Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | SÉRGIO POÇAS | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DIREITO À INDEMNIZAÇÃO DANOS PATRIMONIAIS DANO BIOLÓGICO INCAPACIDADE PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO DANOS FUTUROS EQUIDADE CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 03/29/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 8º,Nº3,483º, 494º, 496º E 566º DO CC E PORTARIAS Nº 377/2008 DE 26/05 E Nº 679/20009 DE 25/06. | ||
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Sumário : | I -.A perda de capacidades funcionais constitui dano (dano biológico) indemnizável que, dada a sua natureza, se autonomiza do dano abrangido pela pensão vitalícia fixada no foro laboral. II - Tendo em atenção idade do lesado (35 anos, aquando o acidente), o grau de desvalorização (30%), e os critérios previstos nas Portarias n.ºs 377/2008, de 26-05, e 679/20009, de 25-06, se bem que meramente indicativos, e no respeito da equidade (artigo 566º, nº 3 do CC), é adequada indemnização de € 40.000,00 a título de dano biológico. III - Face nomeadamente ao disposto no art. 483.º, n.º1, do CC, o direito de indemnização com base em facto ilícito, por via de regra, restringe-se à pessoa directamente lesada com a acção ou omissão geradora da obrigação de indemnizar. IV - O facto da empresa de que o lesado é sócio-gerente ter visto reduzida a sua actividade aquando da doença daquele não constitui um dano deste, mas da empresa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório AA intentou, em 10-5-2004, no Tribunal Judicial de Arouca, acção declarativa, na forma ordinária, contra a Companhia de Seguros BB, S.A., hoje, Companhia de Seguros CC, S.A.. Pede a condenação da R. no pagamento da quantia de € 445.000,00, acrescida de juros de mora a contar da citação. Pretende, deste modo, ser ressarcido pelos danos sofridos em consequência de um acidente de viação ocorrido em 4-2-2002, em Escariz, Arouca, no qual intervieram o veículo automóvel pesado de mercadorias ...CS, propriedade do A. e por ele conduzido, e o veículo automóvel pesado de mercadorias …KE, conduzido pelo seu proprietário DD, a quem imputa a culpa pela ocorrência do mesmo, sendo que a responsabilidade civil emergente da sua circulação havia sido transferida para a R., por contrato de seguro. Na contestação a R., aceitando a responsabilidade decorrente do acidente, impugna os danos alegados e os montantes indemnizatórios peticionados. Além disso, requer a intervenção da Companhia de Seguros EE - Companhia de Seguros, S.A., por ter assumido a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho relativamente ao A. e, nessa qualidade, já haver efectuado pagamentos. Admitida a intervenção, aquela Companhia de Seguros formulou o seu pedido de reembolso, que foi sucessivamente ampliando. Até que, a fls 692, e por se considerar inteiramente ressarcida, pela R., do que pagou em cumprimento daquele contrato, foi julgada extinta, relativamente a ela, a instância por inutilidade superveniente da lide. Proferido o despacho saneador, com elaboração da base instrutória, realizou-se o julgamento. Após o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 115.000,00, acrescida de juros de mora a contar da citação. Inconformada, a R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, tendo o A. interposto recurso subordinado. No Tribunal da Relação foi decidido: .«… julgando parcialmente procedentes, quer o recurso interposto pela R., quer o recurso subordinado interposto pelo A., em condenar a R. a pagar ao A., a título de indemnização, a quantia de € 60,000,00, acrescida de juros de mora nos termos já determinados na sentença recorrida. Inconformados com esta decisão recorreram o Autor e a Ré para o STJ. Concluiu o Autor: 1ª - A compensação de 40.000 euros fixada no acórdão recorrido para os danos não patrimoniais não teve em conta a extensão dos danos sofridos pelo Autor relativos ao acidente e às suas sequelas imediatas e relativos à sua incapacidade permanente. 2ª - Para situações similares, a jurisprudência tem vindo a ponderar valores próximos do fixado na decisão de 1ª instância, de 115.000€. 3ª - A incapacidade parcial permanente é ela própria um dano patrimonial presente, porque se traduz num agravamento da penosidade para a execução, com normalidade e regularidade, das tarefas diárias, acarretando ao Autor um esforço suplementar. 4ª - A perda de rendimento foi indemnizada ao Autor pela seguradora do trabalho, através do pagamento das pensões, mas não a diminuição do valor das suas capacidades funcionais. 5ª - A indemnização pela diminuição do valor das suas capacidades funcionais terá de se fazer por referência à idade, à esperança média de vida, ao salário e à IPP. 6ª - Tendo em conta estes factores, e as tabelas de cálculo de danos futuros generalizadamente aceites, o minus indemnizatório não poderá afastar-se do valor pedido de 110.000 €. 7ª - Os valores apurados (para os danos não patrimoniais e para o dano de perda da capacidade funcional, ou dano biológico), de 40.000€ e 10.000€ não se harmonizam com os critérios ou padrões que vêm sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis, pelo que no juízo proferido o julgador ficou aquém dos limites da discricionariedade consentida pelas normas que mandam julgar de acordo com a equidade. 8ª - No acórdão recorrido fez-se incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 483°/1, 496°/1 e 4, 562°, 564°/1 e 2 e 566°/3 do Código Civil. Nestes temos, - Revogando-se nesta parte o acórdão recorrido e condenando-se a Ré a pagar ao Autor, para além do que dele já consta, uma compensação por danos morais de 115.000€ e uma indemnização pela perda da capacidade funcional de 110.000€, com os respectivos juros, Se fará Justiça.
