Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | RODRIGUES DA COSTA | ||
Descritores: | APREENSÃO VEÍCULO RESTITUIÇÃO TRÂNSITO EM JULGADO REGISTO AUTOMÓVEL | ||
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Nº do Documento: | SJ20061221040475 | ||
Data do Acordão: | 12/21/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I - Nos termos do art. 186.°, n.º 2, do CPP, os objectos apreendidos, uma vez transitada em julgado a decisão, serão restituídos a quem de direito, isto é, a quem prove ser proprietário deles ou titular de um qualquer direito real relativamente a tais objectos. II - Não podem serem restituídos veículos automóveis apreendidos sem que os mesmos estejam registados em nome de quem pede a sua restituição, sendo que a situação jurídica relativa aos ditos veículos deve ser regularizada, com a respectiva actualização registral, no prazo de 60 dias, contados pelo menos da data da apreensão, em conformidade com o preceituado no citado dispositivo do CPP, em articulação com o disposto no art. 162.°, al. e), do CE e em conjugação com os arts. 1.º, 3.° e 5.° do DL 54/75, de 12-02, na redacção do DL 178-A/2005, de 28-10, e 42.º do Regulamento do Registo Automóvel, aprovado pelo DL 55/75, de 12-02, também nos termos da redacção do DL 178-A/2005. III - De acordo com os arts. 1.º, 3.º e 5.º do DL 54/75, o registo destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos veículos, sendo considerados como tais os veículos a motor, e estando sujeitos a registo os actos indicados no art. 5.º, tais como o direito de propriedade e de usufruto, a reserva de propriedade e a locação e direitos dela emergentes. IV - Em conformidade com o citado art. 42.º do DL 55/75, o registo obrigatório deve ser requerido no prazo de 60 dias a contar da data do facto. | ||
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Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO 1. No 1.º Juízo de Competência Especializada Criminal de Vila do Conde, no âmbito do processo comum colectivo n.º 756/03.9TAVCD, foram julgados os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, todos identificados nos autos, acusados, os arguidos CC e DD, da prática do crime de tráfico de estupefacientes, do art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22/1, e os restantes da prática de crime de tráfico de menor gravidade, do art. 25.º, n.º 1 do mesmo diploma legal. No final, foram absolvidos todos os arguidos com excepção dos arguidos AA e BB, que foram condenados como autores de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, do referido art. 25.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22/1, nas penas, respectivamente, de 1 ano e 9 meses de prisão e de 1 ano e 6 meses de prisão, esta (arguido BB) suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sujeita à condição de o arguido se apresentar trimestralmente, nesse período, ao técnico de reinserção social. 2. Foi ainda decidido, entre outras coisas: - ordenar a restituição ao arguido CC do veículo automóvel, marca “Honda”, modelo “Prelude”, com a matrícula QG-00-00; - ordenar a restituição ao arguido DD do veículo automóvel, marca “Honda”, modelo “Concerto”, com a matrícula 00-00-AD; - ordenar a restituição ao arguido FF do veículo automóvel, marca “Volkswagen”, com a matrícula 00-00-CT, caso o mesmo demonstrasse ser proprietário do mesmo, sob pena de ser declarada a perda do veículo a favor do Estado. 3. Desta decisão recorreu o Ministério Público para este Supremo Tribunal de Justiça, restringindo o recurso à questão da restituição dos veículos-automóveis aos arguidos CC e DD. Fundamenta o recurso no facto de o tribunal «a quo» ter ordenado tal restituição, sem ter atentado nos limites impostos pelo art. 186.º, n.ºs 1 e 2 do CPP e sem acautelar previamente a legalização dos veículos, tal como o impõem as disposições conjugadas dos arts. 162.º, alínea e) do Código da Estrada, articulado com os arts. 1.º do DL 54/75, de 12/2 e 42.º do Regulamento do Registo Automóvel, aprovado pelo Decreto n.º 55/75, de 12/2, ambos na versão introduzida pelo DL n.º 178-A/2005, de 28/10. Da observância de tais preceitos, resultaria a obrigatoriedade de manutenção da apreensão de tais veículos, uma vez que os mesmos se encontram registados em nome de pessoas diferentes dos arguidos e estes não procederam à regularização dos respectivos registos no prazo legal. 4. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público, antes do exame preliminar a que se refere o art. 417.º do CPP, requereu alegações escritas. O relator concedeu prazo para tal efeito, não tendo havido oposição dos recorridos. Dentro do prazo concedido, o Ministério Público veio apresentar as suas alegações, remetendo para a motivação de recurso, dado esta ser completa do ponto de vista do tratamento da única questão em causa nestes autos. Os recorridos não alegaram. 5. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão. II. FUNDAMENTAÇÃO 6. Matéria de facto apurada 6.1. Factos dados como provados: a) Na sequência de uma operação de vigilância a Polícia de Segurança Pública (8ª EIC) constatou que nos dias 06.09.04 e 07.09.04 os arguidos BB e AA deslocaram-se ao acampamento sito em Tougues, onde residiam os arguidos CC e DD; b) Entre os dias 06.09.04 e 07.09.04 os arguidos BB e AA dedicaram-se à venda de produtos estupefacientes a indivíduos que para esse efeito deles se acercassem ou os contactassem, nomeadamente, através do telemóvel da marca Nokia apreendido nos autos; c) Os arguidos BB e AA rumavam, tripulando o veículo automóvel com a matrícula RH-00-00, para o centro de Vila do Conde e Póvoa de Varzim, transportando naquele o produto estupefaciente; d) No dia 7 de Setembro de 2004, cerca das 16.27 horas, os agentes da 8EIC interceptaram e detiveram os arguidos BB e AA na Rua .., Póvoa de Varzim, a quem apreenderam os objectos, documentos, dinheiro (proveniente da venda de estupefaciente) e estupefaciente (dez doses de heroína e dez doses de cocaína); e) Submetidos a exame laboratorial, os produtos apreendidos aos arguidos, veio a apurar-se tratar-se de heroína, com o peso líquido de 3,361 gr., e cocaína com o peso líquido de 0.433 gr; f) Os arguidos BB e AA agiram livre, voluntária e conscientemente, com o intuito de, através da venda de substâncias estupefacientes, lograrem obter dinheiro que gastavam em proveito próprio; g) Os arguidos BB e AA sabiam que a detenção e venda de heroína e cocaína é proibida e punida por lei; h) No dia 1 de Março de 2005, no cumprimento de mandados de detenção e busca domiciliária ao acampamento onde residiam os arguidos DD e CC, sito em Tougues, nesta comarca, emitidos por este Tribunal, os agentes da PSP da 8 EIC apreenderam: 1- ao arguido CC o dinheiro, objectos e documento relacionados a fls. 407 dos autos; bem como um automóvel com a matrícula QG00-00, da marca Honda, modelo Prelude; 2 - ao arguido DD, o automóvel com a matrícula 00-00AD, da marca Honda, modelo Concerto; 3 - Na barraca onde residia o arguido DD foi apreendida uma substância castanha, a qual, submetida a exame laboratorial, veio a apurar-se tratar-se de haxixe, com o peso líquido de 1,720 gr; vários recortes de plástico; 4 - ao arguido FF, o automóvel com a matrícula 00-00-CT, da marca Volkswagen. 5 - ao arguido EE, os objectos e documento relacionados a fls. 410 dos autos. i) Num terreno sito à entrada do acampamento foi encontrado, pelos agentes da 8EIC, no interior de uma embalagem de plástico, um produto que, submetido a exame laboratorial, veio a apurar-se tratar-se de cocaína, com o peso líquido de 6,592 gr; j) O arguido AA foi condenado no: 1. processo comum singular nº 988/02.7 PAPVZ do 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim, por sentença de 19.12.03, pela prática, em 04.09.02, de um crime de roubo previsto e punido pelo art. 210º, 1, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão substituída por 250 horas de trabalho a favor da comunidade. 