Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04P3992
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA MADEIRA
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário : A decisão judicial com trânsito em julgado não se anula, como não se declara a nulidade de actos dum processo que findou por decisão já tornada irrevogável.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. Proferido que foi o acórdão de 9/6/2005, veio a recorrente MESG arguir a nulidade do mesmo por duas vias:
- omissão de pronúncia quanto à circunstância de, na medida da pena não haver sido levado em conta a entrada em vigor da Lei n.º 11/04, de 27/3, e
- omissão de pronúncia quanto à perda de bens decretada pelo tribunal recorrido.
2. Com dispensa de vistos, cumpre decidir:

A – A primeira questão:
É certo que, em alguns passos do acórdão ora reclamado, se faz errada menção a uma moldura penal de 5 anos e 4 meses a 16 anos de prisão.
Porém, ao invés do sustentado pela recorrente, a moldura que efectivamente foi tida em conta foi a actual, ou seja de 5 a 15 anos de prisão, justamente reposta pela Lei em causa.
É isso que leva à afirmação de fls. 40-41, imprecisa, reconheça-se, segundo a qual «Como assim, não obstante a eliminação – que tem de se aceitar – da primeira agravante focada, permanece a segunda e, por isso, importa concluir que a moldura penal abstracta por que se pautou o tribunal recorrido – art.ºs 21º, nº1 e 24º, [al. c)] do DL nº 15/93, de 22JAN, (ou seja a corresponde a 5 a 15 anos de prisão) – mantém-se intocada.»
Foi esta a moldura de 5 a 15 anos de prisão que sempre esteve presente no espírito do acórdão ora reclamado, embora, por deficiência de correcção da transcrição informática do acórdão recorrido tenha permanecido, no restante texto, a referência à moldura penal anterior.
Porém, trata-se de lapso evidente, intuível pela leitura atenta das demais considerações ali tecidas, nomeadamente nas razões que levaram à fixação da pena concreta à recorrente – benevolamente concedida – nos 8 anos de prisão, substancialmente abaixo da que lhe fora aplicada na Relação.
É certo que, em consonância, se afirmou que tal pena se fica «abaixo da média constituída pela diferença entre os limites mínimo e máximo aplicáveis», quando, obviamente se quis dizer, «pouco acima da média da diferença» entre aqueles dois limites, o que ora se rectifica ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Improcede a primeira alegação de nulidade.

B – A segunda
Do mesmo modo, importa decidir a segunda questão, ou seja a alegada omissão de pronúncia quanto à perda do apartamento a favor do Estado que a Relação decretou por provimento do recurso do Ministério Público.
Com efeito, é esta a parte dispositiva desse acórdão [transcrição]:
«4. DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em não tomar conhecimento do recurso Maria Emília Gonçalves da Silva, negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos Susana Maria Garcia Guedes da Silva Teixeira, Cristiano Filipe da Silva Barros, Gastão Renato Teixeira da Silva e Armando Jorge Martins Castanheira, e em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo M°P°, e em consequência revogar o acórdão recorrido nos seguintes termos:
a) Condenar a arguida MESG, como autora material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos art.s. 21°, n°1 e 24°, ais. b) e c) do DL nº 15/93, de 22JAN, na pena de 10 anos de prisão, o arguido Armando Castanheira, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos art.s. 21°, n°1 e 24°, ai. c) do DL nº 15/93, de 22JAN, na pena de 9 anos de prisão, a arguida Susana Guedes da Silva, como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, do DL nº 15/93, de 22JAN, na pena de 8 anos de prisão, e a arguida Olga Neves, como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, do DL nº 15/93, de 22JAN, na pena de 6 anos de prisão.
b) Declarar perdidos a favor do Estado o apartamento da arguida Maria Emília, sito na Travessa Francisco Sá Carneiro, nº 324, 1° Direito, em Leça da Palmeira, os veículos Audi, modelo A3, matrícula 55-53-OE e Peugeot, modelo 206, matrícula 16-24-OI, nos termos do art. 35°, n°1, do DL nº 15/93, de 22JAN, na redacção dada pela Lei nº 45/96, de 3SET, bem como as quantias monetárias apreendidas nos autos pertencentes á arguida Maria Emília, nos montantes de 75.128$00, 300.000$00 e 348$00 (fls. 937 e 1025), e no montante de 69.310$00 á arguida Olga (fls. 1025), nos termos do art.38°, do DL nº 15/93, de 22JAN;
c) Mantém-se quanto ao mais o acórdão recorrido.
d) Custas pelos recorrentes Susana Maria Garcia Guedes da Silva Teixeira, Cristiano Filipe da Silva Barros, Gastão Renato Teixeira da Silva e Armando Jorge Martins Castanheira, fixando a taxa de justiça em 6 UC.
Honorários ao Ex.mo Defensor Oficioso nos termos do ponto 6. da tabela anexa à Portaria nº 150/02, de 19FEV, sem prejuízo do art. 40, n°1.
A taxa de conversão em euros prevista no art. 1° do Regulamento CE nº 2 866/98 do Conselho a todas as referências feitas anteriormente em escudos, é aplicada automaticamente, como decorre do art. 1°, nº 2, do DL nº 323/01, de 17DEZ.
Em face do decidido, nos termos do art. 213°, do CPP, a medida de coacção de prisão preventiva, imposta aos arguidos, mantém-se, já que os pressupostos de facto e de direito que presidiram à aplicação daquela medida, se reforçaram substancialmente com a prolação deste acórdão.
Este acórdão foi elaborado pela Relatora e por ela integralmente revisto (art.º 94°, nº 2, do CPP).»

