Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SALVADOR DA COSTA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ200505190016277 | ||
Data do Acordão: | 05/19/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1975/04 | ||
Data: | 12/07/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | 1. Apesar de integrado no Instituto de Seguros de Portugal, o D é dotado de personalidade judiciária, ocupando, por força da lei, a posição das seguradoras que seriam accionadas se os obrigados a outorgar no contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel tivessem cumprido a sua obrigação de segurar, preenchendo a mesma função social que justifica a necessidade da obrigatoriedade do seguro do risco da circulação automóvel a cargo daquelas. 2. Ao D são aplicáveis as disposições e princípios que disciplinam a responsabilidade das seguradoras, designadamente as exclusões de cobertura previstas no artigo 7º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro. 3. O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o juízo de facto da Relação ao considerar, por via de presunção hominis, que o transporte de três pessoas num motociclo comprometera a da sua segurança e a da condução em causa, salvo se ocorrer a própria infracção do disposto no artigo 349º do Código Civil. 4. Os danos decorrente de lesões ou da morte de qualquer das três pessoas transportadas num motociclo, no dia 2 de Outubro de 1995, em infracção do disposto no artigo 55º, nº 3, do Código da Estrada, versão vigente nessa data, não são indemnizáveis e ou compensáveis pelo D. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I A" e B e C intentaram, no dia 22 de Maio de 1997, acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra o D e E, pedindo a sua condenação solidária no pagamento de 36.790.000$00 e juros desde a citação, pedido que foi ampliado para € 130.000 a favor dos dois primeiros autores e € 225.000 a favor do último. Fundamentaram a sua pretensão em direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da morte da filha dos primeiros e de lesões do último no despiste, no dia 2 de Outubro de 1995, no cruzamento do Ginja, estrada Covilhã - Guarda, do motociclo com a matrícula nº BQ, conduzido, sem seguro, por E, com excesso de velocidade, no qual as duas vítimas eram transportadas. Em contestação, os réus impugnaram os factos invocados pelos autores, e E suscitou a intervenção da Companhia de Seguros F, que foi admitida e que, na contestação, afirmou não estar vinculada a indemnizar os autores. Aos autores e ao réu E foi concedido, por despacho proferido no dia 22 de Abril de 1998, o apoio judiciário na modalidade de dispensa de preparos e de pagamento de custas. Aditados novos quesitos à base instrutória e realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 10 de Novembro de 2003, por via da qual a Companhia de Seguros F foi absolvida da instância com fundamento na sua ilegitimidade e o D e E condenados, solidariamente, a pagar aos dois primeiros autores € 125.698,32 e o que viesse a liquidar-se em execução de sentença quanto à perda da capacidade de trabalho da falecida, e ao último C € 84.864,10 e, em ambos os casos, no pagamento de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença quanto aos danos não patrimoniais e desde a citação quanto aos restantes. Apelou o D a título principal e os autores subordinadamente, e a Relação, por acórdão proferido no dia 7 de Dezembro de 2004, absolveu o D do pedido e fixou a indemnização a pagar pelo réu E aos autores A e B pelo dano morte da filha de ambos, mantendo no restante a sentença proferida na 1ª instância. Interpuseram os autores recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - as exclusões previstas no artigo 7º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, não são aplicáveis ao D; - ao entender-se o contrário, colocar-se-ia o D em posição paralela à das seguradoras, cujas exclusões derivam da obrigatoriedade de segurar mesmo contra a sua vontade; - a maior potência da mota gera a sua maior estabilidade e, como não se sabe o seu peso nem como iam expostos os passageiros, não se pode concluir ter sido o transporte de dois passageiros, só por si, a causa do acidente; - a existência de passageiros a mais, só por si, não prova a existência da contravenção estradal, sendo necessário o nexo causal entre a falta de segurança e o acidente; - os factos provados não revelam o nexo de causalidade entre o evento e a falta de segurança derivada de no motociclo serem transportados três passageiros; - a causa do evento foi o excesso de velocidade da mota, o tribunal presumiu ilegalmente a alteração da segurança por virtude de a mota ser de alta cilindrada e de nela serem transportados três passageiros; - daí que, ainda que as referidas exclusões se aplicassem no caso, impunha-se a condenação do recorrido; - ao entender-se que as referidas exclusões se aplicam ao recorrido interpretou-se erradamente o artigo 21º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro; - ao presumir-se a contra-ordenação do artigo 55º, nº 3, do Código da Estrada, contra a proibição legal de julgamento por presunção e falta de factos concernentes, fez-se errada interpretação daquele artigo e do artigo 7º, nº 4, alínea d), do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro. II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. Representantes da Companhia de Seguros F e o anterior dono do motociclo nº BQ - G - declararam por escrito, consubstanciado na apólice n.