Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
079685
Nº Convencional: JSTJ00010698
Relator: CABRAL DE ANDRADE
Descritores: ESPÉCIE DE RECURSO
NULIDADE DO CONTRATO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
RESTITUIÇÃO
RECURSO DE REVISTA
RECURSO DE AGRAVO
EFEITO SUSPENSIVO
DESERÇÃO DE RECURSO
ÂMBITO DO RECURSO
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CONTRATO DE EXPLORAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
PEDIDO
REIVINDICAÇÃO
Nº do Documento: SJ199106060796852
Data do Acordão: 06/06/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N408 ANO1991 PAG431
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 79
Data: 02/22/1990
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO. REVISTA.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO. NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: A REIS IN CPC ANOTADO V3 PAG353.
MANUEL DE ANDRADE IN NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL PAG297.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL.
DIR PROC CIV - RECURSOS.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 289 N1 ARTIGO 473 ARTIGO 483 N1 ARTIGO 1311.
CPC67 ARTIGO 193 N2 ARTIGO 288 D E ARTIGO 498 ARTIGO 510 ARTIGO 511 ARTIGO 721 N2 ARTIGO 722 N1 ARTIGO 722 N2 ARTIGO 754 ARTIGO 758.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1986/04/11 IN BMJ N356 PAG206.
ACÓRDÃO STJ DE 1986/07/04 IN BMJ N359 PAG587.
Sumário : I - A invocação unicamente de violação de normas processuais importa que a espécie correspondente ao recurso não seja a revista mas antes o agravo, com efeito suspensivo, âmbito em que deverá ser apreciado.
II - Não pode conhecer-se da matéria de uma conclusão não versada no contexto da alegação.
III - A deserção do recurso interposto do despacho que julgou extemporânea a contestação obsta a que se conheça de questão relacionada com a existência deste articulado.
IV - Está fora do objecto do recurso para o Supremo (revista ou agravo) o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.
V - Sendo a causa de pedir essencialmente a outorga de um contrato nulo de concessão de exploração de estabelecimento comercial, não pode proceder o pedido de indemnização que pressupõe um contrato válido e que deve ser formulado em acção própria (reivindicação) na qual se peça o reconhecimento do direito de propriedade do bem ocupado e se invoque a sua apropriação ilícita pelos réus, com os consequentes prejuízos.
VI - A restituição com base no enriquecimento sem causa pode proceder, com inclusão dos prejuízos sofridos, se estes forem equivalentes aos eventuais ganhos da exploração do estabelecimento arrendado por contrato nulo, os quais deverão ser alegados e provados.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
A intentou acção ordinaria contra B e C e mulher D para ver declarado que:
1 - ele e dono dos estabelecimentos comerciais instalados nas lojas ns. 9 e 17 do "Centro Comercial Bloco Dez" e
2 - que e nulo o contrato de cessão de exploração desses estabelecimentos que celebrou com os reus e ainda e tambem para que
3 - estes sejam condenados a restituir-lhe as lojas referidas e
4 - condenados mais a pagar-lhe a importancia de 6000000 escudos, a titulo de indemnização pelos prejuizos que sofreu com a ocupação das lojas pelos reus.
Os demandados não contestaram a acção dentro do prazo legal.
Proferida a sentença foram os reus absolvidos do pedido.
Esta sentença foi alterada sob recurso de apelação do autor, por acordão da Relação de Lisboa, a qual, julgando a acção procedente em parte, declarou nulo, por falta de forma, o contrato celebrado entre o autor e os reus e condenou estes a restituir aquela as lojas em que estão instalados os estabelecimentos comerciais em causa.
Ainda inconformado o autor recorre, agora, de revista, para este Supremo Tribunal e o mesmo fizeram os reus C e mulher.
Corridos os vistos legais, vem o processo, agora, para se decidir.
