Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | EMÉRICO SOARES | ||
| Descritores: | RETRIBUIÇÃO ÓNUS DA PROVA TRABALHO SUPLEMENTAR TRABALHO NOCTURNO COMPLEMENTO DE VENCIMENTO | ||
| Nº do Documento: | SJ200207040023964 | ||
| Data do Acordão: | 07/04/2002 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. | ||
| Indicações Eventuais: | |||
| Área Temática: | DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. | ||
| Legislação Nacional: | LCT69 ARTIGO 82 ARTIGO 84 N2 N3 ARTIGO 86. DL 88/96 DE 1996/07/03. AE/81 IN BTE N24 IS DE 1981/06/29 CLAUS151 N1. AE/96 IN BTE N21 IS DE 1996/06/08 CLAUS143 N1. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ PROC3841/00 4SEC DE 2001/05/16. | ||
| Sumário : | 1) - Recai sobre a entidade empregadora o ónus de provar que certa prestação que fez ao trabalhador ao seu serviço não tem a natureza de retribuição, competindo ao trabalhador em causa alegar e provar que tais pagamentos lhe foram feitos regular e periodicamente. 2) - Se, durante cerca de dezassete anos,o trabalhador nomeado para cargos de chefia, desempenhou, por razões inerentes a esses cargos, regular e periodicamente, trabalho suplementar e trabalho nocturno, dando origem a que lhe fossem pagas, também regular e periodicamente, as respectivas remunerações, tal regularidade e periodicidade das remunerações durante tão longo espaço de tempo, não podem deixar de ter criado no trabalhador a habituação do seu recebimento, levando-o a contar com a continuação do seu pagamento como se um complemento fosse do seu regular salário, afectando-o às suas necessidades permanentes e periódicas. 3) - Todavia, se o trabalhador deixou de exercer esse cargo de chefia, não obstante a empregadora, enquanto essas funções de chefia foram exercidas, estar obrigada a considerar que as remunerações do trabalhador, a título de trabalho extraordinário e trabalho nocturno, integravam a retribuição dele e a fazê-las repercutir no cálculo da remuneração de férias e dos subsídios, de férias e do Natal, tal obrigação cessou a partir do momento em que a empregadora determinou a cessação daquelas funções (que sempre foram exercidas ou interinamente ou no regime de comissão de serviço). | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: No Tribunal do Trabalho de Lisboa, A, com a identificação constante dos autos, instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário contra B, com sede, em Lisboa, pedindo a condenação desta Ré a pagar ao Autor: I - Todos os meses, para o futuro, acrescendo à sua remuneração base, um total de 73.012$00, referente às verbas referidas nos artº 14º e 16º da petição inicial e, retroactivamente, desde Junho de 1997 e desde Março de 1998, respectivamente, e até à data da sentença, as quantias de 41.149$00 e 31.863$00, que deverão ainda ser pagos no mês de Férias, respectivo Subsídio e Subsídio de Natal e perfazem a quantia de 785.836$00. Para tanto alegou o que a seguir se sintetiza: Tendo sido admitido para prestar serviço por conta e sob a autoridade da Ré em Maio de 1972, mantendo-se ao seu serviço ininterruptamente, em 7/01/80, foi nomeado, interinamente Chefe de Grupo do CTC 1,, em 17/06/81 foi nomeado Chefe de Secção de 2ª da EDL 1100/1200 e, em 29.3.82 foi nomeado Chefe de Grupo Nível 2 no CTCL, exercendo essas funções até Abril de 1997 altura em que delas foi exonerado. Essas funções que exerceu durante mais de 17 anos pressupunham que, por escala, efectuasse, mensal regular e periodicamente, trabalho extraordinário nocturno, que sempre lhe foi pago. Desde o mês de Junho de 1997, deixou de receber qualquer importância a título de trabalho extraordinário, pois, por facto atribuível à Ré, deixou de estar escalado para trabalho extraordinário a partir de Abril do mesmo ano, e, a partir de 1/04/98, deixou de efectuar trabalho nocturno, vendo o Autor com isso baixada a sua retribuição. A parte variável da sua retribuição relativa ao trabalho extraordinário foi, na média dos últimos doze meses (contados da propositura