Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
81/04.8PBBGC.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA ADESÃO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA AGRAVADA PELO RESULTADO
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
CRIME OMISSIVO
RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE CRIME
COMISSÁRIO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INCAPACIDADE
DANOS FUTUROS
EQUIDADE
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
CULPA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
I - As razões lógicas dos sistemas que admitem o enxerto do pedido cível na acção penal são as mais díspares, mas todas elas se reconduzem, essencialmente, à vantagem da não contradição de julgados, à economia processual e ao interesse do lesado, que, funcionando como auxiliar do juiz, o habilita a melhor avaliar a extensão do dano, se exime a despesas e incómodos, além de que a estrutura do processo penal, se mais simples do que a cível, assegurará justiça mais célere, simples e acessível – cf. Prof. Vaz Serra, in BMJ 91.º/56.

II - No plano substantivo o processo penal recebe por incorporação os pressupostos que fazem nascer, nos moldes do direito substantivo, a obrigação de indemnizar (art. 129.º do CP); no plano da tramitação processual a acção penal rege-se pelos princípios orientadores do processo penal, com especificidades próprias de que são exemplo a ausência da cominação plena ou semiplena para a falta de contestação, a susceptibilidade de as pessoas com responsabilidade civil poderem intervir espontaneamente, a legitimidade do lesado para demandar – entendendo-se como tal todo o que sofreu dano, não tendo que ser necessariamente ofendido, cabendo-lhe, tão-somente, o ónus de sustentar e provar o pedido –, assimilando-o ao assistente, a circunstância de não ser obrigatória a constituição de advogado em certas condições, e o direito que assiste ao julgador de remeter os seus sujeitos processuais para os tribunais civis atenta a complexidade do pedido ou para fixação da parte não liquidada da indemnização, e mesmo de a fixar provisoriamente em certo contexto, indicando, ainda, os casos de excepção à regra da adesão obrigatória – arts. 78.º, 73.º, 74.º, 76.º, 80.º, 82.º, 82.º-A, e 83.º, todos do CPP.

III - Com o CPP87 o enxerto cível adquiriu estatuto de acção cível, sem prejuízo do princípio da adesão.

IV - Nele vigora o princípio do pedido, fazendo-se impender sobre o demandante o ónus de alegação de factos de que o juiz não conhece no exercício das suas funções, pedido esse, em certos casos, despido de especiais formalidades de alegação – cf. n.º 3 do art. 77.º do CPP – mas, no mais, adstrito a uma certa estrutura e oportunidade de apresentação.

V - Por força do princípio da adesão o demandante junta, pois, a sua concreta pretensão à enunciada na acusação, que, com a sua, constitui fundamento do enxerto, fundindo-se em uma só causa de pedir, simples ou complexa; por força da teoria da substanciação, consagrada no nosso direito, o objecto da acção cinge-se ao pedido, definido através de certa causa de pedir, enquanto acto ou facto concreto, idóneo, donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer – art. 498.º do CPC e Prof. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 111.

VI - O facto penalmente relevante enquanto pressuposto da responsabilidade civil por facto ilícito é o resultante da actividade probatória do tribunal apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção probatória, nos termos do art. 127.º do CPP.

VII - Ao contrário do que sucede no sistema de prova legal, em que a convicção probatória se faz através de provas legalmente pré-fixadas, atribuindo-se a cada uma o significado abstractamente prescrito por lei, ao qual o juiz está vinculado e de que não pode divergir (por isso se apelida de sistema de prova vinculado), no sistema de prova livre o juiz valora objectivamente o facto, de acordo com a sua individualidade histórica, tal como foi adquirido no processo através dos diversos meios de prova, diligências e alegações, sem esquecer aquilo que, comprovados certos factos, pode inferir, porque é normal suceder (id quod plerumque accidit), sem grande margem de erro, ou seja, por força das regras da experiência que funcionam como “critérios generalizantes e tipificantes de inferência factual”, “…com validade no contexto atípico em que surgem…”, e que mais não são do que “índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância”, orientadores dos caminhos da investigação, oferecendo probabilidades conclusivas, mas nada mais do que isso, no ensinamento lapidar do Prof. Castanheira Neves, in Sumários de Processo Criminal, 1967/68, pág. 48.

VIII - Não são, pois, meios de prova, instrumentos de obtenção de prova, antes raciocínios, juízos hipotéticos, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, donde o seu carácter atípico, como se doutrinou no Ac. deste Supremo de 07-01-2004, Proc. n.º 03P3213, permitindo atingir continuidades imediatamente apreensivas nas correlações internas entre factos, conformes à lógica, sem incongruências para o homem médio e que, por isso, legitimam a afirmação de que dado facto é natural consequência de outro, surgindo com toda a probabilidade forte, próxima da certeza, sem receio de se incorrer em injustiça, por não estar contaminado pela possibilidade física mais ou menos arbitrária, impregnado de impressões vagas, dubitativas e incredíveis.

IX - As regras da experiência são aquelas que, como ensina, por sua vez, o Prof. Vaz Serra, «são ou o resultado da experiência da vida ou de um especial conhecimento no campo científico ou artístico, técnico ou económico e são adquiridas, por isso, em parte mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, em parte mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria» – in Provas (Direito Probatório Material), BMJ 110.º/97, citando Nikisch –, que permitem fundar as presunções naturais, não abdicando da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extracção de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil (cf. Ac. do STJ de 09-02-2005, Proc. n.º 04P4721.

X - É pacífico o entendimento por parte do STJ de que ao recorrente é vedado erigir na fundamentação do recurso anomalias ao nível da matéria de facto, embora possa sugeri-las e este Tribunal declará-las oficiosamente, se tal se mostrar imprescindível ao dizer do direito (cf. os recentes Acs. proferidos nos Procs. n.ºs 06P0303, em 22-04-2009, e 145/05, em 27-05-2009), mantendo-se o STJ ainda na reserva de competência fixada nos arts. 434.º e 432.º, n.º 2, al. c), do CPP, reforçando, também, este último a competência para o conhecimento restrito, exclusivamente, da matéria de direito atinente a acórdãos finais condenando em pena superior a 5 anos.

XI - Este Supremo Tribunal não se intromete, por regra, antes acata a matéria de facto fixada, como tribunal de revista que é, estando-lhe vedado sindicar a assente nas instâncias, porque não teve acesso às provas que desfilaram perante o colectivo, concentradas na audiência, imediação com elas, mas em sede de recurso pode exercer a adequada censura sobre a legalidade das provas de que o tribunal se serviu para fixar a matéria de facto, designadamente se elas envolvem violação da lei, ou sobre o grau de convicção necessário para a decisão (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, pág. 347), particularmente a adequação das considerações tecidas pelo colectivo como conformes às regras da experiência para sustentar a sua convicção. A este Tribunal não está vedado reexame sobre se o raciocínio usado pelo julgador incidente sobre certos factos consequencia, segundo a ordem lógica das coisas, um espaço factual sem soluções de descontinuidade, com utilidade à causa, capaz de fundar um facto suficientemente credível.

XII - Tendo em consideração que:
- num plano objectivo, a causa da derrocada da varanda do 1.º andar do edifício, consistiu na «má colocação da armadura de ferro no betão» da laje da varanda, um «problema de betão armado», consequência da «colocação da armadura na parte inferior da varanda, quando o devia ser na parte superior», em desrespeito do projectado pelo arguido E, colocação da autoria dos trabalhadores contratados pelo arguido R, sob instruções deste, não portadores dos indispensáveis conhecimentos técnicos, em termos de prevenção de dano e segurança na construção, trabalho esse havido «como violação de uma regra básica»;
- num plano subjectivo, o arguido E, técnico portador da exigível licenciatura em engenharia civil, ao projectar a obra a pedido do arguido R e assinar o termo de responsabilidade assumiu o encargo de direcção técnica, impendendo sobre ele o dever jurídico de a acompanhar a par e passo (mesmo que o R não lhe tivesse comunicado o início da obra, não constando que o haja impedido de a fiscalizar);
- ao omitir o dever de acompanhamento da obra, sobretudo nas suas fases mais cruciais, designadamente enchimento de fundações e lajes aos vários níveis e locais, o arguido E colocou em risco a segurança da obra, pois que o erro técnico que motivou o arrastamento da varanda para a queda não foi evitado porque aquele não compareceu no momento da colocação das estruturas de betão armado nem fiscalizou essa colocação a posteriori, removendo o risco de lesão de bens jurídicos alheios;
- essa conduta omissiva, própria de quem tem sobre si um especial dever de vigilância, de garantia de que o resultado lesivo não ocorre, torna o agente responsável, nos termos do art. 10.º, n.º 2, do CP;
- o arguido E não agiu com o dever de cuidado que as circunstâncias do caso impunham, adequado a prevenir o dano, dever esse concretizado pelas normas jurídicas aplicáveis, complementado por normas prudenciais e usuais da profissão, o que significa que actuou com negligência – art. 15.º, n.º 1, do CP;
- por seu turno, o arguido R iniciou, prosseguiu, introduziu alterações à obra projectada inicialmente e finalizou-a, à revelia do arguido E, que não contactou e ao qual se substituiu na respectiva direcção, representando a possibilidade de que a edificação, sobretudo as estruturas de betão, em particular as varandas, se processasse à margem das boas e aconselháveis regras de construção, uma vez que os trabalhadores por si contratados não dispunham dos conhecimentos indispensáveis, agindo sem o cuidado imprescindível, não comunicando o início da obra ao arguido E, sequer exigindo a presença de outro técnico qualificado ou o recurso a empreiteiro da construção civil, atenta a dimensão da obra, não curando de indagar, como se impunha e era capaz, se tinham sido cometidos erros que comprometessem a segurança, incorrendo em negligência;
- a assunção de responsabilidades para cujo desempenho o agente não tem os conhecimentos e as capacidades necessárias, sendo esta falta conhecida (bastaria a mera cognoscibilidade do agente), implica tipicidade da conduta (cf. Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, II, UCP, 2004, pág. 388, e Paula Ribeiro de Faria, anotação 17.ª ao art. 148.º do CP, in Comentário Conimbricense do Código Penal, 1999);
- do facto material da queda advieram para o demandante L lesões muito graves, das quais resultou a privação da possibilidade de falar, de se locomover, de trabalhar, das suas capacidades intelectuais, ao fim e ao cabo a impossibilidade de usar o corpo, bem como perigo para a própria vida;
- por sua vez, a demandante M ficou diminuída de forma grave na sua capacidade de trabalho, pois ficou com uma IPP de 23%;
ambos os arguidos cometeram um crime de ofensa à integridade física com negligência grave, p. e p. pelos arts. 143.º, als. b) e c), e 148.º, n.º 3, do CP82, e pelos arts. 144.º, als. b) e d), do CP95, e 148.º, n.º 3, do CP na versão actual, agravando o resultado as lesões corporais advindas ao conjunto dos lesados.

XIII - O apurado facto material, histórico, tornado imutável, sobre ele se formando caso julgado, fundamenta os pressupostos em que se apoia a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliniana enunciados no art. 483.º do CC. E a responsabilidade civil do arguido R tem, ainda, a suportá-la a relação de comissão estabelecida com os trabalhadores contratados, nos termos do art. 500.º, n.ºs 1 e 2, do CC.

XIV - Não temos como certa a limitação, no domínio do direito não patrimonial, do quantum indemnizatório ao fixado para o dano da morte, porque em certos casos, sobretudo naqueles em que o lesado está condenado a permanecer numa situação irreversível enquanto for vivo, em estádio vegetativo, totalmente dependente de terceiros, em sofrimento permanente, tanto para si como para familiares, sem expectativa de recuperação, manda a justa avaliação das coisas, um justo critério de bom senso e de percepção da realidade, que serve de padrão, de guia no recurso à equidade para fixação do dano não patrimonial, que possa exceder-se esse quantitativo, em nome de uma justa e adequada tutela da integridade física e moral.

XV - O resultado morte funciona apenas como um ponto de referência, mas não inultrapassável. Sem se cair no exagero, nada impede que se arbitre uma indemnização por danos não patrimoniais superior ao montante fixado pelo dano da morte, ao nível jurisprudencial, e sem quebra da sua matriz uniformizadora, sublinhou-se no Ac. deste Supremo Tribunal de 03-09-2008, Proc. n.º 2389/08 - 3.ª.

XVI - Tendo a qualidade de vida do demandante ficado gravemente afectada, a sua esperança de vida reduzida a um estádio quase ou mesmo vegetativo, temporalmente comprometida, tudo isto acompanhado por um intenso e permanente sofrimento, dor física e psíquica (não exclusivamente a si circunscrita), o quantum doloris é elevadíssimo e o pretium doloris – a fixar em função da extensão e gravidade dos danos, do grau de culpa dos lesantes e da condição económica destes (desafogada) e do lesado e das demais circunstâncias do caso (art. 494.º do CC) –, sob o modelo de compensação (pois não pode ser avaliado pecuniariamente ou alvo de medida monetária), há-de corresponder-lhe em igual medida.

XVII - Por isso, uma avaliação justa do valor da integridade corpórea, física, enquanto direito de personalidade, com protecção na lei ordinária e fundamental (arts. 70.º do CC e 24.º e 25.º da CRP), rejeita uma compensação miserabilista, mostrando-se sem a mais leve razão para reparo o montante indemnizatório de € 45 000 pelo dano não patrimonial sofrido pelo demandante L, e merecendo também a nossa concordância a condenação ao pagamento de parte da indemnização em forma de renda, aqui com a natureza vitalícia, atenta a duração previsível do dano, assumindo expressão pecuniária coincidente com o salário mínimo nacional a arbitrar a terceiro que dele cuide enquanto for vivo – art. 566.º, n.º 2, do CC.

XVIII - A indemnização pelo dano patrimonial futuro deve corresponder a uma quantificação que, segundo o curso normal das coisas ou de acordo com as circunstâncias do caso concreto, à luz de um juízo prudencial, baseado na lógica e no bom senso, usando juízos de probabilidade e de verosimilhança, ou seja, mitigado pela equidade, a corrigir, em regra por defeito, os diversos critérios de cunho instrumental de que usualmente se lança mão.

XIX - Abrangendo um longo período de tempo, conhecendo-se de antemão as dificuldades de previsão, o apelo a critérios de equidade propicia um aceitável e justo critério, consagrado no art. 566.º, n.º 3, do CC, o que se mostra inconciliável com fórmulas matemáticas ou com o recurso a tabelas financeiras ou aos critérios usados para cálculo das pensões laborais ou de usufruto.

