Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PINTO HESPANHOL | ||
Descritores: | RESCISÃO PELO TRABALHADOR JUSTA CAUSA INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ200604050017004 | ||
Data do Acordão: | 04/05/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | 1. O trabalhador não pode invocar na acção judicial destinada a apreciar a ocorrência de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho fundamentos fácticos diferentes dos mencionados na carta de rescisão, sendo apenas atendíveis os factos indicados nessa comunicação. 2. Provando-se que, na carta que remeteu à ré empregadora, o trabalhador invocou apenas como facto fundamentador da rescisão do contrato, a absolvição da ré (em anterior processo) do pedido de colocação do autor em lugar correspondente à categoria profissional, por impossibilidade material (transferência das operações de voo de Lisboa para Madrid), configura-se a justa causa objectiva de rescisão do contrato de trabalho, prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 35.º da LCCT. 3. Tal fundamento possibilita ao trabalhador rescindir o contrato de trabalho com justa causa, mas não lhe confere o direito a indemnização, como resulta da interpretação conjugada do disposto nos artigos 36.º e 35.º, n.º 1, da LCCT, já que o direito a uma indemnização pela rescisão do contrato é condicionada pela verificação dos comportamentos da empregadora previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 35.º citado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I Em 23 de Maio de 2003, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, em que pede a condenação da ré a pagar-lhe a indemnização de 285.264,88 euros, acrescida de juros legais a partir da citação. Alega, em resumo, que trabalhou para a ré desde 7 de Agosto de 1971 até 6 de Fevereiro de 2003, data em que rescindiu o contrato de trabalho com justa causa pelos factos constantes da carta que endereçou à ré, designadamente com fundamento no uso abusivo do jus variandi, pelo que, ao abrigo da alínea b) do n.º 2 da cláusula 139.º do ACT em vigor, cuja referência omitiu na referida carta, por lapso manifesto e irrelevante, tem direito à indemnização prevista na cláusula 136.º do mesmo ACT. A ré contestou, defendendo que o autor, na carta de rescisão contratual, alegou factos que, ele próprio, entendeu consubstanciarem alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes da entidade empregadora e constituírem justa causa de rescisão nos termos da cláusula 139.º, n.º 3, alínea b) do ACT, pelo que, o autor tinha o direito a rescindir o contrato de trabalho sem observância de aviso prévio legal ou contratual, mas não tem direito a qualquer indemnização, que, de qualquer modo, a ser devida, teria de ser calculada nos termos do artigo 36.º da LCCT, e não da cláusula 136.º do ACT. Tendo-se considerado que o processo já continha os elementos necessários para decidir do mérito da causa, foi proferido despacho saneador, com o valor de sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido. A dita sentença considerou que o autor, na comunicação escrita de rescisão do contrato de trabalho, «não invocou nem descreveu qualquer comportamento culposo da R., nomeadamente o uso abusivo do jus variandi, sendo certo que, de qualquer modo, na sentença indicada [na carta de rescisão] se entendeu que se não verificou uma situação caracterizável como tal, por falta dos requisitos da transitoriedade e da não alteração substancial da posição do trabalhador, mas uma modificação definitiva e substancial das funções do A. decorrente da impossibilidade material de lhe manter as funções anteriores correspondentes à sua categoria profissional, em virtude de as operações de voo e procedimentos a ela inerentes terem sido transferidos de Lisboa para Madrid». E prossegue a mesma sentença, «[foi essa situação objectiva que conduziu à absolvição da R. do pedido e foi esta absolvição, por aquela razão, que o A. indicou como facto justificativo da rescisão, só ele sendo atendível, repete-se. Assim, o facto invocado é insusceptível de ser reconduzido a alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 35.º da LCCT ou do n.º 2 da cláusula 139.º do ACT publicado no BTE, 1.ª série, n.º 35, de 22/09/1996, onde se prevêem comportamentos culposos do empregador. Constituindo antes, quando muito, o fundamento previsto na alínea b) do n.º 2 daquele preceito legal e do n.º 3 daquela cláusula - alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes da entidade empregadora -, como o A., aliás, logo adiantou expressamente na referida comunicação, de forma adequada e correcta, como se vê, e não por qualquer lapso.» Para logo concluir, «[o]ra, só a rescisão do contrato com fundamento nos factos previstos no n.º 1 do artigo 35.º confere ao trabalhador direito a uma indemnização calculada nos termos do n.º 3 do artigo 13.º (artigo 36.º). Não sendo esse o caso dos autos, improcede necessariamente o pedido.» 2. Inconformado, o autor apelou para a Relação, finalizando a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões: 1) o jus variandi só é legalmente admissível se não houver modificação substancial da posição do trabalhador, ou havendo-a, que tenha natureza transitória; 2) sendo a causa da colocação do autor, como agente da secção de perdidos e achados, a extinção das operações de voo em Lisboa, transferidas para Madrid, por conveniência exclusiva da ré, tal extinção é da culpa desta, pois a culpa reside precisamente nessa conveniência, já que não se deve a fenómeno natural e imprevisível imposto a um e a outro dos contraentes, mas tão só e exclusivamente à conveniência da ré; 3) são estes os factos constantes do primeiro parágrafo da carta que figura como documento n.