da acção) de 41.149$00 e a relativa ao trabalho nocturno, foi na média do mesmo período temporal, de 31.863$00..No cômputo da sua retribuição a Ré nunca considerou a parte variável da sua remuneração, recebendo, portanto a menos do que lhe era devido, em cada ano, o triplo das importâncias que, para cada ano, indica. Sobre cada uma dessas quantias incidem juros de mora à taxa legal. Contestou a Ré alegando fundamentalmente que as nomeações do A. no âmbito das quais o mesmo prestou trabalho extraordinário e trabalho nocturno foram efectuadas e exercidas ou interinamente ou em comissão de serviço, podendo esta, nos termos do regulamentado no AE/CTT, cessar por decisão unilateral da empresa; que não havia qualquer obrigação da Ré de escalar o A. para o trabalho suplementar nem qualquer obrigação em fixar-lhe horário nocturno, sendo que na retribuição do cargo que o Autor exerce não está incluído o pagamento dos respectivos subsídios; que após a exoneração do Autor do cargo que exercia em comissão de serviço continua o mesmo a receber, além do seu vencimento e diuturnidades o mais a que tem contratual e legalmente direito; que nunca pagou a nenhum trabalhador, nem decorre do AE/CTT o dever de pagar os subsídios peticionados, em férias, subsídio de férias nem de Natal. Conclui pela improcedência da acção. Saneado e condensado o processo, veio o Autor requerer (fls. 239) a eliminação do facto por si alegado no item 12º da petição inicial (ter, a partir de 01/04/ 1998, por determinação da Ré, deixado de efectuar trabalho nocturno) e que fosse retirado do ponto I do pedido, para o futuro, a verba referente a trabalho nocturno, mantendo-se contudo o pedido de condenação da Ré no pagamento daquela importância nos meses de férias, respectivo subsídio, e subsídio de Natal. Respondeu a Ré nos termos constantes de fls. 257 e 258, requerendo, a final, que se dê como provado, por confissão e por documentos, que o A. continua a prestar trabalho suplementar e nocturno e a receber os respectivos subsídios desde Junho de 1997 até à presente data, levando tal matéria à especificação. Realizado o julgamento, o questionário elaborado mereceu as respostas constantes do despacho de fls. 304, que não tiveram reclamações. Seguiu-se a prolação da sentença, constante de fls. 306 a 315, que, na procedência parcial da acção, condenou a Ré, B a pagar ao Autor "a quantia de 1.102.560$00, acrescida de juros de mora calculados sobre o montante das diferenças parcelares e desde as respectivas datas de vencimento, respectivamente, à taxa legal (actualmente de 7% ao ano), até integral pagamento". Inconformado, interpôs o A. recurso dessa decisão, recorrendo a Ré subordinadamente, sendo os recursos admitidos como de apelação, com efeito devolutivo o primeiro e suspensivo o segundo. Apreciando os recursos interpostos, a Relação de Lisboa, pelo douto acórdão de fls. 342 a 350, verso, julgou improcedente o recurso subordinado interposto pela Ré e, concedendo provimento ao recurso principal, interposto pelo Autor, revogou parcialmente a sentença recorrida, "na parte em que não integrou o pedido do A., de pagamento de horas extraordinárias no conceito jurídico de retribuição - e dele absolveu a R." e condenou esta nos termos que precedentemente explicitou. Novamente inconformada traz a Ré recurso desse acórdão para este Supremo Tribunal, recebido como de revista, subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Apresentando a sua alegação, finaliza-a a Recorrente com as seguintes numerosas, prolixas e repetitivas (da precedente alegação) conclusões: A) Vem o presente recurso interposto de todo o, aliás, douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que revoga, em parte, a Sentença proferida no Tribunal do Trabalho de Lisboa, condenando a R. a pagar ao A. os montantes peticionados pelo mesmo a titulo de diferenças de retribuição por prestação de trabalho suplementar e nocturno. Contra-alegou o Recorrido, concluindo nos termos seguintes: I - A lei não exige que o A. faça no processo prova da expectativa do recebimento das importâncias em causa (atitude intelectual e intima que só poderá ser provada pelos seus reflexos exteriores, necessariamente ocorrentes face á aceitação das importâncias pagas pela R.), mas tão só tais prestações ocorram com carácter de regularidade e periodicidade, do que foi feita prova no processo, tendo no vertente caso sido feita também prova da razão de ser da pretensão do A. II - A Recorrente não ilidiu a presunção estabelecida no n.