XX - Pode considerar-se um dado assente ao nível da jurisprudência e doutrina que o facto de se não exercer, à data do acidente, uma profissão não obsta ao cálculo da indemnização por dano patrimonial futuro, compreendendo-se neste as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens; o dano pode resultar tanto da privação do que o homem tem como do impedimento de aquisição daquilo que estava a caminho de ter (Prof. Castro Mendes, Do Conceito Jurídico de Prejuízo, pág. 45).

XXI - Vem este Supremo Tribunal entendendo que a indemnização por danos futuros decorrente de incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir e que se extinga no final do período provável de vida activa, que seja susceptível de garantir, durante essa vida, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido, factores tais como a idade da vítima e as suas condições de saúde, o seu tempo provável de vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade, capital este que, sendo entregue imediatamente, deve ser objecto de uma dedução, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia, dedução que é usual situar-se em ¼ – cf. Ac. do STJ de 29-10-2008, Proc. n.º 3373/08 - 3.ª.

XXII - A natureza da responsabilidade civil entre os responsáveis demandados é solidária, nos termos do art. 497.º, n.º 1, do CC, mas o direito de regresso entre eles existe na precisa medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis – n.º 2.

XXIII - No caso concreto, é desigual o grau de culpa que os arguidos manifestaram, e em maior grau a do R, ilidindo os factos a presunção de culpa por igual, sendo de fixar em 30% a do demandado R e em 70% a do E.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

Em P.º comum com intervenção do tribunal colectivo sob o n.º 81/04 .8PBBGC.S1 , do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Bragança , foram submetidos a julgamento , após pronúncia , AA e BB , vindo , a final , a declarar-se que incorreram na prática de um crime de ofensas corporais à integridade física por negligência , p . e p . pelos art.ºs 143.º b) e c) e 148.º n.º 3 , do CP , e ao abrigo do art.º n .º 1 , da Lei n.º 29/9 , de 12/5 , conjugada com o Assento do STJ n.º2/2001 , de 12/5/99 , a julgar-se amnistiado e extinto o procedimento criminal nos termos dos art.ºs 127.º e 128.º , do CP .

Mais se condenou em procedência parcial do pedido cível , ampliado com relação aos lesados CC e DD, a pagarem solidariamente :

A .a CC :

1.a soma de 52.774, 95 € ;

2 . a renda mensal e vitalícia correspondente ao salário mínimo nacional que vigorar em cada ano , a partir de Maio de 2008 , que deverá ser paga até dia 8 de cada mês ;

3 .as quantias que vierem a ser despendidas com a aquisição de fraldas , com a utilização de equipamentos especiais necessários ao estado do demandante e em tratamentos futuros ( médicos e/ou cirúrgicos e de fisioterapia ) às lesões consequentes dos factos apreciados ;

4 . São devidos juros de mora à taxa de 4% sobre a quantia referida em 1, nos termos seguintes : sobre a quantia parcelar de 77, 25 € os juros serão devidos desde 22.10.07 e sobre o remanescente da quantia serão devidos desde a data da decisão , até integral e efectivo reembolso ;

B .a EE :

1. a quantia de 3.500 € , acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data da presente decisão, sempre até integral e efectivo pagamento.

C . a DD:

1. a quantia global de 33.059,60 € juros de mora, à taxa de 4%, nos seguintes termos: sobre a quantia parcelar de 1.059,60 € (mil e cinquenta e nove euros e sessenta cêntimos) a contar de 22/10/07; sobre o remanescente, desde a data da presente decisão, sempre até integral e efectivo pagamento;

D . a FF:

1. a quantia de 3.500 € , acrescida de juros de mora de 4% desde a data da presente decisão, até integral e efectivo pagamento; e

E .a GG, representado pelo pai HH:

1. a quantia de 2.500 € , acrescida de juros de mora de 4% desde a data da presente decisão até integral e efectivo pagamento.

I . Inconformados com o teor da decisão os arguidos interpuseram recurso para a Relação , que lhes negou provimento .

II . Ainda irresignados interpuseram recurso para o STJ, apresentando o arguido AA as seguintes conclusões :

O arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensas à integridade física , por negligência , p . e p . pelos art.ºs 143.º b) e c) e 148.º n.º 3 , do CP .

O dever jurídico de indemnizar inexiste .

O Ac. da Rel.Porto é nulo para os fins do art.º 668.º n.º 1 d) , 1.ª parte , do CPC e 379.º n.º 1 c) , na parte em que se não pronunciou :

-sobre a violação do princípio do dispositivo, como se deixou especificado nas conclusões ( corrigidas) SS a UU;

-sobre a nulidade do acórdão da 1.ª instância quanto à condenação do arguido no pagamento dos tratamentos futuros do demandante CC, uma vez que o recorrente também aludiu a tal condenação como violadora do art.º 668.º n.º 1 e ) , do CPC e a Relação só se pronunciou quanto ao pagamento dos equipamentos especiais necessários ao demandante ;

A Relação imputou-lhe responsabilidade civil extracontratual por ter adoptado um comportamento omissivo , designadamente o não ter dado conhecimento ao co-arguido BB do início da obra e por saber que os operários não possuíam conhecimentos técnicos para construir a obra em causa de acordo com as regras de construção vigentes à data;

O comportamento do recorrente sempre esteve fiscalizado abstractamente pelo co-arguido e só o não esteve por omissão grave deste ;

O comportamento sempre esteve fiscalizado concretamente pela Câmara Municipal de B... que analisou o projecto e a sua alteração , fiscalizou , vistoriou a obra e daí ter concedido todas as licenças devidas ;

A licença concede certificado de conformidade da obra de acordo com os parâmetros legais de construção , designadamente firmando que a obra estava em conformidade com o projecto inicial e a sua alteração e ainda que a mesma cumpria os requisitos de construção, particularmente os de segurança ;

A conduta do recorrente sempre esteve a coberto da fiscalização do co-arguido BB e a Câmara de B... ;

A sua responsabilidade é excluída pela obrigação legal não cumprida pelos actuais proprietários de vistoriar o prédio , no qual não foram notados defeitos ao longo de 30 anos ;

O recorrente não possuía conhecimentos técnicos para o efeito de se lhe poder assinalar responsabilidade que os operários não possuíam conhecimentos técnicos para fazer a obra que fizeram ;

O acórdão recorrido ignorou que em Bragança há 30 anos as obras eram realizadas por ” artistas “ os quais eram reconhecidos como conhecedores das regras da arte ;

O arguido fez parte das pessoas que reconheciam em tais pessoas capacidade e competência ; nunca soube que não sabiam , antes , e pelo contrário , sempre supôs que sabiam , dado que lhes confiou a construção da moradia para residência da mulher e filhas ;

Este facto dado como provado na 1.ª instância , jamais autorizaria que a 2.ª instância entendesse que se conformou com a possibilidade de a obra não oferecer as necessárias condições de segurança , aceitando o risco de criação de um não consentido perigo de lesão em pessoas e bens ;

A responsabilidade do co-arguido e da Câmara Municipal de B... exclui a sua culpa;

A Relação do Porto julgou erradamente quanto à excepção de caso julgado quanto à condenação nos pedidos ampliados;

Não se provou que os factos que consubstanciaram a causa de pedir do requerimento de ampliação do pedido constituíam um acrescento aos que constituíam a causa de pedir inicial , no quadro do desenvolvimento ou consequência , devendo a Relação revogar a sentença de 1.ª instância ;

Subsidiariamente deverá o STJ revogar o acórdão da 1.ª instância e ordenar a baixa do processo para que se pronuncie sobre os fundamentos do recurso quanto aos pedidos de indemnização cível ampliados , por ter errado sobre a qualificação jurídica das motivações de recurso com a excepção de caso julgado .

Mostram-se violados os art.ºs 273.º n.º 2 e 668.º n.º 1 d) , do CPC , 143.º b) e 148.º n.º 3 , do CP, 668.º n.º 1 e) , do CPC e 379.º n.º 1 c) , 1.ª parte , do CPP e 483.º, do CC , com o que deve :

- ser declarado nulo o acórdão da Relação na parte em que se não pronunciou sobre a violação do princípio do dispositivo em 1.ª instância e na que condenou ao pagamento de tratamentos futuros ao demandante CC ;

-absolver-se dos pedidos de indemnização cível em que foi condenado , ou , caso assim se não entenda , reduzida a condenação aos pedidos de indemnização cível iniciais , por não comprovação dos pedidos ampliados ; ou

-ordenar-se a baixa do processo à mesma Relação para se pronunciar sobre os fundamentos do recurso quanto à procedência dos pedidos cíveis ampliados de modo a proferir decisão sobre a bondade dos mesmos por ter feito errada qualificação jurídica das motivações de recurso com relação da excepção caso julgado .

III . O arguido BB apresentou na motivação alongadas conclusões , das quais se extrai , com interesse, que :

No âmbito do conhecimento oficioso dos vícios previstos no art.º 410.º n.º 2 , do CPP , este STJ deve declarar que a 1.ª instância ocorreu no vício reiterado do erro notório na apreciação da prova , insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e contradição insanável da fundamentação .

No acórdão recorrido declarou-se inexistirem razões para dar como provado o facto 14 em que se diz que teve conhecimento da execução da obra , vendo o edifício em construção e , não obstante , não a acompanhou , a ela nunca se deslocou , dela se desinteressando .

E isto porque reconheceu que , de vez em quando, passava junto ao local de construção : o prédio situa-se a cerca de 70 metros da EN 15 utilizada pelo recorrente , sem que haja obstáculos visuais de permeio , sendo legítimo concluir de acordo com as regras da experiência comum que teve conhecimento da execução da obra , vendo o edifício em construção .

Simplesmente opõe o arguido que essa circunstância ocorreu num momento em que o prédio não estava a ser construído e nem estava construído.

Esta deslocalização temporal do raciocínio e das declarações do recorrente faz a decisão recorrida incorrer em profunda injustiça , pois ambas as decisões recorridas assentam a condenação em prova indirecta ,ou seja poder o prédio construído ser visto , quando bem analisada a situação em nenhum raciocínio lógico esta circunstância é sequer possível .

O acórdão recorrido refere que o arguido passava de vez em quando no local mas não diz quando , o que também se não acha provado em 1.ª instância e como tal não é possível de acordo com as regras da experiência não é possível concluir que “este de vez em quando “ , fosse precisamente no momento em que o prédio estivesse a ser construído .

Donde existir erro notório na apreciação da prova .

E esse lapso temporal é significativo pois conforme resulta dos factos provados sob os n.ºs 7, 9 e 11 , o prédio iniciou a sua construção 3 anos depois da última intervenção do recorrente .

Trata-se de um erro notório que não escapa à observação de homem médio a partir da decisão recorrida por si e conjugada com as regras da experiência .

Da análise da prova resulta de forma evidente conclusão contrária a que chegou o Tribunal e , nesta perspectiva , violação do princípio “ in dubio pro reo “ que pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova , quando se pode extrair do texto da decisão recorrida que o Colectivo optou decidir , na dúvida , contra o arguido .

Por outro lado inexiste erro notório na apreciação da prova quando se diz que por se tratar de obra planeada nos primeiros anos da actividade profissional do arguido não tem ela que ser eternamente seguida pelo arguido , dizendo as regras da experiência comum o contrário ou seja que após tanto tempo sobre o início a obra não vai ser realizada .

E o recorrente não teve que identificar a configuração externa da obra com a que tinha projectado pois já estava concluido , não existindo factos conhecidos que possam firmar facto desconhecido .

A decisão proferida assentou num facto inexistente –na data em que o prédio já estava pronto o recorrente o via ou podia ter visto -para a partir daí fazer uma construção que embora lógica não tem o mínimo de sustentabilidade .

Por outro lado também pela globalidade da decisão proferida se detectam os vícios supracitados , na medida em que lhe não foi comunicado o início da construção , não foi convocado para qualquer vistoria nem lhe foi solicitada a comparência na obra , que só se iniciou 3 em Outubro de 1985 , 3 anos após o requerimento feito pelo arguido , em nome do co-arguido AA , para aprovação do projecto e passagem de licença para construção por 180 dias .

Por outro lado foi feito um aditamento ao projecto primitivo que não é da sua autoria e que contempla modificações ao nível das varandas .

O arguido negou alguma vez ter visto a obra em construção , tendo durante um ano passado por lá para ver se a obra se iniciava , tendo concluído ao fim de um ano que provavelmente o arguido AA se desinteressara, logo não podia ter conhecimento do início da obra .

E as regras da experiência comum não permitem concluir que o facto de o arguido se envolver no planeamento de uma obra nos primeiros anos da actividade profissional acarretava um especial envolvimento seu no elaboração do projecto e reconhecimento ao local , pois , e ao contrário , haveria de concluir-se que haveria de querer ver a sua obra concluída e nela participar tanto mais que se tratava de obra a que emprestou a sua direcção técnica .

Resulta , também , contradição insanável , da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão , porque se não quisesse acompanhar a obra teria retirado o termo da responsabilidade pela direcção técnica

Os factos demonstrado afastam a negligência , nos termos do art.º 15.º , do CP .

O crime previsto nos art.ºs 143.º b) e c) e 148.º n.º 3 , do CP , pressupõe e exige que as situações sejam abarcadas pelo dolo eventual . Sem que o agente represente o evento ou pelo menos o preveja a título de dolo eventual não é possível responsabilizá-lo subjectivamente .

Ora resulta da decisão recorrida que o arguido agiu com negligência , embora em última instância inconsciente .

O tipo legal de crime dos autos supõe um resultado que é a lesão do corpo ou da saúde , fazendo-se a imputação objectiva deste resultado à conduta ou à omissão do agente .

E ainda que sobre o agente exista um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado –art.º 10.º n.º 2 , do CP , não resultando preenchidos os elementos do tipo de crime em causa.

Mostram-se violados , por errada interpretação e aplicação , os art.ºs 10.º, 14.º e 15.º , do CP , 143.º b) e c) e 148.º n.º 3 , do CP , devendo ser requalificados jurídico-penalmente que não praticou qualquer crime , não devendo ser responsabilizado civilmente por qualquer indemnização ou se assim se não entender e prescindir renovar-se a prova .

IV. Seguiu-se a contramotivação do arguido BB à motivação de recurso apresentada pelo arguido AA .

V. Colhidos os legais vistos , cumpre decidir , considerando provado o seguinte acervo factual :

1. O arguido AA pretendia construir, por administração directa, no lote 69 da Rua ..., Bairro A... M..., freguesia de S..., Bragança, um edifício, de 3 pisos – r/c, ... e ... andar – com uma área coberta de 108m2 e descoberta de 122m2, e destinado a duas habitações.

Pretendia que o edifício tivesse, no seu alçado principal, 4 varandas, 2 por piso.

