Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00017286 | ||
Relator: | FERREIRA VIDIGAL | ||
Descritores: | ÂMBITO DO RECURSO REFORMATIO IN PEJUS VEÍCULO AUTOMÓVEL CHAPA DE MATRÍCULA ALTERAÇÃO FALSIFICAÇÃO DE MATRÍCULA DE VEÍCULO FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO ESSENCIAL AO VEÍCULO PERDA A FAVOR DO ESTADO | ||
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Nº do Documento: | SJ199210280430473 | ||
Data do Acordão: | 10/28/1992 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N420 ANO1992 PAG283 | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 491/91 | ||
Data: | 10/23/1991 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR PROC PENAL. DIR CRIM - CRIM C/ESTADO. | ||
Legislação Nacional: | CPP29 ARTIGO 663 ARTIGO 665 ARTIGO 666 ARTIGO 667. CP82 ARTIGO 107 ARTIGO 109 N2 ARTIGO 228 ARTIGO 229 N1 A B N2 N3. CE54 ARTIGO 43 N1 N3 ARTIGO 63. CP886 ARTIGO 75. DL 400/82 DE 1982/09/23 ARTIGO 6 N1. | ||
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Sumário : | I - Não havendo regras para a limitação do recurso no Código de Processo Penal de 1929, há que estender o exame do recurso a toda a decisão, sem porém, ofender a parte já decidida a favor do réu, em ordem ao princípio da "reformatio in pujus". II - Tem entendido o Supremo Tribunal Justiça que a alteração do número do motor de um veículo, bem como a da respectiva chapa da matrícula, verificando-se os demais requisitos de ordem subjectiva requeridos para o efeito, integram o crime de falsificação de documentos previsto e punido no artigo 228 e 229 do Código Penal, sendo que o número e a chapa são equiparáveis a documentos, por serem elementos essenciais à identificação do veículo de que fazem parte. III - Havendo crime de falsificação de documentos de um veículo automóvel é de decretar a perda do mesmo a favor do Estado nos termos do artigo 109 n. 2 do Código referido, e não apenas das peças falsificadas, uma vez que um automóvel é uma coisa indivisível, isto é, uma coisa que não pode ser fraccionada sem alteração da sua substância, sem diminuição do respectivo valor e sem prejuízo para o uso a que se destina. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Jurisdição Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: Pelo Colectivo do Círculo Judicial de Lamego, mediante acusação do Ministério Público, foi condenado atenuadamente, nos termos dos artigos 73 e 74 do Código Penal, como autor de dois crimes de falsificação, o primeiro previsto e punido pelo artigo 228 ns. 1, alínea a), e 2 e 229 do mesmo Código, e o segundo apenas pelo n. 1 alínea a) daquele artigo 228, nas penas respectivas de 1 ano de prisão e 20 dias de multa à taxa diária de 500 escudos, na alternativa de 13 dias de prisão, e em 6 meses de prisão substituída por multa à já dita taxa, e em mais 15 dias de multa a igual taxa, A, nascido a 24 de Agosto de 1957, com os demais sinais dos autos. De acordo com o artigo 13 n. 1, alínea b), da Lei 16/86 de 11 de Junho, foi havida como perdoada aquela pena de 1 ano de prisão. Efectuado o cúmulo jurídico das penas remanescentes, ficou o arguido condenado na pena única de 215 dias de multa àquela taxa diária de 500 escudos, na alternativa de 143 dias de prisão. Foi declarado perdido a favor do Estado o veículo automóvel cuja matrícula e motor haviam sido transferidos de outro veículo. Recorreu o réu para a Relação do Porto na qual, por acórdão de 23 de Outubro de 1991, foi negado provimento ao recurso mas decidido também ordenar que a decisão recorrida não fosse transcrita no certificado do registo criminal do recorrente quando tal documento fosse requerido para fins não penais, ao mesmo tempo que se reconheceu como amnistiado, de acordo com a alínea k) do artigo 1 da Lei 23/91, de 4 de Julho, metade do valor da pena de 20 dias de multa à taxa diária de 500 escudos. Ainda inconformado, o réu recorre agora para este Supremo Tribunal, impugnando o cometimento do crime de falsificação por que ainda está condenado, bem como o perdimento do dito veículo a favor do Estado. O Ministério Público, tanto na Relação como neste Tribunal, pronunciou-se pela manutenção do julgado. Foram colhidos os vistos dos EXmos. Conselheiros Adjuntos. Cumpre decidir. O Supremo Tribunal de Justiça, em via de recurso e em casos como o presente, funciona como tribunal de revista, apenas lhe cabendo a função de determinar se a solução jurídica por que se enveredou se coonesta face à factualidade adquirida pelas instâncias. Por outra banda, há que ponderar que, regendo-se os presentes autos, pela disciplina processual do Código de 1929 e não havendo neste repositório legal disposições expressas consagrando a limitação do âmbito dos recursos a uma parte da decisão recorrida, transcorrendo até dos seus artigos 663, 665 e 666 que os recursos abrangem toda a decisão, há que estender o exame a toda esta, sem prejuízo de que foi decidido e beneficia o recorrente, visto tratar-se nessa parte de matéria definitivamente adquirida em razão da proibição da "reformatio in pejus" - cfr. o artigo 667 do Código em causa. Mas vejamos quais os factos que vêm dados como apurados: Cerca do ano de 1980, o réu comprou a B, id. a folhas 19 v., o automóvel ligeiro de passageiros de marca "Opel", modelo "Manta" com a matrícula francesa - 451HC58, id. a folhas 39, que tinha o motor avariado, mas a carroceria em razoável estado de conservação; em data não apurada de 1983, o réu comprou a C, id. a folhas 28, um outro veículo da mesma marca e modelo, com a matrícula ..., quadro n. 