º 3 do artº 82º da LCT. III - A falta de reclamação pontual de créditos no momento da sua constituição, não pode ser interpretada como aquiescência no trabalhador face ao prazo de prescrição estabelecido por lei para os créditos do trabalhador sobre a entidade patronal. IV - O dimensionamento da vida económica do trabalhador em relação às quantias percebidas da sua entidade patronal não pode ser vista mês a mês, mas segundo a média prevista no n.º 2 do art.o 84º da LCT. V - Foi essa média que o A. pediu no processo e viu confirmado pelo Douto Acórdão recorrido. VI - Não há qualquer relação necessária entre o cargo de chefia desempenhado pelo A. e as horas nocturnas e trabalho suplementar realizado, a não ser o facto de por escala o autor os efectuar sistematicamente, o que aliás acontece com todos os grupos profissionais daquele local de trabalho - a Central de Correios de Lisboa. VII - A alegada prática da Empresa não foi objecto de prova no processo e é falsa tal como alegada, face a situações conhecidas pelo A. já após o julgamento e as recentes decisões judiciais transitadas em julgado. VIII - O conceito de remuneração do AE/CTT não releva face ao conceito expresso na lei, em normas imperativas, e vastamente tratado pela Jurisprudência e Doutrina. IX - As duas últimas alegações da recorrente não têm natureza jurídica porquanto se trata de questões de gestão que deveriam ter tido em conta a legislação em vigor e de questões negociais no âmbito da contratação colectiva das quais não se pode extrair concordância com a tese da recorrente. X - Termos pelos quais deve o presente recurso ser julgado improcedente, o Acórdão mantido no sentido da condenação da Ré no pagamento das quantias peticionadas, assim se fazendo Justiça. A Dg.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer que se acha a fls. 436, remetendo para um seu anterior parecer sobre questões idênticas às suscitadas no presente recurso, cuja cópia juntou, desta se extraindo o seu entendimento no sentido do provimento parcial da Revista. Colhidos que se mostram os pertinentes vistos, cumpre apreciar e decidir. Sendo, como se sabe - art.os 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1, do Cód. Proc. Civ. - as conclusões da alegação do recorrente que delimitam, em princípio, o objecto do recurso, era de esperar dos recorrentes que pusessem o maior empenho em formular as suas conclusões de forma mais sintética possível de modo a facilmente se poder detectar as verdadeiras questões que os mesmos pretendem submeter ao julgamento do Tribunal ad quem. A aqui recorrente formula, a título de "conclusões", nada menos do que 24 pontos, para o efeito quase esgotando as letras do alfabeto, caindo num novo exercício alegatório, repetitivo, com isso dificultando a apreensão das exactas questões a aqui resolver. Não obstante, se bem interpretámos essas pretensas "conclusões", são apenas três as questões que a Recorrente suscita, as quais se prendem com saber: 1ª - se as remunerações auferidas pelo Autor a título de trabalho nocturno e de trabalho suplementar, nas circunstâncias em que as mesmas eram pagas integram o conceito de retribuição e se as mesmas tinham que ser tidas em conta para o efeito do cálculo das férias, subsídio de férias e de Natal. 2ª - se, ao pagar ao Autor, após a sua exoneração, em Outubro de 1997, do cago de Chefe de Grupo de nível 2, apenas o vencimento base mais as diuturnidades, excluindo os subsídio de do trabalho nocturno e suplementar, houve violação do princípio de irredutibilidade da retribuição. 