2. Para tanto, em 1982, solicitou ao arguido BB a elaboração do respectivo projecto do edifício, o que este aceitou.

3. O arguido BB elaborou então o projecto, procedendo à realização da memória descritiva e justificativa, fazendo os cálculos necessários e elaborando as respectivas plantas.

No que às varandas respeita, o arguido BB, na memória descritiva e justificativa, realizou os cálculos de estabilidade das respectivas lajes em consola com base num vão de 90 cm, embora no desenho de pormenor, de fls. 90 do anexo e de fls. 915 dos autos, tivesse desenhado as varandas com um vão de 1 m, sendo 90 cm de vão livre e 10 cm referentes ao parapeito.

4. Não obstante, na parte do projecto referente à arquitectura, elaborado pelo arguido Eduardo Fernandes, e que consta de fls. 910 a 914 dos autos e de fls. 85 a 89 do anexo, as varandas do 1º e 2º andar, do lado esquerdo, foram desenhadas para terem, de vão, 60 cms.

5. Ainda quanto às lajes em consola das varandas, o arguido BB, na memória descritiva e justificativa, projectou a utilização de 7 varões de aço com 8mm de diâmetro, no sentido longitudinal, e de 4 varões de aço com 6 mm de diâmetro, no sentido transversal.

6. No desenho de pormenor relativo às lajes das varandas, o arguido BB especificou que o aço que armaria o betão deveria ser colocado na parte superior das mesmas.

7. Elaborado o projecto, aceite pelo arguido AA, o arguido BB, em 19/5/1982 subscreveu o termo de responsabilidade que consta de fls. 77 do anexo e de fls. 901 dos autos, e do qual consta que:

“BB, licenciado em Engª Civil pela Fac. de Engª da UP e residente em Estacada lote 14 – 3º, 5.300 Bragança, declara nos termos do nº 1 do art. 6º do DL nº 166/70 de 15/4/70, que no projecto de obras de construção nova cuja licença é requerida pelo Sr. AA, morador em L..., concelho de M... de C..., se observam as normas técnicas gerais e específicas de construção, bem como as disposições regulamentares aplicáveis, designadamente, sobre fundações, paredes, pavimentos, coberturas, comunicações verticais, dimensões mínimas dos aposentos, iluminação, arejamento, instalações sanitárias e esgotos, e as disposições do RGEU, RGCAE, REBA, RSEP”.

8. Nesse mesmo termo, o arguido BB declara que “assume a direcção técnica da obra”.

9. No dia 16/11/1982, e em nome do arguido AA, o arguido requereu à Câmara Municipal de B... a aprovação do projecto e a passagem da licença de construção por 180 dias.

10. O termo supra referido acompanhou o projecto, que deu entrada na Câmara Municipal de B.....

O projecto foi aprovado pela Câmara em 27/12/1982.

Como constava do projecto a utilização de betão armado, era exigível que um técnico qualificado assumisse a direcção técnica, como assumiu o arguido BB, e foi assim e também com base em tal assumpção que a Câmara concedeu a licença de construção.

11. Todavia, o arguido AA apenas iniciou a construção do edifício em Outubro de 1985, devido a problemas financeiros.

12. Para a construção, o arguido AA contratou, à jeira, diversos trabalhadores da área da construção civil, vulgo “artistas”, sendo que pelo menos dois deles já tinham participado na construção de obras (casas), disso fazendo a sua profissão e por isso tinham experiência prática, gozando de boa reputação na aldeia do arguido, embora não tivessem alvará nem habilitações técnicas.

13. O arguido AA não comunicou ao arguido BB o início da construção, nem lhe solicitou a sua comparência na obra.

14. Todavia, o arguido BB teve conhecimento da execução da obra, vendo o edifício em construção, e não obstante, não a acompanhou, a ela nunca se deslocou, dela de desinteressando.

Também nunca renunciou à assunção da obrigação de direcção técnica, designadamente, nunca retirou o termo de responsabilidade pela direcção técnica.

15. A construção foi efectuada pelos “artistas” contratados pelo arguido AA.

Exceptuando pequenas ajudas no carregamento dos baldes, o arguido AA não trabalhou ou coadjuvou na execução do edifício, embora fosse ele quem colocasse no local da obra os materiais necessários, à medida que lhe eram solicitados pelos “artistas”.

16. Quem orientava e dava instruções sobre o modo de executar a obra, nos seus aspectos técnicos (técnicas e procedimentos de construção), eram os “artistas” mais velhos e tidos por mais experientes, sendo que, quanto a tais aspectos, o arguido AA não dava instruções, até porque não tinha conhecimentos para tanto, sendo comerciante, não possuindo conhecimentos de construção civil, não dominando as regras de segurança e de construção, embora soubesse ler um projecto na parte de arquitectura.

17. Todavia, o arguido AA, para além de acompanhar quase diariamente o andamento dos trabalhos, designadamente, verificar se os “artistas” estavam na obra e trabalhavam, pronunciava-se sobre os aspectos arquitectónicos (divisão interior das fracções e aspecto exterior) e, tanto assim, que deu instruções para ser acrescentado um compartimento em cada fracção, o que teve por efeito de alterar os vãos das varandas situadas do lado direito do laçado principal e, para obter varandas uniformes e que oferecessem maior possibilidade de utilização, também ordenou a alteração em igual medida dos vãos de todas as varandas.

18. O arguido AA forneceu todos os materiais exigidos pelos “artistas”, em momento algum propondo ou sugerindo outros em sua substituição, com vista a redução de despesas.

19. A construção das varandas, e, designadamente, da varanda do 1º piso situada no lado esquerdo do alçado principal, não obedeceu ao que constava do projecto elaborado pelo arguido BB.

Assim:

20. As varandas, e, consequentemente, também a do 1º piso situada no lado esquerdo do alçado principal, foram construídas, por instrução do arguido AA, com um vão de 1,08 m, quando, no projecto, parte de arquitectura, a varanda tinha sido desenhada com um vão de 60 cms e os cálculos de estabilidade tinham-se baseado num vão de 90 cms.

21. Foram utilizados varões de diversos diâmetros, a saber 3 varões com 12 mm de diâmetro, 13 varões com 10 mm de diâmetro, 2 varões com 8 mm de diâmetro, no sentido longitudinal, e 2 varões com 12 mm de diâmetro, 3 varões com 10 mm de diâmetro e varão com 8 mm de diâmetro, no sentido transversal, no que não obedecia ao constante do projecto.

Os espaçamentos entre os varões eram variáveis e não uniformes.

22. As lajes das varandas e, designadamente, a laje da varanda do 1º piso situada no lado esquerdo do alçado principal, foram colocadas apenas e só com armadura inferior, quando esta armadura deveria ter sido colocada na parte superior da respectiva laje, para permitir suportar o peso próprio da laje mais a sobrecarga.

Ao colocarem a armadura na parte inferior, os trabalhadores contratados pelo arguido AA desrespeitaram o projecto elaborado pelo arguido BB e as regras básicas de construção.

23. O betão colocado na referida varanda, que constitui a laje, tinha uma tensão de 8,5 Mpa, inferior ao da classe mais baixa prevista pelo REBAP (Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçado) e pela norma NP ENV 206, que especificam uma característica mínima de 15 Mpa.

24. Finda a construção do edifício, e antes de pedir a vistoria, o arguido AA, em 4/1/1988, apresentou um aditamento ao projecto inicial, de forma a contemplar as alterações referidas – designadamente, o vão da varanda do 1º andar, situada do lado esquerdo da alçada principal – aditamento este que foi elaborado por um desenhador técnico, e que consta de fls. 882 a 891 destes autos (fls. 57 a 66 do anexo), e que não foi do conhecimento do arguido BB.

Tal aditamento foi aprovado pela Câmara de B... em 9/2/1988.

25. Realizada a vistoria, em 6/7/1988, pelos serviços da Câmara de B..., foi o edifício declarado em estado de habitação, e, consequentemente, por deliberação da Câmara de 2/8/1988, foi concedida a licença de habitabilidade.

26. O arguido AA vendeu as duas fracções autónomas, que constituem o 1º e 2º andar do referido edifício.

A fracção A (1º andar) foi vendida a II em 12/10/1992 que, por sua vez, a vendeu ulteriormente a HH e JJ, em 29/10/2001.

A fracção B foi vendida a LL, que por sua vez a vendeu a MM e mulher.

27. No dia 18/8/2003, cerca das 22h15, CC, EE, GG, DD, FF e CC encontravam-se na varanda do 1º andar do edifício, a do lado esquerdo do alçado principal, quando a mesma, inesperadamente, se desprendeu totalmente da parede e caiu no logradouro, fazendo com que aqueles ocupantes caíssem ao solo e se ferissem.

28. De tal derrocada resultaram, directa, adequada e necessariamente, para aqueles ocupantes e ofendidos, lesões e ferimentos.

Assim,

29. CC, sofreu, nomeadamente, hematoma temporal e palpebral direito, otorragia à direita e escoriações torácicas anteriores, traumatismo crânio-encefálico grave, com contusões cerebrais hemorrágicas (temporais esquerda), edema cerebral, sem reflexos do tronco, traumatismo torácico abdominal com fractura do 5° ao 8° arcos costais direito com pequeno hemotórax, a coluna vertebral apresenta fractura da coluna anterior e transversa de L 1 e da coluna anterior de L4, pequeno hemoperitoneu por contusão do lobo direito do fígado, que foram causa de 535 dias de doença, com incapacidade laboral.

Embora se encontre a realizar tratamentos de medicina física e de reabilitação, desloca-se em cadeira de rodas e apresenta cicatriz inciso-contusa na região frontal direita, cicatriz cirúrgica vertical localizada na região abdominal mediana, cicatriz cirúrgica post-traqueostomia.

Sofreu perigo de vida.

O ofendido encontra-se consciente, mas em situação de afasia, com hemiparesia, dependendo de cadeira de rodas para se deslocar, de terceiros para se alimentar e fazer a sua higiene diária, sofre de enurese e encontra-se impossibilitado de escrever.

Na data o ofendido foi socorrido no HDB tendo sido transferido para o Hospital de ST.º A... no P... onde esteve até 15/9/2003, sendo transferido para o Hospital da M... em L... tendo ai permanecido até ao dia 1 de Abril de 2004.

Sofreu perigo de vida.

30. EE sofreu fractura cominutiva dos dois punhos, fractura do colo da omoplata esquerda, sendo feita redução incruenta e imobilização com talas gessadas, feridas parietais suturadas, tendo ficado internada durante oito dias no HDB.

Tais lesões demandaram-lhe, directa e necessariamente, noventa dias de doença com afectação da capacidade de trabalho geral mantendo-se sem exercer a sua actividade profissional habitual até pelo menos 17 de Junho de 2004, resultando as seguintes consequências permanentes cicatriz arqueada na região parietal esquerda com 5 cm de comprimentos, cicatriz linear na região fronto-temporal esquerda com 3 cm de comprimento, no membro superior esquerdo diminuição da flexão e da extensão do punho diminuição da flexão do 4° e 5° dedos que determina a diminuição dos movimentos das articulações dos punhos e mão esquerda.

31. GG sofreu fractura do 1/3 distal do rádio direito - redução e imobilização com gesso braqui-palmar - ficando internado até ao dia 25 de Agosto de 2003.

A referida lesão determinou sessenta dias de doença.

32. DD sofreu fractura exposta da rótula direita, tendo sido submetida a intervenção cirúrgica, tendo sido transferida para o Hospital de M... de C..., ficando internada durante cinco dias. a referida lesão demandou-lhe directa e necessariamente, noventa dias de doença com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional, resultando as seguintes consequências permanentes no membro inferior direito cicatriz arqueada com 15 cm de comprimento e cicatriz longitudinal com 7 cm de comprimento ambas na face anterior do joelho, sem limitação dos movimentos do mesmo, mas provocando dores quando se desloca numa marcha mais acelerada.

33. FF sofreu fractura do punho esquerdo tendo-lhe sido colocado gesso no membro superior esquerdo, ficando internada até 25 de Agosto de 2003.

Tal lesão demandou­-lhe, directa e necessariamente, noventa dias de doença com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional, resultando as seguintes consequências permanentes no membro superior esquerdo desvio radical do punho, que para além do mais lhe provoca dores no antebraço esquerdo sentindo dificuldade em certos actos da vida diária nomeadamente lavar roupa e pegar em pesos.

34. A derrocada da varanda ocorreu porque a mesma não foi construída de acordo com as normas e regras de construção, concretamente, porque a armadura de aço foi colocada na parte inferior da laje, quando esta devia ser situada, obrigatoriamente, na parte superior, para permitir suportar sem ruptura a laje e a sobrecarga.

35. O arguido BB, não obstante ter tido conhecimento da execução da construção do edifício, e nunca ter retirado o termo de responsabilidade pela direcção técnica, não se deslocou à obra, não a acompanhou, sobretudo, na execução das partes em que era utilizado betão armado, como era o caso de todas as varandas.

36. Deixou que a obra, e, sobretudo, as partes em que foi utilizado betão armado, fosse executada, sem a acompanhar tecnicamente, no que agiu de forma livre, voluntária e consciente.

37. Representou que, em virtude de não acompanhar a construção da obra, nem a ela se deslocar, poderia a mesma, sobretudo as partes em betão armado, estar a ser erradamente executada, em violação das regras e normas da boa construção, e, de, por isso, não oferecer, sobretudo aquelas partes, as necessárias condições de segurança, com o que não se conformou.

38. Contudo, não representou a possibilidade da violação das regras de construção e da consequente diminuição da segurança do edifício serem de tal modo graves que pudessem levar a uma derrocada, e, concretamente, à derrocada da varanda em causa e, assim, ferir ou colocar em perigo a vida das pessoas que a utilizassem ou das que se encontrassem por baixo, como efectivamente, causaram e feriu.

39. Porém, ao agir do modo descrito, o arguido BB não actuou com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, pois, sabendo que estava em construção o prédio, sabendo que se tratava de um edifício de r/c, 1º e 2º andares, sabendo que o mesmo levava betão armado, e sabendo que tinha assumido a obrigação de dirigir tecnicamente a obra, não cuidou de a acompanhar, nem mesmo de a ela se deslocar e, assim de se certificar da conformidade da sua execução, sobretudo em termos de betão armado, com o projecto, e, deste modo, de se assegurar que o edifício não apresentava erros de execução nas estruturas em betão armado, que pudessem levar a um risco de derrocada e, em consequência, de ferimento de terceiros.

40. Era previsível que, sem a sua presença, enquanto técnico qualificado, que tinha assumido a obrigação de direcção técnica, os trabalhadores pudessem cometer erros de execução das partes em betão armado.