O que tudo visto:
Lendo as conclusões produzidas pelos recorrentes C e mulher verifica-se que nelas apenas se apontam os artigos 288 d) e e), 510 e 511, todos do Codigo de Processo Civil, como tendo sido violados pelo acordão recorrido.
Isto parece querer dizer que os recorrentes atacam a decisão da relação não porque entendam que ela não se mostra conforme ao direito substantivo, mas apenas porque a tem como proferida ao arrepio do direito adjectivo.
Ora, muito embora o acordão recorrido tivesse conhecido do merito, a verdade e que, agora, face ao que se contem nas conclusões da alegação dos recorrentes C e mulher, o recurso por eles interposto não pode caber na especie de revista em que foi recebido.
E que sendo o fundamento especifico da revista a violação da lei substantiva (artigo 721 n. 2 do Codigo de Processo Civil), sem embargo de acessoriamente poder tambem alegar-se a violação da lei de processo (artigo 722 n. 1 do Codigo de Processo Civil), o que e certo e que os recorrentes, ao alegarem para este recurso, apenas invocaram a violação da lei de processo.
Por isso, a especie que, nos termos do disposto nos artigos 721 ns. 1 e 2 e 754 do Codigo de Processo Civil, lhe cabe não e a de revista, em que foi recebido, mas a do agravo com efeito suspensivo - artigo 758 do mesmo Codigo de Processo Civil.
Como tal ele vai ser, pois, apreciado.
Debrucemo-nos, então, sobre este primeiro recurso.
São as seguintes as conclusões formuladas pelos recorrentes C e mulher, na sua alegação:
1 - a acção encontra-se contestada merce da junção de documentos idoneos;
2 - o autor litiga contra a verdade por si conhecida, pois sabe que as lojas em causa não estão na posse nem a ser exploradas pelos reus, mas sim pelas Sociedades "Fernandes, Henriques e Pessoa Lda" e "Telmo e Morais, Lda";
3 - logo, os reus devem ser absolvidos do pedido, ja que não são os ocupantes nem os exploradores das ditas lojas;
4 - o autor conhece todos estes factos e neles consentiu ou, pelos menos, não os impugnou ate hoje;
5 - e quando assim se não entenda, na pior das hipoteses, devera proceder-se a elaboração do respectivo questionario para em julgamento se apurar a verdade;
6 - violaram-se, assim, salvo o devido respeito, os artigos 510 e 511 do Codigo de Processo Civil e o douto Tribunal da Relação esta a fazer tabua raza do artigo 288 d e e), pois que devia considerar ilegitimos os reus e julgar procedente a invocada excepção de aos reus ser impossivel a entrega da loja, pelo simples facto de a mesma lhes ter sido ja ha muito retirada pela proprietaria "Partipim - Explorações e Investimentos Comerciais, Limitada".
7 - foi a primeira instancia a que melhor aplicou a lei, devendo revogar-se o acordão recorrido.
Na contra-alegação, o recorrido manifestou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Vejamos, então.
Os recorrentes C e mulher afirmam na sua primeira conclusão que a acção foi contestada com a junção de documentos idoneos.
A materia desta conclusão não pode porem, ser considerada agora, neste recurso.
Em primeiro lugar porque não pode conhecer-se da materia de uma conclusão que não foi versada no contexto da alegação. E aqui ela não o foi.
E depois, porque tendo o Exmo. Juiz da 1 instancia decidido que a contestação apresentada pelos reus foi extemporanea, razão por que a mesma e os documentos com ela juntos foram mandados desentranhar dos autos, não podem ja aqueles reus vir discutir, agora, se houve ou não contestação, pois o recurso que eles interpuseram do despacho que decidiu da extemporaneidade da contestação foi julgado deserto por falta de alegação.
Improcede, assim, esta primeira conclusão.
E quanto as outras adiante-se ja que tambem o resultado não pode ser diferente.
E porque?
