Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00034721 | ||
Relator: | GARCIA MARQUES | ||
Descritores: | ASSISTÊNCIA HOSPITALAR PAGAMENTO DÍVIDA TÍTULO EXECUTIVO EXEQUIBILIDADE EMBARGOS DE EXECUTADO ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | SJ199810130006581 | ||
Data do Acordão: | 10/13/1998 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N480 ANO1998 PAG352 | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 9520262 | ||
Data: | 01/27/1998 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR PROC CIV - PROC EXEC. | ||
Legislação Nacional: | DL 194/92 DE 1992/09/08 ARTIGO 1 ARTIGO 2 N2 ARTIGO 4 N2 ARTIGO 5 ARTIGO 6 ARTIGO 7. L 48/90 DE 1990/08/24 BXIV N2 BXXXIII N2 B. DL 147/83 DE 1983/04/05. L 1981 DE 1940/04/03. CPC67 ARTIGO 46 D ARTIGO 467 N1 C ARTIGO 516 ARTIGO 801. CCIV66 ARTIGO 342 N1 N2 ARTIGO 487 N1 ARTIGO 503 N1 ARTIGO 505. CPC95 ARTIGO 490 N3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ PROC82316 DE 1993/09/29. ACÓRDÃO STJ PROC156/96 DE 1996/06/25. ACÓRDÃO STJ PROC549/96 DE 1996/11/26. ACÓRDÃO STJ PROC310/97 DE 1997/05/08. ACÓRDÃO STJ PROC53/97 DE 1997/02/25. ACÓRDÃO TC 760/95 PROC644/95 DE 1995/12/20 IN DR IIS DE 1996/02/02. ACÓRDÃO TC 761/95 PROC435/95 DE 1995/12/20 IN DR IIS DE 1996/02/02. ACÓRDÃO RP DE 1995/10/10 IN CJ ANOXX TV PAG215. | ||
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Sumário : | Em processo de execução em que o título executivo é uma certidão de dívida ao Serviço Nacional de Saúde, nos termos do DL 194/92, havendo embargos de executado, o exequente/embargado tem o ónus de alegação e prova da factualidade demonstrativa da alegada responsabilidade do executado/embargante. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I O Hospital de S. João do Porto instaurou nesta comarca execução ordinária contra a Companhia de Seguros A para pagamento da quantia de 2230585 escudos, proveniente de encargos com a assistência hospitalar prestada à menor B para tratamentos de lesões por esta sofridas num acidente de viação em que foi interveniente um veículo automóvel cujo proprietário havia transferido a sua responsabilidade para a executada. Juntou uma certidão de dívida passada pelo mesmo Hospital, a qual, nos termos do artigo 2 do Decreto-Lei 194/92, de 8 de Setembro, constitui título executivo. A executada opôs-se por embargos arguindo a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição - falta de causa de pedir. À cautela alegou a embargante que a culpa do acidente é de atribuir, em exclusivo, à sinistrada que atravessou a estrada, em correria e sem qualquer cuidado, da esquerda para a direita, vinda da traseira de uma camioneta que se encontrava parada no lado esquerdo, a deixar passageiros. Contestou o exequente/embargado. No saneador foi a excepção invocada julgada improcedente, considerando-se a instância regular e organizando-se especificação e questionário. Após julgamento foi proferida sentença a julgar os embargos improcedentes. Apelou a embargante, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 22 de Janeiro de 1998, confirmado a sentença recorrida. Inconformada, traz a embargante a presente revista, concluindo as suas alegações do seguinte modo: 1. Os factos considerados provados em 1. instância são insuficientes para imputar ao condutor do veículo seguro na ora recorrente qualquer responsabilidade na produção do acidente. 2. Sobre a dinâmica do acidente apenas ficou provado que houve um embate entre o veículo XB e a vítima. 3. O direito foi incorrectamente aplicado aos factos. 4. Era o embargado que tinha o ónus da prova no que se refere aos factos que poderiam imputar ao condutor do veículo seguro na ora recorrente a responsabilidade ou culpabilidade na produção do acidente. 5. No entanto, o embargado não logrou provar o que quer que seja. 6. Atento o exposto, devem os embargos da ora recorrente serem julgados procedentes com as legais consequências. 