41. O arguido AA decidiu que a construção se iniciasse e prosseguisse sem a presença do arguido Eduardo, técnico habilitado que tinha assumido a direcção técnica da obra, a quem nem sequer comunicou o início e o andamento da construção, no que actuou de forma livre, voluntária e consciente.

42. Sabia que os trabalhadores que tinha contratado não possuíam habilitações técnicas que lhes permitissem dirigir a execução das partes de betão armado do edifício, tratando-se de trabalhadores que apenas possuíam um conhecimento empírico advindo da realização de outras obras.

43. Representou que, em virtude de tais trabalhadores não terem habilitações técnicas, de não serem dirigidos pelo director técnico da obra, a quem não cuidou de comunicar o início e andamento da construção, de não haver empreiteiro, aqueles poderem executar as partes em betão armado, entre as quais as varandas, de forma errática, em violação das regras e normas da boa construção, e, de, por isso, tais partes não oferecerem as necessárias condições de segurança, com o que não se conformou.

44. Contudo, não representou a possibilidade da segurança poder ficar de tal modo comprometida que pudesse conduzir a uma derrocada, designadamente, à derrocada da varanda em causa e, assim, ferir ou colocar em perigo a vida das pessoas que a utilizassem ou das que se encontrassem por baixo, como efectivamente, causaram e feriu.

45. Porém, ao agir do modo descrito, o arguido AA não actuou com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, pois não cuidou de comunicar ao arguido BB nem o início nem o andamento das obras, nem pediu a comparência de outra técnico habilitado, sendo previsível, dada a natureza e altura do edifício (composto de r/c, ... e ... andar), a utilização de betão armado, a falta de preparação técnica dos trabalhadores, a ausência de direcção por parte do técnico devidamente habilitado, a ausência de empreiteiro, que os trabalhadores pudessem cometer erros e violações das normas e regras da boa construção, mormente nas partes de betão armado, varandas incluídas, e, assim, de estas não oferecerem as necessárias condições de segurança.

46. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

47. O arguido AA, ao mandar construir o edifício, tinha o propósito de nele fixar a sua residência e do respectivo agregado familiar.

O arguido nunca se dedicou à construção de edifícios para posterior revenda.

48. Antes do acidente, ao arguido AA nunca tinham chegado reclamações de defeitos de construção do edifício.

49. O arguido AA é pessoa educada, respeitadora e respeitada, bem comportada e humilde, e é muito estimada socialmente.

50. Não tem antecedentes criminais e não mostrou arrependimento.

51. A esposa é professora primária e o casal goza de boa condição económica.

52. O arguido AA tem a 4ª classe de escolaridade.

53. O arguido BB é pessoa muito estimada e respeitada, e educada.

54. A esposa é médica.

55. O casal goza de folgada situação económica, e o casal tem um filho maior, estudante, a cargo.

56. O arguido BB é de condição social elevada.

57. É licenciado em engenharia civil.

58. Não tem antecedentes criminais e não mostrou arrependimento.

59. O demandante CC, à data da derrocada, era sargento da Marinha, na força dos fuzileiros, e preparava-se para, dentro de pouco tempo, passar á reforma que antevia gozar com felicidade na companhia da esposa e dos filhos.

Nasceu a 7/8/1948.

60. Com a derrocada pensou que iria morrer e com o impacto, sofreu fortes dores.

61. Não obstante estar consciente, o demandante sofreu profunda e progressiva alteração das funções cognitivas, com acentuada diminuição das faculdades ao nível da percepção, raciocínio, linguagem e memória.

62. Assim, deixou de conseguir falar, não articulando palavras ou frases e é incapaz de expressar qualquer raciocínio.

63. Deixou de entender o sentido das frases que lhe dirigem.

64. Deixou de reconhecer os familiares.

65. Perdeu a noção do dinheiro e do tempo.

66. Por causa disso, face a tal progressiva e acentuada alteração das faculdades do demandante, foi intentada pelo MP, junto do Tribunal do Seixal, acção de interdição por anomalia psíquica, que corre seus termos.

67. Com os tratamentos a que foi sujeito, e em virtude do estado em que ficou, o demandante CC sofreu intensamente.

68. O demandante ficou totalmente dependente da ajuda de terceiros, e, por causa disso, a esposa deixou de trabalhar, como empregada de limpeza, a fim de acompanhar o marido.

69. Além do acompanhamento da esposa, o demandante é assistido por pessoal do centro de dia de Arrentela, que diariamente lhe vão fazer a sua higiene, levantá-lo e deitá-lo, a quem pagou a quantia de 56,75 €.

70. Como necessita de uma cama, colchão e almofadas especiais, aluga uma cama com as características exigidas ao Centro de Reformados de Amora, pagando mensalmente a quantia de 20,50 €.

71. Como sofre de enurese, o demandante necessita de usar fraldas.

72. A demandante EE, à data do acidente, era uma pessoa saudável e com prazer de viver.

73. Aquando da derrocada, pensou que iria morrer.

74. Com o impacto e com os tratamentos a que foi sujeita, sofreu fortes dores.

75. Quando pega em objectos mais pesados ou lava a roupa, e a cada mudança de tempo, a demandante experimenta dores.

76. Por se ver nesse estado e por causa das cicatrizes, a demandante perdeu alguma alegria de viver.

77. DD, à data do acidente era pessoa saudável e alegre e, com a derrocada, pensou que iria morrer.

78. Com o decorrer do tempo, e em consequência das lesões, passou a sofrer de lombociatalgia posicional, artrose femuro-patelar e apresenta sinais incipientes de gonartrose femuro-tibial, apresentando, actualmente, uma IPP de 23%, padecendo de fortes dores, que se agravam com o andar e com as mudanças de tempo.

79. A demandante tem 38 anos de idade e explorava um café, o que deixou de fazer, dadas a dores que sente em ficar muito tempo de pé, tendo emigrado para França.

80. Com o impacto e com os tratamentos a que foi sujeita, sofreu fortes dores.

81. Por causa do estado em que ficou, perdeu alguma alegria de viver.

82. As cicatrizes que apresenta são visíveis sempre que usa saia, calções ou fato de banho.

83. FF era, à data da derrocada, uma pessoa saudável e com alegria de viver.

84. Aquando da derrocada, pensou que iria morrer.

85. Com o impacto e com os tratamentos a que foi sujeita, sofreu fortes dores.

86. Na realização das tarefas mais simples do dia a dia, como lavar roupa ou pegar em objectos mais pesados, sente dores, o que a deixa triste.

87. O demandante GG é menor de idade.

88. À data do acidente, tinha grande alegria de viver e era saudável.

89. Aquando da derrocada, pensou que iria morrer.

90. Com o impacto e com os tratamentos, sentiu fortes dores.

91. Ficou com medo das alturas.

V. O recurso cinge-se à parte cível da condenação , destacada da parte penal , redundando esta na comprovação , segundo o Colectivo decidente, por cada um dos arguidos , da prática de um crime de ofensas corporais por negligência do qual resultou ofensa grave à pessoa do ofendido , p. e p. pelos art.ºs 143.º b) e c) e 148 .º n.ºs 1 e 3 , do CP de 82 , ilícito declarado amnistiado e extinto o procedimento criminal movido , ao abrigo do art.º 7.º n.º 1 b) , da Lei n.º 29/99 , de 12/5 , prática criminosa essa , contestada pelos recorrentes , mas de definição apriorística porque a efectivação da responsabilidade civil em processo penal se funda na prática de crime –art.º 71.º , do CP –a partir dos factos imutavelmente fixados, que este STJ não sindica , sempre salvaguardada a hipótese de ocorrência de qualquer dos vícios elencado no art.º 410.º n.º 2 , do CPP, como adiante se explicitará .

E sendo aquela a causa de extinção do procedimento criminal , manifesto se torna que não faz sentido que se afirme uma condenação , sem pena , mas tão só a afirmação de uma causa legal de extinção de procedimento criminal , funcionando como obstáculo à punição de um facto , que perdeu a marca da associalidade , por desnecessidade de punição , reconhecida pelo poder político e que produz o efeito , em caso de condenação , da cessação tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança –art.º 128.º n.º 2 , do CP .

E em caso de extinção do procedimento criminal por essa causa não pode dizer –se que essa decisão seja praticada contra o agente do ilícito , a quem , também , falha interesse em agir , quanto à parte penal , necessidade de utilizar o recurso para defender o seu direito , por esta dupla ordem de razões lhe estando vedado o recurso , ou seja por falta de legitimidade e daquele interesse nos termos do art.º 401 .º n.ºs 1 c) e 2 , do CPP .

VI. O pedido de indemnização derivado da prática de um crime impõe-se segundo Ferri , citado pelo Prof. Figueiredo Dias , in Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em Processo Penal, BFDUC , 1966 , pág. 19e segs . , “ como função social que diz respeito ao Estado não apenas no interesse do particular ofendido, como ainda no interesse indirecto , mas não menos eficaz da defesa social “ , sendo por isso mesmo considerado como a terceira reacção criminal a par das clássicas de prisão e multa .

E assim temos , para alguns , escreve o Prof. Castanheira Neves , in Sumários de Processo Criminal , 1967/68 ,pág. 187 , que a regulamentação positivo-processual da “ acção cível “ inscrita em processo penal se subordina a uma estrutura processual estritamente civil , com aceitação dos princípios , desde logo do dispositivo , do “ procedat judex “ ex officio , ne est judex ultra petita partium “ , da renúncia , transacção , confissão , etc . , e até só com dificuldade se poderá aceitar a sua inserção no processo penal , a não ser que se conceba como uma específica acção cível inserta na acção penal a que se subordina .

No domínio do CPP de 29 a doutrina dominante , representada por Vaz Serra , Gomes da Silva e Cavaleiro de Ferreira , atribuía-lhe natureza puramente civil , sendo maioritária a jurisprudência , esta indo ao encontro da tese oposta , defendida pelo Prof. Figueiredo Dias , apud estudo citado , pág. 29 e segs .

As razões lógicas dos sistemas que admitem -sistemas há que o repudiam , outros atribuem-lhe uma feição alternativa , na compreensão de que ambos os procedimentos contemplam a idoneidade para o conhecimento da indemnização –o enxerto do pedido cível na acção penal são as mais díspares , mas todas elas se reconduzem , essencialmente , à vantagem da não contradição de julgados , economia processual e ao interesse do lesado , que , funcionando como auxiliar do juiz , o habilita a melhor avaliar a extensão do dano , se exime a despesas e incómodos , além de que a estrutura do processo penal, se mais simples do que a cível , assegurará justiça mais célere , simples e acessível –cfr. Prof. Vaz Serra , in BMJ , 91-págs . 56 e segs .

O nosso sistema processual penal actual , destacando-se dos sistemas de identidade e absoluta independência , consagra no art.º 71.º e segs . do CPP , um sistema de interdependência ou de adesão da acção cível à penal , em que se prevê obrigatoriedade , como regra , de se “ juntar “ a acção cível à acção penal , de permeio com cambiantes normativas que contradistinguem a acção enxertada da acção cível enunciando a lei os casos em que pode ser deduzida em separado .

No plano substantivo o processo penal recebe por incorporação os pressupostos que fazem nascer , nos moldes do direito substantivo, a obrigação de indemnizar ( art.º 129.º , do CP ) ; no plano da tramitação processual a acção penal rege-se pelos princípios orientadores do processo penal , com especificidades próprias de que são ex.º a ausência da cominação plena ou semiplena para a falta de contestação ,a susceptibilidade de as pessoas com responsabilidade civil poderem intervir espontâneamente , a legitimidade do lesado para demandar, entendendo-se como tal todo o que sofreu dano , não tendo que ser necessariamente ofendido , cabendo-lhe , tão somente , o ónus de sustentar e provar o pedido , assimilando –o ao assistente , não ser obrigatória a constituição de advogado em certas condições , estando dispensado de comparecer e julgamento a não ser quando seja obrigatória a sua presença para prestar declarações , assistindo ao julgador o direito de remeter os seus sujeitos processuais para os tribunais civis atenta a complexidade do pedido ou para fixação da parte não liquidada da indemnização e mesmo de a fixar provisoriamente em certo contexto , indicando , ainda , os casos de excepção à regra da adesão obrigatória –art.ºs 78.º , 73.º , 74.º , 76 .º , 80.º , 82 .º , 82.º -A , 83 .º , do CPP .

VII . No âmbito do CPP de 29 a indemnização de perdas e danos possuía especifica natureza penal , pois que a indemnização titulava um efeito penal da condenação podendo ser arbitrada mesmo que não peticionada e ser vista mesmo como “ parte integrante “ da pena pública , escreveu o eminente penalista Prof. Figueiredo Dias , in Jornadas de Direito Processual Penal , O Novo Código de Processo Penal , CEJ , págs . 14 e 15 , mas hoje , continua , face ao que se preceitua no art.º 129 .º , do CP , sem prejuízo ao princípio da adesão , a acção cível nele enxertada “ como acção cível permanece até ao fim “ .

A materialidade do enxerto adquiriu , assim , estatuto de acção cível.

Nela vigora o princípio do pedido , fazendo-se impender sobre o demandante o ónus de alegação de factos de que o juiz não conhece no exercício das suas funções , pedido esse , em certos casos , despido de especiais formalidades de alegação –cfr. n.º 3 , do art.º 77 .º , do CPP- , mas no mais adstrito a uma certa estrutura e oportunidade de apresentação .

Por força do princípio da adesão o demandante junta , pois , a sua concreta pretensão , à enunciada na acusação , que , com a sua , constitui fundamento do enxerto , fundindo-se em uma só causa de pedir , simples ou complexa ; por força da teoria da substanciação , consagrada no nosso direito, o objecto da acção cinge-se ao pedido , definido através de certa causa de pedir , enquanto acto ou facto concreto , idóneo , donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer –art.º 498 .º , do CPC; cfr. Prof. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo civil , pág. 111 .

VII . O facto penalmente relevante enquanto pressuposto da responsabilidade civil por facto ilícito é a resultante da actividade probatória do tribunal apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção probatória , nos termos do art.º 127 .º , do CPP .

Ao contrário do que sucede no sistema de prova legal, em que a convicção probatória se faz através de provas legalmente pré-fixadas , atribuindo-se a cada uma o significado abstractamente prescrito por lei , à qual o juiz está vinculado e dele não pode divergir , por isso se apelida de sistema de prova vinculado ; no sistema de prova livre o juiz valora objectivamente o facto , de acordo com a sua individualidade histórica , tal como foi adquirido no processo através dos diversos meios de prova , diligências e alegações , sem esquecer aquilo que , comprovados certos factos , pode inferir , porque é normal suceder ( id quod plerumque accidit), sem grande margem de erro , porque enunciam uma probabilidade forte de suceder, ou seja por força das regras da experiência que funcionam como “ critérios generalizantes e tipificantes de inferência factual “ , “ com validade no contexto atípico em que surgem “ , e que mais não são do que “ índices corrigíveis , critérios que definem conexões de relevância “ , orientadoras dos caminhos da investigação , oferecendo probabilidades conclusivas , mas nada mais do que isso , no ensinamento lapidar do Prof. Castanheira Neves, op. cit, pág. 48 .

