Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | ARAÚJO BARROS | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO FRACÇÃO AUTÓNOMA PROPRIEDADE HORIZONTAL DESPESAS DE CONDOMÍNIO ESCRITURA PÚBLICA FORÇA PROBATÓRIA PLENA | ||
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Nº do Documento: | SJ200411180033447 | ||
Data do Acordão: | 11/18/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1272/04 | ||
Data: | 03/11/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | 1. Em contrato de arrendamento de fracção autónoma de um prédio em regime de propriedade horizontal pode o senhorio, por acordo com o arrendatário, transferir para este a obrigação de pagar as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum (despesas de condomínio). 2. Posto é que sejam cumpridos, no acordo, os requisitos formal e substancial exigidos pelo art. 41º do RAU: a) constar do texto escrito do contrato ou de um aditamento, também escrito, e assinado pelo arrendatário; reportar-se a edifícios cujas fracções autónomas se encontrem nas condições referidas no artigo 1415° do Código Civil, devidamente constituídos em propriedade horizontal; c) especificar, dentro dos limites do artigo 1424° do Código Civil, quais as despesas a cargo do arrendatário. 3. A especificação das despesas e dos encargos pode ser feita por remissão para regulamento, designadamente da propriedade horizontal, anexo ao contrato. 4. Se na escritura (cláusula 6ª do documento complementar) de celebração do contrato de arrendamento as partes clausularam que “por acordo subscrito pelas partes, ficam a cargo da inquilina todas as despesas correntes, necessárias à fruição das partes comuns do edifício em que se integra o local arrendado, nos termos previstos no art. 40º do RAU”, e o notário fez expressamente constar que arquivou “o citado documento complementar e acordo nele referido na cláusula 6ª, bem como exemplar do regulamento da propriedade horizontal a que se alude naquele documento complementar”, tem que se concluir que o acordo subscrito pela arrendatária, arquivado pelo notário juntamente com o regulamento da propriedade horizontal, existe nos termos certificados e serviu para especificar, em concreto, aquilo que as partes já haviam convencionado na cláusula 6ª do documento complementar da escritura. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A Massa Falida de "A", representada pelo seu liquidatário judicial, intentou no Tribunal Judicial de Oeiras acção declarativa, com processo na forma ordinária, contra “B, L.da” pedindo a resolução do contrato de arrendamento que celebrou com a ré relativamente à loja n° .... do Centro Comercial da Torre das Palmeiras e o consequente despejo, assim como o pagamento das rendas e das prestações de condomínio já vencidas. Alegou, em síntese, que deu de arrendamento à ré, para comércio, a referida loja e esta deixou de pagar a renda a partir de 1 de Maio de 1996, assim como as prestações do condomínio. Contestou a ré, sustentando essencialmente que pagou as quantias em dívida a título de rendas até à contestação e que nada deve de condomínio, uma vez que desde o início do arrendamento foi acordado entre o autor, a administração do condomínio e a ré, que esta forneceria todas as floreiras e plantas ornamentais que decoravam o Centro Comercial das Palmeiras e respectiva manutenção e ainda que, a troco destes serviços, ficava a ré isenta do pagamento do condomínio respeitante à loja. A autora replicou reafirmando o alegado na petição inicial e impugnou de facto e de direito as excepções alegadas pela ré. Exarado despacho saneador, condensado e instruído o processo, procedeu-se depois a julgamento, com decisão acerca da matéria de facto controvertida, vindo a final a ser proferida sentença que, julgando a acção procedente, em conformidade decidiu: a) decretar a resolução do contrato de 11 de Setembro de 1991 que tem por objecto a loja n° .... do Centro Comercial das Palmeiras, condenando a ré a despejá-la imediatamente; b) condenar a ré no pagamento das rendas vencidas