Concluiu a Ré: 2.É excessiva a quantia de € 40.000,00 arbitrada para indemnizar o dano moral que as sequelas determinantes de uma incapacidade permanente parcial de 30%, as dores, cirurgias, tratamentos e hospitalizações a que o A. foi sujeito acarretam para o mesmo, devendo ser reduzida a € 22.000,00. 3.A verba de € 110.000,00 que reclama agora o A. a título de indemnização do valor das suas capacidades funcionais, verba a acrescer à indemnização pela perda de rendimento que recebeu e vai receber até morrer da seguradora de acidentes de trabalho - a dita EE - é uma grotesca duplicação indemnizatória. 4.Na indemnização arbitrada a título de danos morais, está já incluído, como se reconhece na própria decisão em crise, o dano biológico. 5.Autonomizar-se depois o mesmo para lhe atribuir uma indemnização de € 10.000,00 é duplicar a indemnização pelo mesmo dano. 6.Trata-se de um duplicar de indemnizações pelo mesmo dano, e, como tal, violador do disposto nos Artigos 483° e 562° CCiv.. 7.Não é devida ao A. qualquer indemnização de € 10.000 a título de perda de rentabilidade da empresa de que o A. é sócio enquanto esteve afastado da gerência. 8.Para além de tal perda de rentabilidade ser ficcionada, tal dano não surge na esfera dos sócios mas da própria sociedade, pessoa jurídica autónoma, com personalidade e capacidade judiciária. 9.O A. não tem legitimidade activa para demandar o responsável por tal dano, tal como ocorreria se fosse destruída propriedade de tal entidade - não foram violadas normas que protegessem interesses seus mas antes e apenas normas que protegem os direitos e interesses da própria sociedade. 10.A decisão recorrida violou, assim, o Art. 483° CCiv. 11.Sem prescindir, caso se entenda ser tal dano indemnizável directamente ao A., o que se concebe apenas para efeitos de raciocínio, a quantia de € 1.000,00 é mais que adequada. 12.Ao arbitrar indemnização de € 10.000,00 a decisão recorrida pecou uma vez mais por excesso, com o qual violou o Art. 562° CCiv.. Nestes termos, e ainda pelo muito que, como sempre não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que reduza os valores arbitrados a título compensatório e indemnizatório nos moldes propugnados, por ser de inteira Justiça!
Não foram apresentadas contra-alegações com autonomia formal. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Sem prejuízo do conhecimento oficioso que em determinadas situações se impõe ao tribunal, o objecto e âmbito do recurso são dados pelas conclusões extraídas das alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC). Nas conclusões, o recorrente deve – de forma clara e sintética, mas completa – resumir os fundamentos de facto e de direito do recurso interposto.