Não são , pois , meios de prova , instrumentos de obtenção de prova , antes raciocínios, juízos hipotéticos , com validade , muitas vezes , para além do caso a que respeitem , donde o seu carácter atípico , como se doutrinou no AC. deste STJ de 7.1.2004 , P.º n.º 03P3213 , permitindo atingir continuidades imediatamente apreensivas nas correlações internas entre factos , conformes à lógica , sem incongruências para o homem médio e que , por isso, legitimam a afirmação de que dado facto é natural consequência de outro, surgindo com toda a probabilidade forte , próxima da certeza , sem receio de se incorrer em injustiça , por não estar contaminado pela possibilidade física mais ou menos arbitrária , impregnado de impressões vagas , dubitativas e incredíveis .

São as regras da experiência –aquelas regras que, como ensina, por sua vez, o Prof. Vaz Serra, «são ou o resultado da experiência da vida ou de um especial conhecimento no campo científico ou artístico, técnico ou económico e são adquiridas, por isso, em parte mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, em parte mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria» («Provas (Direito Probatório Material)», «B.M.J.» nº. 110, pág. 97, citando Nikisch) -que -cfr. Ac. deste STJ , de 9.2.2005 , in P.º n.º 04P4721- permitem fundar as presunções naturais , não abdicando da explicitação de um processo cognitivo , lógico , sem espaços ocos e vazios conduzindo à extracção do facto conhecido o desconhecido , porque conformes à realidade reiterada , de verificação muito frequente , por isso verosímil.

Enquanto «critérios generalizantes e tipificados de inferência factual» funcionam não apenas como meio de controle (racional), crítico da decisão do Juiz, mas também como instrumento do seu raciocínio, para a provação ou não de um facto, sobretudo, quando este revista natureza psíquica, sustentando uma convicção onde não permaneça qualquer dúvida razoável e séria ou, como afirma Pietro Ellero, «uma firma e formada persuasão e nada mais»: «à medida que as dúvidas diminuem, a probabilidade aumenta, uma vez desvanecidas, a certeza surge “ , em ordem à verdade “ aproximativa “ , de que fala Mittermayer .

Ambos os arguidos em sede de recurso e , desde logo , o arguido AA , como antes já o fizera perante a 2.ª instância, impugna pontos de facto , em vista da se ver ilibado de responsabilidade na derrocada da varanda , não levando em apreço o que de há muito constitui um dado adquirido na jurisprudência por força do qual a Relação encerra , como regra , o ciclo do conhecimento da matéria de facto , nos termos do art.º 427.º, do CPP , e mais que esse conhecimento que lhe é deferido legalmente assume a natureza segmentada, restringindo-se ao reexame de certos factos , em vista da reparação de erros e nunca a um julgamento global da matéria de facto .

E esse julgamento não atenta contra princípio fundamentais ligados ao direito de defesa , que não reclamam um triplo grau de recurso em termos de matéria de facto , satisfazendo-se com um duplo grau de jurisdição , ou seja com o direito do arguido à reponderação do caso concreto por tribunal situado num plano e categoria hierarquicamente superior .

Mostrando-se garantido um grau de recurso , a subsequente irrecorribilidade da questão de facto não se afigura constitucionalmente intolerável –cfr. Ac. do TC n.º 686 /04 , de 30/11/ 2004 , P.º n.º 843/04 -2.ª .

Este STJ , vocacionado como está historicamente como tribunal de revista ,ou seja para decidir de matéria de direito, missão reforçada pelo inciso “ exclusivamente de direito “ inscrito no art.º 434.º , do CPP , pela reforma introduzida pela Lei n.º 59/98 , de 25/8 ,2 temperada pela hipótese de conhecer os vícios previstos no art.º 410.º n.º 2 , do CPP , em sede de revista alargada, representando o triunfo do profano sobre o jurídico, como forma de estabelecer a coerência interna do decidido , entre as premissas do silogismo judiciário pois seria inadmissível que a conclusão de direito assentasse em matéria de facto inquinada daquele vícios graves, como resulta da exigência de serem visíveis a partir do simples exame do texto da decisão recorrida , sem recurso a elementos extrínsecos .

O conhecimento oficioso de tais vícios liga-se à descoberta da verdade material e á justa fixação da pena, teleologia inscrita no art.º 410.º n.º 2 , do CPP –cfr.Código de Processo Penal , Notas e Comentário , de Vinício Ribeiro , pág. 1021 ; o recorrente deve , pois , diligenciar junto da Relação a fixação em derradeiro momento , com solidez da matéria de facto e não , em atropelo à lei , relegar essa missão ainda ao STJ ou esperar que a álea do recurso o contemple .

Pacífico , pois , o entendimento por este STJ de que ao recorrente é vedado erigir na fundamentação do recurso anomalias ao nível da matéria de facto , embora possa sugeri-los e este Tribunal declará-los oficiosamente , se para tal se mostrar imprescindível ao dizer do direito ( cfr. os recentes Acs. proferidos nos P.º n.ºs 06P0303 , em 22.4.2009 e 145/05 , de 27/5/09 ), mantendo-se o STJ ainda na reserva de competência fixada no art.º 434.º e 432 .º n.º 2 c) , do CPP , reforçando , também , este último a competência para o conhecimento restrito , exclusivamente , da matéria de direito atinente a acórdãos finais condenando em prisão superior a 5 anos .

VIII . O arguido BB não endereçou à Relação a apreciação dos vícios do erro notório , insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e a contradição insanável ao nível da fundamentação , como o faz agora para este STJ nas conclusões 3 e segs., intentando , com isso , a alteração da matéria de facto , removendo-a parcialmente do leque dos factos demonstrados , particularmente no enfoque em que se teve como provado- ponto 14 .- que o arguido teve conhecimento da execução da obra , vendo o edifício em construção , e , não obstante , não a acompanhou , a ela nunca se deslocando , dela se desinteressando , isto apesar de , escreve-se na fundamentação , a obra ter durado 2 anos a construir e o próprio arguido admitir que passava de vez em quando no local , situando –se a obra a 70 metros da EN 15 , não se interpondo qualquer óbice à visibilidade , a quem circulava por aquela via .

Por outro lado sendo dos seus primeiros projectos de licenciado em engenharia civil , naturalmente que a construção não deixaria de lhe chamar a atenção .

Tal asserção do Colectivo enfermaria de erro notório na apreciação da prova porque as razões invocadas , alicerçadas nas regras da experiência , impunham solução diversa ; explicitando melhor : não se demonstra quando passou pela obra , sendo certo que quando o fez não existia nenhuma obra no local em construção .

Por outro lado e a fundamentar esse erro-vício , impondo alteração factual , estão um elenco de factos provados , entre os quais nunca lhe ter sido comunicado pelo dono da obra , o co-arguido AA , o início da construção , que se iniciou ( em 1985) 3 anos depois de obtida , em 1982 , a licença de construção por 180 dias , subsequente ao projecto de engenharia elaborado por si , além de que foi elaborado , concluída a obra , em 1988 , um aditamento ao nível das varandas, que não era da sua autoria , sendo que passou durante um ano pelo local da obra tendo concluído que o co-arguido se desinteressara da construção .

Sublinha , ainda , não poder concluir-se pelo envolvimento do arguido apenas ao projecto e não já pelo andamento da obra( construção e edificação) por se tratar de um trabalho exercido poucos anos após conclusão da sua licenciatura em engenharia civil, quando as regras da experiência comum impõem conclusão oposta .

Este STJ não se intromete , por regra , e reiterando o antes afirmado , antes acata a matéria de facto fixada , como tribunal de revista que é , estando-lhe vedado sindicar a assente nas instâncias, porque não teve acesso às provas que desfilaram perante o Colectivo, concentradas na audiência , imediação com elas , estabelecendo relação proximal entre os intervenientes processuais , oralidade de prestação , mas em sede de recurso pode exercer a adequada censura sobre a legalidade das provas de que o tribunal se serviu para fixar a matéria de facto , designadamente se elas envolvem violação da lei ou sobre o grau de convicção necessário para a decisão ( cfr. Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário ao Código de Processo Penal , 347 ) , particularmente a adequação das considerações tecidas pelo colectivo como conformes à s regras da experiência para sustentar a sua convicção .

A este STJ não está vedado reexame sobre se o raciocínio usado pelo julgador incidente sobre certos factos consequencia, segundo a ordem lógica das coisas, um espaço factual sem soluções de descontinuidade , com utilidade à causa , capaz de fundar um facto suficientemente credível .

A argumentação do arguido Eduardo não resiste a um fundado , salvo o devido respeito, elenco de críticas.

Desde logo a invocação dos vícios em causa é –o pela primeira vez no recurso para este STJ , tratando-se questão inteiramente nova , quando os recursos visam a resolução , para que são remédio ,de questões já decididas e não por decidir , ressalvando-se o domínio dos factos notórios e o do conhecimento oficioso .

Por outro lado não se descortina o vício do erro notório da apreciação da prova , com o significado de erro grosseiro , á margem da lógica, arbitrário, detectável sem esforço e recurso a elementos estranhos à decisão , aparente pelo simples texto da decisão recorrida ou recurso à regras da experiência , porque o recurso tem por objecto a decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida –cfr . Germano Marques da Silva , Curso de Processo Penal , III , 339 , quando se deu como provado que o arguido Eduardo teve conhecimento da execução da obra, vendo o edifício em construção, e não obstante, não a acompanhou, a ela nunca se deslocou, dela de desinteressando.

E também não resulta ofensa às regras da experiência, com o sentido e alcance antes delimitado , quando , partindo-se da consideração de a obra ter durado 2 anos a construir, o próprio arguido admitir que passava de vez em quando no local - o que só significa que o conhecia - , situando –se a obra a 70 metros da EN 15 , não se interpondo qualquer óbice à respectiva visibilidade , a quem circulava por aquela via , vendo-a construção , o que lhe deveria suscitar a atenção por se ter licenciado em engenharia civil havia 4 anos , devendo denotar um empenho acrescido , contrapondo ilação contrária o recorrente .

E também não enferma de erro notório o não ter-lhe sido dado conhecimento do início , convocado para qualquer vistoria , ter sido apresentado um projecto de alteração ao nível da morfologia das varandas à sua revelia , da autoria de terceiro , contratado pela dono da obra .

Em verdade o que avulta do conjunto de alegações apontadas é a sobreposição da sua convicção à do tribunal ; é o julgamento que faz dos factos em seu interesse, e mesmo ao negar que se tivessem provado alguns dos antes descritos , nada tendo a ver a divergência manifestada com os vícios do erro notório na apreciação da prova , contradição insanável entre os fundamentos ou insuficiência da matéria de facto para a decisão recorrida , tanto mais que se deu por provado , refutando-se a invocação de que o arguido Eduardo passou perto do local numa altura em que a obra não estava em construção , mas exactamente o facto de sentido contrário : o arguido BB teve conhecimento da execução da obra, viu o edifício em construção, e não obstante, não a acompanhou, a ela nunca se deslocou, dela de desinteressando. Esta a realidade incontornável .

O erro de julgamento , existindo , não se confunde com aqueles vícios , que são de lógica jurídica –cfr. Maria João Antunes , RPCC , Janeiro –Março de 1994 , 121 , de confecção do decidido , impeditivos de bem se decidir , tanto no plano objectivo como subjectivo , vícios graves ao nível da matéria de facto que afectam a decisão no todo ou em parte e , por isso , por excelência , de arguição ante a 2.ª instância e de declaração oficiosa naquela e neste STJ , mas já num excepcional contexto de pura indispensabilidade para se fundar a decisão de direito numa boa decisão de facto .

IX . Os arguidos refutam a sua responsabilidade criminal que o Colectivo fez assentar na negligência , negligência de resultados materiais graves , como passa a explicitar-se a partir do enunciado do quadro factual provado , de forma sucinta . Assim :

O arguido AA , comerciante , contratou , em 1982 o arguido BB , engenheiro civil , no sentido elaborar um projecto de construção para uma sua moradia de rés –do-chão , primeiro e segundo andares , com 4 varandas, 2 por piso no alçado principal, procedendo aquele engenheiro à realização da memória descritiva e justificativa, fazendo os cálculos necessários e elaborando as respectivas plantas.

No que às varandas respeita, o arguido BB, na memória descritiva e justificativa, realizou cálculos de estabilidade das respectivas lajes em consola com base num vão de 90 cm, embora no desenho de pormenor, de fls. 90 do anexo e de fls. 915 dos autos, tivesse desenhado as varandas com um vão de 1 m, sendo 90 cm de vão livre e 10 cm referentes ao parapeito.

No entanto a parte do projecto referente à arquitectura, elaborado pelo arguido BB, e que consta de fls. 910 a 914 dos autos e de fls. 85 a 89 do anexo, as varandas do 1º e 2º andar, do lado esquerdo, foram desenhadas para terem, de vão, 60 cms.

Quanto às lajes em consola das varandas, o arguido BB, na memória descritiva e justificativa, projectou a utilização de 7 varões de aço com 8mm de diâmetro, no sentido longitudinal, e de 4 varões de aço com 6 mm de diâmetro, no sentido transversal.

No desenho de pormenor relativo às lajes das varandas, o arguido BB especificou que o aço que armaria o betão deveria ser colocado na parte superior das mesmas.

Elaborado o projecto, aceite pelo arguido AA, o arguido BB, em 19/5/1982 subscreveu o termo de responsabilidade que consta de fls. 77 do anexo e de fls. 901 dos autos, e do qual declara , como engenheiro civil ,além do mais , que no projecto de obras de construção nova cuja licença é requerida pelo AA “ se observam as normas técnicas gerais e específicas de construção, bem como as disposições regulamentares aplicáveis, designadamente, sobre fundações, paredes, pavimentos, coberturas, comunicações verticais, dimensões mínimas dos aposentos, iluminação, arejamento, instalações sanitárias e esgotos, e as disposições do RGEU, RGCAE, REBA, RSEP”.

Concomitantemente arguido BB declara que “assume a direcção técnica da obra”.

