Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00013225 | ||
Relator: | CERQUEIRA VAHIA | ||
Descritores: | NULIDADE DE SENTENÇA PODERES DE COGNIÇÃO RECEPTAÇÃO HABITUAL TIPICIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ199112120421883 | ||
Data do Acordão: | 12/12/1991 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N412 ANO1992 PAG368 | ||
Tribunal Recurso: | T CR LISBOA 3J | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 450/90 | ||
Data: | 05/28/1991 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR CRIM. DIR PROC PENAL. | ||
Legislação Nacional: | CP82 ARTIGO 297 N2 C ARTIGO 314 A ARTIGO 329 N1 N2. CPP87 ARTIGO 329 B ARTIGO 358 ARTIGO 359 ARTIGO 393 N1 N3 B. | ||
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Sumário : | I - O artigo 329, alinea b), do Codigo de Processo Penal, que se refere a nulidade de sentença, apenas delimita os poderes de cognição do Tribunal aos factos respeitantes aos elementos constitutivos de crime imputado ao arguido, cuja narração deve constar da acusação ou da pronuncia, se a houver, - artigo 283, n. 3, 1, n. 1 - a), 358 e 359 do Codigo de Processo Penal. II - Para a existencia de receptação habitual, previsto e punido no artigo 329, n. 1 e 2, do Codigo Penal [tal como por furto habitual - artigo 297, n. 2 - alinea e) - e a burla habitual - artigo 314 - alinea a)] basta a pratica repetida de infracções, que possa considerar-se um habito no seu conceito etico-social. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 - No 3 Juizo Criminal de Lisboa, em processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo e sob a acusação do Ministerio Publico, foram julgados os arguidos A e B, ambos com os demais sinais dos autos, vindo a ser condenados: - o primeiro, como autor de um crime de receptação previsto e punido pelo artigo 329 ns. 1 e 2 do Codigo Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão e de cento e cinco dias de multa a 1000 escudos por dia e, como alternativa da multa, em setenta dias de prisão; - o segundo como autor de um crime de receptação previsto e punido pelo artigo 329 n. 1 do Codigo Penal, na pena de dois anos e quatro meses de prisão e de sessenta dias de multa a 500 escudos por dia, e, como alternativa, em quarenta dias de prisão. Do respectivo acordão recorreram os arguidos. Motivaram e concluiram: a) A decisão recorrida e nula, ao menos parcialmente: - por violação da alinea b) do artigo 379 do Codigo Processo Penal, ao dar como provados factos que não constavam da acusação e da pronuncia, a saber, os consignados nas linhas 29 e 30 da sua pagina 3 e linhas 14 a 29 da sua pagina 3 verso; - por violação da alinea b) do n. 3 do artigo 283 do Codigo de Processo Penal e do artigo 32 da Constituição, ao dar como provados factos que constituem imputações genericas, abstractas não concretizadas, identificadas em II 2 e IV da motivação. b) Devera, pois, ser o julgamento anulado ou considerar-se não escritas as referencias a tais factos. c) Quanto ao arguido B não se verificam os requisitos necessarios para que lhe possa ser imputada a pratica do crime do artigo 379 do Codigo Penal, disposição que foi violada, devendo ser absolvido. d) Mas, se o não fosse, sempre deveria a pena a aplicar ao arguido B ser suspensa, nos termos do artigo 48 do Codigo Penal, pois se trataria de delinquente primario, com 20 anos a data dos factos, casado e com um filho menor - pelo que a decisão recorrida, ao impor-lhe, pena efectiva, violou os artigos 71 e 72 do Codigo Penal. e) Quanto ao arguido A, não se verificaram os pressupostos da sua condenação, nos termos do n. 2 do artigo 379 do Codigo Penal. f) A decisão recorrida, ao impor-lhe a pena de cinco anos e seis meses de prisão, sempre teria violado o disposto nos artigos 71 e 72 do mesmo diploma. g) Deve, assim, ser alterada a decisão recorrida. Respondeu o Ministerio Publico, em defesa do acordão recorrido, concluindo que este deve ser mantido na integra, negando-se provimento ao recurso. Corridos e realizada a audiencia, cumpre decidir. 