnico o que importou a quantia de € 60,00 (€ 6,00 /hora). (Resp. facto controv. 18º); - Na elaboração do invólucro proposta despenderam-se 5 dias de trabalho de 1 engenheiro civil. (Resp. facto controv. 19º); - A margem de lucro da autora em obras de idêntico valor é de 25% (resultado depois de tributação de IRC). (Resp. facto controv. 20º); - A cláusula referida em O) e as restantes insertas no verso da identificada guia não foram objecto de prévia negociação entre autora e ré. (Resp. facto controv. 21º). 3. — Análise do objecto da revista — A questão que vem colocada no recurso, que ora nos ocupa, é extremamente circunscrita e cinge-se, tão somente em indagar se há nexo de causalidade entre a conduta da Ré e o facto de a Autora não ter vencido o concurso para o qual se viu impedida de concorrer, face ao retardamento da prestação da ora recorrida. Como é sabido, a problemática do nexo de causalidade e a sua inserção teórica, equaciona-se num dúplice aspecto: - a tomada num sentido meramente naturalístico, de conhecimento exclusivo das Instâncias, por se conter no restrito âmbito da matéria de facto (saber se o facto, em termos da fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano); - a considerada na sua vertente eminentemente jurídica, já, por isso, sindicável pelo STJ, porque consistente em apurar se, à luz da teoria da causalidade adequada, consagrada no artigo 563º do Código Civil, esse facto concreto pode ser considerado, em abstracto, causa idónea (adequada) do dano verificado. Ora, no que concerne à primeira vertente, resulta dos factos provados que a Ré se comprometeu contratualmente a fazer chegar a proposta da A. à Câmara Municipal de .... até às 12h do dia 6/6/2002. A data limite para apresentação de propostas era o dia 6/6/2002 pelas 16h. Contudo, a Ré apenas entregou a proposta da A. na Câmara Municipal de .... no dia seguinte, 7/6/2002, cerca das 11.10h, pelo que a A. se viu excluída do concurso. Pretende a A., além de ser ressarcida dos prejuízos resultantes das despesas que teve com a elaboração da proposta e seu envio — o que lhe foi concedido pelas Instâncias — uma indemnização relativa ao lucro que auferiria caso tivesse ganho o concurso. Não há possibilidade de saber se a A. ganharia ou não o concurso, como de resto a recorrente reconhece, sendo matéria insusceptível de ser provada. Na perspectiva da A., contudo, tal impossibilidade resulta da conduta culposa da Ré, ao incumprir o acordado entregando a proposta ao destinatário já após a data limite de apresentação das propostas. Está já decidido que ocorreu negligência da Ré no cumprimento do contrato, de que resultou esse atraso. O problema é saber se a A. pode ser indemnizada relativamente a um ganho que, mesmo que a Ré tivesse cumprido pontualmente o contrato, poderia ou não existir, dependendo do facto de a A. ganhar o concurso. Na opinião da A., ora recorrente, estando assente a impossibilidade de a A saber se a sua proposta seria a vencedora, porque tal, adiante-se, era materialmente impossível de verificar não se poderá falar em inexistência de nexo causal entre o facto e o dano. Fazê-lo seria conceder à lesante um privilégio injustificado, não comportado no espírito do legislador, que elaborou a norma constante do artigo 563° do CC. Com efeito, e, na opinião da mesma recorrente, não seria necessária uma causalidade directa, bastaria uma indirecta, já que, a R. lesante é responsável por todos os factos ulteriores que eram de esperar segundo o curso normal das coisas, ou que foram especialmente favorecidos pela conduta do agente quer na sua própria verificação, quer na sua actuação concreta em relação ao dano em causa (lucro cessante). “A conduta da R terá favorecido especialmente a impossibilidade material de provar que a proposta da A seria a vencedora, pelo que a atribuição indemnizatória não extrapola o nexo causal na variante negativa contido no artigo 563° do CC., pois que esta vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite não só a ocorrência de outros factores condicionantes contemporâneos ou não como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano. Assim, o incumprimento contratual da R - gerou - a exclusão da A do concurso - gerou - a situação de a A não poder ganhar o concurso - gerou - a impossibilidade material de saber se “in casu” ganharia o concurso - gerou - a perda do montante que a A obteria de lucro se ganhasse o concurso”. Conforme foi decidido pelas Instâncias, não pode defender-se o entendimento que ora vem sufragado pela recorrente. Vem, sendo pacificamente aceite - nomeadamente a nível da jurisprudência praticada pelo Supremo Tribunal de Justiça (1), que, no âmbito do direito civil, o artigo 563º do Código Civil consagra a vertente mais ampla da causalidade adequada, ou seja, a sua formulação negativa. Esta vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite: |