Vigorava , então , a respeito do licenciamento municipal de obras particulares o Dec.º-Lei n.º 166/70 , de 15/4 , in D G n.º 88, I Série , dando-se conta , em elucidativo preâmbulo , que a fiscalização “ apriori “ das obras a licenciar enfrentava sérias dificuldades pela carência de meios humanos tecnicamente habilitados , mas , continuava o preâmbulo , desde que se exija dos autores do projecto que se observaram as normas técnicas genéricas e específicas da construção bem como as disposições legais e regulamentares , o exame pelos respectivos serviços “ restringir-se-à ao aspecto exterior do projecto , à sua inserção no meio ambiente , à cércea respectiva , à sua conformidade com o plano ou anteplano de urbanização , pode abreviar-se “ .

Se justificada , “ a posteriori” a fiscalização poderá levar ao embargo da obra ou a vistoria , precedendo a concessão de licença .

Inscreve-se no preâmbulo , que , paralelamente à confiança que passa a depositar-se no autor do projecto , procura tornar-se “ mais efectiva a sua responsabilidade, pois não deve ficar impune o facto de se projectarem obras –ainda que sob pressão do proprietário -com clara infracção às regras regulamentares em vigor” .

E , dando a correspondente e lógica tradução no corpo do diploma , o seu art.º 6 .º n.º 1 , frisa a incontornável obrigação de apresentação , sempre , de declaração de que na obra se observaram as normas técnicas gerais e específicas de construção , bem como as disposições legais regulamentares , designadamente sobre fundações, paredes , pavimentos , pavimentos e coberturas , iluminação , arejamento , abastecimento de água , instalações sanitárias e esgotos “ , apropriando-se a declaração unilateral receptícia , vertida no termo de responsabilidade , da exigência legal .

Por seu turno , ainda nessa linha de concordância prática , porém de forma bastante restritiva, o exame da obra pela Câmara , órgão do Município, incide especialmente sobre o aspecto exterior do edifício , inserção no ambiente urbano , cércea respectiva e a sua conformidade com o plano ou anteplano do urbanismo e sua regulamentação , dispõe o art.º 10.º , daquele Dec.º-Lei .

O art.º 17.º faz depender de vistoria a emissão de licença .

A cércea , clarifica-se , é a altura máxima da construção , escreveu-se no Ac. do STA , de 1.6.2004 , in P.º n.º 884/03 .

Complementarmente , o Dec.º n.º 47.723, de 20.5.67, alterado pelo Dec.º-Lei n.º 599/79 , de 23/7 , aprovando o Regulamento de Estruturas de Betão Armado ( REBA) ,no seu art.º 6.º , referindo-se à qualificação do director técnico da obra ,sempre que nelas se use , no todo ou em parte , betão armado , especifica-se, incumbirá a engenheiro civil , engenheiro técnico civil ou outros técnicos de formação adequada ; o art.º 5.º , do Dec.º-Lei n.º 349-C/83 , de 30/7 , aprovando o Regulamento de Estruturas de Betão , dispõe similarmente : a direcção técnica das obras que envolvam estruturas de betão armado ou de betão pré-esforçado , será exercida por técnicos com formação adequada à natureza e importância das obras e para o efeito da legislação em vigor .

X. A matéria de facto provada esclarece que o arguido AA apenas iniciou a construção do edifício em Outubro de 1985, devido a problemas financeiros contratando , à jeira, trabalhadores da área da construção civil, vulgo “artistas”, disso fazendo a sua profissão , com experiência prática, reputados profissionalmente , no meio local , sem alvará nem habilitações técnicas, não comunicando ao arguido Eduardo o início da construção e nem lhe solicitando a sua comparência na obra.

O arguido BB teve conhecimento da execução da obra, vendo o edifício em construção, e não obstante, não a acompanhou, a ela nunca se deslocou, dela de desinteressando , porém nunca renunciou à assunção da obrigação de direcção técnica mantendo , em permanência , o termo de responsabilidade .

Eram os “artistas” mais velhos , pela sua experiência , que davam as instruções nos seus aspectos técnicos , porque o arguido AA não tinha conhecimentos para tanto, sendo comerciante, não possuindo conhecimentos de construção civil, ignorando as regras de segurança e de construção, embora soubesse ler um projecto na parte de arquitectura.

Apesar disso, para além de acompanhar quase diariamente o andamento dos trabalhos, designadamente, verificar se os “artistas” estavam na obra e trabalhavam, pronunciava-se sobre os aspectos arquitectónicos (divisão interior das fracções e aspecto exterior) e, tanto assim, que deu instruções para ser acrescentado um compartimento em cada fracção, o que teve por efeito alterar os vãos das varandas situadas do lado direito do alçado principal e, para obter varandas uniformes e que oferecessem maior possibilidade de utilização, também ordenou a alteração em igual medida dos vãos de todas as varandas.

O arguido AA forneceu todos os materiais exigidos pelos “artistas”, em momento algum propondo ou sugerindo outros em sua substituição, com vista a redução de despesas.

A construção das varandas, e, designadamente, da varanda do 1º piso situada no lado esquerdo do alçado principal, não obedeceu ao que constava do projecto elaborado pelo arguido BB.

Assim:

As varandas, e, consequentemente, também a do 1º piso situada no lado esquerdo do alçado principal, foram construídas, por instrução do arguido AA, com um vão de 1,08 m, quando, no projecto, parte de arquitectura, a varanda tinha sido desenhada com um vão de 60 cms e os cálculos de estabilidade tinham-se baseado num vão de 90 cms.

Foram utilizados varões de diversos diâmetros, a saber 3 varões com 12 mm de diâmetro, 13 varões com 10 mm de diâmetro, 2 varões com 8 mm de diâmetro, no sentido longitudinal, e 2 varões com 12 mm de diâmetro, 3 varões com 10 mm de diâmetro e varão com 8 mm de diâmetro, no sentido transversal, no que não obedecia ao constante do projecto , sendo os espaçamentos entre os varões variáveis e não uniformes.

As lajes das varandas e, designadamente, a laje da varanda do 1º piso situada no lado esquerdo do alçado principal, foram colocadas apenas e só com armadura inferior, quando esta armadura deveria ter sido colocada na parte superior da respectiva laje, para permitir suportar o peso próprio da laje mais a sobrecarga.

Ao colocarem a armadura na parte inferior, os trabalhadores contratados pelo arguido AA desrespeitaram o projecto elaborado pelo arguido BB e as regras básicas de construção.

Saliente-se que o betão colocado na referida varanda, que constitui a laje, tinha uma tensão de 8,5 Mpa ( megapascais ) inferior ao da classe mais baixa prevista pelo REBAP (Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçado) e pela norma NP ENV 206, que especificam uma característica mínima de 15 Mpa.

Também finda a construção do edifício, e antes de pedir a vistoria, o arguido AA, em 4/1/1988, apresentou um aditamento ao projecto inicial, de forma a contemplar as alterações referidas – designadamente, o vão da varanda do 1º andar, situada do lado esquerdo da alçada principal – aditamento este que foi elaborado por um desenhador técnico, e que consta de fls. 882 a 891 destes autos (fls. 57 a 66 do anexo), e que não foi do conhecimento do arguido Eduardo.

Tal aditamento foi aprovado pela Câmara de B... em 9/2/1988.

Realizada a vistoria, em 6/7/1988, pelos serviços da Câmara de B..., foi o edifício declarado em estado de habitação, e, consequentemente, por deliberação da Câmara de 2/8/1988, foi concedida a licença de habitabilidade.

O arguido AA vendeu as duas fracções autónomas, que constituem o 1º e 2º andar do referido edifício.

No dia 18/8/2003, cerca das 22h15, CC, EE, GG, DD, FF e NN encontravam-se na varanda do 1º andar do edifício, a do lado esquerdo do alçado principal, quando a mesma, inesperadamente, se desprendeu totalmente da parede e caiu no logradouro, fazendo com que aqueles ocupantes caíssem ao solo e se ferissem.

De tal derrocada resultaram, directa, adequada e necessariamente, para aqueles ocupantes e ofendidos, lesões e ferimentos.

Num plano objectivo a causa da derrocada, apoiada em convincente prova pericial, aponta não para a modificação “ sponte sua “, ou seja pelo arguido AA , da alteração do número de divisões interiores –acréscimo de um compartimento em cada fracção -, do alargamento da dimensão da varanda para 1, 08 m de vão –como das demais - , da composição do betão ao nível da sua consistência , do espaçamento não uniforme dos varões , de diversos diâmetros , circunstâncias , por isso mesmo nem sequer concausa do resultado danoso , mas na “ má colocação da armadura de ferro no betão “ da laje da varanda , um “ problema de betão armado” , consequência da “ colocação da armadura na parte inferior da varanda , quando o devia ser na parte superior , em desrespeito do projectado pelo arguido Eduardo, colocação da autoria dos trabalhadores contratados pelo arguido , sob instruções deste , não portadores dos indispensáveis conhecimentos técnicos , em termos de prevenção de dano e insegurança na construção , trabalho esse havido “ como violação grosseira de uma regra básica “ , reconhecida , aliás , pelo próprio arguido como sendo uma “ barbaridade “ , nesse procedimento residindo a causa exclusiva e única da queda da varanda , que assim não podia “ suportar o peso próprio da laje mais a sobrecarga “ –ponto de facto sob o n.º 22 .

É o que resulta , de forma clara , da profusa fundamentação de fls . 1775 , como dela também resulta que o arguido Raul , pelo recurso a um desenhador , a testemunha Agostinho Fidalgo , à revelia do arguido Eduardo, alterou o seu projecto inicial , declarando -requerimento de 21 de Setembro de 1987 - à Câmara Municipal de B... , para fins de obtenção da licença de habitabilidade , que “ aos espaços programados foi-lhes acrescentado um compartimento para arrumos e uma lavandaria , sendo alteradas todas as áreas dos compartimentos “ , mas “ No que diz respeito ao sistema de estrutura , acabamento e materiais de construção será respeitado o projecto inicial. “

O pertinente facto objectivo que atine ao arguido BB tem a ver com o facto de , pelo termo de responsabilidade de sua autoria , que nunca revogou , ter assumido a direcção técnica da obra , porém , apesar disso e de dela ter conhecimento , vendo o edifício em construção , não a acompanhou , a ela nunca se deslocou , dela se desinteressando -ponto de facto n.º 14 .

O arguido AA não lhe comunicou o início da obra ou solicitou a sua comparência .

No plano subjectivo :

O arguido AA, técnico portador de exigível licenciatura em engenharia civil , ao projectar a obra a pedido do arguido AA e assinar o termo de responsabilidade assumiu o encargo de direcção técnica, impendendo sobre ele o dever jurídico de a acompanhar a par e passo , isto mesmo que o arguido não lhe tivesse comunicado o início da obra , não constando que o haja impedido de fiscalizar ; esse dever surge “ ex lege “ , porque o uso de betão armado , no todo ou em parte da obra ,não prescinde de cálculos , que escapam ao cidadão comum , mesmo que se trate de trabalhadores da construção experientes e bem conceituados , portadores de conhecimentos meramente empíricos , por isso que importa fiscalizar tanto em termos de confecção , como de aplicação , a fim de se assegurar a segurança da construção e prevenir eventuais danos às pessoas e bens .

O arguido , que não podia esquecer a qualidade que assumiu , por aquela termo , de dirigir a obra , com a obrigação de a ela se deslocar e acompanhar , dando as competentes ordens e instruções no âmbito dos poderes daquele estatuto , sendo pela ligação que se estabelece com a obra , pelos inerentes deveres e direitos que o conceito de direcção se alcança , no comentário de Paula Ribeiro de Faria , in Comentário Conimbricense , II , pág. 916 .

O arguido omitindo o dever de acompanhamento na obra , sobretudo nas fases mais cruciais dela , designadamente enchimento de fundações e lajes aos vários níveis e locais , elementos esses que suportam as cargas , colocou em risco a segurança da obra , efeito que um “ artista “ na área da construção não pode assegurar , por ausência de conhecimentos que um engenheiro ou técnico qualificado possui .

E a prová-lo , ou seja o ter sido um erro técnico a colocação da armadura de ferro ao nível inferior da varanda , o motivo do arrastamento para a queda da varanda , erro esse não evitado porque o arguido não compareceu no momento da colocação das estruturas de betão armado ou fiscalizou essa colocação “ a posteriori”, removendo o risco de lesão de bens jurídicos alheios .

XI. O incumprimento desse dever jurídico , ou seja essa conduta omissiva , própria de quem tem sobre si um especial dever de vigilância , de garantia de que o resultado lesivo não ocorre , torna o agente responsável nos termos do art.º 10.º n.º 2 , do CP .

Compreendendo o tipo legal um certo resultado , o facto abrange não só a acção como a omissão da acção causalmente adequada a prevenir o evento , enquanto modificação do mundo exterior .

Estaremos , então , em face de um crime específico , categoria que tem a ver com a qualidade do agente ou em que sobre este recai um especial dever jurídico , sendo de natureza imprópria, sempre que tal qualidade ou dever agrava ou desagrava a ilicitude –art.ºs 378.º e 249.º n.º 2 , do CP –cfr. Comentário do Código Penal , pág. 66 , de Paulo Pinto de Albuquerque .

O arguido não agiu com o dever de cuidado que as circunstâncias do caso impunham , adequado a prevenir o dano, dever esse concretizado pelas normas jurídicas descritas, complementado por normas prudenciais e usuais da profissão , o que significa que actuou com negligência , desinteressando-se , por completo , da direcção do obra, não curando sequer de se assegurar que oferecia condições de segurança por erros de construção sobretudo na execução em estruturas de betão armado , por quem não estava tecnicamente habilitado , defeitos esses que podiam conduzir a risco de derrocada e lesões em terceiros , face –art.º 15.º n.º 1 , do CP .

XII . Por seu turno , neste capítulo e quanto ao arguido AA :

Este iniciou , prosseguiu , introduziu alterações à obra projectada inicialmente e finalizou a obra , à revelia do arguido BB , que não contactou , substituindo-se na direcção ao arguido BB , representou a possibilidade que a construção , sobretudo as estruturas de betão , em particular as varandas , se processasse à margem das boas e aconselháveis regras de construção , uma vez que os trabalhadores por si contratados não dispunham dos conhecimentos indispensáveis , agindo sem o cuidado imprescindível , não comunicando o início da obra ao arguido BB , sequer exigindo a presença de outro técnico qualificado ou o recurso a empreiteiro da construção civil , atenta a dimensão da obra , não curando de indagar , como se impunha e era capaz , se tinham sido cometidos erros que comprometessem a segurança , incorrendo em negligência .

E assim , demonstrada está , a sua culpa criminal , culpa negligente .