2 - O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa, em regra, o reexame da materia de direito, nos termos do artigo 433 do Codigo de Processo Penal, embora, excepcionalmente, de acordo com tal normativo e com o artigo 410 do mesmo diploma, possa abranger as materias dos ns. 2 e 3 deste ultimo artigo, nas condições nestes ultimos indicadas. Isto dito, eis os factos que vem dados como provados. a) Os arguidos A e B, que são, respectivamente, pai e filho, dedicam-se a venda ambulante de diversos artigos, entre eles, aparelhos de som, estando ambos sediados em "stands" sitos na Praça de Espanha, em Lisboa, designadamente nos ns. 200 e 201, ondeu exercem o seu comercio. b) O arguido A e arrendatario de um armazem, localizado em Lisboa, onde deposita e guarda, entre outros, objectos destinados a venda ao publico, encontrando-se, a data da prisão, em negociações para a aquisição da propriedade plena do armazem, por verba não concretamente apurada, mas não inferior a cinco mil e quinhentos contos. c) No exercicio da descrita actividade, os arguidos A e B adquiriram, no decurso do primeiro trimestre de 1990, cada um por si, e por diversas vezes, objectos provenientes de furtos, designadamente auto-radios, a individuos toxicodependentes, "designadamente, a C, a D, E, F e outros, referenciados pelos nomes "Nuno Canhão", "Marinho", "Ze Luis" (irmão do Marinho), "Fernando" e o irmão deste ultimo, "o Ze". d) Em fins do mes de Abril de 1990, o arguido A comprou ao D, pelo preço de seis mil escudos, um auto-radio, de marca "Philips", o qual havia sido furtado em Alges, na sequencia, alias, de outras vendas de auto-radios, proveniente de furtos, a media de 4/5 por semana, que o mesmo D vinha fazendo aquele arguido, A. e) O referido D foi quem apresentou ao arguido A os aludidos "Nuno Canhão", "Marinho", "Ze Luis", "Fernando" e irmão "Ze", os quais venderam ao A diversos artigos furtados, designadamente objectos de ouro, cassetes de video, videos, raquetes, roupas e electrodomesticos varios, recebendo o referido D, desses vendedores, em troca da colaboração, assim prestada, porções de heroina, para consumo proprio, produto esse que aqueles vendedores adquiriam com o dinheiro das vendas efectuadas ao arguido A, o qual pagava cinco mil escudos pelos mencionados auto-radios, "digitais", de valor comercial variavel, mas compreendido entre os 30000 escudos e os 120000 escudos. f) Desde, pelo menos, principios do mes de Março de 1990, o arguido A vinha comprando ao E, a media de 4 a 5 por semana, auto-radios por este furtados do interior de viaturas automoveis, o que so terminou com a detenção do A. g) Assim, e designadamente o arguido A comprou aquele E, em 30 de Abril de 1990, e 2 de Maio do mesmo ano, pelos preços de 5500 escudos e de 6000 escudos, dois auto-radios de marca "Soutex" e "Beltex", respectivamente, o primeiro dos quais foi furtado no mencionado dia 30 de Abril de 1990, do interior de uma viatura "Toyotta Hiace", que se encontrava estacionada na Avenida das Forças Armadas, em Lisboa, tendo o "Beltex" sido furtado, no referido dia 2 de Maio de 1990, cerca das 12,30 horas, do interior de um "Fiat Uno", estacionado junto a estatua de Antonio Jose de Almeida, em Lisboa. h) O arguido B adquiriu, tambem, aos mencionados individuos, e no periodo referido, auto-radios provenientes de furtos em viaturas, o que aconteceu nos "Stands" 200 e 201, sitos na Praça de Espanha, em Lisboa, e, geralmente, quando o arguido A se encontrava ausente de tais "stands", tendo, designadamente, contratado com C, por preços situados entre os 6000 e os 7500 escudos, por cada auto-radio. i) No ano de 1988, Paulo Jose de Jesus Baptista adquiriu no estabelecimento "Frineve, Lda." sito em Lisboa, um video, no valor de 100000 escudos, emitindo, em pagamento, um cheque titulando aquela importancia, sobre a "União de Bancos Portugueses", que viria a ser devolvido por falta de provisão, tendo, de seguida, o mesmo Paulo vendido tal video, no "stand" do A, sito na Praça de Espanha, por 15000 escudos. j) Na busca efectuada, em 4 de Maio de 1990, nos "stands" dos arguidos A e C, sitos na Praça de Espanha, foram localizados e apreendidos diversos outros artigos provenientes de furtos, o que deu origem a outros inqueritos, designadamente, contra os arguidos A e B. k) Foram, ainda, apreendidos, nos ditos "stands", um auto-radio leitor de cassetes, de marca "Blaupunkt" mod. SL-5840, VGS5095, que havia sido furtado do auto-ligeiro com a matricula "RD-42-68", pertença de G, no dia 27 de Abril de 1990, junto a Feira Popular, em Lisboa, um leitor de cassetes, marca "Grundig" e um "Flaser Hamima TZ2", no valor de 4819 escudos. l) Em busca efectuada, ainda, na residencia do arguido B, em 4 de Maio de 1990, foi apreendida, entre outros objectos, uma maquina fotografica, de marca "Panasonic" modelo FL. 1000, no valor de 170000 escudos, proveniente de furto, que dera origem ao inquerito n. 153150/90, da Policia Judiciaria, e que o arguido B adquiriu, pela forma descrita, a individuo e por valor não apurado. m) Cada um dos arguidos, ao agir como descrito, fe-lo consciente e voluntariamente, sabendo que tais objectos haviam sido furtados pelos vendedores a quem os adquiriam, tendo o proposito de, por essa forma, alcançar um enriquecimento ilegitimo, e bem sabendo que tal conduta era proibida por lei. n) O arguido A, alem do que ressalta dos factos acima descritos, configurando uma dedicação habitual a receptação de objectos furtados, tem a correr contra si diversos outros processos por actividade de identica natureza, tendo sido ja, anteriormente, condenado, entre outros processos, no processo n. 2341 do 1 Juizo Criminal de Lisboa, em pena de tres anos de prisão e de 135 dias de multa, a qual, pena, veio a ser alterada pelo Tribunal da Relação de Lisboa para dois anos e meio de prisão e 112 dias de multa. o) O arguido B tem, igualmente, outros processos, a correr contra si. p) Os arguidos não confessaram a apurada conduta, nem se mostram arrependidos. q) Cada um dos arguidos tem boa condição economica sendo, inclusive o arguido A considerado um cliente "Top" pelo representante da "Toshib"; e o que ate lhe proporcionou diversas viagens-premio ao estrangeiro. r) O arguido A vive com a esposa, vendedora-ambulante, em "Stand", sito na Praça de Espanha, e com uma filha de 19 anos de idade. s) O arguido B vive com a esposa, domestica, e com uma filha "menor". t) Pelas testemunhas H,"sub-comissario" da P.S.P. e D foi referido, em audiencia de julgamento, ter o arguido B, em vesperas de julgamento, procurado o mesmo D, oferecendo-lhe diversos objectos, no sentido deste depor perante o tribunal colectivo por forma diversa, e faltando a verdade, do declarado em rede de inquerito, "maxime afirmando não conhecer os arguidos e nunca lhes ter vendido auto-radios furtados". u) Mais foi referido pelas mesmas testemunhas terem em seu poder tais objectos, e que o arguido B ameaçara a testemunha D, caso este não procedesse pela forma indicada. Destas referencias foi feita transcrição na acta e ordenada a emissão da competente certidão a ser remetida ao Ministerio Publico. Importa agora conhecer dos recursos que, como se alcança da sua motivação e respectivas conclusões, alem de visarem o reexame de materia de direito, tem por fundamento "a inobservancia de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada" de que trata o n. 3 do artigo 410 do Codigo de Processo Penal, atras ja aludido. E conhecendo: 3 - Nenhuma razão assiste aos recorrentes quanto as nulidades invocadas e que se deixam indicadas em ponto 1) alinea a). Vejamos a referente a pretendida violação da alinea b) do artigo 379 do Codigo de Processo Penal que a decisão recorrida, ao dar como provados factos que não constavam da acusação e da