58324213, com o motor n. 165-0201175, que se encontrava acidentado e com a carroceria danificada, mas com a parte mecânica em bom estado de funcionamento; depois, numa sua oficina, sita no lugar do Concilhô, freguesia de Souselo, concelho de Cinfães. Transferiu o motor e restante parte mecânica do ..., bem como as respectivas chapas de matrícula para o veículo 1HC58, tendo desta operação resultado o veículo descrito e examinado a folhas 23, o que ocorreu em data indeterminada de 1984 ou 1985; a 30 de Junho de 1986, o réu apresentou na Direcção de Viação do Norte, na cidade do Porto, um requerimento para inspecção do veículo em nome do mencionado C, cuja fotocópia se encontra a folhas 35, no qual desenhou a assinatura do C, imitando-a como se tivesse sido feita por este, o que ocorreu pouco antes da apresentação desse requerimento; agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua acção não era permitida por lei; o réu sabia que com a sua conduta prejudicava o Estado, ilucidando a vigilância das autoridades competentes; o réu antes de assinar o requerimento com o nome do C, procurou-o, pelo menos, uma vez e não o encontrou; fez declarações verdadeiras, espontâneas e propícias à descoberta da verdade; antes e depois destes factos, o réu era bem comportado, e mostrou-se seriamente arrependido; com a assinatura falsa, o réu pretendeu conseguir os documentos apreendidos do veículo ..., sem a intervenção do C; com a falsificação do carro, o réu pretendeu conseguir um carro a partir de dois danificados para o vender e gastar o produto em seu proveito; o reú tem a 6. classe; é dono da oficina onde só ele trabalha; vive com os pais que são reformados, em casa deles e sem pessoas a seu cargo. Faz o réu finca pé na afirmação de que havendo adquirido 2 veículos automóveis dos quais, portanto, se tornou proprietário, e tendo transferido o motor, restante parte mecânica e chapas de matrícula de um deles para o outro, obteve com o seu esforço e trabalho um terceiro veículo, em tudo semelhante ao modelo dos dois veículos utilizados, os quais ficaram sem utilidade. Assim sendo, não cometeu o pretenso crime de falsificação, por isso que as chapas de matrícula não são documento autêntico, não se confundindo com a matrícula-registo, esta sim, documento daquele tipo. Acresce, segundo alega, que o veículo novo nunca circulou na via pública. Quanto ao perdimento do veículo a favor do Estado diz que o mesmo não tem cabimento, por falta dos respectivos pressupostos, à face dos artigos 107 e 109 do Código Penal. Atendendo à data da prática dos factos, a apreensão e perda do veículo só poderia ter lugar segundo o regime especial estabelecido pelos artigos 43 e 63 do Código da Estrada. Ora, vejamos. Toda a argumentação expêndida pelo réu não convence e vai contra não só a correcta exegese dos preceitos como também está em oposição, até por aquela razão, com a jurisprudência que se tem firmado na matéria em discussão. Com efeito, sempre neste Supremo Tribunal, por razões e fundamentos que se torna ocioso repetir, sempre se afirmou que a alteração do número do motor de um veículo, bem como a da respectiva chapa de matrícula, suposto que se verifiquem os demais requisitos de ordem subjectiva exigidos para o efeito, integram o crime de falsificação previsto e punido pelo artigo 228, com referência ao artigo 229 ns. 1, alíneas a) e b), 2 e 3, por isso que tanto aquele número, como aquela chapa são equiparáveis a documentos, por serem elementos essenciais à identificação do veículo de que fazem parte. Também não é feliz a pretensão de que, atendendo à data dos factos, em matéria de apreensão do veículo e da declaração da sua perda a favor do Estado, seriam de aplicar as citadas normas do Código da Estrada. Aquele artigo 43, no seu n. 1, apenas provê sobre a apreensão de veículos a pedido da Direcção Geral de Viação, para hipóteses que não são as dos autos, enquanto no n. 3 do mesmo preceito se encara a apreensão de veículos automóveis que tenham dado causa a acidentes e não tenham seguro, o que também está fora da situação concreta que se nos depara. Portanto, a apreensão efectuada tinha total justificação para ser efectuada, como o foi, pela autoridade policial, por recurso às regras gerais sobre apreensão previstas no Código de Processo Penal de 1929. Quanto ao artigo 63 há que reconhecer, por um lado, a sua parcial revogação pelo artigo 107 do Código Penal, ao eliminar a denominada pena maior e, por outro lado, que a remissão que aí se faz para o artigo 75 do Código Penal (de 1886) deixou de ter sentido depois da revogação daquele diploma pelo artigo 6 n. 1 do Decreto-Lei 400/82, de 23 de Setembro, ou só se pode agora aceitar por remissão para as regras que actualmente regulam a perda de coisas ou direitos relacionados com o crime, ou sejam, os artigos 107 e seguintes do Código Penal. Sendo como é, uma vez que houve lugar à descrita falsificação, é de decretar a perda do veículo nos termos do artigo 109 n. 2 e não apenas das peças falsificadas, visto como um automóvel é uma coisa indivisivel, isto é, uma coisa que não pode ser fraccionada sem alteração da sua substância sem diminuição do respectivo valor e sem prejuízo para o uso a que se destina. Conclusão: Julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida. O recorrente pagará 15000 escudos a título de imposto de justiça e a procuradoria mínima. Fixam-se em 15000 escudos os honorários do defensor oficioso ora nomeado. Lisboa, 28 de Outubro de 1992. Ferreira Vidigal. Ferreira Dias. Pinto Bastos. |