A assunção de responsabilidades para cujo desempenho o agente não tem conhecimentos e capacidades necessárias , como é o caso do arguido , sendo esta falta conhecida –bastaria a sua mera cognoscibilidade do agente - implica tipicidade da conduta – cfr. Taipa de Carvalho , Direito Penal , Parte Geral , II , UCP , 2004 , 388 e Paula Ribeiro de Faria , anotação 17.ª ao art.º 148 .º , do CP , in CCCP , 1999 .

Do facto material da queda advieram para o demandante CC lesões muito graves , das quais resultou privação da possibilidade de falar , locomover-se , trabalhar , das suas capacidades intelectuais , ao fim e ao cabo impossibilidade de usar o corpo e perigo para a própria vida ; por seu turno a DD ficou diminuída de forma grave da sua capacidade de trabalho, pois ficou com uma IPP de 23% , comentando Paula Ribeiro de Faria, na ob. cit, Tomo 1, 228, que são perdas da capacidade graves as percentualmente quantificadas, ao nível da visão , audição , trabalho , etc , por isso ambos os arguidos cometeram um crime de ofensas à integridade física com negligência grave , p. e p. pelos arts. 143º b) e c) e 148º n.º 3 , do C. Penal de 1982 e pelos art.ºs 144º., b) e d) , do C. Penal de 1995 e 148 .º n.º 3 , do CP , na versão actual , agravando o resultado as lesões corporais advindas ao conjunto dos lesados .

O bem jurídico protegido no tipo é a integridade física da pessoa , tal como nos art.ºs 143.º e 144.º , do CP e , como no CP de 1886 , no seu art.º 369.º , prevêe-se no art.º 148.º , os ferimentos ou efeitos de ferimentos praticados por meio de imperícia , inconsideração , negligência , falta de destreza ou falta de observância de algum regulamento .

A lesão da integridade física terá que ser imputada à conduta ou omissão do agente , o que supõe , em relação aos crimes negligentes , a violação de um dever objectivo de cuidado , destinado a evitar o resultado típico , afirmado caso a caso , em função das circunstâncias concretas , constituindo auxiliares importantes nessa determinação as normas jurídicas que impõem aos seus destinatários específicos deveres e regras de conduta, mormente no âmbito de actividades perigosas -cfr. Comentário , TI , pág. 261 .

Mas contrapõe o demandado Eduardo que crime previsto nos art.ºs 143.º b) e c) e 148.º n.º 3 , do CP , pressupõe e exige que as situações sejam abarcadas pelo dolo eventual . Sem que o agente represente o evento ou pelo menos o preveja a título de dolo eventual não é possível responsabilizá-lo subjectivamente .

Não é conforme à dogmática penal que no crime de ofensas à integridade física por negligência agravada se não abdique do dolo eventual ; a negligência , numa qualquer da sua dupla modalidade , consciente ou inconsciente , prevista no art.º 15.º , do CP , basta para o funcionamento do tipo de crime negligente , distinguindo –se a consciente pela representação do resultado típico , que falha na inconsciente , naquela estando ausente a conformação com o resultado , traço que a diferencia do dolo eventual .

De excluir , por fim , a violação do princípio “ in dubio pro reo “ , quanto à sua culpa , visto se não ser visível pela leitura do acórdão que o tribunal haja incorrido em dúvida e apesar disso ditado a condenação do arguido Eduardo ou que esse estado de dúvida só não foi declarado em consequência de erro notório na apreciação da prova e ,apesar disso , decidido “ in malem partem “ contra o aqui arguido .

O Colectivo , pela extensa fundamentação que produziu , quis precaver-se dessa acusação .

XIII . Mas ao lado da culpa criminal também é de lhes assacar a culpa civil , para o efeito de fundar responsabilidade civil conexa com a responsabilidade penal , culpa que se rege pelas regras de direito substantivo .

O facto material , histórico , apurado e tornado imutável , sobre ele se formando caso julgado, em audiência , continua , pois , a subsistir , e a fundamentar , por não apagados , os pressupostos em que se apoia a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana enunciados no art.º 483.º , do CC , cuja apreciação prosseguiu em 1.ª instância por imperativo expresso da lei de amnistia , mas actualmente por imperativo da lei geral , ou seja do art.º 400 .º n.º 3 , do CPP , por força da alteração introduzida pela Lei n.º 48/07 , de 29/8 .

Na verdade ao lado do facto , da ilicitude , do dano , do nexo de causalidade entre aquele e este , o art.º 483 .º , do CC , que enumera os pressupostos da responsabilidade civil , não abdica da imputação do facto ao agente a título de dolo ou mera culpa , esta caso de a negligência .

Por descuido ,imprevidência , imperícia , inaptidão , o agente não chega sequer a conceber a possibilidade de o facto se verificar, tendo obrigação de prever e evitar a verificação do evento danoso, doutrina o Prof. Antunes Varela , in Das Obrigações em Geral , ed. 1973 , 449 , ao definir a culpa negligente .

De frisar que a responsabilidade civil do demandado AA tem , ainda , a suportá-la a relação de comissão estabelecida com os trabalhadores contratados , nos termos do art.º 500.º n.ºs 1 e 2 , do CC.

A culpa criminal distingue-se da civil , por aquela variar em função da gravidade do delito , sendo um seu decisivo elemento , traduzindo um juízo abstracto-subjectivo , enquanto que a culpa civil mais um aspecto abstracto- objectivo , sendo relevantes na culpa criminal mais aspectos éticos e de segurança do que comércio jurídico , acrescendo , ainda , a hipótese de haver responsabilidade civil sem culpa , no caso do risco , assim como uma volumosa culpa civil ( dano elevado ) sendo diminuta a responsabilidade penal ou ao invés ( cfr. Prof . Antunes Varela , op. cit . , 1967 /68 , pág. 378 .

O fim precípuo em matéria de indemnização , nos termos do art.º 566.º n.º 1 , do CC, é o de prover à remoção de todo o dano real à custa do lesante , visto ser esse o meio mais eficaz de se proceder à garantia do interesse capital da integridade das pessoas , bens ou direitos de terceiros .

A reconstituição natural depara-se com o óbice de , por vezes , não ser possível , idónea ou suficiente , como sucede nos casos em que o dano , pela sua natureza , no caso de dano não patrimonial que não é possível de reconstituição natural , mas apenas de compensação pela atribuição de uma importância monetária , a que não é estranha também a ideia de reprovar no plano civilístico e com os meios do direito privado –cfr. , ainda , Prof . Antunes Varela , op . cit . , pág . 486 .

XIV . O arguido contesta a obrigação de indemnizar os lesados , CC e DD , que viram ser deferida a ampliação do pedido inicial , à luz do art.º 273.º , n.º 2 , do CPC , entendendo não estarem reunidos os pressupostos processuais e substantivos dessa ampliação, por isso a indemnização deve situar-se nos parâmetros , a fixar , concretamente , do pedido inicial.

Muito tardiamente , mesmo muito a evidente adestempo aduz semelhante consideração de inadmissibilidade , já que essa ampliação sustentada por inimpugnado despacho judicial adrede se tornou imodificável a coberto de caso julgado formal -art.º 672.º , do CPC – confundindo manifestamente o demandado Raul o despacho liminar de admissão , alicerçada numa relação para mais qualitativa e quantitativamente do dano inicialmente alegado , surgindo como seu desenvolvimento, quando comparativamente com aquele , com a prova em julgamento do conteúdo do pedido , donde ser inoperante a objecção que faz no sentido da reavaliação dos pressupostos formais conducentes à sua admissibilidade .

Ficará , no entanto , e a derivar dessa objecção , a ideia implícita de que o demandado AA discorda das indemnizações arbitradas aos lesados que viram os seus pedidos ampliados, e que se cingem , apenas , aos demandantes CC e DD , pois os demais viram o seu pedido liminarmente rejeitado .

XV. O lesado CC mercê da queda da varanda esteve em perigo de vida e além dos plúrimos ferimentos sofridos , descritos no ponto de facto no ponto de facto n.º 29 , avultam entre todos a fractura da coluna vertebral , da coluna anterior e transversa de L 1 e da coluna anterior de L4, os quais foram causa de 535 dias de doença, com incapacidade laboral , dores intensas e prolongado internamento hospitalar , de 18/8/2003 a 1 de Abril de 2004.

Embora se encontre a realizar tratamentos de medicina física e de reabilitação as sequelas da derrocada apresentam-se da maior gravidade e penosidade : desloca-se em cadeira de rodas , carecendo do auxílio de terceiros para se movimentar , alimentar e fazer a sua higiene diária , mostrando-se consciente, mas em situação de afasia, com hemiparesia, dependendo de cadeira de rodas para se deslocar, de terceiros, achando-se impossibilitado de escrever.

Sofre de enurese e usa fraldas .

Tinha 55 anos na data dos factos e preparava-se para gozar a reforma de sargento da Força de Fuzileiros Navais , com os seus familiares , esposa e filhos .

Não obstante estar consciente, o demandante sofreu profunda e progressiva alteração das funções cognitivas, com acentuada diminuição das faculdades ao nível da percepção, raciocínio, linguagem e memória.

Assim, deixou de conseguir falar, não articulando palavras ou frases e é incapaz de expressar qualquer raciocínio.

Deixou de entender o sentido das frases que lhe dirigem e de reconhecer os familiares.

Perdeu a noção do dinheiro e do tempo e , face a tal progressiva e acentuada alteração das faculdades do demandante, foi intentada pelo MP, junto do Tribunal do Seixal, acção de interdição por anomalia psíquica .

E este quadro clínico é irreversível , e embora o Colectivo , na fixação do “ quantum “ indemnizatório , no domínio do direito não patrimonial , se haja defrontado com o limite inultrapassável do “ quantum “ fixado para o dano da morte , não temos como certa essa limitação porque , em certos casos , sobretudo como aquele em que o lesado está condenado a permanecer numa situação irreversível enquanto for vivo , em estádio vegetativo , totalmente dependente de terceiros , em sofrimento permanente , tanto para si como familiares , sem expectativa de recuperação , manda a justa avaliação das coisas , um justo critério de bom senso e de percepção da realidade , que serve de padrão , de guia na avaliação no recurso à equidade para fixação do dano não patrimonial , que possa exceder-se esse quantitativo , em nome de uma justa e adequada tutela da integridade física e moral .

O resultado morte funciona , apenas , como um ponto de referência , mas não inultrapassável .

Sem se cair no exagero , nada impede que arbitre uma indemnização por danos não patrimoniais superior ao montante fixado , ao nível jurisprudencial , e sem quebra da sua matriz uniformizadora , pelo dano da morte , sublinhou-se no Ac. deste STJ , de 3.9.2008 , P.º n.º 2389/08-3.ª Sec.

É que este é , seguramente , um dos domínios onde o bom senso , o equilíbrio e a noção das coisas deve imperar nos termos do art.º 496.º n.º 3 ,do CC, devendo a gravidade do dano medir-se por um padrão objectivo , em função da necessidade da tutela do direito , não à luz de critérios subjectivos , preponderando uma sensibilidade embotada ou requintada .

A qualidade de vida do demandante ficou gravemente afectada , a sua esperança de vida, reduzida a um estádio quase ou mesmo vegetativo, temporalmente comprometida, tudo isto acompanhado de um intenso e permanente sofrimento, dor física e psíquica ( não exclusivamente a si circunscrita ), o que dá uma noção para base de indemnização .

O “ quantum doloris “ é elevadíssimo e o “ pretium doloris “ , a fixar em função da extensão e gravidade dos danos , do grau de culpa do lesante, condição económica destes -desafogada -e lesado e as demais circunstância do caso –art.º 494.º , do CC- sob o modelo de compensação , pois não pode ser avaliado pecuniariamente ou alvo de medida monetária , há-de corresponder-lhe em igual medida .

Por isso, uma avaliação justa do valor da integridade corpórea , física , enquanto direito de personalidade , com protecção na lei ordinária e fundamental , nos art.ºs 70.º, do CC, 24.º e 25.º , da CRP , rejeita uma compensação miserabilista , subestimando aquele valor, e assim se mostra justo , sem a mais leve razão para reparo , o montante compensatório de 45.000 € pelo dano não patrimonial sofrido , tal como definido nas instâncias .

E o mesmo se diga quanto aos danos emergentes, salvo quanto à indemnização arbitrada e que se prende com o pagamento de tratamentos médicos e de fisioterapia , visto o que , em momento próprio , se dirá .

Merece , inteiramente , a nossa concordância a condenação ao pagamento de parte da indemnização em forma de renda , variante da obrigação de indemnização , aqui com a natureza vitalícia , atenta a duração previsível do dano , assumindo expressão pecuniária coincidente com o salário mínimo nacional a arbitrar a terceiro , que dele cuide enquanto for vivo –art.º 566.º n.º 2 , do CC.

XVI . A lesada DD demanda uma indemnização pelo dano patrimonial futuro, consequente a incapacidade para o trabalho que a derrocada da varanda que ocupava em 18.8.2003 , problemática onde a controvérsia se instala porque se lida com o futuro, importando uma avaliação prospectiva do prejuízo , num domínio onde o certo e o incerto se entrecruzam, por isso a indemnização por esse dano deve corresponder a uma quantificação que segundo o curso normal da coisas ocorre ou de acordo com as circunstâncias do caso concreto, à luz de um juízo prudencial , baseado na lógica e no bom senso , usando juízos de probabilidade e de verosimilhança , ou seja mitigado pela equidade a corrigir , em regra , por defeito , os diversos critérios de cunho instrumental de que usualmente se lança mão .

Abrangendo um longo período de tempo, conhecendo-se de antemão as dificuldades de previsão , o apelo a critérios de equidade propicia um aceitável e justo critério , consagrado no art.º 566.º n.º 3 , do CC –cfr. Acs. deste STJ , de 25.9.2008 , Rec.º n.º 2860/08 e de 17.11.2005, in CJ , STJ , Ano XIII , TIII , págs. 127 e segs . –o que se mostra inconciliável com fórmulas matemáticas como a seguida no Ac . deste STJ , de 5.5.94 in CJ , STJ , Ano II , TII , pág. 86 e segs . , e de 4.2.93 , in CJ , STJ , Ano I , TI, pág. 128 e segs . –ou com o recurso a tabelas financeiras ou aos critérios usados para cálculo das pensões laborais ou de usufruto .

Pode considerar-se um dado assente ao nível da jurisprudência e doutrina –cfr. BMJ 179 , 159 , comentado na R L J , ano 102 .º , pág . 296 e segs , pelo Prof. Vaz Serra , A. Varela , in Das Obrigações em Geral , Vol. I , 7.º Ed. 210 e CJ , Ano XVII , II , 45 - que o facto de se não exercer à data do acidente uma profissão , isso não obsta ao cálculo da indemnização por dano patrimonial futuro , compreendendo-se neste as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens; o dano pode resultar tanto da privação do que o homem tem, como do impedimento de aquisição daquilo que estava a caminho de ter , segundo a filosofia tomista , na citação do Prof. Castro Mendes , Do Conceito Jurídico de Prejuízo , pág. 45 .

