Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SILVA FLOR | ||
| Descritores: | RECURSO PENAL ASSISTÊNCIA LEGITIMIDADE INTERESSE EM AGIR MEDIDA DA PENA HOMICÍDIO PRIVILEGIADO COMPREENSÍVEL EMOÇÃO VIOLENTA HOMICÍDIO QUALIFICADO ESPECIAL CENSURABILIDADE FRIEZA DE ÂNIMO ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
| Nº do Documento: | SJ200609130018013 | ||
| Data do Acordão: | 09/13/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE O DO ARGUIDO | ||
| Sumário : | I - Nos termos do art. 69.º, n.º 1, do CPP, os assistentes têm a posição de colaboradores do MP, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei. II - O n.º 2 do preceito prevê as atribuições que em especial são conferidas ao assistente, entre elas figurando a interposição de recurso das decisões que os afectem, mesmo que o MP o não tenha feito - al. c). III - O n.º 1 do art. 401.º do CPP preceitua que o assistente tem legitimidade para recorrer de decisões contra ele proferidas, sendo que o n.º 2 estabelece que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir. IV - Sobre esta matéria foi proferido pelo Pleno das Secções Criminais deste Supremo Tribunal, em 30-10-1997, um acórdão fixando a seguinte jurisprudência: «O assistente não tem legitimidade para recorrer desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto interesse em agir». V - Donde, a lei não reconhece ao assistente em processo penal, desacompanhado do MP, um direito subjectivo a exigir do Estado a punição de um crime público com uma determinada pena. Tal significaria uma manifestação do espírito de vindicta privada, que progressivamente tem sido postergado nos sistemas penais modernos. VI - No caso, não tendo a assistente demonstrado ter qualquer interesse em agir para além do desejo de ver agravada a pena aplicada ao arguido, deve o recurso ser rejeitado, por ilegitimidade da assistente. VII - A «compreensível emoção violenta» é um forte estado de afecto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e à qual também o homem normalmente “fiel ao direito” não deixaria de ser sensível. VIII - A circunstância de haver um mau relacionamento antigo entre o arguido e a vítima, com provocações mútuas, e de ter havido uma discussão na véspera da prática do crime, em que trocaram injúrias, não pode ser considerada como geradora de uma «emoção violenta», designadamente, no caso dos autos, porque o arguido só no dia seguinte reagiu a essa situação e porque se desconhece o conteúdo da discussão e, portanto, factos concretos ocorridos que pudessem provocar tal emoção. IX - Tendo resultado provado que: - o arguido AV e a vítima AS eram familiares, respectivamente, sobrinho e tio; - entre ambos e as respectivas famílias existia um mau relacionamento derivado de desentendimentos familiares de longa data, e que se prolongava há mais de vinte anos; - entre arguido e vítima eram frequentes provocações mútuas, tendo a última ocorrido no dia 19-01-2005, dia anterior ao da ocorrência dos factos; - nesse dia, arguido e vítima cruzaram-se na via pública e entraram em discussão, injuriando-se reciprocamente; - após o ocorrido no referido dia 19-01-2005, nessa mesma noite, o arguido decidiu que no dia seguinte tiraria a vida a seu tio AS; - no dia 20-01-2005, o arguido soube que a vítima e sua esposa passaram em direcção a uns terrenos que possuíam no lugar de…, ficando, desse modo, com a certeza de que os encontraria naquele local; - após o almoço, o arguido deslocou-se para os terrenos propriedade de seu pai, próximos dos terrenos onde se encontrava a vítima; - já decidido a tirar a vida a seu tio, levou consigo uma espingarda caçadeira, de marca Ignacio Ugartechea, que escondeu embrulhada numa saca de adubo, vazia, e, pelo menos, dois cartuchos de zagalote; - cerca das 15h30, o pai do arguido regressou a casa, ficando este sozinho; - o arguido, após o pai se ter ausentado, pegou na espingarda que tinha escondida, carregou-a com os dois cartuchos tipo zagalote e emboscou-se num local, junto a um caminho, onde bem sabia que a vítima iria passar para regressar a casa, ficando a aguardar a passagem desta; - o local onde o arguido se encontrava emboscado é mais elevado em relação ao caminho por onde a vítima iria passar, pelo que o arguido via bem tal caminho, mas não era facilmente visível para quem no caminho passasse; - efectivamente, cerca das 16h00, a vítima regressava a casa juntamente com a sua esposa, transportados numa carroça, efectuando o caminho que o arguido calculara que fariam; - o arguido esperou então que a vítima passasse próximo do local onde se encontrava emboscado e quando o “tinha em mira”, a uma distância de três a cinco metros, efectuou dois disparos na sua direcção, atingindo-o, dessa forma, mortalmente; - após efectuar os disparos, o arguido afastou-se do local e deitou fora os cartuchos deflagrados, a cerca de 30 metros do local dos disparos; - dirigiu-se à localidade de…, onde