3ª - se os juros de mora só podiam ser fixados a partir da citação. O Tribunal recorrido deu como apurada a seguinte matéria de facto, aceitando a que já havia sido fixada na 1ª Instância: I - O autor foi admitido para prestar serviço por conta e sob a autoridade da ré em Maio de 1972. II - Ao serviço da ré mantém-se ininterruptamente até à presente data. III - Na presente data o autor tem a categoria profissional de TPG - técnico de gestão postal. IV - Desde sempre e até a presente data o autor exerceu as suas funções na central de correios de Lisboa. V - Regula as relações colectivas de trabalho entre a ré e os trabalhadores ao seu serviço o acordo de empresa publicado no BTE, 1ª Série, n.º 44, de 29.11.85, posteriormente alterado em 1987 (BTE, 1ª Série, n.º 45, de 8.12.88) e em 1989 (BTE, 1ª Série, no 48, de 29.12 89) e subsequentes alterações, tendo a última sido publicada no BTE n.º 21 de 8.6.96. VI - Anteriormente regularam as mesmas relações colectivas de trabalho os seguintes instrumentos: PRT, publicado no BTE, 1ª Série, n.º 28, de 29.7.72; ACT de 1981, publicado no BTE, 1ª Serie n.º 24, de 29.6.81; AE de 1982, publicado no BTE, 1ª Série, n.º 36, de 29.9.82; AE de 1983, publicado no BTE, 1ª Série, n.º 37, de 18.10.83; AE de 1984, publicado no BTE, 1ª Série, n.º 41, de 8.11.84. VII - Em 7.1.80, foi nomeado, interinamente, chefe de grupo do CTC 1, em 17.6.81 foi nomeado chefe de secção de 2ª da EDL 1100/1200 e, em 29.3.82, foi nomeado chefe de grupo nível 2 no CTCL. VIII - Exerceu as funções referidas em VII até Abril de 1997, altura em que delas foi exonerado. IX - As funções que exerceu durante mais de 17 anos pressupunham que por escala efectuasse mensal, regular e periodicamente trabalho extraordinário e nocturno. X - Que sempre foi pago ao autor. XI - A parte variável da retribuição, no que respeita a trabalho extraordinário, foi, na média dos últimos doze meses em que efectuou esse tipo de trabalho - Junho de 1996 a Maio de 1997 - de 41.149$00. XII - Correspondente às seguintes importâncias mensais: Junho de 1996, 15.969$00; Julho de 1996, 45.626$00; Agosto de 1996, 31.938$00; Setembro de 1996, 45.944$00; Outubro de 1996, 45.944$00; Novembro de 1996, 16.645$00; Dezembro de 1996, 33.291$00; Janeiro de 1997,; Fevereiro de 1997, 87.983$00; Março de 1997, 47.888$00; Abril de 1997, 33.521$00; Maio de 1997, 47.888$00. XIII - Na parte variável da retribuição, no que respeita a trabalho nocturno, foi, na média dos últimos doze meses em que efectuou este tipo de trabalho, de 31.863$00. XIV - Correspondente às seguintes importâncias mensais: Maio de 1997, 26.338$00; Junho de 1997, 34.419$00; Julho de 1997, 23.216$00; Agosto de 1997, 40.322$00; Setembro de 1997, 20.070$00; Outubro de 1997, 26.342$00; Novembro de 1997, 23.593$00; Dezembro de 1997, 41.838$00; Janeiro de 1998, 34.603$00; Fevereiro de 1998, 26.739$00; Março de 1998, 38.953$00; Abril de 1998, 45.920$00. XV - A ré sempre pagou ao autor, com base na remuneração fixa, quer as férias e o respectivo subsidio, quer o subsídio de Natal. XVI - Nos anos de 1987 e até ao ano transacto, a retribuição variável total do autor foi a seguinte: Retribuição por trabalho extraordinário: 1987, 16.119$00; 1988, 55.324$00; 1989 76.589$00; 1990, 106.536$00; 1991, 123.098$00; 1992, 119.014$00; 1993, 342.886$00; 1994, 233.893$00; 1995, 489.841$00; 1996, 488.581$00; 1997, 217.280$00; Retribuição por trabalho nocturno: 1987, 125.617$00; 1988, 126.584$00; 1989, 153.339$00; 1990, 170.069$00; 1991, 213.026$ 00; 1992, 241.797$00; 1993, 254.254$00; 1994, 272.471$00; 1995, 282.394$00; 1996, 325.903$00; 1997, 341.723$00. XVII - Em cada um dos referidos anos, a média mensal da retribuição variável foi a seguinte: Retribuição por trabalho extraordinário: 1987, 1.465$00; 1988, 5.029$00; 1989, 6.963$00; 1990, 9.685$00; 1991, 11.190$00; 1992, 10.819$00; 1993, 31.171$00; 1994, Fsc. 21.263$00; 1995, 44.531$00; 1996, 44.416$00; 1997, 19.753$00; XVIII - O que se traduz num total médio mensal da parte variável da retribuição, como para cada ano se indica: 1987, 12.885$00; 1988, 16.536$00; 1989, 20.903$00; 1990, 25.146$00; 1991, 30.556$00; 1992, 32.800$00; 1993, 54.285$00; 1994, 46.033$00; 1995, 70.203$00; 1996, 74.043$00; 1997, 50.818$00. XIX - Nos mesmos anos o autor recebeu a título de remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal apenas a parte fixa da retribuição, sem ser acrescida da parte variável da mesma. XX - O autor deixou de auferir qualquer importância a título de "horas extraordinárias" desde Junho de 1997. XXI - Após exoneração, o autor continua a receber, além do seu vencimento e diuturnidades cujo montante não foi baixado, subsídio de pequeno almoço, subsídio de trabalho nocturno e subsidio especial de refeição, sempre que presta trabalho nas circunstâncias e verificados os requisitos determinados pelo AE/CTT para o seu pagamento. XXII - E temos recebido, efectivamente, depois de exonerado. Estes factos não foram postos em causa pelas partes, pelo que tem este Tribunal de os aceitar, até porque não se vislumbra que ocorra motivo para a sua alteração ou para ordenar a sua ampliação nos termos dos art.os 729º, n.ºs 2 e 3 e 722º, n.º 2, do Cód. Proc. Civ.. São portanto esses os factos que terão de servir para o conhecimento das concretas questões que nesta revista a Recorrente suscita. É, pois, tempo de passar ao conhecimento dessas questões, o que faremos pela ordem pela qual as mesmas foram levantadas. 1ª Questão: Sustenta a Recorrente que as remunerações pelo recorrido auferidas a título de trabalho nocturno e de trabalho suplementar, nas circunstâncias em que as mesmas lhe eram pagas não integram o conceito de retribuição, pelo que as mesmas não tinham que ser levadas em conta no cálculo das férias, do subsídio de féria e dos subsídios do Natal. Vejamos. Dispõe o art.o 82º do Dec.-Lei n.º 49408, de 24/11/1969 (adiante designado por LCT): 1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. 2. A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. E o n.º 3 desse artigo estabelece uma presunção legal de que constitui retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. Do que resulta, tendo em conta os princípios de repartição do ónus de prova, e, especificamente, o disposto no n.º 1 art.o 344º do Código Civil, que sobre o empregador impende o ónus de provar que certa prestação que o mesmo fez ao seu trabalhador não tem a natureza de retribuição. Ora, vem provado que o Autor, aqui Recorrido, se mantém desde Maio de 1972 ao serviço, por conta e sob a autoridade da Ré, ora Recorrente, tendo, presentemente, a categoria profissional de Técnico de Gestão Postal. Em 7 de Janeiro de 1980, foi nomeado interinamente chefe do grupo CTC 1; em 17 de Junho de 1981 foi nomeado chefe de secção de 2ª da EDL 1100/1200 e, em 29 de Março de 1982 foi nomeado chefe de grupo nível 3 no CTCL, cargo que exerceu até abril de 1997, altura em que desse cargo foi exonerado. As funções nesses cargos pressupunham que por escala o Autor efectuasse mensalmente, regular e periodicamente trabalho extraordinário e nocturno, que foi sempre pago ao Autor. Porém, quer as férias e o respectivo subsídio, quer o subsídio do Natal, a Ré sempre os pagou ao Autor com base na remuneração fixa. Destes factos flui com clareza que, durante cerca de 17 anos, o Autor, nomeado para cargos de chefia, desempenhou, por razões inerentes a esses cargos, regular e periodicamente, trabalho suplementar e trabalho nocturno, dando origem a que lhe fossem pagas, também regular e periodicamente, as respectivas remunerações. Ora tal regularidade e periodicidade das remunerações e durante tão longo espaço de tempo não podem deixar de ter criado no Autor a habituação do seu recebimento, levando-o a contar com a continuação do seu pagamento como se um complemento fosse do seu regular salário, afectando-as às suas necessidades permanentes e periódicas. Diz a Recorrente que "o A. não alegou nem logrou provar, como lhe competia e era exigível por lei para que as prestações sejam consideradas como partes integrantes da retribuição, ter criado a expectativa da inclusão na sua remuneração base, retribuição de férias e respectivo subsídio e subsídio de Natal, da retribuição por prestação de trabalho suplementar e por trabalho nocturno". Salvo o devido respeito, não nos parece que lhe assista razão. Para convencer o Tribunal de que as remunerações que recebeu, como pagamento do trabalho suplementar e do trabalho nocturno, integravam o seu salário (retribuição), ao Autor, atento o disposto no art.o 342º, n.