Face ao exposto e às conclusões formuladas, importa resolver: a) se a indemnização arbitrada por danos não patrimoniais dever ser alterada; b) se deve ser arbitrada indemnização por dano biológico no montante de € 110.000, 00; c) se deve ser arbitrada indemnização pela decréscimo da actividade da empresa do autor: II.I. De Facto Já com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação foram considerados provados os seguintes factos: 1 - No dia 4 de Fevereiro de 2002, cerca das 14,55h, na Estrada Municipal (sem número) de Cacús, em Escariz, Arouca, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo pesado de mercadorias de matrícula ...CS, pertencente ao autor e por ele conduzido, e o veículo pesado de mercadorias de matrícula -KE, pertencente a DD e por ele conduzido (A); 2 - O CS transitava no sentido Cacús-Alagoas, pela metade direita da faixa de rodagem, considerado o seu sentido, junto à berma do seu lado direito, a uma velocidade não superior a 20 km/hora (B); 3 - Em sentido contrário (Alagoas-Cacús) transitava o veículo KE (C); 4 - No local a estrada, com uma faixa de rodagem de 5 metros, em asfalto e em razoável estado de conservação, descreve uma curva para a esquerda, considerado o sentido de marcha do veículo do Autor (D); 5 - O KE, ao entrar na curva, para a sua direita, considerado o seu sentido, não acompanhou a sua curvatura e seguiu em frente (E); 6 - E por isso ultrapassou o eixo da via, para a esquerda, e invadiu a hemifaixa de rodagem contrária, no preciso instante em que aí transitava o CS (F); 7 - Quando se apercebeu que o KE invadia a sua hemi-faixa, o Autor travou o seu veículo e guinou à sua direita (G); 8 - Mas, atendendo à largura da estrada e às larguras dos veículos e ao facto de já transitar totalmente à direita da estrada, o CS não dispunha de qualquer espaço para onde pudesse desviar-se (H); 9 - Pelo que o KE colidiu com a sua parte da frente na parte da frente esquerda do CS (I); 10 - A colisão ocorreu a cerca de 1,60m da berma direita, considerado o sentido do veículo do Autor, dentro da sua hemifaixa de rodagem (J); 11 - O Autor nasceu a 16 de Junho de 1967, e é casado (L); 12 - À data do acidente, pela apólice n°…, o proprietário do KE havia transferido para a Ré, "Companhia de Seguros CC" a responsabilidade civil decorrente dos danos causados pela condução, até ao limite do seguro obrigatório (M); 13 - A Ré reconheceu, por carta de 19 de Março de 2002, que a responsabilidade pela produção do acidente coube na íntegra ao condutor do KE, seu segurado (N); 14 - No acidente, o seu veículo automóvel ficou destruído, tendo a Ré, em Agosto de 2002, pago ao Autor o valor acordado (O); 15 - À data do acidente o Autor deslocava-se no exercício das suas obrigações profissionais e no interessa da entidade para quem prestava o seu trabalho, a empresa "Construções FF, Lda" (P); 16 - Nessa data a responsabilidade civil da referida empresa pelos acidentes de trabalho estava transferida, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº…, para a Interveniente "Companhia de Seguros EE, S.A." (Q); 17 - Nos termos do referido contrato o Autor era beneficiário das garantias pelo salário transferido de € 748,20 x 14 meses, acrescido de subsídio de almoço de €89,94 (R); 18 - O acidente foi participado à Interveniente e no âmbito do processo de acidente de trabalho foi atribuído ao Autor uma ITA, a partir de 4-8-2003, que em virtude de revisão requerida pela Interveniente foi alterada para IPP de 44,92% (S); 19 - A interveniente liquidou directamente ao Autor e a entidades que lhe prestaram serviços integrados na sua recuperação as indemnizações salariais devidas por todo o período de ITA no valor de €11.924,64 (T); 20 - Por tentativa de conciliação ocorrida no dia 19 de Janeiro de 2004 no âmbito do processo n°127/93.7TTOAZ, que correu seus termos pelo Tribunal de Trabalho de Oliveira de Azeméis, a Interveniente foi condenada a liquidar ao Autor uma pensão anual vitalícia de € 9.109,71, com início em 5-8-2003, tendo a interveniente pago, a esse título, no período compreendido entre 5.8.2003 e 30.6.2009, a quantia global de €26.312,09, para além da quantia de €23.967,76, liquidada no dia 21.6.2006, correspondente ao valor do capital de remição (U); 21 - Com a colisão, a cabine do CS ficou deformada e amolgada, tendo o Autor ficado encarcerado no seu interior (1°); 22 - Vindo a ser retirado uma hora depois pelos bombeiros, que entretanto acorreram ao local (2°); 23 - Em consequência directa da colisão, o Autor sofreu fracturas das duas pernas, sendo a direita em dois pontos (na tíbia e no perónio) e a esquerda em sete (quatro no fémur e três