alugou um táxi e foi entregar-se no Posto da Guarda Nacional Republicana de…, levando consigo a arma com que efectuou os disparos; - em consequência dos disparos efectuados pelo arguido, o AS sofreu as lesões traumáticas crânio-encefálicas, cervicais e torácicas supradescritas, que provocaram, directa e necessariamente, a sua morte, no dia 20-01-2005, morte atestada pelas 17h00, no local onde foi encontrado o corpo; - o arguido agiu com o firme propósito de tirar a vida ao AS, visando atingi-lo, de forma violenta, com os dois projécteis de tipo zagalote, na região da cabeça e do pescoço, que sabia conterem órgãos e funções vitais; - ficou, no acto, ciente de que o atingira mortalmente; - planeou, pelo menos, desde a noite do dia anterior, a hora, dia e local mais apropriados para concretizar os seus intentos, bem como o meio a utilizar; - agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei; - o arguido foi submetido a exame médico-legal psiquiátrico e nesse exame concluiu-se que o mesmo sofre de síndrome cerebral pós-traumático não psicótico, o que faz com que o seu humor possa ser muito variável, sendo uma qualquer ocorrência banal susceptível de causar medo e apreensão desproporcionados com a causa; - o mesmo relatório refere que é elevada a probabilidade de o arguido estar prejudicado cognitivamente, devido à lesão cerebral, tipo de lesão que causa, em geral, baixa geral de autodomínio, da capacidade de previsão, exacerbando a instabilidade/impulsividade, pelo que permite concluir por uma atenuação da imputabilidade; - no entanto, esse relatório conclui, ainda, que aquando da prática dos factos, o arguido se encontrava capaz de lhes avaliar a ilicitude e de se determinar por essa avaliação, devendo ser considerado imputável. - do certificado de registo criminal do arguido não consta qualquer condenação; há que concluir que o arguido praticou um crime de homicídio qualificado, revelando através da sua conduta uma especial censurabilidade, designadamente pela frieza de ânimo com que agiu, a forma calculada e amadurecida como actuou, sendo certo que o quadro patológico descrito não diminuiu significativamente a capacidade de avaliação da ilicitude ou de determinação de acordo com essa avaliação, logo não existe fundamento para atenuar especialmente a pena. X - Mostra-se adequado fixar a pena em 12 anos de prisão. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal Tribunal de Justiça: I. No Tribunal Judicial de Valpaços, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, AA foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alínea i), do Código Penal, na pena de 13 anos de prisão. E, na procedência parcial do pedido de indemnização formulado pelos demandantes BB, CC, DD e EE, na qualidade de esposa e filhos da vítima, foi o arguido condenado a pagar àqueles a quantia global de € 85.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por eles sofridos com a prática do crime, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar desde o trânsito em julgado da decisão condenatória. Inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal a assistente BB e o arguido. A assistente formulou na motivação do recurso as conclusões que em seguida se transcrevem. ─ Face ao supra exposto, a recorrente entende que os factos assentes nos autos, a forma como o crime foi praticado, em circunstâncias que revelam especial censurabilidade por parte do arguido, demonstram que, à data dos mesmos, este se encontrava totalmente capaz de os avaliar e de prever as suas consequências. ─ A doença de que o arguido padece, há cerca de dez anos a esta parte, a qual tem como consequências, em geral, a baixa de auto-domínio, da capacidade de previsão e do exacerbamento da sua instabilidade/impulsividade, nunca afectou o seu comportamento social. ─ Muito menos poderá, no nosso modesto entender, estar na base de uma atenuação da imputabilidade do arguido, o qual, "in casu", agiu com total frieza de ânimo, arquitectando ao pormenor, o modo, os meios, o momento da realização do crime, mantendo-se na intenção de matar por mais de 24 horas. ─ A data dos factos, nenhum acto foi praticado pela vítima, mesmo banal, que pudesse exacerbar a instabilidade do arguido, ao contrário da desgarrada tese que este tentou demonstrar em sede de audiência e julgamento, de molde a "encaixar" neste quadro clínico. ─ Assim, porque a ilicitude do facto é muito elevada - o bem vida é o bem supremo-, não havendo, como foi supra demonstrado, razões de atenuação da imputabilidade do arguido, entende, a recorrente, que a medida deverá aproximar-se do seu máximo. ─ Ao assim não entender, parece que o Tribunal aplicou, com menos justeza, e adequação, o preceituado no art° 71° do Código Penal, pois, o sentido de retribuição ético-jurídica, as necessidades de reprovação e prevenção, a máxima ilicitude e maior dolo, bem como, todo o contexto de actuação do arguido, em confronto com os aspectos, que o julgador tem de sopesar, de acordo com os parâmetros, referidos nas várias alíneas do art° 71, n° 2, do supra citado diploma legal, impõem que ao arguido seja aplicada pena de prisão próxima do máximo da moldura penal. O arguido por seu lado concluiu como segue: 1. Entende o recorrente que os factos dados como provados pelo acórdão recorrido enquadram-se no tipo de crime homicídio privilegiado previsto no artigo 133° do Código Penal. 