Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P3190
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: SJ200311050031903
Data do Acordão: 11/05/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL MARINHA GRANDE
Processo no Tribunal Recurso: 144/02
Data: 07/11/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em processo comum sob o n.º 144/02.4.PAMGR, do Tribunal Judicial da Marinha Grande, com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento A, devidamente identificado nos autos, vindo, a final, a ser condenado como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º n.º 1, do Dec.º-Lei n.º 15/93, de 22/1, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

I. Inconformado com o teor do decidido, recorre o arguido apresentando na motivação as seguintes conclusões:

Da matéria de facto ressalta provado que ao arguido foi apreendida uma reduzida quantidade de droga e que vendeu heroína entre Junho de 2002 e a data em que foi detido, em 11.10.2002.

Ficou igualmente provado que o arguido é tóxico dependente há pelo menos 5 anos.

O arguido vendia droga para adquirir novamente heroína.

Vivia numa casa abandonada numa situação que raiava a mais completa miséria.

Nada leva a concluir que o arguido não era mais do que uma vítima de sua própria toxicodependência.

Não se provaram mais factos, de censurar ao arguido, passíveis de fazer um juízo de particular severidade, à excepção de que vendeu heroína entre Junho e Outubro de 2002.

A conduta do arguido é subsumível, pelo menos, à previsão do art.º 25.º n.º 1, do Dec.º-Lei n.º 15/93, de 22/1.

O arguido não era mais do que um pequeníssimo traficante que se via na necessidade de recorrer a tal actividade para satisfazer o seu vício de mais de 5 anos de consumidor, justificando-se outro enquadramento jurídico face à quantidade qualidade dos produtos.

O arguido é primário e revelou-se colaborante no julgamento tendo confessado os factos.

A pena de 4 anos é manifestamente exagerada, não devendo ir além dos 2 anos de prisão, suspensos na sua execução.

A decisão violou o disposto nos art.ºs 21.º e 25.º do Dec.º-Lei n.º 15/93, de 22/1, 50.º n.º1 e 71.º, do CP.

II.O Exm.ºProcurador Adjunto defende o acerto da decisão recorrida.

III.A Exm.ª Procuradora Geral-Adjunta neste STJ emitiu parecer no sentido de se designar dia para julgamento.

IV.Colhidos os legais vistos, e realizada a audiência, cumpre decidir.

O factualismo assente em julgamento e a considerar na revista é o seguinte:

Desde Junho de 2002 até 11 de Outubro de 2002, o arguido vendeu heroína.

Para tanto, deslocava-se diariamente ao Casal do Malta nesta cidade e área desta comarca da Marinha Grande e permanecia na Praceta..., nas imediações do estabelecimento comercial "Café....", onde procedia à entrega de doses de heroína, aos consumidores que o contactavam para o efeito, recebendo em troca €10 (dez euros) por cada dose.

Tendo sido referenciado pela PSP /BAC da Marinha Grande, foi montada uma operação de vigilância ao arguido no âmbito do combate ao tráfico de estupefacientes.

Na sequência dessa operação, que decorreu, designadamente, no dias 5 de Junho de 2002, 9, 24 e 30 de Setembro de 2002 e 11 de Outubro de 2002, foi detectada a presença do arguido no local acima indicada, sendo abordado por diversos indivíduos a quem entregava embalagens de heroína e recebia, por sua vez, certa quantia em dinheiro.

O arguido foi detido em 11 de Outubro de 2002, tendo sido encontradas e apreendidas na sua posse 10 (dez) embalagens contendo heroína, fenobarbital e diazepam, com o peso global de 1, 672 grs.

Foram, ainda, apreendidos na sua posse a quantia de € 49, 02 (quarenta euros e dois cêntimos), proveniente da venda de produtos estupefacientes e um telemóvel de marca Nokia, modelo 5110.

Desde Junho de 2002 até ao momento da sua detenção o arguido não exerceu qualquer actividade profissional e retirava da venda de heroína os proventos ao seu sustento.