º 94012000, a primeira assumir, mediante premio a pagar pelo segundo, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o mencionado motociclo. 2. G e o réu. E declararam, no dia 7 de Agosto de 1995, o primeiro vender ao segundo e este comprar-lhe, o motociclo Yamaha FZR 1000, como nº de matrícula BQ, o que só em 26 de Março de 1996 foi comunicado à ré. 3. H é filha dos autores A e B, e faleceu, no estado de solteira, com 26 anos de idade, no dia em 2 de Outubro de 1995. 4. Por volta das 23 horas do dia 1 de Outubro de1995, no Café ..., no Teixoso, após terem conversado, E e C que eram amigos, e H decidiram dar uma volta na referida moto, e rumaram a Gonçalo. 5. No dia 2 de Outubro de 1995, pelas 01.00 horas, na Estrada Nacional nº 18, ao quilómetro 22,8, no denominado cruzamento do Ginja, o réu E conduzia a sua referida moto, nela transportando o autor C e H, indo esta sentada, sem capacete de protecção, logo a seguir ao condutor e, em último lugar, C. 6. Na extensa recta que antecede o referido cruzamento do Ginja, o E imprimia ao motociclo velocidade superior a 100 quilómetros por hora e, antes do referido cruzamento, onde a estrada flecte em curva para a esquerda, sentido de marcha motociclo, Covilhã-Guarda, e bifurca para a direita, saída para Belmonte, a estrada é uma longa recta. 7. Em virtude de imprimir à moto a velocidade referida, ao aproximar-se de tal curva, no início da mesma, E, apesar de ter feito duas reduções com o motor, não a conseguiu descrever, e seguiu em frente, subiu o triângulo separador de vias existente na aludida bifurcação da Estrada Nacional nº 18 com a Estrada Nacional nº 345, colidiu com a placa de sinalização aí implantada, continuou a sua marcha desgovernada, atravessou todo o cruzamento, saiu da estrada e imobilizou-se a vinte e um metros do local do embate nos mencionados separador e placa de sinalização, num terreno confinante com a estrada. 8. Em consequência do referido embate, E, H e C foram projectados e caíram no solo, tendo a primeira sofrido lesões traumáticas toráxicas, nomeadamente vertebro-meningo-medulares, e o último lesão do plexo braquial esquerdo com braço esquerdo pendente e hipostesia de C5, C6, C7, C8, D, 1 e luxação posterior da anca esquerda, já reduzida, e dores no braço e coxa esquerda, e ficaram destruídas as calças, a camisa e o blusão que levava vestidos, no valor de 50.000$00. 9. Foram transportados para o Hospital Distrital da Covilhã, ficando E lá internado até 12 de Outubro de 1995, e os outros dois seguiram daí para os Hospitais da Universidade de Coimbra, aos quais H chegou, às 04.20 horas do dia 2 de Outubro de 1995, já morta, resultado directamente causado pelas lesões mencionadas sob 8. 10. C, nascido no dia 29 de Julho de 1965, era, à data do evento, escorreito, e esteve a trabalhar na Fiper e, ultimamente, trabalhava como pintor, auferindo o vencimento aproximado de 75.000$00, variável de acordo com os dias efectivos de trabalho. 11. Foi aconselhado, no dia 20 de Novembro de 1995, a submeter-se a um programa de reabilitação, e, no dia 21 de Fevereiro de 1996, ainda aguardava eventual intervenção cirúrgica, tendo sido dado como curado pelo perito médico do tribunal no dia 25 de Junho de 1996, embora com sequelas impeditivas do exercício da actividade profissional e fez inúmeras viagens em transportes públicos aos Hospitais da Covilhã e de Coimbra, aos médicos e ao tribunal, no valor global de 100.000$00. 12. Ficou com uma incapacidade geral temporária total durante 60 dias, e com uma incapacidade geral temporária parcial de 60% durante 377 dias, e com uma incapacidade temporária profissional total desde o dia 2 de Outubro de 1995 até ao dia 11 de Dezembro de 1996, e com incapacidade permanente geral parcial de 50% a partir da data da consolidação, fixável no referido dia 11 de Dezembro de 1996. 13. Ainda continua em reabilitação e necessita de nova intervenção cirúrgica que só não efectuou por não ter possibilidades económicas para a mesma, aguarda que os hospitais públicos lha marquem, continua a ter dores e a andar em tratamentos de fisioterapia e à base de medicamentos, necessitando da ajuda de familiares e amigos para quase todos os serviços, por não conseguir efectuar a generalidade das tarefas, mesmo as mais simples. 