2. O comportamento do arguido é certamente desencadeado por uma emoção muito forte e compreensível. 3. Na verdade, não se pode desconsiderar que o cunhado do recorrente foi assassinado pela vítima. 4. Que a vítima (tio do recorrente) ao longo dos anos ameaçou de morte o recorrente e toda a sua família. 5. A vítima era considerada pessoa agressiva. 6. As provocações mútuas eram constantes, tendo a última, ocorrido no dia anterior aos factos, em que se injuriaram reciprocamente. 7. Esta tensão no seio da família do recorrente já durava há cerca de 20 anos. 8. Pelo que deve ser alterada a qualificação jurídica para homicídio privilegiado. 9. O douto acórdão recorrido entendeu ser especialmente censurável a actuação do arguido, nos termos do n° 1 e n°2 do art.° 132° do C.P, por ter concluído que o arguido persistiu na decisão de matar e agiu com frieza de ânimo. 10. Entendemos, salvo o devido respeito, que não assiste razão ao douto Tribunal. 11. Com efeito, a factualidade dada como provada, nomeadamente, os pontos l, 2, 3, 22, 23. 24, 39, 41, 42 c 43, contraria manifestamente a conclusão do douto tribunal em considerar preenchida a circunstância qualificativa do n° l e 2°, i) do art. 132 do CP. 12. Na verdade, não é possível que o arguido tenha persistido na intenção de matar, e que agiu com frieza de ânimo, quando se provou a imputabilidade atenuada, face à doença de que padece o arguido. 1. A voluntariedade do comportamento do arguido foi condicionada pela patologia neurológica que o afectava. 14. Tendo-se em conta, por um lado a perícia e a culpa como o limite inultrapassável de fundamento da pena, esta não poderá ser senão a correspondente ao homicídio simples - não qualificado - cometido com imputabilidade diminuída. 15. A diminuição da culpa do arguido, por força da diminuição da sua imputabilidade, impõe o regime da atenuação especial da pena, nos termos dos artigos 20°, 72° e 73° do C.P. 16. Acresce que, inúmeros factores depõem a favor do arguido, tanto a nível da culpa como das exigências de prevenção (idade, comportamento anterior aos actos, ilicitude diminuída, culpa atenuada por via da imputabilidade reduzida, ausência de antecedentes criminais). 17. Pelo que a pena a encontrar deve se situar no limite do mínimo da pena aplicável. Normas jurídicas violadas: Artigos 20°, 7r, 72°, 73°, 131°, 132° e 133°, todos do Código Penal. Nestes termos e demais de direito deve o presente recurso obter provimento, e a) Alterar-se a qualificação jurídica dos factos para o homicídio privilegiado; ou b) Condenar-se o arguido pelo crime de homicídio simples; e, c) Aplicar-se o disposto conjugado dos n.º 2 do artigo 20°, 72° e 73° do C.P. O arguido respondeu à motivação do recurso da assistente, sustentando que o mesmo deve ser rejeitado por ilegitimidade da recorrente e que, caso assim se não entenda, deve ser julgado improcedente. A assistente respondeu à motivação do recurso do arguido, pronunciando-se pela sua improcedência. O Ministério público respondeu às motivações dos dois recursos, pronunciando-se também pela sua improcedência. Neste Supremo Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, aquando do visto a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso da assistente, por falta de legitimidade da mesma. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de processo Penal, a assistente nada disse. Tendo o recorrente requerido a produção de alegações, por escrito, sem que houvesse oposição dos recorridos, e enunciadas as questões que merecem especial exame, nos termos do artigo 417.º, n.os 5 e 6, do Código de Processo Penal, foram apresentadas alegações pelo recorrente e pelo Ministério Público. O recorrente manteve o que havia expendido na motivação do recurso. O Ministério Público disse em síntese: ─ É de acolher o afastamento da especial censurabilidade do homicídio; ─ Não ocorre fundamento para a atenuação especial da pena; ─ Subsumidos os factos no tipo do artigo 131.º do Código Penal, a pena não deverá ser inferior a 11 anos de prisão. Colhidos os vistos legais e vindo os autos à conferência cumpre apreciar e decidir. São questões a solucionar: No recurso da assistente ─ Rejeição do recurso. No recurso do arguido ─ Qualificação jurídico-penal dos factos; ─ Atenuação especial da pena e medida da pena aplicável. II. O tribunal colectivo deu como provada a seguinte matéria de facto: 1) O arguido AA e a vítima FF eram familiares, respectivamente, sobrinho e tio. 2) Entre ambos e as respectivas famílias existia um mau relacionamento derivado de desentendimentos familiares de longa data, e que se prolongava há mais de vinte anos. 3) Entre arguido e vítima eram frequentes provocações mútuas, tendo a última ocorrido no dia 19 de Janeiro de 2005, dia anterior ao da ocorrência dos factos. 