Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELDER ROQUE | ||
Descritores: | FALÊNCIA MASSA FALIDA CONCURSO DE CREDORES PRIVILÉGIO CREDITÓRIO HIPOTECA LEGAL CREDITO LABORAL | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 10/26/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - Quer na norma do art. 152.º, do CPEREF, quer no preâmbulo deste diploma, é sempre e, tão-só, aos privilégios creditórios que a lei se refere, sem qualquer alusão a outra garantia, nomeadamente, à hipoteca legal, inexistindo outros elementos capazes de sustentar uma extensão teleológica da respectiva previsão legal, ou a existência de um caso omisso, que deva ser, juridicamente, regulado. II - Tendo sido proferida a sentença que decretou a falência, em 18-07-2008, data a partir da qual os direitos de crédito dos trabalhadores da falida estavam vencidos e se haviam tornado exigíveis, e encontrando-se em vigor o art. 377.º, do CT de 2003, desde 28 -08-2004, aqueles gozam de privilégio imobiliário geral, e não de privilégio imobiliário especial, sobre o prédio apreendido para a massa falida, sendo inaplicável ao concurso de credores o disposto naquele normativo legal, mas antes o preceituado pelos arts. 12.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 17/86, de 14-06, e 4.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 96/01, de 20-08. III - Conferindo a hipoteca ao credor o direito de ser pago, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, considerando que o privilégio creditório de que gozam os trabalhadores tem, no caso em apreço, a natureza de privilégio imobiliário geral e não especial, fica o respectivo crédito numa situação de subalternidade, em relação à hipoteca que, manifestamente, lhe prefere. IV - Os créditos garantidos por hipoteca, ao abrigo da legislação anterior ao CT de 2003, devem ser pagos, relativamente aos bens imóveis sobre que esta incide, com preferência sobre os créditos laborais que, gozando embora de privilégio imobiliário geral, têm de ser graduados depois dos créditos hipotecários. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Por apenso ao processo de falência contra “AA § Filhos, Ldª”, sociedade por quotas, com sede em A..., subsequente ao processo especial de recuperação de empresa, correm os presentes autos de reclamação de créditos, em que é reclamante o Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Santarém e outros, todos, suficientemente, identificados, cujos créditos não sofreram qualquer impugnação, pelo que, a final, foram verificados, reconhecidos e graduados, do seguinte modo: A) Quanto ao produto dos bens móveis: 1o - Os créditos laborais, procedendo-se ao rateio entre eles, se necessário; 2o - Os restantes créditos, procedendo-se a rateio entre eles. B) Quanto ao produto dos bens imóveis: 1o - Os créditos laborais, procedendo-se ao rateio entre eles, se necessário; 2o - O crédito garantido por hipoteca legal, sob as verbas n°s 185 e 186, do apenso B, reclamado pelo "Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Santarém", mas, apenas, até ao montante de 182.722.995$00 (correspondente ao contravalor de €911.418,46); 3o - Os restantes créditos, procedendo-se a rateio entre eles. Desta sentença, o reclamante Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Santarém interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a apelação, determinando à primeira instância a realização de uma nova graduação, reflectindo a orientação indicada. Deste acórdão da Relação de Coimbra, o reclamante Instituto de Segurança Social, IP - Centro Distrital de Santarém interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e, em consequência, que o seu crédito reclamado seja graduado, em 1o lugar, até ao limite das hipotecas legais constituídas sobre os prédios apreendidos para a massa falida, formulando as seguintes conclusões que se transcrevem: 1ª – O douto Acórdão da conferência que confirmou a decisão sumária proferida pelo Juiz Relator julgou a apelação parcialmente improcedente no que respeita à graduação em 1o lugar do valor reclamado pelo ora recorrente garantido por hipotecas legais constituídas sob as verbas n°s 185 e 186, do apenso "B", até ao montante de 182.722.995$00 (correspondente ao contravalor de €911.418,46). 2ª - Contudo, discordamos, com o devido respeito, de tal entendimento, uma vez que se entende que se está a fazer errada interpretação de norma jurídica. 3ª – O artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, estabelece que os créditos dos trabalhadores gozam de privilégios, mobiliário e imobiliário, gerais e devem ser graduados antes do crédito da segurança social. 4ª - Contudo, terá de se entender que o fundamento desta norma é a clarificação da prioridade dos créditos dos trabalhadores quando concorrem com os da Segurança Social, e ambos, apenas, beneficiam de privilégio creditório geral, previsto na lei para ambos. 5ª - Não se pode aceitar que o legislador quis impor a prioridade dos créditos do trabalhador, independentemente do tipo de garantias constituídas pela Segurança Social, sob pena de se violar de forma intolerável o princípio da confiança. 