pronuncia, ou seja os consignados nas linhas 29 e 30 da sua pagina 3 e linhas 14 a 29 da sua pagina 3 verso da primeira. Dispõe, efectivamente, o artigo 379 alinea b) do citado Codigo que e nula a sentença que condenou por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronuncia, se a houver, fora dos casos e condições previstas nos artigos 358 e 359 do mesmo diploma. Tais factos são, porem, e apenas, aqueles que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, isto e, os elementos de facto constitutivos do crime e cuja narração deve constar da acusação (ou da pronuncia, se a houver), de acordo com o estabelecido nos artigos 283 ns. 3 alinea b), 1 n. 1 alinea a) e nos aludidos artigos 358 e 359, do Codigo de Processo Penal (vide Codigo de Processo Penal, 3 edição, pagina 408 de Maia Gonçalves). Quer dizer, aquele artigo 379 alinea b) apenas delimita os poderes de cognição do Tribunal aos factos respeitantes aos elementos constitutivos do crime imputado ao arguido. Ora, no caso dos autos, não assumem tal qualidade os factos apontados pelos recorrentes: ter o arguido B, igualmente, a correr contra si, outros processos "e o incidente a que se referem as alineas t) e n) do ponto 2) e que aqui se da por reproduzido. E assim porque tais factos não respeitam aos elementos constitutivos do crime de receptação previsto e punido pelo artigo 379 do Codigo Penal imputado a cada um dos arguidos, como manifesto e, e pelo qual vieram a ser condenados. Trata-se, antes, de factos julgados provados como resultantes da discussão da causa, com evidente reflexo na arguição da culpa do agente (arguido B), na medida em que exprimem a sua conduta anterior e posterior ao crime em analise e a terem de ser tomadas em consideração, por indispensaveis, para a determinação da medida da pena, conforme os artigos 368 n. 2 alinea c) do Codigo de Processo Penal e 72 ns. 1 e 2 alinea e) do Codigo Penal. E não pode afirmar-se, como se afirma na motivação do recurso, que da solução encontrada tenha havido ou haja violação das garantias de defesa asseguradas pela Constituição da Republica, artigo 32, em relação ao mesmo arguido B. E que, resultando os factos, que se deixam referenciados, da discussão da causa, sem duvida que aquele não deixou de ser dada possibilidade de se defender, maxime das imputações geradoras do aludido incidente, feitas na audiencia de julgamento. Vejamos agora a nulidade referente a pretendida violação do n. 3 alinea b) do artigo 283 (por lapso, indicado com o n. 285) do Codigo de Processo Penal e do artigo 32 da Lei Fundamental por parte da decisão recorrida, ao dar como provados factos que constituem imputações genericas, abstracções e não concretizadas, como invocado foi, e constantes das alineas 18 a 27 da pagina 1 verso e linhas 5 a 13 da pagina 2 verso daquela mesma decisão. De conformidade com o n. 3 alinea b) em referencia, a acusação "contem, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintetica, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possivel, o lugar, o tempo e a motivação da sua pratica, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstancias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada. Como se ve, tal n. 3 comina com nulidade a omissão, na acusação, de alguma das materias contidas na citada alinea, mas essa nulidade não e insanavel, na medida em que não se encontra abrangida na enumeração taxativa do artigo 119 do Codigo de Processo Penal, pelo que, para que seja decretada, deve ser arguida, nos termos do artigo 120 do mesmo diploma. Ora, no caso dos autos os factos provados, e em questão, constam da acusação deduzida contra os arguidos, e aquela nunca foi objecto de arguição de nulidade por omissão das materias referidas na atras citada alinea c) do n. 3 daquele mesmo Codigo. Em consequencia, não pode agora falar-se em ofensa ou violação do aludido normativo, designadamente pela decisão recorrida. E certo que os factos não