E que não cabe na competencia do Supremo Tribunal de Justiça e esta, por isso, fora do objecto do recurso o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, bem como a pronuncia sobre a inclusão ou exclusão de factos no questionario e ate se ha lugar a sua elaboração - v. acordão deste Tribunal de 11/4/86, no Bol. n. 356, paginas 206. 4.
E neste recurso - que ja dissemos ser de agravo - este Supremo Tribunal esta limitado quanto ao conhecimento da materia de facto nos mesmos termos em que o esta ao julgar a revista - v. acordão deste Supremo de 4 de Julho de 1986 no Boletim n. 359, paginas 587.
Ora, aquilo que se contem nas conclusões 2 a 6 da alegação dos recorrentes C e mulher respeita claramente a materia de facto, que este Supremo Tribunal não pode conhecer, competindo-lhe somente decidir questões de direito, com as excepções previstas no n. 2 do art. 722 do Codigo de Processo Civil.
O que, agora, não ocorre.
Não se mostra, na verdade, que a lei tenha sido ofendida pela especie de prova produzida ou que a força probatoria dos meios empregados tenha sido desrespeitada.
Mas vejamos pois os factos que a Relação teve como provados. São estes:
Por escrito particular de 25/10/1980 a sociedade "Partipim - Exploração e Investimentos Comerciais, Lda." acordou com o autor subarrendar-lhe a loja n. 9 integrada no complexo denominado "Centro Comercial Bloco Dez".
Por escrito particular tambem e da mesma data aquela sociedade subarrendou ao autor a loja n. 17 daquele Centro Comercial.
Entretanto, por escrito particular tambem de 25/10/80 o A. entregou a exploração dos estabelecimentos comerciais instalados nas referidas lojas ns. 9 e 17 aos reus. Estes deixaram de pagar ao autor as importancias a que se haviam obrigado. Apenas pagaram tres prestações de 155000 escudos cada, correspondente aos meses de Fevereiro, Março e Abril de 1981, no total de 465000 escudos.
Desde Maio de 81 que os reus ocupam as lojas sem que para tal possuam qualquer titulo em que fundem essa ocupação.
Desde esse mes de Maio de 1981 que o autor não aufere qualquer rendimento daqueles estabelecimentos.
Se os reus tivessem pago as quantias a que se obrigaram e tendo em consideração o prazo de vigencia do contrato ate 30 de Abril de 1984, o autor ja teria recebido a quantia global de 7306600 escudos.
Mas ele apenas recebeu aqueles 465000 escudos, das rendas referentes aos meses de Fevereiro, Março e Abril de 1981.
E se ate final do ano de 1984, em 1985 e nos primeiros meses de 1986 os reus tivessem pago ao autor, ainda que tendo por base a menor das prestações do contrato, teria este auferido o rendimento de 3282500 escudos.
Os reus tem pago, no entanto, a locataria "Partipim" as rendas devidas pelo autor aquela, pelo que o autor deixou de receber dos reus apenas cerca de 6000000 de escudos.
Os reus sabem que ocupam e exploram os estabelecimentos comerciais sem qualquer titulo em que se fundamentem, contra a vontade e com a oposição do autor e sem pagar a este o que quer que seja.
Os reus recusam-se a entregar as lojas ao autor.
Pois bem.
E com isto que a Relação considerou como sendo a materia de facto assente - que ha que julgar os recursos.
Vejamos, então.
Relativamente ao recurso dos reus C e mulher o mesmo não pode ser provido.
E que - como dissemos - tendo sido invocada tão so a violação da lei de processo, ja vimos que isso não se verificou.
Não foram, com efeito, desrespeitados, com a prolacção do acordão recorrido, os artigos 510 e 511 do Codigo de Processo Civil.
E não o foi tambem o que se prescreve nas alineas d) e e) do artigo 288 do mesmo Codigo.
A legitimidade dos reus foi declarada, em termos definitivos, no despacho saneador e não pode, por isso, ja ser questionada.