6ª - Na época em que as hipotecas legais foram constituídas ainda não tinham sido consagrados os privilégios especiais dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho, inaplicáveis ao caso em apreço, criando a expectativa que em caso de necessidade o património do devedor responderia pela dívida, não vislumbrando a hipótese que privilégios creditórios poderiam se sobrepor ás hipotecas legais. 7ª - A hipoteca legal, devidamente constituída e registada é um direito real de garantia que concede ao credor hipotecário o direito de ser pago preferencialmente sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo - a hipoteca constitui assim uma garantia especial. 8ª - Os trabalhadores, embora gozem de privilégio creditório imobiliário geral, esse facto não constitui garantia real, mas apenas o direito de serem pagos com preferência em relação a outros credores sem garantia real, não se aplicando o disposto no artigo 751° do CC. 9ª - A Lei n° 17/86, de 14 de Junho, terá de ser interpretada tendo em conta a unidade do sistema jurídico, ou seja, tem de se atender às normas imperativas consagradas que estabelecem a primazia das garantias reais. 10ª - O interesse público prosseguido pela Segurança Social e que a limitação da força das garantias que constitui em confronto com os regimes gerais estabelecidos, poderá por em causa o seu financiamento e o cumprimento dos objectivos estabelecidos constitucionalmente. 11ª - A douta decisão violou, além do mais, o disposto nos artigos 9°, 686°, 687°, 704°, 733° e 751° do CC e artigo 12° da Lei n° 17/86, de 14/6. Não foram apresentadas contra-alegações. Os factos provados são os que constam da decisão recorrida, para a qual se remete, nos termos do disposto pelo artigo 713º, nº 6, do CPC. Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir. A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do Código de Processo Civil (CPC), consiste em saber qual a hierarquia a estabelecer no concurso dos créditos dos trabalhadores com os créditos da segurança social, garantidos por hipoteca legal, em caso de declaração de falência. DA HIERARQUIA NO CONCURSO ENTRE OS PRIVILÉGIOS IMOBILIÁRIOS ESPECIAIS DOS CRÉDITOS LABORAIS E DOS CRÉDITOS DA SEGURANÇA SOCIAL, GARANTIDOS POR HIPOTECA LEGAL, EM CASO DE FALÊNCIA I - DA EXTINÇÃO DAS HIPOTECAS LEGAIS Dispõe o artigo 152º, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), instituído pelo DL nº 132/93, de 23 de Abril, aplicável (1), que “com a declaração de falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência”. Atento o teor deste normativo legal, conterá o disposto no artigo 152º, 1ª parte, do CPEREF, acabado de transcrever, uma norma excepcional que compreende as hipotecas legais, no âmbito dos privilégios creditórios, ou, dito de outro modo, a extinção destes, operada com a declaração de falência, importa, simultaneamente, a extinção das hipotecas legais? Assim sendo, urge dar resposta à questão de saber se a hipoteca legal constituída a favor do recorrente Instituto de Segurança Social, IP, Centro Distrital de Santarém, está compreendida no âmbito da previsão legal contida no normativo em análise. A interpretação da lei consiste na fixação do sentido e alcance com que o seu texto deve valer, sendo, pois, a letra, o seu enunciado linguístico, o ponto de partida de toda a actividade do jurista que vise esse objectivo, mas, também, o seu limite, porquanto, nos termos do preceituado pelo artigo 9º, nº 2, do Código Civil (CC), não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis do texto legal aquele pensamento legislativo “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”(2), e, finalmente, uma garantia de razoabilidade da posição do legislador, por forma a conferir um mais forte apoio aquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas, razão pela qual o intérprete deve presumir, de acordo com o nº 3 daquele preceito legal, que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, em especial, quando usa terminologia de técnica jurídica. Por isso é que, ainda de acordo com o nº 3, do artigo 9º, do CC, o interprete presumirá sempre o modelo do legislador ideal que consagrou as soluções mais acertadas, pois só quando, por manifestas razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, aquelas conduzam à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo o que deve ser acolhido, se impõe ao intérprete preteri-lo (3). Com efeito, o intérprete deve desobedecer ao comando da lei, tal como o mesmo se apresenta, numa primeira visão, se, para tanto, se tornar necessário, para salvaguardar o seu objectivo essencial (4), adoptando uma interpretação correctiva da lei, seja de natureza restritiva ou extensiva, verificando-se esta última quando se conclua que o legislador disse menos do que queria, o que acontece, com particular acuidade, quando o texto legal, entendido com a amplitude que a sua letra comporta, contiver uma contradição íntima com outro ou outros dos textos legais. Por seu turno, estipula o artigo 733º, do CC, que o “privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros”. Tradicionalmente, integrada