Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A1380
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: FALÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: SJ200305200013806
Data do Acordão: 05/20/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 1147/02
Data: 11/14/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A", instaurou na 3ª Vara Cível de Lisboa uma acção declarativa ordinária contra B e sua mulher C, pedindo a condenação dos réus a pagar-lhe a importância de 59.592.711$00, acrescida de 16.412.826$00 de juros de mora vencidos, e dos vincendos à taxa legal até ao efectivo reembolso.
Os réus foram declarados em estado de falência por sentença proferida no processo 434/98 da comarca de Faro, transitada em julgado em 4.6.99.
A autora reclamou o seu crédito na falência, nos termos peticionados na acção posta na 3ª Vara Cível, que foi entretanto apensada à falência, a requerimento do liquidatário judicial.
Com base na existência daquela reclamação decidiu-se julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, tendo em conta o disposto nos artºs 287º, c), do CPC, e 188º do CPEREF (salvo menção em contrário, pertencerão a este diploma legal todos os textos legais citados).
Inconformada, a autora agravou desta decisão.
A Relação, porém, negou provimento ao recurso.
De novo inconformada, a autora agravou para este Supremo Tribunal, pedindo a revogação do despacho impugnado e a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento da causa.
Indicou como disposições legais violadas pela 2ª instância os artºs 311º e 327º do Código Civil; 287º, e), 288º, a), e 447º do CPC; e 141º, 154º, nº 1, 155º, nº 1, 160º, 188º, 207º e 231º a 239º do CPEREF.
Não houve contra alegações.


Os elementos factuais a ter em conta para decidir o recurso são os acima referidos.
A única questão a resolver, colocada nas conclusões do agravo, é a de saber se a reclamação nos autos de falência dos réus do mesmo crédito que se discute na acção declarativa contra eles pendente inutiliza a instância declarativa.
As instâncias responderam afirmativamente - e bem, em nosso entender.
A acção foi apensada à falência a requerimento do liquidatário, entidade que, uma vez nomeada, entra imediatamente em funções, cabendo-lhe além do mais representar a massa em juízo e fora dela e assumir a representação do falido para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à falência - artºs 134º, nº 4, a), 135º e 147º, nº 2.
O artº 154º, nº 3, dispõe que a declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido, o que significa, como bem se refere no acórdão recorrido, que mesmo no caso de procedência da acção declarativa a sentença não poderia ser dada à execução para cumprimento coercivo.
Por outro lado, consoante se estabelece imperativamente no artº 151º, nº 2, a declaração de falência determina ainda a cessação da contagem de juros ou de outros encargos sobre as obrigações do falido, o que se aplica, como é óbvio, aos juros reclamados pela autora.
Acresce que, segundo determina o artº 188º, nº 3 - disposição que também é de carácter imperativo - o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de falência, se nele quiser obter pagamento.
Face a esta norma, parece evidente que por maioria de razão se impõe a reclamação do crédito na falência quando ainda não exista sentença transitada a reconhecê-lo. Ora, foi isto, justamente, o que a autora fez, assim demonstrando que está interessada na sua satisfação, de harmonia com o que vier a decidir-se na sentença de verificação e graduação dos créditos (artº 200º). Sucede que, embora com as adaptações e especialidades inerentes à falência já decretada, a reclamação estrutura-se como uma verdadeira e própria acção declarativa, isto é, como uma causa na qual se apreciará a existência e o montante do mesmo direito de crédito em discussão na acção declarativa (artºs 190º e seguintes). Afigura-se, deste modo, que a reclamação legalmente desencadeada no âmbito da falência determina a inutilização superveniente da instância declarativa, na justa medida em que o fim visado por este processo fica "consumido" e "prejudicado" por aquele. É certo que no processo de reclamação a autora poderá ser confrontada com a contestação, não apenas dos falidos, mas também de todos os outros credores reclamantes, e ainda com os pareceres eventualmente desfavoráveis do liquidatário e da comissão de credores, factos que, teoricamente, são susceptíveis de dificultar o reconhecimento do seu direito. Isso, porém, é uma consequência inelutável do estado de falência dos réus judicialmente reconhecido e declarado, à qual nem a autora, nem qualquer outro credor que pretenda ver o seu crédito satisfeito pode escapar (citado artº 188º, nº 3). A lei não estabelece nenhum tratamento desigual infundado entre credores do falido consoante tenham ou não, anteriormente à declaração de falência, intentado acção declarativa visando o reconhecimento do mesmo crédito posteriormente reclamado no âmbito do processo falimentar. Não se vê, por isso, que haja qualquer interesse atendível e digno de protecção da autora que tenha sido, ou possa vir a ser postergado com a extinção da lide determinada pela introdução em juízo da reclamação de créditos na falência.
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 20 de Maio de 2003
Nuno Cameira
Afonso de Melo
Fernandes Magalhães