E na contestação que apresentaram os recorrentes não deduziram defesa por excepção, tendo apenas, para alem da materia de impugnação, invocando a nulidade da citação... não a deles, mas a do co-reu B, questão que não obteve qualquer exito.
Não podendo ser provido, portanto, este recurso, vejamos, agora, a revista do autor.
São as seguintes as conclusões que ele formulou na sua alegação:
1 - os recorridos ocupam, desde Maio de 1981, dois estabelecimentos comerciais, pertencentes ao recorrente e identificados nos autos, sem que para tal possuam qualquer titulo em que fundem essa ocupação;
2 - fazem-no - e disso tem conhecimento - contra a vontade e com a oposição do recorrente e sem pagar a este o que quer que seja;
3 - tudo isso, desde Maio de 1981;
4 - desde Maio de 1981 ate a data de propositura da acção, o recorrente sofreu um prejuizo de 6000 contos em virtude dessa ocupação;
5 - essa ocupação e ilicita desde Maio de 1981;
6 - os recorridos agiram com culpa;
7 - verificam-se os demais pressupostos da obrigação de indemnizar;
8 - os recorridos devem, assim, ser condenados a pagar ao recorrente a quantia de 6000 contos, a titulo de indemnização pelos provados prejuizos e contabilizados desde Maio de 1981 ate a data da propositura da acção;
9 - se assim não se entender, deverão os recorridos ser condenados a restituir ao recorrente o montante do seu enriquecimento, no valor de 6000 contos, nos termos dos artigos 473 e seguintes do Codigo Civil, por se verificarem igualmente os requisitos do enriquecimento sem causa, que subsidiariamente se invocou;
10 - o douto acordão recorrido, não tendo julgado a acção inteiramente procedente, violou ou, salvo o devido respeito, não fez correcta interpretação do disposto, designadamente, nos artigos 473 e seguintes e 483 n. 1 do Codigo Civil.
Ora bem.
Como vimos, ficou provado que o autor e dono dos estabelecimentos comerciais existentes nas lojas ns. 9 e 17 do "Centro Comercial Bloco, Dez", cuja exploração ele cedeu aos reus.
Ele e subarrendatario destas lojas, sendo arrendataria delas a sociedade "Partipim - Exploração e Investimentos Comerciais, lda".
Tendo a Relação declarado a nulidade do contrato de cessão da exploração dos estabelecimentos, por falta de forma, foi, em consequencia, ordenada a restituição deles ao autor.
Este, pretende, porem, que para alem dessa restituição, tem direito a uma indemnização por prejuizos sofridos.
No douto acordão recorrido a Relação, contudo, entendeu não haver lugar a qualquer indemnização.
E porque?
Em primeiro lugar, porque enquanto o autor não se opos a continuação da exploração dos estabelecimentos pelos reus não podia haver culpa - requisito essencial, nos termos do artigo 483 n. 1 do Codigo Civil, para haver lugar a indemnização - por a exploração deles derivar de um contrato que celebraram com o autor.
E, depois, porque muito embora ja a pudesse haver a partir do momento em que o autor passou a opor-se a detenção dos estabelecimentos pelos reus - o que implicava da parte deles a pratica de um acto ilicito
- o autor não provou, todavia, o momento em que se iniciou essa oposição.
E se ela surgiu apenas com a propositura desta acção não podera, então, haver lugar a indemnização porque o autor apenas pediu o ressarcimento dos prejuizos sofridos ate a instauração dela. E so destes, naturalmente pode o tribunal conhecer.
Estas as razões porque a Relação julgou improcedente este pedido do autor.
Vejamos, então.
A decisão do acordão recorrido baseou-se, essencialmente, no facto de os reus estarem na posse e exploração dos estabelecimentos do autor em virtude de um contrato nulo de locação dos mesmos.
Esta decisão revogou em parte a da 1 instancia, que julgara a acção totalmente improcedente.