4) Nesse dia, arguido e vítima cruzaram-se na via pública e entraram em discussão, injuriando-se reciprocamente. 5) Após o ocorrido no referido dia 19 de Janeiro de 2005, nessa mesma noite, o arguido decidiu que no dia seguinte tiraria a vida a seu tio FF. 6) No dia 20 de Janeiro de 2005, o arguido soube que a vítima e sua esposa passaram em direcção a uns terrenos que possuíam no lugar de Lameiro do Salgueirinho, Fornos do Pinhal, Valpaços, ficando, desse modo, com a certeza de que os encontraria naquele local. 7) Após o almoço, o arguido deslocou-se para os terrenos propriedade de seu pai, próximos dos terrenos onde se encontrava a vítima. 8) Já decidido a tirar a vida a seu tio, levou consigo uma espingarda caçadeira, de marca “Ignacio Ugartechea”, que escondeu embrulhada numa saca de adubo, vazia, e, pelo menos, dois cartuchos de zagalote. 9) Cerca das 15.30 horas, o pai do arguido regressou a casa, ficando o arguido sozinho. 10) O arguido, após o pai se ter ausentado, pegou na espingarda que tinha escondida, carregou-a com os dois cartuchos tipo zagalote e emboscou-se num local, junto a um caminho, onde bem sabia que a vítima iria passar para regressar a casa, ficando a aguardar a passagem da vítima. 11) O local onde o arguido se encontrava emboscado é mais elevado em relação ao caminho por onde a vítima iria passar, pelo que o arguido via bem tal caminho, mas não era facilmente visível para quem no caminho passasse. 12) Efectivamente, cerca das 16 horas, a vítima regressava a casa juntamente com a sua esposa, transportados numa carroça, efectuando o caminho que o arguido calculara que fariam. 13) O arguido esperou então que a vítima passasse próximo do local onde se encontrava emboscado e quando o “tinha em mira”, a uma distância de três a cinco metros, efectuou dois disparos na sua direcção, atingindo-o, dessa forma, mortalmente. 14) Após efectuar os disparos, o arguido afastou-se do local e deitou fora os cartuchos deflagrados, a cerca de 30 metros do dito local dos disparos. 15) Dirigiu-se à localidade de Fornos do Pinhal, onde alugou um táxi e foi entregar-se no Posto da Guarda Nacional Republicana de Valpaços, levando consigo a arma com que efectuou os disparos. 16) Em consequência dos disparos efectuados pelo arguido, o FF sofreu as seguintes lesões: Cabeça - hematoma orbitário bilateral; ferida contusa irregular, com bordos contundidos, com 1,5 por 1,5 cm na região frontal direita; ferida contusa irregular, com bordos contundidos, com 3 por 2,5 cm na região ante auricular direita; laceração irregular da porção superior do pavilhão auricular direito com 3 por 1,5 cm; ferida contusa irregular, com 2 por 1,5 cm na região ante auricular direita (região subzigomática); Laceração-esfacelo irregular do lobo da orelha direita; ferida contusa irregular, com 1,5 por 1 cm na região post-auricular direita (infra temporal); ferida contusa irregular, com 1,5 por 1 cm no ângulo mandibular direito; ferida contusa irregular, com 2 por 1,5 cm na porção média da região mandibular direita; Paredes da cabeça – área de infiltração sanguínea do tecido celular subcutâneo – face interna do couro cabeludo – e aponeurose óssea a nível da região fronto-parietal direita, com 4 por 2 cm; área de infiltração sanguínea do tecido celular subcutâneo – face interna do couro cabeludo – e aponeurose óssea a nível da região parietal direita, com 3 por 3 cm; Infiltração sanguínea da espessura do músculo temporal direito; Fractura da calote craniana, que se inicia a nível do osso frontal direito, com traço irregularmente circular, que atinge os ossos temporal e parietal direitos, que segue em forma circular pelo osso occipital, atingindo a porção escamosa do temporal esquerdo e parietal esquerdo, com um comprimento total de 39 cm; Fractura longitudinal, irregular, da base do crânio, que se inicia a nível do occipital, passando pelo rochedo temporal direito e atingindo o tecto da órbita direita, com 26 cm; Fractura do andar posterior à esquerda do buraco occipital, em direcção à sela turca, com 7 cm de comprimento; fractura transversal da base do crânio, cominutiva, do rochedo do temporal esquerdo até rochedo temporal direito, com 15 cm de comprimento; Meninges – Laceração das meninges a nível da face inferior de ambos os hemisférios cerebrais, bem como a nível da superfície do cerebelo; Encéfalo – áreas de contusão dispersas; laceração do pedúnculo-tronco cerebral, protuberância e bulbo raquídeo; Cavidade bucal e língua – Fractura cominutiva da mandíbula direita a nível do ângulo e ramo mandibular; laceração da base da língua; Pescoço – ferida contusa, com 