na tíbia e no perónio) e lesões na bacia e na bexiga e nos ligamentos dos joelhos (3°); 24 - Após o acidente, o Autor foi transportado de ambulância para o Hospital de S. João da Madeira, onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica às duas pernas, com encavilhamento endomedular do fémur e da tíbia direita e fixação bipolar da tíbia esquerda (4°); 25 - Esteve aí internado durante três semanas e meia (5°); 26 - Após o que passou dois dias em casa, tendo depois regressado ao Hospital, de onde foi transferido para o Hospital de Santa Maria, no Porto (6°); 27 - O Autor esteve internado neste Hospital até princípios de Junho de 2002 (7°); 28 - Aí o Autor foi submetido a quatro intervenções cirúrgicas à perna esquerda, sempre com anestesia geral (8°); 29 - Veio entretanto para casa, para que a convalescença se fizesse mais próximo da sua família (9°); 30 - Em 8 de Agosto de 2002, o Autor foi de novo internado no Hospital de Santa Maria, durante oito dias (10°); 31 - Neste período, o Autor foi operado mais uma vez à perna esquerda, para retirar os ferros, sendo-lhe ainda feito um enxerto do osso (11°); 32 - A partir de então, e com vista à sua recuperação física, o Autor passou a ser submetido a tratamentos de enfermagem e de fisioterapia, cinco dias por semana, duas horas por cada sessão, em Vale de Cambra, até Julho de 2003 (12°); 33 - Além disso, o Autor passou a ser submetido a tratamentos médicos e de enfermagem no Hospital de Santa Maria, no Porto, três vezes por semana, da parte da tarde (13°); 34 - Em Março de 2003, o Autor foi submetido, no Hospital de Santa Maria, a nova intervenção cirúrgica à perna esquerda (14°); 35 - Em Julho de 2003, o Autor foi submetido a mais uma intervenção cirúrgica, no mesmo Hospital, às duas pernas (15°); 36 - Em Novembro de 2003, o Autor foi submetido a mais nove intervenções cirúrgicas às pernas, sempre com anestesia geral, e sempre por causa dos danos sofridos no acidente (16°); 37 - Durante este tempo, as fracturas começaram então a apresentar-se em vias de consolidação óssea, mas com fenómenos de osteomielite e abundante supuração do fémur esquerdo (17°); 38 - Por causa do acidente e das lesões corporais sofridas, das intervenções cirúrgicas e dos tratamentos, o Autor sofreu muitas dores e à vezes continua a sofrer dores (18°); 39 - Até ao fim de 2003, o Autor esteve totalmente incapacitado de se movimentar, sem qualquer autonomia, dependendo da boa vontade e da ajuda de terceiros (19°); 40 - Para os tratamentos, em Vale de Cambra e no Porto, o Autor faz-se transportar de ambulância e de táxi (20°); 41 - O Autor só se movimentava com o auxílio de canadianas, e só a partir de começos de 2004 é que recomeçou a conduzir automóvel (21°); 42 - Em consequência do acidente e das lesões sofridas, o Autor claudica, não tem resistência física nas pernas, não pode movimentar pesos, não pode permanecer muito tempo de pé, perdeu a agilidade, tem extensas cicatrizes nas pernas e tem sobretudo a perna esquerda muito deformada e com a sua funcionalidade prejudicada e reduzida (22°); 43 - As lesões sofridas, nas pernas e nos joelhos, são irrecuperáveis, ficando o Autor com uma acentuada incapacidade física permanente, tanto para o exercício da sua profissão, como para o desempenho das actividades quotidianas correntes (23°); 44 - Esta incapacidade é de 30% (24°); 45 - O seu relacionamento social e familiar ficou afectado, pois o Autor não mais pode conviver com amigos e familiares como antes fazia, estando diminuído e inferiorizado na sua movimentação física (25°); 46 - À data do acidente, o Autor era uma pessoa saudável, activo, de porte elegante, sentindo-se bem com a sua figura (29°); 47 - Era ágil, dinâmico, gostando de praticar ginástica, andar de bicicleta, correr e conviver com a família e os amigos (30°); 48 - O Autor era um homem feliz, com talento empresarial e com sucesso profissional e social, de convívio agradável e franco (31°); 49 - Depois do acidente, quando tomou conhecimento da extensão irreversível do dano físico sofrido, o Autor sentiu-se deprimido (32°); 50 - À data do acidente, o Autor era o gerente de uma sociedade comercial de construção civil, constituída por ele e por sua mulher sob o nome de "Construções FF, Lda" (34º); 51 - Era o Autor quem a geria, sozinho, dando orçamentos de projectos de construção, executando as obras, contratando empregados, orientando-os, transportando-os, comprando materiais de construção e equipamentos (35°); 52 - Antes do acidente o Autor, por vezes, trabalhava com os seus empregados, em todos os trabalhos de construção civil, nomeadamente de pedreiro, de cofragem, em pinturas (36°); 53 - Todos estes trabalhos da construção civil exigem força, perícia, habilidade e robustez física (37°); 54 - Presentemente, só a partir de Fevereiro de 2004, é que o Autor começou a poder prestar alguma atenção à sua sociedade, embora muito ajuda de terceiros e com pouca mobilidade física (38°); 55 - Por causa do acidente e da sua ausência dos locais das obras, a actividade da sua empresa ressentiu-se e diminuiu, com quebras de rentabilidade (39°); 56 - Todos os trabalhos de orientação e controle da sua empresa passaram a ser desempenhados pelos seus empregados mais antigos, mas mesmo assim com perdas de rentabilidade (40°); 57 - À data do acidente, o Autor declarava o ordenado mensal de 748,20 euros, pelas funções de gerente da sua empresa, incluindo também subsídio de férias e de Natal (41°); 58 - No ano de 2003, a empresa do Autor teve um lucro líquido de €5. 865,62 (42°); 59 – Para além dos €50.279,35 que pagou ao A título de pensões e de remição parcial pela perda de rendimento futuro decorrente da sua incapacidade permanente parcial, a interveniente pagou-lhe ainda a título de ITA a quantia de €11.924,64, bem como despesas assistenciais, em transportes e medicamentos, no que despendeu a quantia global de €116.293,46 (44°e 45º) II.II. De Direito 1.Da decisão da matéria de facto Como se sabe, o STJ conhece, em regra, somente de matéria de direito, aplicando definitivamente aos factos provados pelo Tribunal da Relação o regime jurídico que julgue adequado – artigos 26.º da LOFTJ e 729.º, n.º 1, do CPC. Consequentemente, e como resulta nítido dos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do CPC, está vedado a este Tribunal apurar o eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. De facto, só muito raramente a decisão definitiva da matéria de facto não é uma decisão das instâncias – importa ter presente. Assim não tendo sido questionada a decisão da matéria de facto, nos termos excepcionais acima referidos, aquela tem-se como assente, para todos os legais efeitos, tal com foi definida pelo Tribunal da Relação.
2. 2. Da obrigação de indemnizar A responsabilidade civil por acto ilícito (artigo 483ºdo CC[1]) seja contratual, seja extracontratual, depende da verificação do facto, da ilicitude do facto, do nexo de imputação do facto ao agente que coenvolve a imputabilidade e a culpa, do dano e do nexo causal entre o facto e o dano, sendo verdade que na responsabilidade extracontratual - como é caso presente – os factos integradores daqueles requisitos devem ser alegados e provados pelo lesado (artigo 342º, nº 1, factos constitutivos do direito alegado). No caso que apreciamos está assente a obrigação de indemnizar por parte da recorrente Ré. Na verdade nesta matéria não há dissenso: o que se discute apenas são os montantes das indemnizações arbitradas. 2. Da indemnização pelos danos não patrimoniais A recorrente ré sustenta que o montante (€ 40.000,00) fixado é excessivo; no seu entender, deveria ser reduzido para € 22.000,00). Ao contrário, o Autor sustenta que deverá ser fixado o montante de € 115.000,00 Os recorrentes não têm razão. A Relação decidiu bem. Fundamentemos: Como se sabe não está em causa uma verdadeira indemnização, mas apenas encontrar o montante adequado da indemnização (mais rigorosamente uma compensação) por danos não patrimoniais de acordo com o disposto nos artigos 494º e 496º do CC. Como se sabe, a indemnização por danos não patrimoniais essencialmente visa a compensação pelo sofrimento causado pela lesão e não uma verdadeira reparação do dano. Ou seja, deve ser fixado um montante que de algum modo constitua um lenitivo para a dor moral suportada pelo lesado. No caso presente, tendo em atenção fundamentalmente as lesões sofridas, tempo de internamento suportado, as diversas e repetidas intervenções cirúrgicas a que se submeteu, a localização dos ferimentos, os tratamentos que teve, as dores sofridas as sequelas deixadas, o desgosto causado pelas sequelas deixadas e o tempo de doença sofrido, na linha da jurisprudência do STJ, apresenta-se como equilibrado o montante de 40.000 euros. Não se nos afigura útil repetir a correcta fundamentação da Relação, salvo no ponto em que engloba a questão do dano biológico, já que, como adiante se verá, tal dano será enquadrado apenas no dano patrimonial. Na verdade, o montante fixado está em conformidade com a factualidade provada (devidamente descrita na decisão recorrida) com as normais legais atinentes e com os critérios jurisprudenciais que o STJ[2] vem seguindo e que com resulta do nº 3 do artigo 8º devem ser ponderados pelo Tribunal. Assim nesta parte amos os recursos improcederão.