Agora, em recurso de revista, o autor pretende a revogação do acordão impugnado, na parte em que julgou improcedente o pedido de indemnização.
E como ao recurso de agravo dos reus vai ser negado provimento, como salientamos ja, e o autor apenas impugnou o acordão da Relação quanto a improcedencia do pedido indemnizatorio, ha que ver que quanto a nulidade que foi declarada do contrato de cessão de exploração dos estabelecimentos comerciais e restituição deles ao seu dono, a decisão tornou-se definitiva, ja não podendo, agora, ser discutida.
Pois bem.
A causa foi concebida e estruturada na base de um contrato de cessão de exploração de dois estabelecimentos comerciais, contrato outorgado, por mero escrito particular, em 25 de Outubro de 1980, e ainda na do não cumprimento desse contrato por parte dos cessionarios.
Este contrato - como vimos - foi declarado nulo.
O autor, invocando esta nulidade, formulou, no entanto, pedidos que pressupõem a validade do contrato.
E o que sucede, justamente, por exemplo, com o pedido de condenação dos reus em indemnização, que se apoia na violação do contrato traduzida no não pagamento de rendas, na não entrega dos estabelecimentos e nos prejuizos decorrentes do facto.
A nova lei adjectiva consagra o principio da substanciação, segundo o qual o objecto da acção e o pedido, mas definido ele atraves de certa causa de pedir - conforme A. Reis, Codigo de Processo Civil Anotado, 3, paginas 353, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, paginas 297 e Castro Mendes, Manual de Processo Civil, 1963, paginas 299.
E isto, alias, que resulta, designadamente, do disposto nos artigos 193 n. 2 e 498 do Codigo de Processo Civil.
Ora, se a causa de pedir e essencialmente a outorga de um contrato nulo de concessão de exploração de estabelecimentos comerciais os pedidos, que pressupõem um contrato valido, necessariamente que tem de improceder.
Na verdade, um contrato nulo e com nada juridico que so nos casos expressamente prevenidos pode alterar a situação de direito preexistente.
A pretensão do autor ao pagamento de uma indemnização e, para poder vingar, tinha assim, de fundar-se no direito de propriedade do respectivo titular e na sua violação por outrem.
Ele teria de invocar a apropriação ilicita dos estabelecimentos por parte dos reus e pedir o reconhecimento da sua propriedade e a consequente restituição e indemnização por prejuizos, porventura, sofridos. Teria, em suma, de intentar a chamada acção de revindicação, nos termos do artigos 1311 do Codigo Civil - v. a Revista de Legislação e Jurisprudencia, ano
88, paginas 188.
Mas em vez de uma acção desse tipo o autor propos numa outra acção partindo do pressuposto errado de que os reus cessionarios estavam obrigados ao cumprimento do contrato e a responsabilidade por perdas e danos decorrentes do seu não cumprimento.
Numa acção como aquela que o autor intentou e em que ele pede o pagamento de uma indemnização decorrente do incumprimento do negocio, a sua pretensão so podia vingar se assentasse na validade do contrato validade essa, que ja vimos não ter existido, sendo o proprio autor a invocar, na petição inicial, a nulidade do contrato, que foi ja declarada pela Relação.
Parece, assim, que por aqui o pedido de indemnização não pode proceder.
Mas o autor invoca ainda, em seu favor, o enriquecimento dos reus a sua custa, sem causa justificativa.
Vejamos, então, se ele podera beneficiar do que se dispõe nos artigos 473 e seguintes do Codigo Civil.
Estabelece o artigo 289 n. 1 tambem deste Codigo que "tanto a declaração de nulidade como a anulação do negocio tem efeito retroactivo, devendo ser restituido tendo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em especie não for possivel, o valor correspondente".
E, afinal, a doutrina que se harmoniza com o velho brocardo latino "prod nullum est, nulluns efectum producit".
Isto quer dizer que se o negocio for cumprido, devem as coisas voltar ao "statu pro ante".