na categoria conceitual das garantias especiais das obrigações, os privilégios creditórios caracterizam-se, em primeiro lugar, pela sua fonte, porque derivam sempre da lei, e nunca de negócio jurídico, ao contrário do que acontece, normalmente, com as restantes garantias, em segundo lugar, em atenção à causa do crédito, e nisto se aproximam da hipoteca legal, que a lei confere a certos credores, e, finalmente, porque não estão sujeitos a registo, ainda que recaiam sobre bens imóveis. O carácter real dos privilégios creditórios, e não como um mero atributo ou qualidade do crédito a que respeita, revela-se, igualmente, na preferência concedida ao credor de ser pago com prevalência sobre os outros credores, mas, também, em certos casos, no direito de sequela conferido ao mesmo, podendo a garantia tornar-se efectiva, no património de terceiros, em conformidade com o disposto pelo artigo 751º, do CC (5). Porém, o grande perigo que se encontra associado aos privilégios creditórios contende com a segurança do comércio jurídico, por inexistir um mínimo de publicidade a assinalar a sua presença, proveniente do facto de valerem, em face de terceiros, independentemente de registo, formando uma parte substancial dos designados ónus ocultos, que escapam, normalmente, aos olhares dos credores comuns, mas dotados de susceptibilidade para poderem atingir, seriamente, os terceiros que contratam com o devedor, na ignorância da sua existência, com os inerentes reflexos sobre a garantia patrimonial que oferecem (6). Por sua vez, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, sendo certo que é a natureza imobiliária dos bens por ela abrangidos que justifica a solução excepcional de a sua eficácia depender de registo, mesmo em relação às partes, nos termos das disposições combinadas dos artigos 686º, nº 1 e 687º, do CC, e 4º, nº 2, do Código do Registo Predial. No que respeita às hipotecas legais, que resultam, directamente, da lei, sem dependência da vontade das partes, podendo constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança, em conformidade com o estipulado pelo artigo 704º, do CC, é o acto de registo que representa o seu nascimento, visível para qualquer interessado diligente, porquanto a hipoteca não tem existência jurídica, anteriormente ao mesmo, nele se especificando os bens onerados e a identidade, especialmente, o montante do crédito garantido. É, por isso, completamente diverso, o regime jurídico da hipoteca legal, em relação ao regime jurídico dos privilégios creditórios que garantem os créditos das instituições de segurança social. Os artigos 10º a 13º, do DL nº 103/80, de 9 de Maio, conferem aos créditos por contribuições em dívida às Caixas de Previdência, hoje integradas no regime geral da segurança social, atento o disposto pelo artigo 68º, da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, as garantias constituídas pelo privilégio mobiliário geral e pela fiança, e, também, relativamente aos imóveis existentes no património das entidades patronais devedoras, pelo privilégio imobiliário geral e pela hipoteca legal, processando-se esta última garantia, nos termos vigentes para a contribuição predial, substituída pela contribuição autárquica, atento o preceituado pelo artigo 24º, do DL nº 442-C/88, de 30 de Outubro, e, mais recentemente, pelo imposto municipal sobre imóveis, por força do disposto no artigo 122º, nº 1, do DL nº 287/03, de 12 de Novembro. E, quer na norma do artigo 152º, do CPEREF, quer no preâmbulo deste diploma, é sempre e, tão-só, aos privilégios creditórios que a lei se refere, sem qualquer alusão a outra garantia, nomeadamente, à hipoteca legal, inexistindo outros elementos interpretativos capazes de sustentar uma extensão teleológica da respectiva previsão legal. Além do mais, constituindo ambos garantias especiais das obrigações, são, conceitualmente, diferenciados, com disciplina específica, cada um deles inserido em secções distintas do capítulo VI, do Código Civil. Com efeito, a omissão de pronúncia do legislador, quanto às hipotecas legais, no texto em análise, não é sinónimo da existência de uma lacuna, mas antes de uma hipótese não regulada, intencionalmente, significativa de que o legislador nele não quis abranger as hipotecas legais, restringindo-se a extinção decretada, apenas, aos privilégios creditórios, não sendo, pois, sustentável que a letra da lei esteja aquém do seu espírito, como tal carecida de interpretação extensiva. A isto acresce não ser concebível que o legislador não distinga os privilégios creditórios das hipotecas legais, sendo certo que, enquanto no artigo 152º, em questão, subordinado à epígrafe “extinção dos privilégios creditórios”, não refere a hipoteca legal, outrotanto já não acontece, na hipótese do artigo 200º, nº 3, ambos do CPEREF, onde, a propósito da sentença de verificação e de graduação dos créditos, estatui que “na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante da hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora...” (7), o que demonstra, exemplarmente, que o legislador, no