2.Da indemnização pelo dano patrimonial (dano biológico) A questão que se coloca é esta: Tendo o autor recebido a pensão vitalícia no ramo laboral, deve ser ainda indemnizado pela redução da sua capacidade funcional, pelo chamado dano biológico? No entender da ré, seria uma inadmissível cumulação de indemnizações. O autor, por sua vez, reconhecendo embora que já foi indemnizado (atribuição de uma pensão vitalícia) pela seguradora do ramo laboral, no que respeita à perda de rendimento, sustenta que com aquela pensão não ficou ressarcido o dano biológico. É este dano que pretende ver indemnizado. Cumpre decidir. É verdade que a pensão vitalícia fixada no foro laboral não contempla o dano biológico. Na verdade tal pensão visa indemnizar a redução na capacidade de trabalho do lesado (e não necessariamente, como parece pretender o autor, uma perda de ganho) e não a perda relevante de capacidades funcionais que as lesões sofridas lhe acarretam. Como se sabe, esta perda de capacidades funcionais constitui dano (dano biológico) indemnizável que, dada a sua natureza se autonomiza do dano abrangido pela pensão vitalícia, ao contrário do que entende a seguradora. Assim o autor tem razão quando entende que este dano não está abrangido pela referida pensão[3]. Na verdade as graves e irreversíveis sequelas das lesões nos dois membros inferiores que limitam de forma acentuada a mobilidade do autor, seja na sua vida pessoal, seja na sua actividade profissional, que encurtam o leque de opções de trabalho, que impõem uma acréscimo de esforço para realizar as suas actividades laborais ou de natureza pessoal, inquestionavelmente causam um dano patrimonial (o dano biológico) que merece a tutela do direito. No entanto o autor não tem razão quando pretende que a tal indemnização seja fixada em €110.000,00 Aqui sim, seria uma duplicação de indemnizações, já que o recorrente autor no fundo pretende que se utilizem as operações usuais para encontrar o montante indemnizatório relativo aos lucros cessantes, ou seja, como se não tivesse sido fixada a pensão vitalícia. Como é evidente, não pode ser. Do que se trata, como se disse acima é apenas de fixar a indemnização pelo dano biológico que se não confunde com a fixada no foro laboral relativa à redução da capacidade de trabalho e que não está em causa nestes autos. Assim tendo em atenção idade do lesado (35 anos, aquando o acidente) e o grau de desvalorização (30%), critérios previstos na Portarias nº377/2008 de 26/05 e nº 679/20009 de 25/06, se bem que meramente indicativos, e no respeito da equidade (artigo 566º,nº3 do CC) entende-se equilibrado fixar o montante indemnizatório por este dano (dano biológico) em € 40.000,00.
3. Da indemnização por dano patrimonial (perda de lucros) A recorrente seguradora tem razão. O facto da empresa de que o lesado é sócio gerente ter visto reduzida a sua actividade aquando da doença daquele não constitui um dano deste, mas da empresa, sendo verdade que apenas se provou que «por causa do acidente e da sua ausência dos locais das obras, a actividade da sua empresa ressentiu-se e diminuiu, com quebras de rentabilidade» (39º). Salvo o devido respeito, parece claro face nomeadamente o disposto no artigo 483º.nº1 do CC que o direito o direito de indemnização com base em facto ilícito por via de regra se restringe à pessoa directamente lesada com a acção ou omissão geradora da obrigação de indemnizar fundada em facto ilícito. Nos termos expostos, dando-se parcial provimento aos recursos, decide-se: a) revogar a decisão na parte em que condenou a ré a pagar € 10.000, 00 por danos patrimoniais (redução da actividade da empresa); b) alterar a condenação da ré no pagamento ao autor em €10.000,00 a título a titulo de indemnização por dano biológico para o montante de € 40.000,00 e juros de mora a partir da data de citação até integral pagamento, absolvendo-a do restante pedido formulado relativamente a este dano; . Custas pelos recorrentes na respectiva proporção Em Lisboa, 29 de Março de 2012
Sérgio Poças (Relator) Granja da Fonseca Silva Gonçalves ____________________________ |