Para justificar esta solução, quanto a restituição, e frequente invocarem-se as regras do enriquecimento sem causa, pois a prestação feita em cumprimento de um contrato nulo ou anulavel e depois anulado e uma prestação do indevido - v. Revista de Legislação e Jurisprudencia, anos 102, paginas 363 e 106, paginas 312.
Julgamos, porem, que não se trata, aqui, em bom rigor, de um enriquecimento sem causa, pois que não se da então uma atribuição patrimonial sem causa, mas o que se verifica e, antes, uma nulidade ou anulabilidade com as quais os efeitos do negocio se não produzem ou podem não se produzir - conforme Vaz Serra, Enriquecimento
Sem Causa, no Boletim n. 81, paginas 34.
Não obstante não se tratar, em bom rigor, de um enriquecimento sem causa, ha quem tenha defendido que a restituição prescrita no n. 1 daquele artigo 289 deve estar sujeita as normas proprias do enriquecimento sem causa - conforme Rui de Alarcão, no Boletim n. 89, paginas 238.
E esta posição, que não nos repugna, parece ser de aceitar.
Repare-se, todavia, que a restituição prevista no artigo
289 n. 1 do Codigo Civil vai mais longe do que aquela que decorre do enriquecimento sem causa.
E que aquela restituição deve ter lugar mesmo que não se verifiquem os requisitos do enriquecimento sem causa, pois cada uma das partes fica obrigada a restituir tudo o que recebeu e não apenas aquilo com que se locupletou - conforme Mota Pinto, Teoria Geral, pagina 365.
Pois bem.
Sendo assim, ha lugar, por parte dos reus, a restituição de tudo que receberam do autor.
Mas - acentue-se - isto não tem o sentido de qualquer indemnização.
Tendo-se feito a cedencia da exploração de estabelecimentos comerciais e devendo estes ser considerados como um todo, como numa universalidade, como numa unidade economica mais ou menos complexa, e evidente que os resultados da sua exploração não podiam deixar de ser tambem considerados.
E que a cessão temporaria da universalidade de direito que e o estabelecimento comercial e uma operação essencialmente diversa do arrendamento do imovel onde o estabelecimento se encontra instalado e do aluguer das coisas moveis que, porventura, nele existam a data do contrato.
Acontece, porem, que os resultados da exploração dos estabelecimentos em causa não se sabe quais foram, designadamente se eles apresentaram um saldo positivo ou negativo.
A este respeito o autor nada articulou na sua petição inicial e tambem as instancias nada deram como provado quanto a isso.
Não se sabe, assim, se a exploração dos estabelecimentos teve resultados positivos ou se os teve negativos.
E, como e evidente, na hipotese em apreço, so interessavam os positivos. So então poderia haver lugar a obrigação de restituir, decorrente da nulidade do contrato.
E não pode o apuramento de tal resultado remeter-se para liquidação em execução de sentença, pois que isso so seria possivel para se quantificar aquilo que na acção declarativa se tivesse apurado que existe.
E não ficou apurado - repete-se - que a exploração dos estabelecimentos em causa se tivesse saldado por resultados positivos.
Seja, porem, como for, o autor não pode pretender receber, agora, o que quer que seja mais dos reus.
O pedido indemnizatorio que formulou não tem cabimento nos termos em que estruturou a acção e no que toca a restituição decorrente da nulidade declarada dos contratos que celebrou com os reus, não provou - repete-se - como lhe cumpria, factos que a possibilitem.
Por todo o exposto decide-se:
- negar provimento ao agravo dos reus;
- negar tambem a revista do autor, confirmando-se, por isso, o douto acordão recorrido, embora por fundamentos diversos dos invocados no mesmo;
- condenar os reus nas custas do agravo e o autor nas de revista.
Lisboa, 6 de Junho de 1991.
Cabral de Andrade;
Ricardo da Velha;
Moreira Mateus.