articulado do mesmo diploma legal, não confundiu as várias modalidades das garantias especiais das obrigações, com destaque para os privilégios creditórios, a hipoteca e a penhora. E, nem se diga, em contrário, que a omissão de qualquer referência, naquele artigo 152º, do CPEREF, às hipotecas legais quer significar que estas se extinguiram com a declaração de falência, donde derivaria a impossibilidade de serem invocadas e, por arrastamento, a desnecessidade da sua menção naquele preceito. Contudo, a esta observação objectar-se-á que o normativo em causa se destina a evitar a invocação de garantias de natureza processual, sendo, porém, possível fazer valer todas as demais, sob pena de nem sequer serem atendíveis, no processo de falência, garantias não referidas no mesmo, designadamente, o penhor, o direito de retenção ou a consignação de rendimentos. Aliás, do preâmbulo do DL nº 132/93, de 23 de Abril, que instituiu o CPEREF, constata-se o objectivo de incentivar a recuperação das empresas em situação económica difícil, que sejam, economicamente, viáveis, de forma a impedir a sua extinção, devendo ser lembrado ao Estado o dever que lhe assiste de colaborar, antes de qualquer outro credor, na recuperação financeira de tais empresas, “quer abolindo ou restringindo de vez os privilégios creditórios que injustamente prejudicam os demais credores...” (8) . E, se é certo que o legislador pretendeu evitar um total desinteresse dos entes públicos pelos processos falimentares, tal não quer dizer que os respectivos créditos, uma vez declarada a falência, venham, pura e simplesmente, a não ser satisfeitos, como aconteceria se os créditos das entidades questionadas passassem, indistintamente, a ser exigidos como comuns, mas antes a evitar a existência de uma garantia tão intensa como os privilégios, nomeadamente, os privilégios imobiliários especiais, por força do preceituado pelo artigo 751º, mas que já não é extensível aos privilégios mobiliários especiais e aos privilégios imobiliários gerais concedidos aos créditos da Segurança Social, atento o disposto pelos artigos 749º e 750º, todos do CC. Assim sendo, deixa de ter suporte consistente o argumento dos defensores da aplicação do artigo 152º, do CPEREF, às hipotecas legais outorgadas a favor das entidades em causa, segundo o qual não se compreendia que o legislador tivesse abolido a garantia mais forte constituída pelo privilégio, deixando intacta a garantia menos forte representada pela hipoteca Neste sentido, (9). A solução legal encontrada pelo artigo 152º, do CPEREF, ao declarar a extinção imediata dos privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, em consequência da falência, é encarecida pelo preâmbulo do aludido diploma legal, ainda “antes mesmo da necessária revisão da legislação vigente sobre os privilégios creditórios”. Por isso, não se torna legítima a aplicação analógica ou a indução por paridade, traduzida no entendimento de que o regime previsto no normativo legal em apreço é, também, aplicável às hipotecas legais, dado o seu carácter excepcional, como se de uma lacuna legislativa que importasse integrar estivesse a padecer o ordenamento jurídico (10). É que a Segurança Social dispõe de instrumentos jurídicos adequados para assegurar a efectividade dos seus créditos, sem frustração das expectativas de terceiros, bastando-lhe proceder ao oportuno registo da hipoteca legal, em conformidade com o estipulado pelo artigo 12º, do DL nº 103/80, de 9 de Maio (11). E, nem se diga, em oposição, que, a ser assim, as instituições de segurança social esquivar-se-iam, sistematicamente, ao regime da extinção imediata da hipoteca legal, por força da declaração de falência, registando, sucessivamente, hipotecas legais, ao abrigo do preceituado pelo artigo 12º, do DL nº 103/80, de 9 de Maio, citado, à medida que se fossem vencendo as contribuições que uma empresa deixa de pagar (12), porquanto esta asserção assenta, com o muito devido respeito, numa petição de princípio, qual seja a de considerar demonstrado o que ainda o não está, isto é, que o legislador quis estender o regime aplicável aos privilégios creditórios, decorrente do artigo 152º, do CPEREF, às hipotecas legais. Impõe-se, pois, considerar que a norma do artigo 152º, do CPEREF, criou um regime legal de sentido oposto ao regime geral, que se mantém intacto, tendo, portanto, a natureza de uma norma legal excepcional (13). Assim sendo, como norma de natureza excepcional, não comporta aplicação analógica, mas admite interpretação extensiva, com base no disposto pelo artigo 11º, do CC, pelo que, mesmo para os defensores da corrente jurisprudencial e doutrinal, segundo a qual os privilégios creditórios compreendem as hipotecas legais constituídas para garantia dos seus créditos, não seria admissível aplicar, por analogia, o regime legal criado pelo artigo 152º, do CPEREF, por manifestas razões de política económica e social. Como assim, a referência aos privilégios creditórios, contida na primeira parte do artigo 152º, do CPEREF, não abrange outras garantias, nomeadamente, a hipoteca legal, não se justificando