2. no processo comum singular nº 332/02.3 GAPVZ do 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim, por sentença de 28.01.04, pela prática, em 09.09.02, de um crime de roubo previsto e punido pelo art. 210º, 1, do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade. 3. no processo comum singular nº 609/02.8 PAPVZ do 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim, por sentença de 23.03.04, pela prática, em 11.06.02, de um crime de roubo previsto e punido pelo art. 210º, 1, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade. 4. no processo comum singular nº 839/02.2 PAPVZ do 2º juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim, por sentença de 26.03.04, pela prática, em 12.08.02, de um crime de roubo previsto e punido pelo art. 210º, 1, do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão cuja execução ficou suspensa pelo período de 18 meses. l) Após a prática dos factos em apreço nestes autos o arguido AA foi condenado no processo comum colectivo nº 978/04.5 GBBCL do 2º juízo criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, por acórdão de 15.03.05, pela prática, em 15.07.04, de um crime de roubo previsto e punido pelo art. 210, nºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão; m) O processo de desenvolvimento do arguido AA decorreu num contexto familiar caracterizado pela conflitualidade relacional entre os pais; concluiu o 2º ano de escolaridade; frequentou, sem sucesso, acções de formação na área de marcenaria e jardinagem; foi alvo de intervenção tutelar com medida de internamento no Centro Educativo de Santo António, sem sucesso ao nível da alteração comportamental; no período que antecedeu a sua reclusão permanecia ausente do agregado familiar, residindo junto de uma comunidade de etnia cigana, numa situação de inactividade laboral; durante o período de reclusão tem mantido um comportamento de acordo com as regras da instituição; frequenta a escola, na 2ª fase do ensino básico, na perspectiva de concluir o 4º ano de escolaridade, manifestando entusiasmo e empenho; n) O arguido BB foi condenado no: 1. processo comum colectivo nº 100/01 do 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde, por acórdão de 30.03.01, pela prática, em 13.07.00, de um crime de roubo previsto e punido pelo art. 210º, 1, do Código Penal, na pena de 16 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo prazo de 3 anos, a qual foi já declarada extinta; 2. processo comum singular nº 1023/03.3 PAPVZ do 2º juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim, por sentença de 12.05.04, pela prática, em 16.09.03, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 4 meses de prisão substituída por 120 dias de trabalho a favor da comunidade. o) Após a prática dos factos em apreço nestes autos o arguido BB foi condenado no processo comum singular nº 749/03.6 PAPVZ do 4º juízo do tribunal judicial da comarca da Póvoa de Varzim, por sentença de 15.12.04, pela prática, em 24.07.03, de um crime de furto de uso de veículo, na pena de 110 dias de multa. p) O arguido BB apresenta percurso pautado pela ausência do pai e pelos défices de entendimento/comunicação com a figura materna. Revelou dificuldades de inserção/adaptação ao sistema de ensino com registo de inadequação comportamental e de desrespeito pelas normas aí vigentes. Concluiu o 8º ano de escolaridade aos 18 anos de idade e iniciou trajectória laboral, tendo trabalhado no sector das restauração/hotelaria, construção civil e como operário fabril. À data dos factos residia com a progenitora. O padrasto revelou disponibilidade para lhe providenciar por ocupação profissional após o desfecho deste processo. 6.2. Factos dados como não provados: - a viatura automóvel com a matrícula RH-00-00, da marca Opel, modelo Corsa-A GT, tenha sido entregue aos arguidos AA e BB pelos arguidos DD e EE. - Os arguidos DD e EE entregassem, no acampamento onde residiam, aos arguidos AA e BB quantidades variáveis de produto estupefaciente (heroína, cocaína, haxixe e noostan, substancia de corte), entre trinta a quarenta embalagens, para aqueles venderem na via pública aos consumidores que deles se acercassem ou os contactassem. - os arguidos DD e EE fossem ao encontro dos arguidos BB e AA ao Café "...", sito na Póvoa de Varzim, e ali lhes entregassem as doses de estupefacientes para estes venderem aos consumidores. - O arguido CC tivesse "conta aberta" no Café ..., onde os arguidos BB e AA tomavam as refeições, por aquele pagas. - O BB e o AA recebessem como forma de pagamento a quantia de 25 € diários, em dinheiro, fornecimento de refeições no Café "...", combustível para abastecimento do RH e carregamento do telemóvel. - Por imposição dos arguidos EE e DD, o BB e o AA só pudessem ter na sua posse 3 doses de cada tipo de estupefaciente. - Os arguidos EE e FF fossem vendedores de produtos estupefacientes, na via pública ou em