O arguido conhecia a natureza e as características dos produtos estupefacientes e, não obstante, quis adquiri-los para os vender a terceiros, bem sabendo que a sua venda, distribuição e detenção e cessão a qualquer título é proibida e por lei.

O arguido é consumidor de heroína desde, pelo menos, há cinco anos.

Na altura da sua detenção e durante vivia numa casa abandonada.

Antes de Junho de 2002 o arguido arrumava carros, tendo trabalhado ocasionalmente na construção civil.

Há cerca de 10 anos o arguido era mecânico de automóveis.

O arguido utilizava parte do dinheiro obtido com a venda do estupefaciente, para adquirir novamente heroína que consumia e vendia.

Nada consta no certificado do registo criminal do arguido.

V. O arguido coloca em crise, no recurso, a qualificação jurídico-penal adoptada no acórdão recorrido, de enquadrar no art.º 25.º, do Dec.º-Lei n.º 15/93, de 22/1, tipificando o crime de tráfico de estupefacientes, de menor gravidade, substituindo-se àquela por que se optou no acórdão impugnado, de configuração do crime de tráfico de estupefacientes na previsão no art.º 21.º n.º1, daquele diploma.

Assim cogita o arguido porque, diz, lhe foi apreendida uma reduzida quantidade de droga, que vendeu entre Junho de 2002 e a data da sua detenção (11.10.2002); é toxicodependente há mais de 5 anos; vendia droga para adquirir novamente heroína, não sendo mais do que um pequeníssimo traficante que se via na necessidade de recorrer a tal prática para satisfazer a sua toxicodependência, não denotando o procedimento do arguido a necessidade de um juízo de particular severidade, tudo a justificar a redução da pena aplicada de 4 para 2 anos de prisão, de suspender, considerando-se, ademais, que é primário e colaborou no julgamento confessando os factos.

VI.Vejamos o peso da argumentação jurídica que desenvolve, considerando-se, desde já a previsão do tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade, nos termos do art.º 25.º, do Dec.º-Lei n.º 15/93, de 22/1.

O acto humano é carregado de significado, sentido, de valor ou desvalor e a ilicitude penal expressa o grau de desvalor da acção; a contrariedade à lei penal; o seu carácter normativo decorre precisamente da contrariedade à norma penal, que contém a valoração jurídica segundo os diversos escalões, teoriza o Prof. Cavaleiro de Ferreira, in Direito Penal Português, I, 211, ed. Verbo, 82, UCP.

O tipo em causa tem como destinatárias as hipóteses factuais em que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída, tendo em conta, a valoração, nomeadamente, dos meios usados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade das plantas substâncias ou preparações.

O meio, a modalidade ou circunstância da acção, a quantidade e qualidade da planta substância ou preparação, são factos-índice, além de outros, da graduação da ilicitude, que, como deriva do texto legal, há-de reputar-se de consideravelmente diminuída.

O tipo legal é a resposta do legislador aos casos em que a intensidade da ilicitude penal não encontra na moldura penal do art.º 21.º, do Decº-Lei n.º 15/93, de 22/1, um tratamento proporcionado, justo e equitativo, como é jurisprudência uniforme, como se decidiu no Ac. deste STJ, de 12.7.2000, in BMJ 499, 121.

O tipo legal, erigido a partir do tipo-base do art.º 21.º do Dec.º-Lei n.º 15/93, de 22/1, pela adição daquelas cláusulas denunciadoras de ilicitude consideravelmente diminuída, surge, pois, como válvula de segurança do ordenamento jurídico para as hipóteses em que aqueles factos - índice globalmente valorados e concatenados justificam um tratamento penal de maior favor, emanação do princípio da proibição de excesso, que limita a compressão dos direitos fundamentais ao mínimo, fundando o crime privilegiado em apreço.