a sua interpretação extensiva (14), mantendo os credores hipotecários a posição preferencial que lhes advém da lei substantiva, sendo, consequentemente, pagos pelo produto da venda dos bens onerados (15). Aliás, como já se referiu, o próprio artigo 152º, do CPEREF, exceptua da extinção imediata consequente à declaração de falência os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de Segurança Social, “que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência”. Por isso, para quem defenda que a extinção imediata dos privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de Segurança social, consequente à declaração de falência, importa, igualmente, por interpretação extensiva, a situação das hipotecas legais, terá, coerentemente, de excluir da respectiva previsão legal todas aquelas que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência. E, por maioria de razão, o mesmo entendimento deve ser adoptado, em relação às hipotecas legais outorgadas a entidades distintas do Estado, das autarquias locais e das instituições de Segurança Social, como é, por exemplo, o caso das entidades bancárias. Como assim, importa considerar não extinto, por virtude da declaração de falência, o crédito do recorrente, garantido por hipoteca legal, não reconduzível, por força da mesma, a um crédito comum, face à garantia real de que goza. II. DA HIERARQUIA NO CONCURSO ENTRE OS CRÉDITOS LABORAIS E OS CRÉDITOS DA SEGURANÇA SOCIAL Dispõe, por seu turno, o artigo 377º, nº 1, do Código do Trabalho, que “os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) privilégio mobiliário geral; b) privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade”, prosseguindo o respectivo nº 2 ao estatuir que “a graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte: a) o crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747º do Código Civil; b) o crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social”. Porém, estipula o artigo 3º, nº 1, da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, que este diploma legal entra em vigor, no dia 1 de Dezembro de 2003, ficando sujeitos ao seu regime, ainda de acordo com o respectivo artigo 8º, nº 1, na parte que agora interessa considerar, “…os contratos de trabalho…celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente aquele momento”, por forma a excluir estas situações do novo regime instituído. A isto acresce que o novo regime dos privilégios imobiliários que servem de garantia dos direitos de crédito da titularidade dos trabalhadores, previsto no artigo 377º, do Código do Trabalho, citado, só entrou em vigor, no dia 28 de Agosto de 2004, isto é, trinta dias depois da publicação da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, que regulamentou a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, atento o teor das disposições conjugadas dos artigos 3º, 8º, nº 1, e 21º, nº 2, e) e t), deste último diploma legal. E isto acontece, não obstante o princípio geral da aplicação imediata das leis que estatuem sobre privilégios creditórios (16), quer estabeleçam, quer suprimam os privilégios, anteriormente, existentes, por serem relativas aos efeitos do crédito no processo de distribuição do activo do devedor, em virtude de o concurso de credores não respeitar aos próprios direitos, mas, antes, à execução numa massa patrimonial existente num determinado momento (17), a menos que a lei nova não venha acompanhada de normas de direito transitório ou de para ela não valer uma norma transitória, que foi o que aconteceu com a norma respeitante à garantia do pagamento da retribuição e dos demais créditos emergentes da violação ou cessação do contrato de trabalho, que teve o seu início de vigência, no dia 28 de Agosto de 2004, como já se disse. Por outro lado, o já citado artigo 8º, nº 1, da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, não excluiu do seu novo âmbito de aplicação os contratos de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, ou seja, aqueles que se encontrem em execução e em vigor, com ressalva dos casos em que estejam em causa as condições de validade e os efeitos de factos ou situações totalmente passados, anteriormente, aquele momento, limitando-se a desenvolver, no domínio laboral, as regras gerais da aplicação das leis no tempo, que respeitam as situações jurídicas dos factos pretéritos (18), mantendo, assim, a ultractividade da lei antiga que disciplinava a garantia dos direitos de crédito laborais, constituídos antes de 28 de Agosto de 2004, no contexto dos contratos de trabalho, preteritamente, extintos (19). Assim sendo, o disposto no mencionado artigo 377º, do Código do Trabalho, é aplicável a todos os direitos de crédito dos trabalhadores, constituídos desde o dia 28 de Agosto de 2004, independentemente de derivarem de relações jurídicas laborais ou de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados, conforme os casos, antes ou depois daquela data, com excepção, hipótese em que se deve aplicar o pertinente regime anterior, dos direitos de crédito laborais que se tenham constituído antes de 28 de Agosto de 2004, no âmbito de