Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
078445
Nº Convencional: JSTJ00000945
Relator: SOUSA MACEDO
Descritores: GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES
HIPOTECA
JUROS
Nº do Documento: SJ199003080784452
Data do Acordão: 03/08/1990
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Referência de Publicação: BMJ N395 ANO1990 PAG551
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1512
Data: 03/16/1989
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional: DL 48953 DE 1969/04/05 ARTIGO 60.
CCIV66 ARTIGO 405 ARTIGO 686 ARTIGO 687 ARTIGO 693 N1.
CRP67 ARTIGO 1 ARTIGO 91 ARTIGO 93 ARTIGO 96 N1 A.
DL 694/70 DE 1970/12/31 ARTIGO 158.
CCJ62 ARTIGO 3 N1 E.
DL 118/85 DE 1985/04/19 ARTIGO 2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1986/10/23 IN BMJ N360 PAG605.
Sumário : O artigo 60 do Decreto-Lei n. 48953, de 5 de Abril de 1969, deve interpretar-se no sentido de a garantia hipotecaria do credito da Caixa Geral de Depositos abranger sempre os juros relativos a tres anos, mesmo faltando a inscrição registral, pela taxa levada ao registo ou, na sua falta, pela taxa legal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - O Litigio:
Na execução movida pelo "Banco A" a B e outros, a "Caixa Geral de Depositos" reclamou um credito hipotecario, pretendendo que esta garantia cobrisse os juros de tres anos independentemente do respectivo registo, com base no artigo 60 do Decreto-Lei n. 48953, de 5 de Abril de 1969.
II - As Decisões: seja na 1 instancia, seja na Relação, entendeu-se que o preceito invocado não pode ser interpretado como derrogativo do artigo 693 n. 1 do Codigo do Registo Predial, pelo que a garantia so vem a cobrir 768375 escudos.
III - Os Factos:
Na execução movida contra a B e outros foi penhorada a fracção correspondente ao 4 andar, direito, do predio sito na R. Penha de França n. 125, em Lisboa, descrito na 4 Conservatoria do Registo Predial sob o n. 2869 do livro B-8.
A "Caixa" veio reclamar um seu credito de 1225259 escudos referente a 450000 escudos de capital e 775259 escudos de juros relativos ao periodo entre 10.10.84 a 09.03.87.
Na escritura de emprestimo foi constituida hipoteca sobre a referida fracção para garantia do emprestimo, respectivos juros e despesas, mas ficando os juros cobertos pela garantia hipotecaria so ate a taxa anual de vinte e dois e um quarto por cento, nada se dizendo sobre o limite temporal ou quantitativo dos juros garantidos.
Na respectiva inscrição hipotecaria foi indicado como montante total assegurado 768375 escudos, sendo 750375 escudos o montante maximo de capital e juros e 18000 de despesas extrajudiciais.
O "Banco A" veio impugnar a reclamação, alegando que a garantia hipotecaria apenas cobre o montante de 750375 escudos, pois não foi reclamado a titulo de despesas extrajudiciais.
IV - Fundamento de Revista: Nas suas alegações a "Caixa" formula as seguintes conclusões:
- as hipotecas constituidas a favor da C.G.D. abrangem os juros relativos a tres anos, independentemente de registo, art 60 do Dec-Lei n. 48953, de 5.4.69, onde se estabelece um regime juridico especial com referencia ao art 693 do C.Civil, que se consubstancia num verdadeiro privilegio imobiliario especial; - os juros não mencionados na inscrição hipotecaria, designadamente os resultantes de ampliação ou alteração das suas taxas de juro por via legal, fruem de garantia hipotecaria constituida a favor desta; - e podem ser reclamados por estarem privilegiados;
- os juros, calculados a taxa maxima legal em cada momento em vigor, são relativos ao periodo de
3 anos e liquidados nos termos da reclamação de credito apresentada;
- ao não reconhecer os juros devidos a Caixa Geral de Depositos, não os verificando e graduando para serem pagos pelo produto da venda do imovel, o acordão recorrido violou o artigo 60 do Decreto-Lei n. 48953 e o artigo 158 do Decreto n. 694/70, de 31.12.
O "Banco A" não contra-alegou.
V - Conhecendo:
A enunciação do tema:
Dois são os problemas postos:
- se os juros devidos se limitam aos calculados a taxa levada ao registo:
- se os juros são os relativos a 3 anos se o pagamento não se verificar antes de decorrido esse periodo.
Convem notar que o regime comum e aquele com assento nos artigos 686, 687 e 693 do Codigo Civil pelo qual os juros são acessorios do credito e devem constar do registo. Acrescente-se que, relativamente a juros, a hipoteca nunca abrange mais que 3 anos, salvo nova hipoteca para garantir estes.
Entendimento identico vem a decorrer dos artigos 10, 91, 93 e 96 do Codigo de Registo Predial vigente na altura do registo, resultando do n. 2 deste ultimo que "se os documentos apresentados para registo da hipoteca mostrarem que o capital vence juros, mas não indicarem a taxa convencionada, deve mencionar-se na inscrição a taxa legal".
Posteriormente a vigencia do actual Codigo Civil, foi publicado o Decreto-Lei n. 48953, de 5 de Abril de 1969 (Lei Organica da Caixa Geral de Depositos), cujo artigo 60 determina: "As hipotecas constituidas a favor da Caixa Geral de Depositos abrangem, independentemente de registo, os juros relativos a tres anos".