VII.O arguido vendeu heroína durante o período de Junho a 11.10.2001, mais de 4 meses, e essa venda teve lugar diariamente, a várias pessoas, nas imediações do Café..., da Marinha Grande, a inferir do teor literal do acórdão recorrido no capítulo dos factos provados, onde se escreve que o arguido ali " procedia à entrega de doses de heroína aos consumidores que o contactavam para o efeito, recebendo em troca o preço de € 10 (dez euros) por cada dose."

A sua conduta não se reconduz a uma acção isolada, mas a uma pluralidade de acções, reiteradas ao longo de 4 meses, repercutindo (cfr. fls. 513) a venda de 7 a 8 doses diárias, o que está longe de ser uma disseminação insignificante de droga, reflectindo um universo global de mais de uma ou mesmo duas as centenas de compradores e um ganho pecuniário elevado, no mínimo de 70 a 80 € diários.

Acresce que o arguido não exerceu qualquer actividade profissional ao longo daqueles mais de 4 meses ; do produto assim operado garantia a sua sobrevivência pessoal e adquiria estupefaciente para posterior revenda, o que espelha a dimensão do grau de afrontamento à lei.

Por outro lado, e para aquilatar do juízo de ilicitude a extrair dos factos, é de reter que o estupefaciente cedido onerosamente respeita a heroína, o mais pernicioso, pela dependência a que conduz, sendo universalmente vedado o seu uso na clínica médica.

No ano de 1986, por intermédio de B, directora do Departamento de Medicina Nuclear de Brookhaven National Laboratory, do Estado de Nova York, e de C, directora do Departamento de Imagem Médica, foi possível concluir sobre quais os danos provocados pelo consumo de heroína.

O álcool e a heroína, diversamente da cocaína, estimulam os receptores das células de dopamina, que é um neurotransmissor da sensação de prazer, substância química que viaja de célula em célula, de modo que essas células, estimuladas, saturadas de dopamina, desencadeiam uma sensação mais intensa do que no consumo da cocaína em que apenas é estimulado o transportador de dopamina, depositando-a na zona cerebral, "nucleus accumbens" - cfr. Revista Figaro Magazine, n.º 807, de 13/4 /86, artigo intitulado "Tabac, Alcool Drogue: Ce que, en pense le cerveau".

Por aqui se afere o grau de perigosidade à integridade, à saúde física dos consumidores, propiciado pela descrita conduta do arguido, pese embora a quantidade de estupefaciente detectada na sua posse (10 embalagens de heroína, contendo fenobarbital e diazepan, com o peso global de 1, 672 grs.) ser, sem dúvida, diminuta, mas a quantidade relevante e de considerar para efeitos incriminatórios é a totalmente cedida. E esta não pode considerar-se diminuta.

Nada autoriza a concluir que tráfico de menor gravidade o praticado pelo arguido, considerando a qualidade do estupefaciente cedido, o ganho realizado com a venda, a quantidade, levando em conta o tempo de vendas e o número a que, diariamente, procedeu, vivendo dessa maneira marginal à lei, em total desrespeito aos valores que com a incriminação se procura acautelar, com pertinência à saúde física e psíquica do consumidor, estabilidade familiar e social.

Alguns penalistas modernos assinalam nos valores jurídicos a proteger a liberdade individual e a ordem sócio-económica estabelecida - cfr. Derecho Penal, Parte Especial, 3.ª ed., de Cobo del Rosal, e outros, Valência 1990. Outros vão mesmo mais longe e referenciam como ofendida a própria humanidade, porque o tráfico de drogas é, reconhecidamente, um delito á escala planetária; a humanidade tem um problema, há que concordar que estão criadas condições de consumo e tráfico em qualquer lado.

E os agentes desse tráfico, mesmo sem o serem em larga escala, desempenham um relevante papel na disseminação dos estupefacientes, reclamando severidade no tratamento.

Não é mínima a ilicitude e nem consideravelmente diminuto o desvalor da acção típica, pelo que se mostra configurado o tipo legal de crime de tráfico simples de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º n.º1, do Dec.º-Lei n.º 15/93, de 22/1, tal como se acolheu no acórdão recorrido.