desde Maio de 1996 até à data da entrada em juízo da petição inicial, no montante de 5.778.800$00 (28.824,53 Euros); c) condenar a ré no pagamento das rendas vencidas desde a entrada em juízo da petição inicial; d) condenar a ré a indemnizar a autora em valor equivalente ao das rendas correlativas ao período em que se mantenha a utilização do referido imóvel, após o trânsito da presente sentença e até efectivação do despejo; e) condenar a ré a indemnizar a autora no montante de 5.982.794$00 (29.842,05 Euros); f) condenar a ré a pagar à autora as prestações de condomínio relativas à loja identificada em a) vencidas e vincendas até à sua efectiva entrega. Inconformada com o assim decidido, apelou a ré, sem êxito embora, já que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 11 de Março de 2004, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Interpôs a mesma ré recurso de revista pugnando pelo provimento do recurso, para o que formulou as conclusões seguintes: 1. O acórdão recorrido ofendeu preceitos de direito substantivo, como sejam, as disposições dos artigos 41º e 42º do RAU, 1424º do Código Civil e princípios fundamentais substantivos. 2. Pois a ré foi condenada a pagar as despesas de prestações de condomínio, de uma forma errada, devido ao facto de ser nulo o acordo existente no documento complementar já mencionado anteriormente. 3. Por outro lado, sempre se dirá que a sentença violou o estipulado no art. 668º, alínea e), do CPC, por ter condenado a ré em quantidade superior ao pedido. Encontra-se assente em definitivo a seguinte matéria de facto: ii) - nos termos do mesmo acordo, a ré assumiu a obrigação de pagar... as despesas correntes, necessárias à fruição das partes comuns do “Centro Comercial das Palmeiras”... conforme o teor do clausulado sexto (tudo nos termos que melhor constam do documento de fls. 51 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzido); iii) - a renda mensal deveria ser paga no primeiro dia do mês anterior a que disser respeito, conforme clausulado terceiro do aludido documento de fls. 51; iv) - a renda relativa à fracção identificada, correspondente ao mês de Abril de 1996, bem como as subsequentes não foram pagas pela ré; v) - a quantia de 5.982.794$00, correspondente às prestações de condomínio devidas pela referida fracção, relativas aos meses de Maio de 1989 até Novembro de 2000, com excepção das correspondentes aos meses de Janeiro a Maio de 1992, não foi paga pela ré; vi) - desde o início do contrato ficou acordado entre o autor, a Administração do condomínio e a ré que seria esta a fornecer todas as floreiras e plantas ornamentais que decoravam o Centro Comercial das Palmeiras e respectiva manutenção onde a loja se encontra instalada e, por sua vez, a troco destes serviços a ré ficava isenta do pagamento das despesas de condomínio respeitantes à aludida loja; vii) a autora pôs fim a tal acordo a partir de Janeiro de 1989; viii) – de 1992 a 1997 a sociedade “Tipigal - Ideias e Promoções, L.da” efectuou o fornecimento e manutenção das aludidas floreiras e plantas ornamentais; ix) – a ré explora a loja em causa pelo menos desde Abril/Maio de 1989; x) - o valor da renda mensal relativa à fracção acima identificada era de 99.400$00, entre 01/05/96 e 01/12/96; xi) - e de 102.100$00 no ano de 1997; xii) – e o valor da renda, em 1998, era de 104.400$00;
É, em princípio, pelo teor das conclusões das alegações do recurso que se delimitam as questões a apreciar no respectivo âmbito (arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil). Nessa perspectiva colocam-se-nos tão só, objectivando a revista, as questões seguintes, de que importa conhecer: I. A nulidade da sentença (é assim que a questão aparece suscitada) por ter condenado a ré em quantidade superior ao pedido (nº 1, al. e), do art. 668º do C.Proc.Civil). II. A obrigação para a ré de pagamento das despesas de condomínio. Dispõe o art. 668º, nº 1, al. e), do C.Proc.Civil (prevenindo o incumprimento do comando contido no art. 661º, nº 1, do mesmo diploma) que