2 por 2 cm, no terço superior da região esternocleidomastoideia direita, ferida contusa com bordos irregulares e evertidos, medindo 1,5 por 1 cm, localizada no terço inferior da região esternocleidomastoideia esquerda; Ferida contusa com bordos hemáticos e evertidos, irregularmente ovaliforme, localizada na base do triângulo lateral esquerdo e anterior do pescoço, medindo 3 por 1 cm; Marcada infiltração sanguínea do tecido celular subcutâneo; marcada infiltração sanguínea dos planos musculares do pescoço, mais acentuada à esquerda, bem como dos planos prevertebrais; Vasos, nervos e gânglios – laceração irregular da artéria carótida primitiva esquerda, a 1,5 cm abaixo da bifurcação; Laringe e traqueia – laceração transversal da área glótida da cartilagem tiroideia, Tórax – ferida contusa com bordos irregulares e evertidos, com equimose periférica, medindo 1,5 por 1 cm, no terço interno da região clavicular esquerda; área de hematoma arredondada com 1 por 1 cm, no terço lateral da região clavicular esquerda – face superior do ombro; Paredes do tórax – fractura cominutiva do terço interno e médio da clavícula esquerda; fractura da 1ª, 2ª e 3ª costelas à esquerda pelo seu arco anterior, bem como fractura irregularmente arredondada com esquírolas, no arco lateral da 5ª costela esquerda, com 1,8 por 1,5 cm, com marcada infiltração sanguínea dos tecidos adjacentes; Pulmão direito – colapso do parênquima; Pulmão esquerdo – área de infiltração sanguínea na face antero-lateral do lobo superior, com 12 por 4 cm, com dois orifícios ovaliformes, medindo o mais superior e interno 1,1 por 1 cm e o mais inferior e lateral 1,7 por 1,1 cm; Ráquis – Paredes – fractura do terço inferior do corpo da 3.ª e fractura do corpo da 4.ª vértebras cervicais, com marcada infiltração sanguínea periférica; Medula – retracção do cordão medular por laceração a nível do bulbo e medula cervical; Membros superiores – ferida contusa irregular, com 2,5 por 1 cm, na face antero-interna do terço inferior do braço esquerdo, ferida contusa irregular com 2,5 por 1 cm, na face antero-lateral do cotovelo esquerdo, com 1,5 por 1 cm, ferida contusa com fractura exposta dos ossos do cotovelo esquerdo, face antero-interna, com bordos irregulares, medindo 7 por 3 cm, ferida contusa irregular, com 2 por 1 cm, na face anterior do cotovelo esquerdo ferida contusa irregular, com 2 por 1,5 cm, na face anterior do terço superior do antebraço esquerdo; Ferida contusa com bordos evertidos, medindo 1,5 por 1 cm, na face posterior do terço inferior do braço esquerdo, ferida contusa com bordos irregulares e evertidos, medindo 1,5 por 1 cm, na face postero-interna do cotovelo esquerdo, ferida contusa irregular, com 4 por 2,5 cm, na face posterior do cotovelo esquerdo, rodeada de equimose periférica, ferida contusa arredondada, com 0,5 por 0,5 cm, na face postero-interna do terço superior do antebraço; Laceração dos planos musculares e ósseos a nível da articulação do cotovelo esquerdo, com fractura cominutiva do terço inferior e face articular do úmero, bem como do terço superior e face articular do cúbito esquerdos, com marcada infiltração sanguínea subjacente; 17) Tais lesões traumáticas crânio-encefálicas, cervicais e torácicas supra descritas, provocaram, directa e necessariamente, a morte ao FF, no dia 20 de Janeiro de 2005, morte atestada pelas 17horas, no local onde foi encontrado o corpo. 18) O arguido agiu com o firme propósito de tirar a vida ao FF, visando atingi-lo, de forma violenta, com os dois projécteis de tipo zagalote, na região da cabeça e do pescoço, que sabia conterem órgãos e funções vitais. 19) Ficou, no acto, ciente de que o atingira mortalmente. 20) Planeou, pelo menos, desde a noite do dia anterior, a hora, dia e local mais apropriados para concretizar os seus intentos, bem como o meio a utilizar. 21) Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei. 22) O arguido foi submetido a exame médico-legal psiquiátrico e nesse exame concluiu-se que o mesmo sofre de síndrome cerebral pós-traumático não psicótico, o que faz com que o seu humor possa ser muito variável, sendo uma qualquer ocorrência banal, susceptível de causar medo e apreensão desproporcionados com a causa. 23) O mesmo relatório refere que é elevada a probabilidade de o arguido estar prejudicado cognitivamente, devido à lesão cerebral, tipo de lesão que causa, em geral, baixa geral de auto-domínio, da capacidade de previsão, exacerbando a instabilidade/impulsividade, pelo que permite concluir-se por uma atenuação da imputabilidade. 24) No entanto, esse relatório conclui, ainda, que aquando da prática dos factos, o arguido se encontrava capaz de lhes avaliar a ilicitude e de se determinar por essa avaliação, devendo ser considerado imputável. 25) A demandante civil BB é viúva da vítima FF, sendo a demandante CC, DD e EE filhos dos mesmos. 26) Devido à gravidade das lesões, não foi possível o transporte e socorro da vítima, a qualquer unidade hospitalar. 