contratos de trabalho que se extinguiram, anteriormente. Com efeito, mediante a declaração de falência, são encerrados os livros e tornam-se, desde logo, exigíveis todas as obrigações do falido, nomeadamente, os direitos de crédito dos trabalhadores, procedendo-se à imediata apreensão de todos os bens que passam a integrar a massa falida, seguindo-se a reclamação de créditos, atento o disposto nos artigos 147º, 148º, 151º, 175º e 188º, do CPEREF, abrindo-se o subsequente concurso de credores, com o trânsito em julgado da sentença que decreta a falência, sendo esta a data atendível para, em termos de graduação, se definir a situação jurídica de cada um deles, no confronto com todos os demais, pois que, posteriormente à falência, os credores, sejam ou não trabalhadores da empresa, são somente aqueles que já o eram, à data em que aquela foi declarada. Por outro lado, estabelece ainda o artigo 12º, nº 1, da Lei nº 17/86, de 14 de Junho [Lei dos Salários em Atraso], na redacção introduzida pela Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto (20), que “os créditos emergentes do contrato individual de trabalho regulados pela presente lei gozam dos seguintes privilégios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário geral”, acrescentando o respectivo nº 3 que “a graduação dos créditos far-se-á pela ordem seguinte: a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747º do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no artigo 737º do mesmo Código; b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuição devidas à Segurança Social”. Revertendo ao caso em apreço, tendo sido proferida a sentença que decretou a falência, em 18 de Julho de 2008, data a partir da qual os direitos dos trabalhadores se haviam tornado exigíveis, e encontrando-se em vigor o artigo 377º, do Código do Trabalho, desde 28 de Agosto de 2004, os recorrentes, trabalhadores da falida, gozam de privilégio imobiliário geral, e não de privilégio imobiliário especial, sobre o prédio hipotecado, em conformidade com o disposto pelos artigos 12º, nº 1, b), da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e 4º, nº 1, b), da Lei nº 96/01, de 20 de Agosto. Quer isto dizer que, considerando que os direitos de crédito laborais reclamados pelos recorridos estavam vencidos, e eram exigíveis, em razão da declaração de falência da respectiva entidade patronal, antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, resulta inaplicável ao concurso de credores em análise o disposto pelo respectivo artigo 377º, do diploma legal em causa (21). Contrariamente, sendo aplicável, como se demonstrou, o regime de graduação de créditos, definido pelo artigo 12º, nº 1, da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, na redacção introduzida pela Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, resta, então, definir a respectiva ordem de graduação dos direitos de crédito do recorrente e demais reclamantes de créditos em confronto. Efectivamente, no concurso de credores em apreço, não está em causa o direito dos trabalhadores à remuneração pelo seu trabalho, por conta de outrem, porquanto do que se trata é do confronto entre a garantia que a lei ordinária confere aos seus direitos de crédito laborais e a garantia de que beneficia o direito de crédito derivado do sistema institucional da Segurança Social. Na sentença, deve o juiz proceder à verificação e graduação dos créditos, sendo que esta é geral para os bens da massa falida e especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia, conforme disciplina o artigo 200º, nºs 1 e 2, do CPEREF. O privilégio creditório imobiliário geral incide sobre imóveis, mas não sobre bens certos e determinados, e constitui-se aquando do nascimento do direito de crédito a que se reporta, independentemente da data da prolação da falência, embora a sua eficácia esteja dependente e ocorra com o correspondente acto de penhora ou de apreensão para a massa falida, consoante os casos. É que os privilégios creditórios colocam a dificuldade da sua graduação relativa e bem assim como, num escalão ainda mais complexo, a questão da sua concorrência com os direitos de terceiros. Por seu turno, as Leis nºs 17/86, de 14 de Junho, e 96/2001, de 20 de Agosto, que já se considerou serem as idóneas para definir o regime de graduação de créditos em apreço, não contêm normas reguladoras do conflito patente entre o privilégio imobiliário geral, para garantia dos direitos de crédito a que se reporta, da titularidade dos trabalhadores, e a hipoteca, para garantia dos direitos de crédito de outrem, como sejam a Segurança Social ou as entidades bancárias, sobre os mesmos bens. Por isso, sendo certo que os privilégios imobiliários gerais não incidem sobre os bens certos e determinados que constituem a garantia do crédito, mas antes, indistintamente, sobre todos os bens imóveis do devedor, justifica-se que cedam perante quaisquer direitos relativos a essas coisas que se constituam antes da apreensão judicial desses bens, como acontece, no caso da hipoteca, em que o privilégio se constitui no momento da formação dos créditos