constituem uma dissecação exaustiva da actividade criminosa do arguido B, mas ha que convir, tendo-se ate em conta que este não repudiou, na contestação apresentada, o pretenso e so agora invocado caracter generico, abstracto e não concretizado das imputações contidas na acusação em referencia, que não deixam tais factos de serem suficientemente precisos e discriminados. E assim, podem ser considerados suficientemente determinados, embora não completamente individualizados ou identificados a fim de serem tomadas em devida conta o bastante para permitir ao mesmo arguido o exercicio do direito de defesa consagrado no artigo 32 da Lei Fundamental, em condições identicas, alias, as do Ministerio Publico com vista a prova da imputação desses factos, ou seja a prova destes aquele imputados. O que fica apontado serve para afastar, para apreciar e decidir a questão da nulidade levantada pelo arguido e tambem recorrente A em ponto 1-IV da motivação do recurso, na medida em que os factos são identicos , com identica identificação e determinação, na acusação e decisão recorrida, com identica postura, aquando da contestação em relação a primeira, tendo a impor decisão identica, como e, alias, manifesto. Dado o que exarado fica, improcede a primeira pretensão dos recorrentes de verem anulado o julgamento e em considerarem-se não escritas as referencias ou factos que se deixam apreciados, uma vez que não ha nulidades não sanadas. 4 - A proposito do alegado em 3) da motivação dos recursos, maxime da materia contida nas linhas 14 a 30 de folhas 2 verso e nas linhas 1 a 11 de folhas 3 da decisão recorrida, e que aqui se da por reproduzida, ha que referir que a função de tal materia não diz respeito a sua integração na previsão do artigo 329 do Codigo Penal, mas sim a determinação da medida da pena, de conformidade com o artigo 72 ns. 1 e 2 alineas d) e e) do mesmo Codigo, com referencia aos artigos 368, 369 e 471 do Codigo de Processo Penal. 5 - Desta maneira, sem duvida que os factos provados integram, efectivamente, quanto ao arguido A, um crime de receptação previsto e punido pelo artigo 329 ns. 1 e 2 do Codigo Penal e, quanto ao arguido B, um crime de receptação previsto e punido pelo artigo 329 n. 1 do mesmo diploma, cometidos por eles em autoria material ou imediata. O primeiro destes crimes ha-de ser cometido por quem fizer da receptação modo de vida ou a praticar habitualmente, nos termos do n. 2 daquele artigo 329. Ora, os factos provados levam a concluir que o arguido A praticava habitualmente a receptação. Como acontece com o furto habitual (artigo 297 n. 2 alinea e) e com a burla habitual (artigo 314 alinea a), ambos do Codigo Penal, a noção de receptação habitual estrutura-se na homotropia, bastando a pratica repetida de infracções da mesma natureza, ficando, no entanto, alguma margem para que os julgadores decidam se o numero de infracções e tão frequente no arguido que nele se deva considerar um habito, tomado este no seu conceito etico-social (ver Maia Gonçalves, Codigo Penal Portugues, Actualizado e Comentado, 5 edição, 1990, pagina 589). Assim, e como resulta dos factos provados, dada a repetição, frequencia e grande numero das receptações apuradas por aquele arguido, pode concluir-se por nele se considerar um habito, tomado este no seu conceito etico-social, a receptação, nos termos em que ficou provada, atraves dos factos aludidos, ou seja a pratica daquela. Nesta parte, improcede, tambem, a pretensão do mesmo recorrente constante da conclusão n. 5 e a do recorrente B constante da conclusão n. 3 da motivação dos recursos. 