27) A vítima faleceu no momento em que foi atingida pelos disparos do arguido. 28) O FF tinha 68 anos de idade. 29) Era um homem trabalhador. 30) Estava casado com a demandante BB há 33 anos. 31) O casal vivia à custa das reformas de ambos e dos produtos hortícolas e frutícolas que colhiam para consumo próprio, bem como do gado ovino e galináceos que criavam. 32) Era a vítima quem realizava a maior parte das tarefas do campo, com o auxílio da esposa. 33) Eram um casal unido, ficando a demandante BB destroçada com a morte do marido. 34) Também os filhos da vítima sofreram muito com a sua morte, já que o FF era um bom pai de família, diligente e atento às necessidades dos seus filhos. 35) As demandantes CC e EE, residindo embora no estrangeiro, mantinham com o pai uma ligação profunda, contactando-o frequentemente. 36) O demandante DD acompanhou, desde sempre, o seu pai, existindo entre os dois uma relação de cumplicidade e ajuda mútua. 37) A morte inesperada e trágica do FF provocou nos demandantes enorme angústia e revolta. 38) Até à ocorrência dos factos, o arguido sempre foi bom cidadão e bom vizinho, encontrando-se perfeitamente integrado na comunidade em que se inseria. 39) No ano de 1996, o arguido sofreu um acidente de viação, onde foi vítima de traumatismo craniano. 40) Ficou com cicatrizes na face a na cabeça e com as lesões já supra referidas e plasmadas no relatório de exame médico-legal a que foi submetido. 41) O FF cumpriu pena de prisão pelo homicídio de um cunhado do arguido. 42) Devido às más relações entre a família do arguido e a vítima, era frequente o FF ameaçar de morte o arguido e seus familiares, o que veio acontecendo ao longo de vários anos, sendo tais ameaças levadas a sério pelo arguido, devido ao facto de ter havido já anteriormente um homicídio praticado pelo mesmo na pessoa de um familiar do arguido. 43) O FF era considerado um pessoa agressiva. 44) O arguido é de condição social e económica humilde, vivendo em casa de seus pais, com os quais mantém uma relação de grande proximidade afectiva. 45) Trabalha na agricultura, com os pais, sendo os lucros obtidos com a venda dos produtos que o agregado produz, como vinho e azeite, repartidos a meias entre o arguido e seu pai, numa média de € 1.000,00 por ano. 46) O arguido faz também algumas jeiras, recebendo 40 euros por cada dia de jeira, tratando-se, contudo, de trabalhos esporádicos. 47) Tem como habilitações literárias a quarta classe. 48) Adoptou um estilo de vida normativo, caracterizado pela integração num agregado familiar coeso e apoiante, trabalhando com regularidade, apesar de apresentar um comportamento pautado por algumas dificuldades de auto-controlo. 49) Do seu certificado de registo criminal, não consta qualquer condenação. O tribunal colectivo deu como não provados os factos seguintes: ─ Que no dia dos factos, o arguido viu a vítima passar para os terrenos para onde esta foi trabalhar; ─ Que o arguido quis castigar a vítima, movido por ânimo de desagravo que vinha acalentando e para o que ainda não tivera coragem; ─ Que a vítima faleceu alguns minutos após ter sido atingida pelos disparos do arguido e que, nesse intervalo de tempo, pressentiu a morte, o que lhe causou grande angústia; ─ Que os demandantes despenderam com o funeral e serviço fúnebre, a quantia de € 1.000,00; ─ Que o arguido ficou com outras sequelas resultantes do acidente de viação de que foi vítima, para além das referidas supra e que constam do relatório de exame médico-legal; ─Que a vítima sabia que o arguido tinha ficado com sequelas desse acidente e que se incomodava mais facilmente se ameaçado ou agredido e, apesar disso, não se coibia de o provocar; ─ Que as ameaças de que o arguido era alvo, bem como a sua família, estavam relacionadas com um terreno adjudicado à irmã do arguido, viúva da pessoa a quem a vítima havia tirado a vida; ─ Que o arguido sofreu incomensuravelmente, quer antes quer após a prática dos factos; ─ Que o arguido sabia e tinha a certeza/consciência de que um dia morreria às mãos do seu tio; ─ Que, apesar disso, nunca projectou a morte daquele; ─ Que o arguido tremia de medo e nervos, ficando completamente descontrolado quando via a vítima; ─ Que no dia 19 de Janeiro de 2005, a vítima tentou agredir o arguido, investindo com um cavalo e uma carroça contra o mesmo, ameaçando-o de morte, tendo causado ao arguido momentos de autêntico pânico e horror; ─ Que no dia dos factos, o arguido se encontrava fortemente ameaçado e não conseguiu resistir ao medo que dele se apoderou, respondendo às ameaças e à morte que tinha como certa e lhe estava destinada pelo seu tio, caso não actuasse pela forma como o fez; ─ Que o arguido não procurou a emboscada referida na acusação e que não tinha em mente que a vítima iria passar naquele local. III. Recurso da assistente Está em causa, como questão prévia, saber se a assistente tem legitimidade para recorrer do acórdão do tribunal colectivo, peticionando o agravamento da pena imposta ao arguido com a aplicação de uma pena próximo do limite máximo da moldura penal. Nos termos do artigo 69.