º 1 do Cód. Civil, cumpria, tão só, alegar e provar que esses pagamentos foram-lhe feitos pela Ré regular e periodicamente, pois são apenas estes os requisitos (e, portanto, os factos constitutivos do seu invocado direito) previstos no art.o 82º, n.º 2 do LCT. A criação de expectativa do trabalhador da inclusão dessas remunerações na retribuição do seu trabalho mais não é do que uma elaboração doutrinária e jurisprudencial, tendente a explicar a opção legislativa de considerar como incluídas no conceito de retribuição as prestações feitas pelo empregador ao seu trabalhador, com regularidade e periodicidade. Não era, portanto, exigível ao Autor que alegasse e provasse aquela expectativa. Portanto, comprovado que o A., durante cerca de 17 anos, auferiu, regular e periodicamente remunerações pelo trabalho suplementar e trabalho nocturno que prestou, essas remunerações embora à partida não sejam retribuição, devem nela ser integradas, constituindo elemento constitutivo do seu salário. Atenta a referida presunção legalmente estabelecida era à Ré que cumpria provar que tais prestações não constituía retribuição. Assim sendo, não tendo havido prova do contrário, não podem essas remunerações deixar de ser consideradas retribuição e tidas em conta para o cálculo da retribuição de férias e do subsídio de Férias e, ainda, do subsídio do Natal. Quanto à remuneração das de férias e aos subsídios de férias, dispõe o n.º 1 do art.o 6º do Dec.-Lei n.º 874/76, de 28/12 que "a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo (...)". E o n.º 2, preceitua que "além da retribuição mencionada no número anterior, os trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição". É, assim, indubitável que o A. tem o direito de ver considerado no cômputo da retribuição das férias e do subsídio de férias as remunerações relativas ao trabalho suplementar e trabalho nocturno que prestou à Ré. No que concerne ao subsídio de Natal, não era este, antes da publicação do Dec.-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, imposto pela lei em termos genéricos, como acontece com o subsídio de férias; mas era contemplado na generalidade das convenções colectivas. como acontece com o AE/CTT que se aplica ao contrato de trabalho que vincula o A. à R., nos termos do qual, "todos os trabalhadores (...) terão direito a receber um subsídio correspondente à sua remuneração mensal, o qual será pago com a remuneração respeitante ao mês de Novembro e corrigido no caso de aumento de vencimento no mês de Dezembro" (Clª 151, n.º 1 do AE/81, BTE n.º 24. 1ª série, de 29/06/1981 e Clª 143ª, n.º 1 do AE/96, BTE n.º 21, 1ª Série. De 08/06/1996), O subsídio de Natal (também por alguns designado como o vencimento do 13º mês) consiste na atribuição de um mês de vencimento aos trabalhadores por ocasião do Natal e que veio a ser imposto, em termos genéricos, relativamente "a trabalhadores vinculados por contrato de trabalho a quaisquer entidades empregadoras", pelo Dec. Lei n.º 88/96, de 3/7. A aqui Ré pagava ao Autor o subsídio do Natal, como também acontecia com a remuneração de férias e subsídio de férias, tendo em consideração, para o respectivo cálculo, apenas a parte fixa da retribuição (cfr. pontos XV e XIX da matéria de facto), não levando, portanto, em linha de conta a parte variável da mesma, consistente nas remunerações respeitantes ao trabalho suplementar e ao trabalho nocturno, que, como vimos, integravam também a retribuição mensal do Autor, cujo valor havia que se determinar nos termos do n.