14. Sofreu um quantum doloris, durante o período de incapacidade temporária, qualificável de "muito importante", dentro do escalonamento seguinte: 1 - muito ligeiro; 2 - ligeiro, 3 - moderado; 4 - médio; 5 - considerável; 6 - importante e 7 - muito importante, e ficou com um dano estético qualificável de "considerável", dentro do escalonamento acima referenciado, e sofre de prejuízo de afirmação pessoal qualificável de "médio", dentro do seguinte escalonamento: 1 - moderado; 2 - médio; 3 - considerável; 4 - importante e 5 - muito importante. 15. Vive desgostoso e triste por se ver um homem irreversivelmente incapaz e sofre por saber que nunca mais poderá ser escorreito como era, vivendo com a preocupação de, à morte dos pais, ficar sozinho e abandonado, sem trabalho e sem quem o ajude, e, em consequência das lesões referidas, ficará aleijado e incapacitado para o resto da vida. 15. Na ocasião do acidente e por causa dele e nas operações e tratamentos que fez sofreu muitas dores, continuando a viver com ansiedade a nova operação a que terá de submeter-se, o que o traz triste, desgostoso e pessimista quanto à possibilidade de piorar. 16. Entre a hora do acidente, pelas 01.20 horas, e a hora da sua morte, pelas 04.20, H, que era alegre, viva e desembaraçada, sofreu fortes dores, angústias e inquietações, e o custo do seu funeral importou em 140.000$00. 17. A morte de H causou a A e B profunda dor, tendo ambos ficado em estado de choque, e ainda hoje mantendo luto pesado por não conseguirem apagar a memória dela, a mais nova de quatro irmãos, tendo estes e em particular os seus pais especial carinho por ela. 18. H ajudava os pais em casa, na lide doméstica, e em trabalhos domésticos, tendo estado antes empregada numa Confecção e, aquando do evento, namorava, desde há alguns meses, com C, perspectivando um casamento próximo que os seus pais viam com agrado. III A questão essencial decidenda é a de saber se o recorrido deve ou não ser condenado a indemnizar os recorrentes nos mesmos termos em que o foi o recorrido E. Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação dos recorrentes, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - objecto do recurso e núcleo de facto que nele releva; - a obrigação de segurar relativa a motociclos; - estatuto do D; âmbito da obrigação de indemnização ou de compensação pelo D; - limites negativos da obrigação de indemnizar ou de compensar do D; - há ou não nexo de causalidade adequada entre o evento em causa e a falta de segurança na condução derivada do transporte no motociclo de três pessoas? - síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei. Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões. 1. Comecemos pela descrição do objecto do recurso e do núcleo de facto que nele releva. Não está em causa no recurso o facto ilícito do recorrido E envolvido de culpa lato sensu, o dano patrimonial e não patrimonial, o nexo de causalidade entre este e aquele facto, a que se reportam os artigos 483º, nº 1, 562º e 563º do Código Civil. O objecto do recurso não se reporta, com efeito, ao direito de indemnização e ou de compensação dos recorrentes nem à sua quantificação que, numa parte foi fixada e, noutra, relegada para momento posterior. Assim, o referido recurso apenas tem por objecto a questão de saber se o D também está ou não vinculado, no caso espécie, por força da lei, a indemnizar e ou compensar os recorrentes. Delimitado o objecto do recurso, verifiquemos o núcleo de facto que nele releva. E e C eram amigos, e H, namorada do último, foram passear no fim do dia 1 e princípio do dia 2 de Outubro de 1995 - 23.00 horas e 01.00 horas - na moto, Yamaha FZR 1000, de matrícula nº BQ, o primeiro a conduzir, C sentado em último lugar e, entre eles, H, esta sem capacete de protecção na cabeça. Passada a extensa recta que antecedia o cruzamento de uma estrada nacional, ao aproximar-se de uma curva para a esquerda, por virtude de imprimir ao motociclo velocidade superior a 100 quilómetros por hora, apesar de ter feito reduções com o motor, não a conseguiu descrever, seguiu em frente, subiu o triângulo separador de vias existente na bifurcação de estradas, colidiu com uma placa de sinalização, continuou a sua marcha desgovernada, atravessou todo o cruzamento, saiu da estrada e imobilizou-se num terreno confinante com a estrada, a vinte e um metros do local do embate. E, H e C foram projectados e caíram no solo, em razão do que sofreram as lesões acima referidas e a segunda a morte. Para além dos referidos factos, outros inferiu a Relação de factualidade que considerou provados, a que adiante se fará referência. 