garantidos, atento o disposto pelo artigo 749º, do CC, pelo que importa relevar que lhes é inaplicável o direito de sequela, que constitui um atributo próprio dos direitos reais de garantia, antes se configurando como meras preferências legais de pagamento. Diferentemente, os privilégios gerais constituem apenas preferências gerais anómalas, e os privilégios especiais, mobiliários e imobiliários, independentemente de recaírem sobre bens móveis ou imóveis, porque incidem, «ab initio», sobre bens certos e determinados, são direitos reais de garantia, dotados dos elementos essenciais que permitem caracterizar os «ius in rem», ou seja, a preferência e a sequela (22). Ora, traduzindo-se os privilégios imobiliários gerais em meras preferências legais de pagamento, apenas são susceptíveis de prevalecer em relação aos titulares de créditos comuns, pois, não incidindo sobre bens certos e determinados, afastados do potencial da sequela, é-lhes aplicável o regime dos privilégios mobiliários gerais, a que se reporta o artigo 749º, do CC, cedendo os direitos de crédito por eles garantidos perante os direitos de crédito preferenciais de terceiros, como a garantia da hipoteca, que lhes advêm da lei substantiva (23). Tratar-se-ia, então, de uma lacuna de regulação do conflito entre o privilégio imobiliário geral e a hipoteca, que não se supriria por via da aplicação, na espécie, do disposto pelo artigo 751º, do CC, porque este normativo se reporta a privilégios imobiliários especiais, cuja estrutura é, essencialmente, diversa da dos privilégios imobiliários gerais, atendendo ao elemento negativo da ausência de sequela, sendo certo que a similitude que se impõe ao intérprete situa-se antes entre os privilégios imobiliários gerais e os privilégios mobiliários gerais, com base no estipulado pelo artigo 10º, n.º 2, do CC. E, assim sendo, deveria a mesma lacuna ser integrada, nos termos do estipulado pelo artigo 10º, n º 2, do CC, por via de uma regra equivalente à do artigo 749º, nº 1, do CC (24), segundo a qual os direitos de crédito da titularidade dos trabalhadores, garantidos por privilégios imobiliários gerais, constantes das Leis nºs 17/86, de 14 de Junho, e 96/2001, de 20 de Agosto, são preteridos pelos direitos de crédito de terceiros, garantidos por hipoteca, não assumindo qualquer relevo, para a resolução do conflito relativo sobre a graduação de direitos de crédito garantidos por hipoteca e de privilégios imobiliários sobre os mesmos imóveis, penhorados ou apreendidos, a circunstância de os artigos 12º, nº 3, b), da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e 4º, nº 1, b), da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, estabelecerem que os direitos de crédito a que se reportam são graduados antes dos créditos referidos no artigo 748º, do CC, de direitos de crédito garantidos por hipoteca e de privilégios imobiliários sobre os mesmos imóveis, penhorados ou apreendidos (25). Com efeito, o referencial de prevalência, no quadro da graduação dos direitos de crédito a que se reportam os mencionados normativos, são créditos que já não existem, que eram de entidades públicas, situação, essencialmente, diversa da que envolve os direitos de crédito em geral, garantidos por hipoteca. Aliás, verdadeiramente, não se está perante qualquer lacuna de regulamentação, a integrar, por analogia, porquanto, conferindo a hipoteca ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, atento o estipulado pelo artigo 686º, nº 1, do CC, considerando que o privilégio creditório de que gozam os recorridos-trabalhadores não está sujeito a registo, tendo, no caso em apreço, a natureza de privilégio imobiliário geral e não especial, como já se salientou, o respectivo crédito coloca-se numa situação de sub-alternidade, em relação à hipoteca que, manifestamente, lhe prefere, porquanto só o «privilégio especial» e não o privilégio geral, qualidade de que comunga, face à legislação aplicável, é susceptível de afrontar a preferência que o citado normativo concede ao credor titular de hipoteca. Entretanto, o artigo 751º, do CC, na redacção introduzida pelo DL nº 38/03, de 8 de Março, passou a dispor que “os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores “. Deste modo, o aludido DL nº 38/03, de 8 de Março, intervindo na decisão da questão controvertida, estabeleceu que os privilégios imobiliários especiais preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores, excluindo, assim, do âmbito de aplicação do artigo 751º, do CC, os privilégios imobiliários gerais. Trata-se, assim, de uma norma interpretativa que, nos termos do preceituado pelo artigo 13º, nº1, do CC, se integra nas leis que atribuíram aos créditos laborais privilégio imobiliário geral. Certo é que, passando, simultaneamente (26), o nº 3 do dito artigo 735°, do CC, a dispor que "os privilégios imobiliários estabelecidos neste Código são sempre especiais", tal importa o reconhecimento da existência de privilégios imobiliários gerais, não previstos no Código Civil, sem embargo de o legislador ter limitado a eficácia do disposto na nova redacção do artigo 751°, aos