º 2 e 3 do art.o 84º do LCT. Consequentemente tem o A. o direito de receber da Ré a diferença entre o que efectivamente pagou a título daquela remuneração e daqueles subsídios e aquilo que devia ter pago se tivesse considerado, como se lhe impunha, que a retribuição do Autor era de natureza mista, constituída pela parte fixa e pela parte variável emergente da prestação de trabalho suplementar e de trabalho nocturno. 2ª Questão: Assim, se é verdade que a Ré estava obrigada a integrar na retribuição do Autor as remunerações pelo trabalho suplementar e pelo trabalho nocturno, e a tê-las, por isso, em consideração no cálculo da remuneração das férias e do respectivo subsídio, e do subsídio de Natal, não menos certo deverá ser que tal só acontecesse enquanto o Autor exerceu, em comissão de serviço, funções de chefia, uma vez que, como vem provado no ponto IX da matéria de facto, as mesmas pressupunham que por escala o Autor efectuasse mensal, regular e periodicamente, trabalho extraordinário e nocturno. Mas, exonerado o autor dessas funções, retomando, a partir daí, as funções da sua categoria profissional que não pressupunha o exercício regular e periódico daqueles trabalhos (suplementar e nocturno), cessou a obrigação da Ré de manter as respectivos remunerações, sem que daí se possa afirmar que houve violação do princípio de irredutibilidade da retribuição do trabalhador, consagrado no art.o 21, n.º 1, al. c) da LCT. Na verdade, aquela expectativa do Autor de ver os montantes das referidas regulares e periódicas prestações remuneratórias integrarem a sua retribuição, e que justificava essa integração, não podia, de boa fé, subsistir para além do exercício das funções ( por natureza temporárias), de chefia, que, como se referiu, pressupunham a execução dos trabalhos que ao seu pagamento davam lugar. Exercendo o A. esses cargos de chefia em comissão de serviço, não podia o mesmo desconhecer a natureza precária desses seus cargos e que à R. era lícito fazê-los cessar quando melhor o entendesse. Assim, exonerado o Autor do cargo de chefia, em Outubro de 1997, deixou o mesmo, a partir de então, de ter direito ao pagamento daquelas remunerações, atenta a natureza destas de prestações complementares, que apenas são devidas enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento e que a entidade patronal pode, sem quebra do princípio de irredutibilidade da retribuição, suprimir quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição ((3) Cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 1ª Ed. pág. 412; Mário Pinto, Furtado Martins e Nunes de Carvalho, in Comentários às Leis do Trabalho, 1994, pág. 100..3). Nestes termos, importa concluir que, se a Ré, enquanto o Autor exerceu as funções de chefia, estava obrigada a considerar que as remunerações deste, a título de trabalho extraordinário e de trabalho nocturno integravam a sua retribuição, e a fazê-las repercutir no cálculo da remuneração de férias, e dos subsídios, de férias e do Natal, tal obrigação cessou a partir do momento em que a Ré determinou a cessação daquelas funções. Como bem se escreve no acórdão deste STJ, de 16 de Maio de 2001 (Revista n.º 3841/00 da 4ª Secção), "... a manutenção da retribuição complementada com as prestações remuneratórias por trabalho suplementar e nocturno poderia conduzir a situações insustentáveis. Na verdade, cessada a comissão de serviço, o A. retomou as funções correspondentes à sua categoria profissional que, não implicando necessariamente a prestação de tais tipos de trabalho, não ficam impedidos de ser solicitados à prestação de trabalho suplementar e nocturno, naturalmente remunerado. E então teríamos uma duplicação remuneratória ao mesmo título, o que não deixa de ser chocante," 3ª Questão: Dizendo fazê-lo por mera cautela processual, sustenta a Recorrente que nunca lhe tendo o Autor solicitado o pagamento das prestações salariais que agora reclama, não podia ela ser condenada no pagamento de juros desde a data do vencimento de cada prestação, como o foi pelo douto acórdão recorrido, mas apenas desde a dada da citação. Uma vez mais não lhe assiste razão. Nos termos do n.