2. Vejamos agora quais são os sujeitos de obrigação de segurar. A lei define os motociclos como sendo os veículos dotados de duas ou três rodas, com motor de propulsão, com cilindrada superior a 50 centímetros cúbicos ou que, por construção, excedam em patamar a velocidade de 45 quilómetros por hora (artigo 107º, nº 1, do Código da Estrada de 1994). Atenta a estrutura do veículo a motor em causa, estamos perante um motociclo. A obrigação de outorgar em contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel recai sobre todos aqueles que possam ser civilmente responsáveis pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, cujo cumprimento condiciona a possibilidade de circulação (artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro). A referida obrigação impende sobre o proprietário ou o usufrutuário do veículo, comprador sob reserva de propriedade e locatário no contrato de locação financeira (artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro). Assim, a obrigação de outorgar em contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil impende, além do mais, sobre o proprietário do veículo automóvel de matrícula portuguesa, como condição de circulação nas vias públicas (artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro). A obrigatoriedade do seguro em causa justifica-se por uma razão de protecção social das vítimas, algo como a socialização do risco derivado da circulação rodoviária. E o contrato de seguro de responsabilidade civil em causa garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos mencionados sujeitos da obrigação de segurar e dos legítimos detentores e condutores dos veículos (artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro). Como E era o proprietário do aludido motociclo, tinha obrigação de outorgar em contrato de seguro de responsabilidade civil, mas não a cumpriu, certo que circulava com ele nas vias públicas sem essa outorga. E foi essa omissão de segurar por parte de E que motivou o accionamento do recorrido pelos recorrentes a fim de obterem dele a mencionada indemnização por danos patrimoniais e compensação por danos não patrimoniais. 3. Atentemos agora no estatuto jurídico do D e na sua função no âmbito da indemnização por danos decorrentes de acidentes de viação. O D foi criado pelo Decreto-Lei nº 408/79, nos termos do Decreto Regulamentar nº 58/79, ambos de 25 de Setembro. No último dos referidos diplomas foi estabelecido que lhe incumbia satisfazer as indemnizações por morte ou lesões corporais consequentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório nos casos previstos no artigo 20º do Decreto-Lei nº 408/79 (artigo 2º, nº 2). Excluía, porém, também sob remissão para o artigo 7º do Decreto-Lei nº 408/99, de 25 de Setembro, da sua responsabilidade indemnizatória determinados danos (artigo 3º). Entretanto, foi publicada a segunda Directiva do Conselho da Comunidade Económica Europeia destinada a que fosse assegurado nos Estados-Membros, um regime legal adequado em matéria de segurança social do risco de circulação automóvel, a que se seguiu, em Portugal, com o mesmo escopo finalístico, a publicação do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro. O referido diploma revogou expressamente o Decreto-Lei nº 408/79 e o Decreto-Regulamentar nº 58/79, ambos de 25 de Setembro, entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1986, e estabeleceu que o D prosseguia a sua existência e mantinha todos os seus direitos e obrigações (artigos 38º, 40º e 41º, nº 1). O D está integrado no Instituto de Seguros de Portugal, por quem é gerido (artigo 22º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, e 5º, nº 2, alínea s), do Decreto-Lei nº 251/97, de 26 de Setembro). Apesar de integrado no Instituto de Seguros de Portugal, é dotado de personalidade judiciária (artigos 29º, nº 6, e 38º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, 5º, nº 3, e 8 do Decreto-Regulamentar nº 58/79, de 30 de Setembro). Compete-lhe satisfazer, nos termos do respectivo Capítulo III, as indemnizações decorrentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório matriculados em Portugal ou em alguns países terceiros em relação à União Europeia (artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro). Garante a indemnização por danos decorrentes de acidentes originados pelos veículos mencionados, por morte ou lesões corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz, ou for declarada a insolvência da seguradora, ou por lesões materiais quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido ou eficaz (artigo 21º, nº 2, do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro). O direito à indemnização invocado pelo lesado quando demanda o D é fundado na mesma causa de pedir complexa integrante da dinâmica do evento e dos estragos ou lesões dele decorrentes e nas normas jurídicas que ele invocaria no confronto da seguradora se contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel houvesse. Grosso modo, o D ocupa, por força da lei, a posição de alguma seguradora que seria accionada se o obrigado a outorgar o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel tivesse cumprido a sua obrigação. Preenche a mesma função social que justifica a necessidade da obrigatoriedade do seguro do risco da circulação rodoviária automóvel a cargo das seguradoras. 