7. Houve clara violação ao estipulado no artigo 659, ns. 2 e 3 do C.P.C. e 342, n. 1, do C.Civil. Termos em que, na procedência da revista, se pede a revogação do acórdão recorrido. Contra-alegando, o recorrido pugna pela manutenção do acórdão sob recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II A matéria de facto dada como provada pelas instâncias foi apenas a seguinte: - O acidente ocorreu em 11 de Outubro de 1992, cerca das 16 horas, na Rua da Sacra Família, no sentido Angival- -Póvoa (alínea A) da especificação). - O veículo da marca Bedford, matrícula XB, conduzido por C, seguia naquela artéria e naquele sentido (alínea B) da especificação). - O proprietário deste veículo transferiu a responsabilidade civil para a aqui embargante através da apólice n. 91040535 (alínea C) da especificação). - Houve um embate entre o veículo XB e a vítima (resposta ao quesito 6.). III 1 - Na origem do presente recurso está uma execução cujo título executivo é uma certidão emanada do Hospital de S. João, no Porto, para pagamento da quantia de 2230585 escudos, proveniente de encargos hospitalares com a assistência prestada a uma menor vítima de atropelamento por um veículo automóvel cujo proprietário havia transferido a sua responsabilidade para a Seguradora executada e ora embargante. Trata-se de matéria que se situa no quadro normativo do Decreto-Lei 194/92, de 8 de Setembro, cujas prescrições fundamentais para a economia do presente acórdão serão brevemente analisadas. Os embargos foram julgados improcedentes na 1. instância, tendo a Relação do Porto confirmado a sentença. A matéria de facto encontra-se definitivamente fixada e apenas se provou, quanto ao acidente, o embate entre o veículo e a vítima. É, por isso, inegável que não se pode atribuir a responsabilidade do acidente a qualquer dos intervenientes. A questão que se coloca diz, assim, unicamente respeito ao ónus da prova. 2 - Trata-se, aliás, de problemática que, com relevância e elevado interesse prático, constitui matéria de defesa da embargante. Com efeito, os presentes embargos de executado radicam no artigo 815 do CPC, cujo n. 1 dispõe o seguinte: "Se a execução não se basear em sentença, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 813, na parte em que sejam aplicáveis, podem alegar-se quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração". Ou seja, são trazidas à ribalta regras pertinentes oriundas do processo declarativo, tanto mais quanto é certo que os embargos de executado são, mutatis mutandis, a contestação do processo executivo. 2.1. - Se, em termos gerais, nenhuma dúvida existiria de que incumbe ao lesado a prova dos factos constitutivos do direito à indemnização, ou seja, os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, no caso destas execuções tendo por título certidões de dívidas hospitalares importa ter em atenção as seguintes especificidades: - O exequente e embargado não é o lesado mas sim o Hospital que lhe prestou assistência, sucedendo que, na prática raramente conhece as circunstâncias em que o acidente ocorreu, motivo por que, muitas vezes, nem sequer apresenta uma versão ao contestar os embargos. - A discussão acerca da responsabilidade é desencadeada através dos embargos de executado, colocando-se com acuidade a questão do ónus da prova que, por regra, cabe ao executado como forma de pôr em causa o próprio título executivo ou a relação subjacente. Deverá, no entanto, sublinhar-se que constitui uma ideia falsa a de que, nos embargos a uma execução, é sempre aos embargantes que compete alegar e provar a inexistência da causa da dívida. Ilustram a afirmação de que o ónus da prova nem sempre é do embargante, cabendo, então, ao executante/embargado, os acórdãos deste STJ de 29 de Setembro de 1993, processo n. 082316, de 25 de Junho de 1996, processo n. 156/96 e de 26 de Novembro de 1996, processo n. 549/96. Justifica-se, porém, antes de prosseguir, passar em revista alguns princípios que enformam o citado Decreto- -Lei 194/92, tendo presente a disciplina resultante de algumas das suas disposições nucleares na economia do caso sub judice. 3 - Nos termos do artigo 1 do Decreto-Lei 194/92, o diploma em apreço "regula a cobrança de dívidas às instituições e serviços públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde". Nos dizeres do respectivo relatório preambular, "o recurso, sempre moroso, à acção declarativa, como forma de obter a declaração de direitos quase sempre certos e indiscutíveis, funciona, muitas vezes, como obstáculo de vulto à efectiva cobrança dos créditos das unidades de saúde, quer em relação aos utentes (alínea e) do n. 2 da base XIV da Lei 48/90), quer em relação a terceiros responsáveis (base XXXIII, n. 2, alínea b)" - Sublinhado agora. Daí, acrescentava-se, "os insatisfatórios resultados conseguidos com o Decreto-Lei 147/83, de 5 de Abril. Daí, também, a solução consagrada no artigo 6 da Lei 1981, de 3 de Abril de 1940, que atribui força de título executivo às certidões de dívida pelo tratamento de doentes passadas pelos Hospitais Civis de Lisboa". Ou seja, pode dizer-se que, em conformidade com o disposto no artigo 46, alínea d), do C.P.C., o Decreto-Lei 194/92, de 