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei. O n.º 2 prevê as atribuições que em especial são conferidas ao assistente, entre elas figurando a interposição de recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito ─ alínea c). O artigo 401.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, preceitua que o assistente tem legitimidade para recorrer de decisões contra ele proferidas. O n.º 2 estabelece que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir. Alega também que não era possível que tenha persistido na intenção de matar, e que tenha agido com frieza de ânimo, quando se provou a imputabilidade atenuada, face à doença de que padece, tendo a voluntariedade do acto sido condicionada pela patologia que o afectava. Assim, o crime não podia ser considerado como qualificado, e sim como homicídio simples. Vejamos se lhe assiste razão. O recorrente foi condenado pela prática do crime de homicídio qualificado, nos termos dos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alínea i), do Código Penal. Nos termos do artigo 133.º comete o crime de homicídio privilegiado quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral. A «compreensível emoção violenta» é um forte estado de afecto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e à qual também o homem normalmente “fiel ao direito” não deixaria de ser sensível ─ Prof. F. Dias, Comentário Conimbricense, Tomo I, pg. 50. Da matéria de facto provada não resulta contudo esse estado de afecto. A circunstância de haver um mau relacionamento antigo entre o recorrente e vítima, com provocações mútuas, e de ter havido uma discussão na véspera da prática do crime, em que trocaram injúrias, não pode ser considerada como geradora de uma «emoção violenta», designadamente porque o recorrente só no dia seguinte reagiu a essa situação e porque se desconhece o conteúdo da discussão e, portanto, factos concretos ocorridos que pudessem provocar tal emoção. Assim, é de afastar o enquadramento da conduta no artigo 133.º. E será de manter o enquadramento como homicídio qualificado? Sobre esta matéria o tribunal colectivo expendeu: Relativamente à circunstância qualificativa referida na acusação, a al. i) do nº 2 do art. 132º do Código Penal prevê, efectivamente, como circunstância susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade, a actuação com frieza de ânimo ou com reflexão sobre os meios empregados, bem como a persistência na intenção de matar por mais de 24 horas. Sobre o sentido desta qualificativa tem-se entendido que a frieza de ânimo está relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime e deve ser entendida como a conduta que traduz calma, reflexão e sangue frio na preparação do crime e insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução. Verifica-se na actuação com frieza de ânimo, uma insensibilidade perante o valor da vida e uma aturada reflexão sobre os meios a utilizar no cometimento do homicídio, bem como a melhor forma e local de o levar a cabo. Ora, no caso em apreciação, consideremos o contexto em que o arguido actuou: o arguido teve um desentendimento com a vítima; foi para casa e decidiu que iria tirar a vida ao seu tio, no dia seguinte; apesar de “ter dormido sobre o assunto”, no dia seguinte manteve o propósito tomado na noite anterior; por isso, quando foi para o campo, levou, escondida, a arma; deixou que o seu pai viesse embora e foi, então, buscar a arma escondida, que carregou com dois zagalotes; deslocou-se para um local onde sabia que a vítima iria passar, por ser habitual, e aí se acoitou, ficando à espera; quando avistou a vítima, fez pontaria, escolheu a zona da cabeça e pescoço da vítima e disparou duas vezes, tendo o cuidado de não atingir a esposa da vítima que seguia sentada ao seu lado; disparou, matou, saiu do local e foi entregar-se à autoridade policial. Perante este quadro, parece-nos evidente que o arguido actuou a sangue frio e com frieza de ânimo. O propósito de matar a vítima foi formulado e mantido pelo arguido desde a noite anterior, sendo certo que nada o demoveu desse propósito, apesar do tempo que teve para reflectir sobre isso. Actuou com reflexão sobre os meios a empregar, já que decidiu utilizar uma arma carregada com zagalotes, conhecendo bem o poder letal de tal meio, que consigo levou e escondeu até ao momento certo, e que conscientemente utilizou para concretizar a sua intenção de tirar a vida à vítima. Actuou de forma traiçoeira, escondendo-se em local onde podia ver a vítima a aproximar-se, sem ser visto, ficando escondido no local até ao momento adequado, a uma distância em que tinha a certeza que iria acertar na vítima, por forma a não lhe permitir qualquer hipótese de defesa. Justifica-se, assim, a qualificativa, pela especial censurabilidade que estava subjacente a toda a descrita actuação do arguido, pelo que essa actuação tem de considerar-se como integradora de todos os elementos constitutivos do crime de homicídio qualificado, nos termos constantes da acusação. O artigo 132.