XVII . Vem este Supremo Tribunal entendendo que a indemnização por danos futuros decorrente de incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir e que se extinga no final do período provável de vida activa, que seja susceptível de garantir, durante essa vida, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido, factores tais como a idade da vítima e as suas condições de saúde , o seu tempo provável de vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade -Acs. deste STJ , de 20.11.2003 , in CJ , STJ , Ano XI, TIII , pág. 154 , 29.10.2008, P.º n.º 3379 -3 .ª Sec., capital este que, sendo entregue imediatamente, deve ser objecto de uma dedução, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia, dedução que é usual situar-se em ¼- AC. de 29.10.2008 , P.º n.º 3373 /08 – 3 .ª Sec.

A incapacidade para o trabalho obriga à reparação quer porque afecta, visivelmente , a aptidão para ele , quer porque obriga o lesado a esforço acrescido , a mais energia a despender para o desempenho do trabalho , consequência de “ dano biológico “ , “ que traz consequências negativas a nível da actividade geral do lesado” ( cfr. Ac. do STJ , de 17.11.2005 , in CJ , STJ , Ano XIII , TIII , 127) , colocando-o numa posição de inferioridade quando comparativamente com outra pessoa , havendo que repô-lo na situação em que se acharia se não fosse o facto lesivo –art.º 563.º , do CC.

Observe-se , que a lesada , com 38 anos na data dos factos , explorando um café , tendo à sua frente uma capacidade de vida activa , pelo menos por mais 27 anos ( a esperança média de vida tende a fixar-se em 70 anos) , era uma pessoa sem mazelas implicando redução da sua capacidade para o trabalho , mas que , em virtude da queda da varanda que ocupava , sofreu de fractura exposta da rótula direita , intervenção cirúrgica , internamento hospitalar durante cinco dias e noventa dias de doença com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional e fortes dores

Com o decurso do tempo, passou a sofrer de lombociatalgia posicional, artrose femuro-patelar e apresenta sinais incipientes de gonartrose femuro-tibial.

Apresenta, actualmente, uma IPP de 23%, padecendo de fortes dores, que se agravam com o andar e com as mudanças de tempo.

No membro inferior direito cicatriz arqueada com 15 cm de comprimento e cicatriz longitudinal com 7 cm de comprimento, ambas na face anterior do joelho, sem limitação dos movimentos do mesmo, mas provocando dores quando se desloca numa marcha mais acelerada.

Dadas a dores que sente em ficar muito tempo de pé deixou de explorar o café , tendo emigrado para França.

Por causa do estado em que ficou, perdeu alguma alegria de viver.

As cicatrizes que apresenta são visíveis sempre que usa saia, calções ou fato de banho.

O Colectivo, à míngua de qualquer outro elemento sobre o rendimento que a lesada auferia , e bem , socorreu-se de um dado supletivo , recolhido da vida real , sem destoar do que é normal, tomando como base o salário mínimo nacional - de que usou logo para cálculo de salários perdidos , durante 90 dias .

XVIII . O demandado AA produz a alegação de que os proprietários actuais da fracção de onde se desprendeu a varanda aí não procederam à efectivação de obras de revisão , para o efeito de se eximir à sua responsabilidade , objecção inconsistente pela simples e evidente razão de que não vem demonstrado que fosse esse comportamento omissivo , a ter ocorrido - sequer vindo comprovado- a causa da derrocada , mas a construção à margem de condições de segurança pelo demandado AA, sem acompanhamento pelo demandado Eduardo , não sendo de aplicar o preceituado no art.º 570.º , do CC , que rege para a hipótese de o facto culposo do lesado –ou das pessoas que o representem ou de quem se tenha utilizado –ter concorrido para a produção do resultado -art.º 571.º , do CC .

XIX . O arguido Eduardo no propósito de responsabilizar a Câmara de B... requereu a sua intervenção principal no processo , mas viu esse alargamento da relação processual ser indeferido em 1.ª instância e confirmado pela Relação , dessa decisão interlocutória não cabendo recurso para este STJ , por força do art.º 400.º n.º 1 c) , do CPP .

Insiste , no entanto , o arguido AA em ver excluída a sua responsabilidade invocando esse mesmo fundamento, por ter sido essa entidade quem , procedendo vistoria , emitiu a consequente licença de habitabilidade , não denotando óbice legal à sua emissão .

Mas não podemos deixar de ter presente , desde logo , que foi o próprio demandado AA que forneceu à Câmara Municipal em causa uma declaração falsa , esclarecendo que não procedera à alteração da estrutura do prédio quando , pelo modo de aposição da estrutura metálica na varanda , na parte inferior , isso mesmo sucedeu , sempre sendo de lhe opor essa censurável invocação, sob a forma de “ venire contra factum proprium “ , além de que , do supracitado art.º 10.º do Dec.º-Lei n.º 166/70 , de 15/4 , in D G n.º 88, I Série , o exame pelos respectivos serviços “ restringir-se-à ao aspecto exterior do projecto , à sua inserção no meio ambiente , à cércea respectiva , à sua conformidade com o plano ou anteplano de urbanização .”

A emissão da licença , de acordo com esse exame perfunctório , por mais a lei não exigir , não comporta virtualidade para legalizar uma situação ilegal para a qual a Câmara não concorreu ; a queda da varanda não se deve à emissão da licença mas mais recuadamente a defeito grave na execução da obra , a que materialmente não deu causa , sem força se apresentando o argumento .

Sem consistência o argumento fundado na não detenção da qualidade para construir em regime de administração directa , face ao disposto no art.º 4.º , do Dec.º-Lei n.º 582/70, de 24/11 , segundo o qual as obras de valor excedente a “ 250 contos “ ( sic) só o podiam ser por quem fosse industrial da construção civil ou empreiteiro munido de alvará , o que , por não deter aquele estatuto , impunha à Câmara a declaração prévia de não concessão de licença e , portanto , em espiral a não construção e a não produção do evento danoso .

A não validade do argumento é chocante e decorre desde logo da circunstância de , mesmo não sendo industrial ou empreiteiro , não estar autorizado a construir em condições pondo em perigo pessoas ou bens de terceiro ; acrescente-se que , em nome de justiça material, do princípio da confiança e da boa fé , é inoponível quer aos adquirentes da fracção sinistrada quer aos ocupantes da respectiva varanda , inquinada de vício redibitório, oculto , deles não conhecido , essa não reunião da qualidade de empreiteiro ou industrial , exigência que a Câmara não examinou por qualquer razão , que não cabe ao caso , sendo que não está em causa a sua responsabilidade civil ou criminal .

De qualquer modo o demandado AA também não cumpriu o dever imposto no art.º 12.º n.º 2 , do Dec.º-Lei n.º 562/70 , em termos de quando o titular da licença de construção inicia uma obra ou cada uma das fases da obra deverá comunicar à Câmara Municipal a empresa ou empresas encarregadas da sua realização , especificando a natureza e valor dos trabalhos que cada uma realizará , identificando o alvará ou alvarás que habilitem a proceder à sua execução .

XX. Quanto à alteração da causa de pedir e violação do princípio do dispositivo , tal como alegado nas conclusões corrigidas SS ) a UU ) :

A esse propósito aduz que os demandantes sustentaram a sua causa de pedir na violação das regras de construção , crime tipificado no art.º 277 .º , do CP , delito de que foi absolvido , diz , por isso mesmo se impondo tal consequência na esfera da responsabilidade civil extracontratual .

O princípio , também chamado princípio do pedido , no ensinamento actual do Prof. Manuel de Andrade , in Noções Elementares de Processo Civil, a págs . 372 e segs,com consagração legal no art.º 3.º , do CPC , comportando o alcance de serem as partes a circunscrever o thema decidendum ; é sua expressão a máxima “ ne eat judex ultra vel extra petita partium “ , com o significado de incumbir às partes o contínuo estimular do processo , cujo domínio lhe cabe , sustentado por razões de ordem lógica , pois está na índole da própria relação , estimulando a própria parte para a sua actividade , de respeitar , pelo conhecimento melhor do que outrém o interesse a acautelar , suportando o risco correspondente se se abstiver de o fazer .

O crime de infracção das regras de construção , p . e p . pelos arts. 277º/1-a) e 285º , do CP , que pode ser praticado a título de negligência , foi um dos imputados na pronúncia, em concurso efectivo, com quatro crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º/1 e 3 por referência ao art. 144º-a), b), c) e d) do C. Penal e de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º/1 do C. Penal , pelo que a condenação do demandado , face à configuração do crime de ofensa à integridade física grave , por negligência , ainda se mantém dentro do pedido e dos seus pressupostos factuais ou seja da causa de pedir na sua estruturação complexa , constituída pela queda da varanda e dos demais factos materiais de onde deriva , como seu fundamento , a obrigação de indemnização , aderindo os demandantes , no enxerto , para a qual remetem , subscrevendo-os , ao quadro factual advindo da pronúncia .

O pedido de indemnização cível a deduzir no processo penal há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressupostos da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado , na tese advogada pelo Prof. Germano Marques da Silva , Curso de Processo Penal, I , 77 e segs .

Por força da natureza da acção penal à qual o demandante adere , “ colando-se “ , aos termos da acusação , que pode sofrer alteração substancial ou não substancial –art.ºs 359.º e 358.º , do CPP - , o que importa ou pode importar , sob pena de contradição entre os termos factuais da acusação e pedido cível, uma atenuação da rigidez daquele princípio, tendo que reflectir o conjunto global da matéria de facto assente essa necessária harmonização, em torno do âmbito da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito , com total exclusão da responsabilidade civil contratual ou por facto lícito nos casos previstos na lei.

O facto ilícito , pressuposto no art.º 483.º , do CC, como fundamento da responsabilidade enxertada , tendo como génese um facto ilícito , prejudicial a alguém , à margem de qualquer obrigação pré-existente entre lesante e lesado, por via de lógica impossiblidade não pode ser causa de responsabilidade civil contratual , regulando-se pela relação advinda do facto ilícito daquela causal –cfr. Prof . José Tavares , Princípios Fundamentais de Direito Civil , 1992 , Vol. I , págs . 516 e 517 e Ac. n.º 7/99 , de 17/6 /99 , DR I Série A , de 3/8/99 .

Mas o princípio não foi desrespeitado , contra o que , sem razão aponta o recorrente , como do antecedente ressalta .

XXI . O demandante aponta nulidade por excesso de pronúncia , nos termos do art.º 668.º e) , do CPC , ao observar que a sua condenação ao pagamento nos tratamentos futuros designadamente tratamentos médicos ao demandante CC , que , no pedido cível indemnizatório , não são individualizados no pedido inicial ou ampliado .

Por força do art.º 564 .º , n.ºs 1 e 2 , do CC, pode o tribunal atender aos danos futuros desde que previsíveis , relegando para momento posterior a sua determinação , e suposto que alegados , o que não sucedeu , pelo que o tribunal da Relação , ao confirmar na integra a decisão recorrida , de onde já emerge a alusão a tais danos , acabando por tomar posição sobre ela , não leva em conta essa ausência de suporte factual , pois que o seu conhecimento não é oficioso , nessa parte não podendo manter-se o decidido .

Em ponto factual algum se peticiona o pagamento da indemnização

Nessa parte assiste razão ao recorrente .

XXII. A finalizar uma consideração de capital importância . Respeita ela à à natureza da responsabilidade civil entre os responsáveis demandados : solidária , nos termos do art.º 497.º n.º 1 , do CC .

Mas o direito de regresso entre os responsáveis existe na precisa medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram , presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis –n.º 2 .

O grau de culpa que os demandados manifestaram é desigual e em maior grau a do arguido AA, e justificando :

Porque , à revelia do demandado Eduardo «+ iniciou a obra e não lhe deu expresso conhecimento do seu início ;

Depois , sem possuir os indispensáveis conhecimentos , na fase crucial da construção , de enchimento de fundações , placas e aplicação de estruturas de betão , continuou a ignorá-lo , confiante em pessoas que sejam embora credenciados profissionais na construção , não possuíam conhecimentos técnicos que um engenheiro civil possui ao nível de cálculo , e não só , porque , por ex.º , confeccionaram betão sem obediência à sua recomendável composição ( 8 em vez de 15 Mgp) e dispondo , até , de varões de ferro de forma não correcta , não podendo escamotear-se que era um prédio de rés-do-chão , 1.º e 2.º pisos ;

Igualmente se não rodeou de empreiteiro ou industrial da construção civil que o orientasse ;

Tomando como coisa que podia manejar ao seu alvedrio , procedeu à alteração da disposição interna do prédio, alterou , também , o vão das varandas e continuando a ignorar a competência do técnico que projectara a obra , aliás sem defeitos técnicos , comunicou , falsamente , a alteração elaborada pelo respectivo desenhador , à Câmara Municipal , que se não registaram alterações de estrutura , havendo-as naquela e nas outras varandas ;

E representando como possível que as varandas não estivessem a ser construídas de acordo com as regras técnicas exigíveis , mormente pela aplicação da estrutura de betão armado na varanda que ruiu , na parte inferior , ao invés de o ser na parte superior , para suporte da laje e sobrecarga , deu causa ao evento , de muito graves consequências ,não recorreu a quem melhor do que ele estivesse dotado dos indispensáveis conhecimentos .

Do ponto de vista do arguido BB este nunca compareceu na obra , infringindo esse dever , incluído na prestação de serviços a que se autovinculara , mas também é verdade que nunca o demandado AA o informou do início da obra e nem das alterações da estrutura e disposição interna , que por sua exclusiva conta e risco assumiu, apenas aquele mantendo sem o revogar o termo de assunção de responsabilidade .

Por isso , sendo desigual a culpa , mais grave a do AA , ilidindo os factos a presunção de culpa , por igual , se fixa em 30% a do demandado Eduardo e 70 % a do demandado AA .

XXIII . Termos em que se provê em parte ao recurso ,revogando-se o decidido na parte em que as instâncias condenaram ao pagamento de tratamentos médicos futuros ao demandante CC , absolvendo-se os demandados de tal pedido de pagamento , repartindo-se a culpa na proporção de 70 % e 30% , para os demandados AA e BB , respectivamente , alterando-se o decidido, porém no mais se confirmando.

Custas do pedido cível pelo demandante CC e demandados , na proporção do decaimento .

Lisboa, 18 de Junho de 2009

Armindo Monteiro (Relator)

Santos Cabral