8 de Setembro, atribui força executiva a certidões de dívidas a instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde. Trata-se de um título executivo especial, de natureza administrativa. Não é em todos os casos, em qualquer circunstância e contra todos os terceiros que aquelas certidões de dívida estão dotadas de força executiva. É por isso que o n. 2 do artigo 2 define nos seguintes termos as condições de exequibilidade do título: a) A indentificação do assistido e dos terceiros legal ou contratualmente responsáveis, se os houver, nos termos do presente diploma; b) A menção precisa e individualizada dos serviços prestados; c) A indicação da quantia exequenda, calculada nos termos do presente diploma; d) A assinatura do presidente do órgão de administração da entidade credora ou de quem legitimamente o substitua; e) A autenticação do título de dívida com a aposição do selo branco em uso na instituição credora. Entre as condições de exequibilidade do título figura, pois, a referência aos "terceiros legal ou contratualmente responsáveis(...)". Ou seja, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal - 2. Secção -, de 8 de Maio de 1997 (que julgou o agravo n. 310/97), "para que a certidão de dívida seja título exequível é indispensável que haja um ou mais terceiros responsáveis que se encontrem numa das situações previstas no Decreto-Lei sob interpretação". Após o que se acrescenta o seguinte: "Para que o terceiro possa ser executado, é necessário, antes de mais, que a sua responsabilidade seja determinada por uma norma de direito substantivo (a que poderia justificar a sua condenação a pagar na acção declarativa)". Entre as várias situações em que um terceiro poderá ser responsabilizado civilmente pelo pagamento dos serviços prestados a quem seja assistido por instituições e serviços públicos hospitalares, o legislador entendeu destacar algumas em que decidiu ser dispensável a acção declarativa de condenação por nela considerar como quase certa e indiscutível essa responsabilidade (cfr. o trecho oportunamente extractado do preâmbulo do diploma). Assim, não basta que o exequente alegue que a responsabilidade do terceiro executado lhe advém de uma determinada norma do direito substantivo (a que poderia justificar a sua condenação a pagar na acção declarativa). É preciso que a concreta situação se enquadre numa das previsões dos artigos 4 a 7 do Decreto-Lei 194/92, de 8 de Setembro, porque só em tal caso o legislador considera a eventualidade da responsabilidade do terceiro executado como algo de "quase sempre certo e indiscutível", de modo a dispensar, como algo puramente formal e inútil, a acção declarativa (1). As situações que não se enquadram nas previsões dos artigos 4 a 7 do diploma em apreço não permitem que se atribua força executiva contra terceiros (não assistidos, eles próprios) às certidões de dívida porque, no entender do legislador, não implicam em juízo "quase sempre certo e indiscutível" da responsabilidade dessas pessoas pelo pagamento da dívida, impondo-se, então, o recurso à acção declarativa. 4 - Ao caso dos presentes autos interessa o artigo 4 do Decreto-Lei 194/92, que, sob a epígrafe "Dívidas resultantes de tratamentos a sinistrados por acidentes de viação", prescreve o seguinte: 1 - Em caso de dívidas resultantes de assistência ou de tratamentos prestados a sinistrados em acidentes de viação, a execução corre solidariamente contra o transportador e a respectiva entidade seguradora, se seguro houver. 2 - Se o sinistrado não circular em qualquer veículo, a execução corre contra a entidade seguradora do veículo ou dos veículos que tenham intervindo no sinistro, salvo se ocorrer qualquer dos causas de exclusão da responsabilidade a que se refere o artigo 505 do Código Civil. 4.1. - Nas certidões de dívida a que se refere o n. 1 do artigo 2 do Decreto-Lei 194/92, que são títulos executivos, o emitente, que é uma entidade pública, certifica não apenas a existência de um crédito próprio como também a identidade daquele (ou daqueles) contra quem a execução deve correr. E isso sem que o executado haja assumido a responsabilidade pelo débito e sem que tenha havido qualquer decisão judicial prévia a definir (declarar) essa responsabilidade. Ou seja: tais certidões de dívida gozam legalmente de um grau de fé pública tal que dispensam a intervenção do juiz, previamente à instauração da execução, para declarar a existência da dívida e dizer quem é o responsável pelo seu pagamento. Mas, como se reconhece no acórdão do Tribunal Constitucional n. 