º 2 do art.o 804º do Cód. Civ. "o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido". Em princípio, como dispõe o n.º 1 do art.o 805º do mesmo Código, "o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir". Porém, esta regra comporta as excepções previstas no n.º 2 do mesmo artigo entre elas figurando a de a obrigação ter prazo certo (al. a)). Ora, no caso em apreço, falamos de prestações que deviam ser pagas em prazos certos, ou seja, nas datas previstas para os vencimentos das ditas remunerações e subsídios, pelo que a Ré , como devedora dessas prestações, constituiu-se em mora com o simples facto de não ter pago essas prestações ora reclamadas na altura em que o devia fazer, não necessitando para isso que para tanto fosse interpelada pelo Autor. Assim sendo, a R. incorreu em mora nas dadas dos vencimentos dessas prestações, constituindo-se, nos termos do disposto no art.o 806º, n.º1 do Cód. Civ., na obrigação de pagar juros legais a contar do dia da mora. O Tribunal Recorrido, na procedência do recurso do Autor, reconheceu direito do Autor aos seguintes créditos, condenando a Ré a pagar-lhos: - quanto à 1ª parte do pedido: 5 - tudo acrescido dos correspondentes juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, os primeiros desde o vencimento de cada prestação e os segundos até integral cumprimento. A primeira parte do pedido do Autor consistia no pagamento, todos os meses, para o futuro, acrescendo à sua remuneração base, um total de 73.012$00 referentes às verbas referidas nos art.os 14º (parte variável da retribuição, no respeitante a trabalho extraordinário) e 16 (parte variável da retribuição respeitante a trabalho nocturno) da petição inicial e retroactivamente, desde Junho de 1997 e desde Março de 1998, respectivamente, e até à data da sentença, as quantias de 41.149$00 e 31.863$00 que deverão ainda ser pagos nos meses de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal e perfazem, a data da propositura da acção a quantia de 785.836$00. E a segunda parte do pedido consistia no pagamento de 1.302.624$00 relativa a diferenciais de retribuição referentes a férias, subsídio de férias e subsídio de natal respeitantes aos anos de 1987 a 1997, com juros vencidos e vincendos até integral pagamento. Mas, do que atrás exposto ficou, resulta que ao A., a partir da sua exoneração do cargo de chefia, não assiste qualquer direito de ver integrado na sua retribuição as remunerações por trabalho suplementar e trabalho nocturno. Uma vez que o cargo que retomou após essa exoneração não pressupõe a prestação de trabalhos dessa natureza, qualquer eventual prestação desse tipo de trabalhos pelo Autor determinarão o seu direito ao recebimento da respectiva remuneração, a qual, porém, manter-se-á autónoma relativamente à retribuição, sem repercussão, portanto, na remuneração de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal. Assim sendo, impõe-se a revogação do acórdão, aliás douto, da Relação de Lisboa, na parte em que, relativamente à 1ª parte do pedido do Autor, condenou a Ré a pagar-lhe as verbas referidas nos pontos 1, 2 e 3 da parte final do aresto, que precede a decisão, e a confirmação do decidido relativamente à 2ª parte do pedido, que se mostra conforme a posição aqui defendida. Nestes termos, na procedência parcial da revista, revoga-se parcialmente o acórdão recorrido, confirmando-se a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de 1.357.917$00 (correspondente a € 6773,26 - seis mil, setecentos e setenta e três Euros e vinte e seis cêntimos), acrescida de juros nos termos referidos, e absolvendo-se a mesma Ré dos pedidos na parte restante Custas na proporção de vencido. Lisboa, 4 de Julho de 2002. Emérico Soares, Manuel Pereira, Azambuja Fonseca. |