4. Vejamos agora os limites positivos e negativos da obrigação de indemnizar ou de compensar do D. Tendo em conta a função do D, a que acima se fez referência, ser-lhe-ão aplicáveis, conforme, aliás, resulta do artigo 24º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, várias das disposições e princípios que disciplinam a responsabilidade das seguradoras, certo que ele desempenha o objectivo social que justifica obrigatoriedade do seguro do risco da circulação rodoviária automóvel. Ao invés do que os recorrentes alegaram, independentemente da motivação das exclusões do âmbito da cobertura do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, a lógica do sistema implica o posicionamento do D em termos essencialmente paralelos às seguradoras, como aliás decorre do artigo 24º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro. Face aos factos provados, tendo em conta o mencionado quadro legal, se norma de exclusão não houver, o D estará vinculado a indemnizar e a compensar os recorrentes nos termos por eles pretendidos. O Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, excluía da garantia do seguro obrigatório, aquando do evento de viação em causa, além do mais que aqui não releva, quaisquer danos causados aos passageiros transportados em contravenção ao disposto no nº 3 do artigo 17º do Código da Estrada (artigo 7º, nº 4, alínea d)). O normativo da alínea d) do nº 4 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, com a referida redacção, só foi revogado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 130/94, de 19 de Maio, que apenas entrou em vigor no dia 31 de Dezembro de 1995. Assim, como o acidente em causa ocorreu no dia 2 de Outubro de 1995, ou seja, ainda no domínio da vigência da antiga alínea d) do nº 4 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, importa que, no caso em análise, se tenha em conta o seu conteúdo (artigo 12º, nº 1, do Código Civil). O artigo 17º, nº 3, do Código da Estrada de 1954 expressava o seguinte: sem prejuízo do que está disposto em legislação especial, é proibido em qualquer veículo o transporte de pessoas fora dos assentos ou de modo a comprometer a segurança da condução, bem como a colocação de bancos suplementares, com excepção das crianças quando transportadas ao colo. Assim, as lesões ou a morte sofridas por algum passageiro que fosse transportado em infracção ao disposto no mencionado normativo estavam excluídas do âmbito dos contratos de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, ou seja, da obrigação de ressarcimento das seguradoras que neles tivessem outorgado. Todavia, à data do acidente em causa, no dia 2 de Outubro de 1995, normativo correspondente ao antigo 17º, nº 3, do Código da Estrada de 1954, era o do artigo 55º, nº 3, do Código da Estrada de 1994, estabelecendo ser proibido o transporte de passageiros em número ou de modo a comprometer a sua segurança ou a segurança da condução. Ora, o Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, estabelece ser aplicável ao D, além do mais que aqui não releva, a exclusão constante da alínea d) do nº 4 do artigo 7º (artigo 24º). Por isso, não podia ser responsabilizado pela indemnização de danos que não seriam da responsabilidade de alguma seguradora da responsabilidade civil se a houvesse, sob pena de assumir a responsabilidade fora do âmbito de tal seguro, visto ser-lhe aplicável a mencionada exclusão. Assim, tendo em conta o mencionado normativo, os danos decorrentes das lesões sofridas por H e pelo recorrente C não estão abrangidas pela obrigação de ressarcimento do recorrido D. Por isso, ao invés do que os recorrentes alegaram, ao decidir no sentido de que a aludida exclusão se aplicava ao recorrido, a Relação não infringiu o disposto nos artigos 7º, nº 4, alínea d), primitiva redacção, e 21º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro. 5. Atentemos agora sobre se a não verificação do nexo de causalidade entre o evento e a falta de segurança na condução derivada do transporte no motociclo de três pessoas implica ou não a responsabilização do recorrido. Conforme resulta de II 1, E, ao aproximar-se de uma curva para a esquerda, por virtude de imprimir ao motociclo velocidade superior a cem quilómetros por hora, não obstante a ter reduzido com o motor, não a conseguiu descrever e saiu da estrada e provocou a projecção e a queda dos três no solo. A Relação depois de interpretar o artigo 55º, nº 3, do Código da Estrada no sentido de que o simples facto de se registar um excesso de pessoas transportadas, sem que se demonstrasse objectivamente que tal implicava pôr em causa a segurança dessas pessoas ou da condução, não integra a sua previsão, expressou que a dinâmica do evento em causa fazia concluir que o facto circular com um passageiro a mais do que o previsto como sendo a sua