º contempla a especial censurabilidade como uma das formas de culpa agravada conducente à qualificação do homicídio. Como expende a Dra. Teresa Serra, Homicídio Qualificado, pg. 63, trata-se de circunstâncias de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. A conduta do recorrente, tal como foi caracterizada pelo tribunal colectivo, revela uma especial censurabilidade, na medida em que traduz um grau particularmente acentuado de grau de culpa. Designadamente, pela frieza de ânimo com que agiu. Pôde reflectir sobre o seu plano sem que isso o fizesse desistir do seu intento, ficando indiferente às suas consequências, preparando-o e executando-o de forma a não deixar qualquer hipótese de defesa à vítima. A diminuição da imputabilidade não é incompatível com a verificação da especial censurabilidade, nem afasta esta no caso. No exame médico-legal psiquiátrico a que o recorrente foi submetido considerou-se que «o mesmo sofre de síndrome cerebral pós-traumático não psicótico, o que faz com que o seu humor possa ser muito variável, sendo uma qualquer ocorrência banal, susceptível de causar medo e apreensão desproporcionados com a causa» e que «é elevada a probabilidade de o arguido estar prejudicado cognitivamente, devido à lesão cerebral, tipo de lesão que causa, em geral, baixa geral de auto-domínio, da capacidade de previsão, exacerbando a instabilidade/impulsividade, pelo que permite concluir-se por uma atenuação da imputabilidade». O relatório refere também que, aquando da prática dos factos, o arguido se encontrava capaz de lhes avaliar a ilicitude e de se determinar por essa avaliação, devendo ser considerado imputável. Tratando-se, não de um acto repentino, uma forma impulsiva de reacção por qualquer facto ocorrido na altura, e sim de um acto calculado e amadurecido, correspondente a um processo mental iniciado na véspera da execução do crime, o referido quadro patológico não diminuiu significativamente a capacidade de avaliação da ilicitude ou de determinação de acordo com essa avaliação. Não merece assim reparo a integração da conduta do recorrente, como crime de homicídio qualificado. IV.2. Questão da atenuação especial da pena e medida da pena aplicável Alega o recorrente que, atendendo à perícia e à culpa como o limite inultrapassável da pena, esta não poderá ser senão a correspondente ao homicídio simples, cometido com imputabilidade diminuída, impondo-se a atenuação especial da pena, nos termos dos artigos 20.°, 72.° e 73.° do Código Penal. Alega também que «inúmeros factores, depõem a favor do arguido, tanto a nível da culpa como das exigências de prevenção (idade, comportamento anterior aos actos, ilicitude diminuída, culpa atenuada por via da imputabilidade reduzida, ausência de antecedentes criminais), pelo que deve ser aplicada uma pena situada no limite mínimo da pena aplicável. A atenuação especial da pena nos termos do artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal, é uma válvula de escape do sistema para aquelas situações excepcionais para as quais a moldura penal prevista pelo legislador para o crime se mostra desadequada, em termos de se ter de reduzir os limites da pena ou de proceder à aplicação de uma pena de substituição, por força de uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. No caso, só seria equacionável a atenuação especial com fundamento na diminuição da culpa. Todavia, e como já se referiu acima, a patologia que afecta o recorrente não diminuiu significativamente a sua capacidade de avaliação da ilicitude ou de determinação de acordo com essa avaliação, pelo que não ocorre uma diminuição acentuada da culpa, o que vale dizer que inexiste fundamento para a atenuação especial da pena. De harmonia com o disposto no artigo 71.º do Código Penal, aceita-se que, não obstante a gravidade do crime, em termos de ilicitude e de dolo, tendo presente designadamente que se trata de um delinquente primário com bom comportamento anterior, a anomalia psíquica de que padece, reduzindo a sua capacidade de avaliação da ilicitude e de se determinar de acordo com essa avaliação, deva relevar em termos de se fixar a pena no limite mínimo da moldura penal ─ 12 anos de prisão. V. Nestes termos, decidem: ─ Rejeitar o recurso da assistente; ─ Julgar provido em parte o recurso do arguido, condenando-o na pena de doze anos de prisão; ─ Manter no mais o decidido. A assistente pagará 7 UCs de taxa de justiça, acrescida de 5 UCs de sanção processual nos termos do n.º 4 do artigo 420.º do Código de Processo Penal, e o arguido pagará 5 UCs de taxa de justiça. Lisboa, 13 de Setembro de 2006 Silva Flor (relator) |