privilégios imobiliários especiais, do que se conclui pretender a aplicação do respectivo regime, apenas, a esses privilégios, portanto, com exclusão dos privilégios imobiliários gerais, apesar de não previstos nesse Código. Como assim, no âmbito da disciplina consagrada pelos artigos 12º, da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e 4º, nº 1, b), da Lei n° 96/2001, de 20 de Agosto, por aplicação do regime do artigo 686º, nº 1, e, subsidiariamente, do artigo 749º, com o consequente afastamento do regime do artigo 751º, todos do CC, os créditos garantidos por hipoteca devem ser pagos com preferência sobre os créditos laborais que, gozando embora de privilégio imobiliário geral, têm de ser graduados depois dos créditos hipotecários. Certo é que, o legislador do Código do Trabalho de 2003, trilhando agora caminho diferente, optou, através do preceituado no artigo 377º, nº 1º, b), em jeito de uma verdadeira interpretação autêntica, pela atribuição de privilégio imobiliário especial aos créditos emergentes de violação ou cessação do contrato de trabalho, relativamente aos bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade, afastando-se, terminantemente, do entendimento, até agora, prevalecente, que se limitava a estabelecer a relação de prioridade entre os privilégios instituídos, sem, contudo, definir qualquer preferência sobre a hipoteca. Contudo, na falta de disposição especial do antecedente quadro normativo, os créditos garantidos por hipoteca deveriam ser pagos, relativamente aos bens imóveis sobre que esta incide, com prioridade sobre os créditos que apenas gozam de privilégio imobiliário geral, com base no disposto pelos artigos 12º, da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, 4º, nº 1, b), da Lei n° 96/2001, de 20 de Agosto, e 686º, nº 1, do CC. Finalmente, o Tribunal Constitucional decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no artigo 2º, da Constituição da República (CRP), das normas constantes do artigo 11º, do DL nº 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2º, do DL nº 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do estipulado pelo artigo 751º, do CC (27). E isto, não obstante o mesmo Tribunal Constitucional ter, igualmente, decidido "não julgar inconstitucional a norma constante da al. b) do n.º 1 do art. 12.º da Lei 17/86, de 14.6, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca, nos termos do art. 751 do CC" (28), a propósito de “uma situação de conflito entre um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, o direito dos trabalhadores à retribuição do trabalho, atento o disposto no artigo 59º, nºs 1, a) e 3, da CRP, nos termos do qual são assegurados aos salários garantias especiais e o princípio geral da segurança jurídica e da confiança no direito, por força do preceituado pelo artigo 2.º, da CRP, em virtude de o tribunal ter recorrido, ao artigo 749º, do CC, para graduar os créditos dos trabalhadores, considerando que a aplicação ao caso do artigo 751º, do CC, seria inconstitucional, por violação do princípio da confiança, previsto no artigo 2.º, da CRP”. Independentemente da inexistência de contradição entre estes dois arestos do Tribunal Constitucional, que só, aparentemente, se insinua, ao mesmo órgão jurisdicional não cabe tomar posição sobre situações em confronto, no âmbito da interpretação do direito ordinário, sendo certo que o art. 751º, contém um princípio geral insusceptível de aplicação aos privilégios imobiliários gerais, não conhecidos aquando do início da vigência deste Código, e porque, também, não estando sujeitos a registo, afectam, gravemente, os direitos de terreiro, com a consequente prevalência do estipulado pelo artigo 749º, ambos do CC (29). É, assim, este o normativo a ter em conta na graduação dos créditos dos trabalhadores recorridos, valendo para o penhor e para a hipoteca os artigos 750º e 751º, do CC, já referidos, respectivamente. Ora, enquadrando-se os créditos em causa em distintos preceitos legais, não se verifica qualquer conflito ou colisão de direitos, que apenas existe "quando vários direitos concorrem, de modo que o exercício de um deles impede ou prejudica o exercício de outro", o que não é o caso quando a "lei estabelece uma relação de subordinação entre eles" (30) e, consequentemente, inexistindo qualquer conflito, não há que considerar a prevalência dos princípios constitucionais constantes dos artigos 2º e 59º, da CRP. Como assim, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por infracção de norma constitucional posterior, produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, em conformidade com o disposto pelo artigo 282º, nº 2, da Constituição da República. CONCLUSÕES: I - Quer na norma do artigo 152º, do CPEREF, quer no preâmbulo deste diploma, é sempre e, tão-só, aos privilégios creditórios que a lei se refere, sem qualquer alusão a outra garantia, nomeadamente, à hipoteca legal, inexistindo outros elementos capazes de sustentar uma extensão teleológica da respectiva previsão legal, ou a existência de um caso omisso, que deva ser, juridicamente, regulado. |