6 - Cabendo ao crime cometido pelo arguido B a pena abstracta de 1 a 6 anos de prisão e multa ate 120 dias e ao crime cometido pelo arguido B a pena abstracta de prisão ate 4 anos e multa ate 100 dias, o tribunal "a quo" concretizou estes: a primeira, em 5 anos e 6 meses de prisão e 105 dias de multa a 1000 escudos por dia, a segunda, em 2 anos e 4 meses de prisão e 60 dias de multa a 500 escudos diarios, conforme ficou indicado em ponto 1). Nenhuma censura merece a decisão recorrida, quanto a esta parte do recurso, designadamente a pretendida pelos recorrentes. E que a determinação da medida de cada uma delas resultou de boa ponderação dos factos provados, da culpa de cada um dos aludidos agentes e da exigencia de reprovação das suas condutas, como ainda a de prevenção de futuros crimes e das circunstancias que depuseram a favor e contra cada um deles, deste modo, com observancia das regras estatuidas nos artigos 71 e 72 do Codigo Penal (por lapso indicados pelos recorrentes como 70 e 71). Apresentam-se, assim, justas, equilibradas e adequadas. Não pode deixar de lembrar-se que os receptadores são os grandes autores dos crimes contra a propriedade, melhor se dira contra o patrimonio, e que muitos crimes de furto, por exemplo, não seriam possiveis, se não houvesse receptadores, como lembrou o autor do Projecto do Codigo Penal vigente, Professor Eduardo Correia, em discussão perante a Comissão Revisora. 7 - Invocou o arguido B a menoridade de 20 anos a data da pratica do crime, para beneficiar, como pretende , do regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, estabelecido pelo Decreto-Lei n. 401/82 de 23 de Setembro e, deste modo, ser-lhe aplicada medida não privativa de liberdade, e, subsidiariamente, caso aquela não fosse de aplicar, a suspensão da execução da pena, invocando o artigo 48 do Codigo Penal. Sem fundamento legal, porem. Em 1 lugar, porque, como resulta do relatorio do acima referido Decreto-Lei, as medidas nele estabelecidas partem do pressuposto da possibilidade de reinserção social do jovem, atenta a sua idade e personalidade em formação, tratando-se de direito reeducador mais que sancionador, pretendendo evitar-se os efeitos estigmatizantes das penas, substituindo estes por medidas correctivas, sendo certo que as medidas propostas não afastam a aplicação da pena de prisão, quando necessaria para uma firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade e esse sera o caso de prisão superior a 2 anos. Não e, assim, de fazer uso da faculdade de atenuação especial prevista no artigo 4 daquele diploma, quando e grande (enorme) o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido B e e grave a sua culpa, na forma de dolo directo em crime que repugna ao comum das pessoas, como e o da receptação, repugnancia essa a que não e indiferente o que em ponto 6), ultimo periodo, se deixa ou fica acentuado, de serem os receptadores os grandes pautores dos crimes contra o patrimonio. Por outro lado, não e legitimo concluir que ha razões serias, como exige o citado artigo 4, para crer que da atenuação especial da pena, maxime da aplicação da medida não privativa de liberdade, resultem vantagens para a reinserção do mesmo arguido. Em 2 lugar, porque o tribunal não podia, nem pode, suspender a execução da pena, na medida em que, atendendo a personalidade do arguido, as condições de sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao facto punivel, e as circunstancias deste, não podia, nem pode concluir, como o exige o artigo 48 do Codigo Penal, que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afasta-lo da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Improcedem, por isso, as restantes pretensões dos recorrentes. Nenhuma censura pode merecer quanto ao mais, a decisão recorrida. 8 - De harmonia com o exposto, nega-se provimento aos recursos, mantendo-se aquela mesma decisão. Não se tratando de acto regente, o tribunal "a quo" decidira da aplicação do perdão concedido pela Lei n. 23/91 de 4 de Julho, artigo 14. Taxa de justiça de 8 UCs e procuradoria de um terço do montante daquela pelos recorrentes. Lisboa, 12 de Dezembro de 1991. Cerqueira Vahia, Pereira dos Santos, Sa Pereira, Vaz de Sequeira. Decisão impugnada: - Acordão de 91.05.28 do 3 Juizo Criminal ( 1 Secção) de Lisboa. |