qualquer outro lugar, a mando dos arguidos DD e EE, de quem recebiam a droga pronta a ser vendida (cocaína, haxixe, heroína, ecstasy), as instruções de venda, preço de cada pacote. -Os arguidos EE e FF recebessem diariamente, pelo desempenho da sua actividade de vendedores de droga, como "salário", a quantia de trinta euros paga pelos arguidos EE e DD. - O veículo automóvel com a matrícula QG00-00, da marca Honda, modelo Prelude, fosse usado pelo arguido CC na actividade de venda de estupefacientes. - O veículo automóvel com a matrícula 00-00AD, da marca Honda, modelo Concerto fosse utilizado pelo arguido DD para desempenhar a sua tarefa de venda de estupefacientes. - O haxixe encontrado na barraca do arguido DD fosse pertença deste. - O Veículo automóvel com a matrícula 00-00-CT, da marca Volkswagen, fosse utilizado pelo arguido FF na venda de estupefacientes. - A cocaína encontrada no terreno sito à entrada do acampamento fosse pertença dos arguidos EE e DD. - Os arguidos não exercessem, desde há longa data, qualquer actividade profissional remunerada. 7. Questões a decidir: Apenas a questão da restituição dos veículos relativamente aos arguidos CC e DD. 7.1. Como resulta da matéria de facto dada como provada (supra, 6.1., alínea h), na busca domiciliária que foi realizada ao acampamento onde residiam os arguidos CC e DD, foram apreendidos: - ao arguido CC, entre outros objectos, o veículo-automóvel com a matrícula QG-00-00, da marca Honda, modelo Prelude; - ao arguido DD, o automóvel com a matrícula 00-00AD, da marca Honda, modelo Concerto. Realizado o julgamento, foram dados como não provados os factos ilícitos típicos imputados aos referidos arguidos e, na sequência da absolvição, veio o tribunal “a quo” a deliberar não haver fundamento para declarar a perda daqueles veículos, ordenando a sua restituição àqueles arguidos. Porém, a decisão, nesse aspecto, não pode subsistir. É que, nos termos do art. 186.º, n.º 2 do CPP, os objectos apreendidos, uma vez transitada em julgado a decisão, serão restituídos a quem de direito. Ora, os veículos em causa, como decorre dos autos de apreensão de fls. 407 e 408 e documentação de fls. 443 a 455, 754 e 755, não estavam registados em nome dos arguidos, sendo que estes não regularizaram a situação jurídica relativa aos mesmos, no que diz respeito a actualização registral, no prazo de 60 dias, contados pelo menos da data da apreensão. Assim, não podiam os mesmos ser restituídos sem mais aos arguidos, em conformidade com o preceituado no citado dispositivo do CPP, em articulação com o disposto no art. 162.º, alínea e) do Código da Estrada e em conjugação com os arts. 1.º, 3.º e 5.º do DL 54/75, de 12/2, na redacção do DL 178-A/2005, de 28/10 e 42.º do Regulamento do Registo Automóvel, aprovado pelo DL 55/75, de 12/2, também nos termos da redacção do DL 178-A/2005. De acordo, com os arts. 1.º, 3.º e 5.º do DL 54/75, o registo destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos veículos, sendo considerados como tais os veículos a motor, e estando sujeitos a registo os actos indicados no art. 5.º, tais como o direito de propriedade e de usufruto, a reserva de propriedade e a locação e direitos dela emergentes. Em conformidade com o citado art. 42.º DL 55/75, o registo obrigatório deve ser requerido no prazo de 60 dias a contar da data do facto. Deste modo, os veículos só deveriam ser entregues “ a quem de direito”, como determina o referido art. 186.º, n.º 2 do CPP, isto é a quem provasse ser proprietário deles ou titular de um qualquer direito real ou de gozo, tal como os indicados. O recurso interposto procede, por consequência. III. DECISÃO 8. Nestes termos, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando a decisão recorrida na parte em que ordenou a entrega dos veículos QG-00-00, de marca Honda, modelo Prelude, e 00-00-AD, de marca Honda, modelo Concerto, respectivamente a CC e DD, e determinando que os referidos veículos sejam restituídos a quem de direito, provando ser seu proprietário ou titular de qualquer direito real ou de gozo sobre os mesmos, nos termos assinalados no número precedente. Sem custas. Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Dezembro de 2006 Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor Maia Costa |