é nula a sentença quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Esta nulidade, já imputada à sentença pela recorrente no recurso de apelação que interpôs, foi devidamente apreciada no acórdão recorrido, onde expressamente se refere que “aquele montante em que a ré foi condenada é exactamente igual àquele que consta do pedido formulado na petição inicial, pelo que não se descortina qualquer violação do disposto no artigo 668º, alínea e), do C.P.Civil, designadamente que a ré foi condenada em quantidade superior ou diversa do pedido” (fls. 260). Não pode, por isso, a recorrente como que ressuscitar a questão em sede de revista, porquanto a mesma, decidida definitivamente pela Relação (nesta parte o acórdão recorrido não foi impugnado) não é susceptível de reapreciação. Sustenta, doutro passo, a recorrente que não pode ser condenada a pagar o montante correspondente às despesas do condomínio pelo facto de ser nulo (nem mesmo existir) o acordo a que se alude no documento complementar da escritura de arrendamento, junto de fls. 62 a 65. Vejamos. Da escritura que titula o contrato de arrendamento celebrado entre autor e ré consta, além do mais já referido em i) da matéria de facto, que “o presente contrato se regerá pelas cláusulas constantes do documento complementar, elaborado nos termos do nº 2 do artigo 78º do Código do Notariado, que fica a fazer parte integrante desta escritura” (fls. 60). Nessa escritura fez o notário menção de que arquivou “o citado documento complementar e acordo nele referido na sua cláusula 6ª” e um “exemplar do regulamento de propriedade horizontal a que se (alude ?) na cláusula 8ª daquele documento complementar” (fls. 60). Do mencionado documento complementar (fls. 62 a 65) fizeram as partes constar, na cláusula 6ª que: “Por acordo subscrito pelas partes, ficam a cargo da inquilina todas as despesas correntes, necessárias à fruição das partes comuns do Centro Comercial das Palmeiras, em que se integra o local ora arrendado, nos termos previstos no artigo 40º do RAU, aprovado pelo Dec.lei nº 321-A/90, de 15 de Outubro. § 1º O acordo referido no corpo deste artigo consta de um documento que é anexo deste contrato, assinado pelas partes. § 2º No documento anexo referido no precedente parágrafo 1º, são especificadas as despesas, encargos, e demais condições exigíveis no art. 42º do RAU, em que as partes contratantes acordaram”. Acrescentando-se na cláusula 8ª do citado documento que “é parte integrante do presente contrato, devendo ser observado no que se refere ao local arrendado, o regulamento da propriedade horizontal do prédio de que é componente o mesmo local”. Ora, o art. 40° do RAU estabelece, como princípio geral, que “as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum podem, por acordo entre as partes, ficar a cargo do arrendatário”. E o subsequente artigo 41°, sob a epígrafe “Requisitos”, preceitua que: 1. O acordo referido no artigo anterior deve, sob pena de nulidade: a) Constar do texto escrito do contrato ou de um aditamento, também escrito, e assinado pelo arrendatário; b) Reportar-se a edifícios cujas fracções autónomas se encontrem nas condições referidas no artigo 1415° do Código Civil, devidamente constituídos em propriedade horizontal; c) Especificar, dentro dos limites do artigo 1424° do Código Civil (1), quais as despesas a cargo do arrendatário. 2 - A nulidade do acordo não prejudica a validade das restantes cláusulas do contrato. Finalmente, o artigo 42° (Especificação) refere o seguinte: 1- A especificação das despesas e dos encargos deve ser feita directamente ou por remissão para regulamento anexo ao contrato, nos termos n° 3 do artigo 8°. 