VIII. A Resolução n.º 46/99, de 22/4, do Conselho de Ministros, DR I Série-B, de 26/5/99, propõe diversas alterações no que concerne ao regime penal da droga, nelas se contando a redifinição da figura do traficante-consumidor, sobretudo quando ele não dedica em exclusivo o produto da droga ao alimentar da sua toxicodependência, mas reserva uma parte à satisfação das regras basilares da sua sobrevivência, porém essas alterações ainda não viram a luz do dia - cfr. BMJ 491, 100.

IX. A medida da pena:

A pena excessiva é um puro desperdício e inutilidade, por isso o legislador se encarrega no art.º 71.º, n.º 1, do CP, de definir os seus parâmetros; culpa e prevenção, interferindo, ainda, circunstâncias que não fazendo parte do tipo, agravam ou mitigam a responsabilidade criminal - n.º 2, do art.º 71.º, do CP.

A culpa, enquanto poder de agir de outro modo, não apenas seu pressuposto, mas critério e conteúdo, é o limite incontornável da pena, nos termos do art.º 40.º n.º 2, do CP.

Em caso algum essa vertente pessoal da pena pode ser excedida por considerações de prevenção geral ou especial, aquela a mais importante, já que o Estado não pode abdicar da prevenção geral dos delitos e duvidar disso seria, escreve com a sua indiscutível autoridade, Antolisei, "como pôr em dúvida a existência do sol" (cfr. Manual de Derecho Penal, Parte Geral, 494, Bogotá, 1988).

A função das penas é a de protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente, nos termos do art.º 40.º n.º 1, do CP.

A medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos e quando se tem em mente que o direito penal se propõe a protecção dos bens jurídicos não se tem em vista apenas a ameaça da pena, a inflição do terror pelo terror como instrumento da eficácia do sistema jurídico penal, mas também a tutela das expectativas da comunidade na manutenção senão revigoramento da norma violada, a tranquilização do tecido social em sobressalto, com o sentido de prevenção geral positiva ou de integração - cfr. Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 228, do Prof. Figueiredo Dias.

À prevenção geral pede-se um enunciado da medida óptima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, até se alcançar um limite mínimo abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente aquela função tutelar, cabendo à prevenção fornecer um espaço de liberdade ou indeterminação, dentro do qual não podem esquecer-se considerações de prevenção especial de socialização do agente.

O modelo de formação da pena, que reúne mais consenso e o repositório das ideias antes avançadas é aquele que assinala à pena funções de prevenção geral e especial, limitando-a a no seu máximo a medida da culpa, dentro deste limite máximo a pena é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração cujo limite superior é definido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro desta moldura de prevenção geral a pena é ainda função da prevenção especial em regra de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais, teorização traçada pelos Profs. Figueiredo Dias e Costa Andrade na obra Direito Penal-Questões Fundamentais - A Doutrina Geral do Crime, 1996, 120 - cfr. BMJ 494, 104.

X. O caso dos autos ao nível do doseamento da pena concreta merece o seguinte desenvolvimento: O arguido agiu com dolo intenso, directo, não ignorando o carácter proibido da venda, quis o facto e conhecia o carácter ilícito da sua acção, persistindo na sua prática ao longo de vários meses.

O grau de ilicitude é, igualmente, elevado.

Ao nível da prevenção geral as necessidades de prevenção são prementes, pela frequência com que o ilícito de tráfico de estupefacientes tem lugar, não só das drogas clássicas, mas das químicas ou sintéticas, pelo que a medida da pena não pode alienar-se de um sentido inibidor, dissuasor, que retiraria eficácia à norma violada a ser diferentemente.

A prevenção especial, com o significado de correcção do agente, faz-se sentir, também, em elevado grau, porque o arguido vem consumindo há, pelo menos, 5 anos, heroína e consumir droga foi crime e, actualmente, contraordenação, mas nem por isso acto censurável à face da lei.