Mas qual a taxa? E são sempre garantidos os juros relativos a 3 anos?
VI - O Decreto n. 694/70:
Com este diploma conjuga-se o Decreto n. 694/70, de 31.12. que aprova o Regulamento da Caixa Geral de Depositos, cujo artigo 158 diz:
"As hipotecas constituidas a favor da Caixa e suas instituições anexas, abrangem os juros relativos a tres anos, independentemente de registo".
Porem, face a hierarquia das leis, deve entender-se que este preceito não pode adquirir o valor de regular materia prevista no Codigo Civil, por ser uma fonte de direito hierarquicamente inferior. Apenas pode ser entendido como repetição do transcrito artigo 60 do Decreto-Lei n. 48953, aclarador para os serviços da abrangencia deste dispositivo numa interpretação oficiosa.
Dai que não mereça ser considerado para o encontro da solução para o tema "sub judice".
VII - B interpretação do Artigo 60 do Decreto-Lei n. 48953:
Na solução a encontrar não se pode olvidar a importante função do registo predial, na oferta da confiança e segurança ao comercio imobiliario.
Por outro lado, surge como deslocada numa lei organica - no caso, da Caixa Geral de Depositos - um preceito relativamente a garantia hipotecaria, para mais atingindo a harmonia do sistema instituido pelo Codigo Civil.
Imagine-se a confusão que seria se cada instituição publica, aproveitando a respectiva lei organica, conseguisse um regime de garantias mais favoravel, anomalo face a lei geral, para os seus eventuais creditos!...
E certo existir uma tradição de foro executivo especial para a Caixa Geral de Depositos, mas o que e excepcional não tem a vocação de ser ampliado, antes de ser restringido.
Deste modo, deve procurar-se uma interpretação para o preceito que não brigue com o regime geral.
Atentando apenas na sua letra, surgiria a leitura de que o devedor deveria pagar sempre os juros de 3 anos, ainda que a mora fosse inferior ou não existisse!
Este aberrante entendimento demonstra que a simples literalidade representa uma perigosa senda. Devera ensaiar-se uma leitura integradora no sistema.
Por esta via, encontramos uma explicação: nos termos do artigo 405 do Codigo Civil, os contratantes tem a faculdade de fixar o conteudo dos seus contratos; tera havido noticia de casos em que por falta de inscrição os juros não foram garantidos; determinar-se-ia que, quer os juros constassem do registo, quer não, sempre seriam garantidos pela hipoteca, a este ponto se restringindo a alteração dos preceitos do Codigo Civil e do Codigo de Registo Predial (Decreto-Lei n. 47611, de 28.03.67, então vigente).
O registo predial manteria a sua função informadora em termos suficientes, pois da inscrição de hipoteca a favor da Caixa Geral de Depositos resultaria necessariamente que a garantia abrangeria os juros relativos a 3 anos que, a falta de indicação diversa, seriam a taxa legal (cognoscivel para qualquer).
Manter-se-ia a segurança no comercio imobiliario, razão do instituto do registo predial e importante valor que cabe defender.
Este Supremo Tribunal acolheu ja este entendimento, como decorre do seu acordão de 23.10.1986, publicado no "Boletim do Ministerio da Justiça" 360, pagina 605, onde se le:
"Ora, nos contratos as partes são livres de estabelecerem, dentro dos limites da lei, as clausulas que bem entenderem - artigo 405 do Codigo Civil e, desta forma, na qualidade de devedora privilegiada, no tocante aos juros, a Caixa tem e que sujeitar-se ao contrato em que outorgou, sem prejuizo, quiça, de qualquer outro direito não privilegiado, ate ao limite maximo permitido, o qual aqui se não discute, quanto ao remanescente possivel de qualquer quantia de juros devidos para alem dos privilegiados com garantia hipotecaria.
Se a solução fosse a preconizada pela recorrente, o legislador não deixaria de redigir, dados os principios expostos, os dispositivos legais, em analise, de maneira a que deles se concluisse, com toda a clareza, que o que ficava dispensado do registo seria, não o computo do prazo ate 3 anos, como do seu contexto resulta, mas a taxa do juro, elemento indispensavel para que, pelo registo, terceiros pudessem avaliar, com aproximação, o montante do credito do credor.
Finaliza-se, assim, por todo o exposto, no sentido de que os referenciados normativos não aludem a taxa convencionada de juros, cuja inscrição no registo, constitui sempre uma exigencia legal e tanto que, supletivamente, se teve de recorrer, para se efectuar a inscrição, a taxa legal, quando a taxa convencionada não for indicada."
Pela razão, pela segurança do comercio imobiliario e pela linha jurisprudencial traçada ja por este Supremo Tribunal, devemos concluir pela improcedencia do recurso.
VIII - Decisão:
Nega-se a revista.
Não são devidas custas, dada a isenção de que beneficia a recorrente por se tratar de uma instituição de previdencia, por lhe estar confiada a gestão do serviço de previdencia do funcionalismo publico, nos termos do artigo 30, n. 1, alinea e), do Codigo das Custas Judiciais, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 20 do Decreto-Lei n. 118/85, de 19 de Abril.
Sousa Macedo.
Afonso Andrade (vencido quanto a isenção de custas que foi decidido, que ate parece so podia ter lugar se a Caixa Geral de Depositos tivesse sido demandada - que não foi - como Caixa Geral de Aposentações, isto e, na suas funções de instituição de previdencia).