760/95, Processo n. 644/95, de 20 de Dezembro de 1995, publicado no "Diário da República", n. 28, de 2 de Fevereiro de 1996, que ora se acompanha, esta actividade de certificação de um crédito por parte da entidade pública que dele é titular não representa, contudo, o exercício de poderes característicos da função judicial, pois que o hospital, ao emitir a certidão da dívida, não resolve ou compõe qualquer conflito que, acaso, oponha o credor (ou outrem) àquele que, no título, é indicado como devedor. Após o que o Tribunal Constitucional acrescenta o seguinte: "Na execução pode, de facto o executado lançar mão dos meios de defesa que podia ter usado na acção declarativa, se esta tivesse tido lugar. Ele pode opor-se à execução mediante embargos de executado. E, se o fizer, então sim, haverá lugar à resolução do conflito por um órgão independente e imparcial, de harmonia com normas ou critérios legais pré-existentes - e tudo com vista à realização do direito e da justiça". Ou seja, nesse caso, relega-se para os embargos de executado a verdadeira dirimação do conflito que, porventura, exista acerca da obrigação exequenda. Como se refere no citado aresto do TC, "é certo que instaurar execuções nas condições previstas nas normas aqui sub juditio significa (...) fazê-lo um pouco às cegas". "E isso pode ter como consequência um proliferar de embargos de executado nos quais a seguradora se limita (...) a alegar a inexistência de pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do seu segurado, lançando tal ónus para a entidade exequente, que, naturalmente, terá sérias dificuldades em o cumprir". Interessante desenvolvimento desta ideia, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, veio a ter lugar através do acórdão n. 761/195, Processo n. 435/95, da mesma data, também publicado no referido número do D.R., onde se escreve o seguinte: "Aliás, nem sequer se vê com é que - deduzidos que venham a ser pelas seguradoras, em autos de execução instaurados com base nos preceitos em análise, cabidos embargos, nos quais se venha a alegar, verbi gratia, a inexistência da factualidade de onde decorra a responsabilidade civil extracontratual do segurado - se pode dizer que, nestes, as regras sobre o ónus da prova que impendem sobre os lesado e lesante (in casu a instituição ou serviço de saúde e o condutor e ou proprietário do veículo interveniente no acidente) se vão postar de jeito diferente relativamente a uma acção declarativa". 4.2. - Também a jurisprudência dos tribunais superiores da jurisdição comum se tem orientado, como já se aludiu, pelos mesmos princípios. Assim, no sumário do acórdão da Relação do Porto de 10 de Outubro de 1995, publicado na CJ Ano XX, Tomo IV, página 215, pode ler-se o seguinte: I - Em embargos de executado, em que o título executivo é uma certidão de dívida relativa a prestação de assistência hospitalar, incumbe ao Hospital embargado a prova dos factos constitutivos do seu direito, os quais através daquele título apenas gozam de força probatória de mera aparência. II - Assim, tendo advindo, em acidente de viação, para os passageiros do veículo segurado as lesões determinantes da prestação da assistência hospitalar, a seguradora só é responsável se o seu segurado tiver agido com culpa na produção do acidente. III - Donde os embargos só poderem ser improcedentes se o Hospital embargado demonstrar os pressupostos da obrigação de indemnizar, entre eles, a culpabilidade do causador do acidente. 4.3. - Foi também este o entendimento perfilhado por este Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 25 de Fevereiro de 1997, processo n. 53/97, 1. Secção. Aí se considera, quanto a execuções cujo título executivo é o dos presentes autos, que "o exequente-embargado tem o ónus de alegação e prova de factualidade demonstrativa da alegada responsabilidade do executado-embargante". Como aí se sustenta, a admissibilidade da conformidade constitucional relativamente ao título executivo previsto no Decreto-Lei 194/92 tem, como contrapartida, a possível discutibilidade em embargos de executado. Caso contrário, teríamos o Serviço Nacional de Saúde a fazer de Tribunal, definindo quem deve o quê e porquê. Justificando, pondera-se o seguinte no acórdão que ora se acompanha: "Decerto o SNS identifica o assistido e os terceiros legal ou contratualmente ditos responsáveis, porque não pode propor uma acção, mesmo executiva, sem definir os termos subjectivos e objectivos da instância, mas não lhe compete "julgar" e "condenar" quem quer que seja". Acresce que, segundo