Consumir é automarginalizar-se do meio social, é forçar os demais cidadãos a suportar o custo elevado de tratamento, é potenciar o risco de consumo de outras pessoas, também eles com aptidão para potenciais criminosos numa espiral sem fim.

No fundo não há liberdade social para o consumo de drogas, acto intolerável comunitariamente, como se escreveu o M.º Juiz Nuno Salpico, in Uma Perspectiva de Soluções e Respostas no Problema da Droga, Boletim da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Ano de 1999, Janeiro, 71.

E o consumo de drogas pelo arguido, na definição da imagem global do facto, em nada o abona, pois esse consumo é levado em conta como culpa na deficiente formação da personalidade, agravando a responsabilidade criminal, na esteira da orientação predominante deste STJ, como algo que está a montante do facto, próximo da "actio libera in causa " -art.º 20.º n.º 4, do CP.-, se bem que a ideia de rejeitar o consumo de drogas como atenuante, funcionando "in malam partem" do arguido, não deva funcionar, como agravante-regra, não diminuindo a culpa, na esteira de uma tendência deste STJ, representada pelo Ac. de 7.7.99, in BMJ 489, 106 e 107, tributária do entendimento doutrinário ensaiado modernamente no direito espanhol, afirmando que o consumo pode conduzir a situações de imputabilidade diminuída ou inimputabilidade ou mera atenuação sendo de rejeitar no consumo " una cadena intermitente pero sucessiva de actiones liberae in omittendo", sobretudo quando a perícia psiquiátrica e psicológica surpreendam razões de valoração positiva. Assim Nuria Castelló Nicas, in La Imputabilidade Penal del Drogodependiente, Ed. Gomares, Granada,, 1997, págs. 247 e 291 e segs.

XI. O arguido, que já teve ocupação profissional válida, pode, como com propriedade e nossa inteira concordância o Ex.mº Procurador Adjunto em 1.ª instância enfatiza, ser uma vítima da droga, o que não pode é concorrer para a desgraça e miséria alheias (da vítima e sua família), transformando os outros - sempre os eternos esquecidos pelos traficantes - naquilo que é.

A circunstância de ser delinquente primário nem sequer lhe averba bom comportamento anterior, como resulta do consumo de vários anos de heroína, sendo de muito reduzida valia.

E a confissão e a colaboração apregoadas em julgamento não vêm englobadas no elenco dos factos provados, mas a inferir da fundamentação decisória, a fls. 513, sempre terá produzido declaração com alguma utilidade, com algum pendor atenuativo, em julgamento, quando ali se afirma que em audiência disse vender 7 a 8 doses de heroína por dia.

Numa moldura penal abstracta de 4 a 12 anos de prisão, visto o circunstancialismo concreto da infracção, em que o peso das atenuantes é frouxo, ao fixar-se a pena no mínimo legal, fez-se uma correcta aplicação da lei, sendo aquela inteiramente justa e proporcionada, ainda suportada pela medida da culpa.

Maior benevolência não pode almejar face à gravidade dos factos em si e nas suas consequências, estando afastada a suspensão pretendida na execução da pena, desde logo porque a pena imposta de 4 anos de prisão tal proíbe, por ser superior a 3 anos, nos termos do art.º 50.º n.º1, do CP, como ainda porque este STJ tem firmado jurisprudência no sentido de que, face à gravidade do crime de tráfico de estupefacientes, a suspensão só em casos excepcionais é de decretar.

XII. Pelo exposto se nega provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.

Condena-se o arguido ao pagamento de 5 Uc,s de taxa de justiça, acrescendo a procuradoria de 1/3 a favor dos SSMJ.

Honorários ao Exmo. Defensor nomeado, a cargo do arguido, a adiantar pelo CGT, do montante de 5 UR's.

Lisboa, 5 de Novembro de 2003
Armindo Monteiro
Flores Ribeiro
Pires Salpico
Henriques Gaspar