2 - A especificação compreende, designadamente, a natureza dos encargos, a forma de proceder ao cálculo ou determinação do seu montante, o seu limite máximo e, quando seja o caso, as fórmulas de revisão ou de actualização. (…). Como claramente se infere da cláusula 6ª do documento complementar da escritura de arrendamento de fls. 51 e seguintes as partes convencionaram que “por acordo subscrito pelas partes, ficam a cargo da inquilina todas as despesas correntes, necessárias à fruição das partes comuns do Centro Comercial das Palmeiras, em que se integra o local ora arrendado, nos termos previstos no art. 40º do RAU” (cfr. fls. 63 e 64 e alínea i) da matéria de facto). Impõe-se obviamente interpretar esta cláusula 6ª com o inequívoco sentido de que a ré se quis obrigar ao pagamento das despesas do condomínio que, na ausência de estipulação, seriam da responsabilidade da autora. É certo, porém, e aqui reside o fundamento do recurso da ré, que o acordo subscrito pelas partes, a que se refere a cláusula 6ª do documento complementar, onde foram, no dizer dos contraentes, especificadas as despesas, encargos e demais condições exigíveis no art. 42º do RAU, não foi junto aos autos pela autora, a quem competia o ónus de alegar e provar que, ex contractu, nascera para a ré a obrigação de pagar as despesas do condomínio. Não pode, no entanto, por esse simples motivo, extrair-se a ilação (pretendida pela recorrente) de que tal acordo é nulo por não existir qualquer documento assinado pela ré a especificar as despesas do condomínio como é exigido pelo art. 42º do RAU. Na verdade, nos termos do nº 1 deste art. 42º, a especificação das despesas e dos encargos pode ser feita por remissão para regulamento anexo ao contrato, nos termos n° 3 do artigo 8°, designadamente para o regulamento da propriedade horizontal (cfr. alínea h) do nº 2 do citado art. 8º). De mais, a especificação das despesas e dos encargos obedece a dois requisitos: um formal e outro substancial (no âmbito deste último senhorio e arrendatário podem clausular as condições que entenderem, mas terão sempre de especificar) sendo certo que “a lei faculta às partes, para evitarem constantes comunicações (nº 4) fixar uma quantia a pagar mensalmente, sem prejuízo de eventuais acertos, nos precisos termos que deixarem acordados quando preencherem o requisito substancial (nº 3)”. (2). Ora, no acto de realização da escritura de arrendamento, o notário fez expressamente constar que arquivou “o citado documento complementar e acordo nele referido na sua cláusula 6ª”, bem como “exemplar do regulamento da propriedade horizontal a que se (alude ?) na cláusula 8ª daquele documento complementar”. Esta declaração, feita pelo notário no uso da sua competência, com base na sua percepção (na prossecução da sua actividade documentadora) goza de força probatória plena, servindo para, por si só, demonstrar os factos por ele atestados (arts. 369º, nº 1, 370º, nº 1 e 371º, nº 1, do C.Civil). Tem, pois, que se concluir que o acordo subscrito pela arrendatária, arquivado pelo notário juntamente com o regulamento da propriedade horizontal, existe nos termos certificados e serviu para especificar, em concreto, aquilo que as partes já haviam convencionado na cláusula 6ª do documento complementar da escritura. A ré obrigou-se, pois, ao pagamento das despesas do condomínio, em conformidade com a cláusula sexta, que remete expressamente para os termos previstos no artigo 40º do RAU (complementada pelo acordo de especificação e regulamento da propriedade horizontal arquivados na cartório notarial). Pelo que, desta forma, ao contrário do que pretende a recorrente, não pode imputar-se qualquer nulidade ao acordo anexo ao documento complementar, arquivado pelo notário que presidiu à escritura, porquanto estão verificados todos os requisitos exigidos pelo art. 41º, nº 1, do RAU. Consequentemente, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, 41° e 42° do RAU, tanto basta para concluir pela responsabilidade da ré de pagar as despesas do condomínio, cujo montante está, aliás, sobejamente provado. Termos em que, se decide: a) – julgar improcedente o recurso de revista interposto pela ré “B, L.da”; b) – confirmar o acórdão recorrido; c) – condenar a recorrente nas custas da revista. Lisboa, 18 de Novembro de 2004 2. Porém, as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos, ficam a cargo dos que delas se servem. |