lotação, terá contribuído também para a produção do acidente. Justificou essa conclusão na circunstância de se tratar de um motociclo pesado com cilindrada de mil centímetros, por isso com a sua mobilidade e facilidade de condução necessariamente restringida face a uma lotação superior à prevista, situação ainda agravada pela circulação a mais de cem quilómetros por hora. E acrescentou, por um lado, que, segundo a regras da experiência comum no domínio da circulação de motociclos, o transporte de três pessoas representa uma actuação perigosa pela alteração da estabilidade e da aerodinâmica própria deste tipo de veículos, potenciando a verificação de acidentes. E, por outro, revelarem os factos provados, em abstracto, que a circulação, tal como se verificou, é perigosa, e que o foi em concreto, e que a segurança dos passageiros e da condução foi comprometida pelo transporte do terceiro passageiro. As presunções judiciais são as ilações que o juiz ou o colectivo dos juízes extraem de factos conhecidos para firmar factos desconhecidos (artigo 349º do Código Civil). Tal como é afirmado pelos recorrentes, a Relação extraiu dos factos conhecidos a mencionada conclusão de facto, nos termos do artigo 349º do Código Civil, no âmbito da sua competência funcional (artigo 712º do Código de Processo Civil). Assim, a Relação, no âmbito da sua competência, fixou a referida vertente da matéria de facto por via de presunção judicial, naturalmente por via de regras da experiência, juízos correntes de probabilidade e princípios da lógica. O Supremo Tribunal de Justiça, cuja competência regra se cinge à matéria de direito, não pode sindicar o juízo de facto formulado pela Relação para operar a ilação a que a lei se reporta, salvo se ocorrer a situação prevista na última parte do nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil (artigos 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro). Assim, não pode este Tribunal sindicar o juízo da Relação ao considerar que o transporte de três pessoas no motociclo comprometeu a sua segurança e a da condução. Acresce que, já em quadro de sindicância da interpretação e de aplicação normativa, não se vislumbra que na formulação desse juízo de facto pela Relação, tivesse ocorrido a infracção do disposto no artigo 349º do Código Civil. Não tem, por isso, fundamento legal a alegação dos recorrentes no sentido de que a referida operação de ilação pela Relação infringiu os artigos 55º, nº 3, do Código da Estrada e 7º, nº 4, alínea d), do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro. 6. Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso decorrente dos factos e da lei. E, proprietário do motociclo em causa, conduziu-o nas vias públicas, nos dias 1 e 2 de Outubro de 1995, sem outorga em contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, cuja celebração era condição necessária de tal circulação. Nesse acto de condução, em que transportava como passageiros o recorrente C e H, filha dos recorrentes A e B, com excesso de velocidade, provocou lesões naqueles passageiros, das quais para a primeira resultou a morte. O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o juízo de facto da Relação ao operar a ilação de que o transporte de três pessoas comprometia a sua segurança e a da condução. Inexiste fundamento legal para se concluir no sentido de que a Relação, ao proceder à mencionada inferência, infringiu o disposto no artigo 349º do Código Civil. O proémio e a alínea d) do nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, excluem incondicionalmente da garantia do seguro os danos causados aos passageiros quando transportados em contravenção no aludido normativo do Código da Estrada. Consequentemente, a lei prescinde, com vista à referida exclusão, do nexo de causalidade adequada entre o transporte ilegal de três passageiros no motociclo e a eclosão do evento danoso. Por isso, o regime de ressarcimento de lesados em acidente de viação pelo D não abrange as lesões sofridas pelas pessoas que no dia 2 de Outubro de 1995 seguiam no motociclo em infracção do disposto no artigo 55º, nº 3, do Código da Estrada. Os recorrentes não têm, por isso, direito a exigir do recorrido a indemnização e a compensação em causa. Improcede, por isso, o recurso. Vencidos, são os recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Todavia, como os recorrentes beneficiam do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e custas, tendo em conta o disposto nos artigos 15º, nº 1, 37º, nº 1, e 54º, nºs 1 a 3, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, 57º, nºs 1 e 2, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nºs 1 e 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para a sua condenação no pagamento das custas em causa. IV Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso interposto por A, B e C. Lisboa, 19 de Maio de 2005. Salvador da Costa, Ferreira de Sousa, Armindo Luís. |