o princípio da substanciação, recebido pelo direito português, a causa de pedir é constituída por factos ainda que devam ter reflexo num título executivo. E, como a acção não versa sobre factos pessoais do embargante, este pode desconhecer a nuclear causalidade de que tenha resultado a certificada assistência (artigo 490, n. 3, do CPC). Posto o que se prossegue do seguinte modo no citado acórdão de 25 de Fevereiro de 1997: "Nesta linha de pensamento, a factualidade justificativa da assistência hospitalar constitui circunstancialismo causal do pedido exequendo e, assim, seguramente, ónus da alegação e prova do exequente-embargado, desaproveitando-lhe qualquer dúvida: artigos 467, n. 1, alínea c), 801 e 516 do CPC e artigo 342, n. 1, do C.Civil". O entendimento exposto merece continuar a ser sufragado. Corresponde, naturalmente, à posição da seguradora recorrente nos presentes autos. Já o tribunal recorrido seguiu orientação diversa, apoiando-se no disposto no n. 1 do artigo 503 e no artigo 505 do CC e no n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei 194/92. Ou seja, ignorando o que oportunamente se expôs a propósito do ónus da alegação e prova por parte do exequente/ /embargado, tomou como ponto de partida o princípio da responsabilidade de quem tem a direcção efectiva de um veículo (artigo 503), em articulação com o facto de tal responsabilidade apenas ser excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro (artigo 505), bem como com a prescrição constante do disposto no artigo 4, n. 2, do DL 194/92. Dos referidos preceitos extraíu a conclusão de que era à seguradora que, para se livrar da execução, competia a prova acerca da imputabilidade do acidente à lesada, visto ser essa uma das causas susceptíveis de excluir a responsabilidade, constituindo, desse modo, matéria de excepção (artigos 342, n. 2, e 505, do CC e artigo 4, n. 2, do DL 194/92). Esta posição não merece, no entanto, ser confirmada, atentas as razões já expostas, para que ora se remete. Recorde-se que nada foi alegado pelo exequente a respeito das circunstâncias em que o acidente terá ocorrido, com vista à demonstração dos pressupostos da responsabilidade civil por parte do segurado da executada. Apenas se tendo provado, a propósito, que "houve um embate entre o veículo XB e a vítima". O entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido ignora que, a montante da construção ali efectuada, se situa justamente a questão do ónus da alegação e da prova da factualidade justificativa da assistência hospitalar, a cargo do exequente/embargado, desaproveitando-lhe qualquer dúvida. Retomando-se, agora no plano da exemplificação, o acórdão deste STJ de 25 de Fevereiro de 1997, atente-se no absurdo que seria aparecer uma pessoa num hospital, dizer-se atropelada por um veículo conduzido pelo Sr. A, sem qualquer justificação, gastar uns milhares de contos em tratamentos e assistência, e ter de ser o Sr. A, mesmo sem nada saber do assunto, a ir investigar e relatar o resultado de tal investigação. Resta dizer, ainda na esteira da anterior decisão deste Supremo Tribunal, de 25 de Fevereiro de 1997, que tudo isto se compatibiliza com a regra do artigo 487, n. 1, do C.Civil: ou seja, no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual, o lesado tem o ónus da prova da imputação do facto ao alegado lesante. Não o fazendo, compreende-se que tal quadro de definição de responsabilidade é gerador de controvérsia que só um julgamento em acção declarativa pode resolver. Resumindo, no caso de utilização de certidão de dívida ao Serviço Nacional de Saúde, como título executivo, nos termos do DL 194/92, havendo embargos de executado, o exequente/embargado tem o ónus de alegação e prova da factualidade demonstrativa da alegada responsabilidade do executado-embargante. Nestes termos, julgam-se procedentes os embargos e acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido. Sem custas, por delas estar isento o recorrido Hospital de S. João. Lisboa, 13 de Outubro de 1998. Garcia Marques, Ferreira Ramos, Flores Ribeiro. (1) - Pode ler-se no sumário do acórdão deste STJ de 8 de Maio de 1997, processo 310/97, da 2. secção, que o legislador, no DL 194/92, tendo ponderado os interesses em conflito, entendeu atribuir força executiva às certidões de dívida naqueles casos em que, aos seus olhos, os créditos se apresentam "quase sempre certos e indiscutíveis" para usar as palavras constantes do preâmbulo do referido diploma legal. No mesmo sentido pode ver-se o acórdão proferido no agravo 283/98, 1. Secção. |