Sobre este acórdão foi proferida por este Supremo Tribunal a decisão de 9/7/3003, que encerra com este dispositivo [transcrição]:
«VII.
Em conformidade, revoga-se parcialmente (1) o aliás douto acórdão recorrido, decidindo-se:
a) Declara-se inválido o meio de prova constituído pela referência em julgamento, pelos Elementos da Polícia Judiciária que haviam procedido a busca na habitação do arguido Armando Jorge Martins Castanheira, de declaração, como sendo feita por este no acto da busca e não transcrita no respectivo auto, de que «Se houver droga fora de casa, não é nossa». Meio de prova que, em conformidade, não pode ser tido em conta, não se revestindo portanto, contrariamente ao que foi considerado no douto acórdão recorrido, de qualquer relevância para fundamentar a decisão sobre a prova dos factos imputados ao ora recorrente;
b) Considera-se não provado que o arguido Armando Castanheira destinasse a heroína, que foi apreendida e se provou deter, a ser vendida, depois de misturada com os produtos também apreendidos (parecetamol e cafeína), com o propósito de obter lucros traduzidos em avultada compensação monetária;
c) Considera-se que os actos provados relativamente ao arguido Armando Castanheira integram crime de tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, nº 1, do DL nº 15703, de 22/01, pelo qual vai condenado na pena de cinco anos de prisão.
d) Fixa-se em seis anos e seis meses de prisão a pena aplicada à arguida Susana Maria Garcia Guedes da Silva pela prática, como autora material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, nº 1, do DL nº 15/03, de 22/01;
e) Determina-se o conhecimento pelo Tribunal da Relação do Porto do recurso interposto para esse Tribunal pela arguida Maria Emília Gonçalves da Silva do douto acórdão de 1ª instância.
Confirma-se no mais o douto acórdão recorrido.(2)
Sem custas relativamente ao recurso da arguida Maria Emília Silva. São devidas custas pelos recorrentes Armando Castanheira e Susana Silva, fixando-se a taxa de justiça respectivamente em 10 e 9 UC.»


Daqui se vê que, para além da revogação parcial do acórdão decidida nos pontos a) b), c), d) e e), acabados de transcrever, tudo o mais do dito acórdão da Relação foi mantido, nomeadamente a decretada perda do andar «confirma-se no mais o douto acórdão recorrido», pois tal questão não era objecto do recurso da arguida para a Relação e que o Supremo então mandou conhecer.
Decerto que a decisão, maxime quando se estende à decretada perda do apartamento, poderá estar divorciada dos respectivos fundamentos, constituindo tal circunstância causa eventual de nulidade do acórdão de 9/7/2003 – art.º 379.º, n.º 1, a), do Código de Processo Penal.
Mas, com ou sem motivo de nulidade, aquela decisão transitou em julgado, o que a torna agora inultrapassável, mesmo que de nulidade absoluta se tratasse: «(…) embora insanável, a nulidade absoluta precisa de ser declarada. Pode ser arguida ou declarada oficiosamente. O acto tem existência jurídica, embora defeituosa, e ainda que o vício seja insanável; e, consequentemente, a falta de anulação deixa-o subsistir. No processo, a nulidade absoluta é coberta pela impossibilidade, depois de findo aquele, de a fazer reviver, no seu todo ou parcialmente. A decisão judicial com trânsito em julgado não se anula, como não se declara a nulidade de actos dum processo que findou por decisão irrevogável.»(3)
E foi isso que se limitou a constatar o acórdão reclamado.
De resto, neste ponto, nunca se trataria de vício de omissão de pronúncia, já que, qualquer que fosse a valia do fundamento invocado, foram avançadas explicitamente as razões por que tal questão não foi conhecida.
Improcede assim, também, esta segunda vertente de arguição de nulidade.

3. Termos em que indeferem a arguição de nulidade do acórdão reclamado.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça mínima.
Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Julho de 2005
Pereira Madeira, (relator)
Sima Santos,
Santos Carvalho.
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1 Destacado agora
2 Idem
3 Cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira Curso de Processo Penal I, edição da AAFDL, 1959, págs. 294.