º 5 junto à petição inicial. A Relação, tendo concluído que «a causa atendível da rescisão do contrato é apenas a de a R. ter sido absolvida do pedido de colocação do A. no lugar correspondente à categoria profissional de Despachante de Voo (Grupo III), por impossibilidade material, uma vez que as operações de voo e os procedimentos a elas inerentes foram transferidos de Lisboa para Madrid», sufragou, inteiramente, o entendimento acolhido na sentença recorrida e, em consequência, julgou a apelação improcedente. É contra esta decisão que o autor agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: «1. O "jus variandi" só é legalmente admissível, se não houver modificação substancial da posição do trabalhador, ou havendo-a, que tenha natureza transitória; 2. Sendo a causa da colocação do A., aqui recorrente, como agente da secção de perdidos e achados, a extinção das operações de voo em Lisboa por transferidas daqui para Madrid, por conveniência exclusiva da R., tal extinção é da culpa desta, pois a culpa reside precisamente nessa conveniência, já que não se deve a fenómeno natural e imprevisível imposto a um ou a outro dos contraentes, mas tão só e exclusivamente à conveniência da R.; 3. São estes os factos constantes do 1.º parágrafo da carta que é doc. n.º 5 junto à petição inicial; 4. É o próprio MM juiz que sublinha o facto de o recorrente ter justa causa para rescindir o contrato e sublinha o facto de a ré não ter posto em causa e ter mesmo aceitado que tal justa causa existia; 5. Houve assim uma má interpretação e aplicação do direito, já que se ao recorrente assiste justa causa para rescindir o contrato laboral que o vinculava à R., obviamente ele tem direito à correspondente indemnização; 6. E nem o caso julgado de anterior acção posta pelo recorrente contra a R. põe em crise o seu direito à respectiva indemnização; 7. Aliás, se assim o entendesse, podia e devia o Meritíssimo Juiz a quo mandar corrigir a petição inicial de acordo com o espírito e letra do CPT, mas não o fez.» Termina, indicando que «o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 34.º e 35.º, n.º 1, alínea b), da LCCT, o artigo 22.º, n.º 2, da LCT e a cláusula 139.º, n.º 2, alínea b), do ACT da aviação estrangeira de 1996, publicado no BTE, n.º 35», e pedindo a revogação do acórdão recorrido, bem como a condenação da ré no pedido. A recorrida não contra-alegou. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que a revista devia ser parcialmente concedida, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta. 3. Corridos os vistos, o processo foi, entretanto, redistribuído, por jubilação do então relator. No caso vertente, sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da pertinente alegação (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), as questões suscitadas são as seguintes: - Se seria caso de mandar corrigir a petição inicial, «de acordo com o espírito e letra do Código de Processo do Trabalho»; - Se o autor tem direito a uma indemnização pela rescisão do contrato de trabalho operada por sua iniciativa. Tudo visto, cumpre decidir. II 1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto: 1) A R. é uma companhia de navegação aérea vocacionada para o transporte intercontinental de passageiros e mercadorias, autorizada a operar em Portugal; 2) O A. prestou a sua actividade profissional à R., mediante as ordens, direcção e orientação desta, desde 16 de Agosto de 1971 até 6 de Fevereiro de 2003; 3) O A. tinha a categoria de Despachante de Voo (DOV) desde 19 de Junho de 1979, possuindo licença de Oficial de Operações de Voo desde essa data, supervisionando, executando e planeando todos os trabalhos dessa área, com extensão ao controlo de todos os voos para a Europa, como foi decidido, com trânsito em julgado, na Acção Ordinária n.º 187/97, da 3.ª Secção do 5.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa (Doc. de fls. 102 a 118); 4) O A. intentou contra a R. a Acção com Processo Comum n.º 28/02, da 2.ª Secção do 3.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, onde pediu: «Que a R. seja condenada a reconhecer ao A. a sua actual categoria de sénior do grupo III da carreira profissional ínsita no anexo II ao ACT publicado no BTE n.º 35, 1.ª série, de 22 de Setembro de 1996, a que corresponde o nível salarial 6, e a remunerá-lo de acordo, notando-se para já uma diferença salarial de 104,84 mês, a que acresce a actualização para o ano de 2002, e ainda condenada a colocá-lo no lugar correspondente a tal categoria na carreira profissional de Despachante de Voo (grupo III), sob pena de incorrer em justa causa de rescisão do contrato individual de trabalho por parte do A.» (Doc. de fls. 137 e seguintes); 5) Em sentença de 2 de Dezembro de 2002, transitada em julgado, em 14 de Janeiro de 2003, foi ali proferida a seguinte decisão: «Por todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência condeno a R. a reconhecer ao A. a actual categoria de sénior do grupo III da carreira profissional ínsita no anexo II ao ACT publicado no BTE n.º 35, 1.ª série, de 22 de Setembro de 1996, a que corresponde o nível salarial 6, e a remunerá-lo em conformidade, e absolvo a R. do pedido correspondente à colocação do A. no lugar correspondente à categoria profissional de Despachante de Voo (grupo III), bem como do pedido de condenação como litigante de má fé» (Doc. de fls. 137 e ss.); 6) Na respectiva fundamentação de direito, diz-se, nomeadamente (Doc. de fls. 137 e ss.): «Ora, no caso vertente, e conforme já se referiu, ao autor foi reconhecida a categoria de despachante de voo, desde 19 de Junho de 1979, em virtude do desempenho e execução permanente e supervisão de todos os trabalhos de operações de voo pelo autor desde 19 de Junho de 1979 a Janeiro de 1983. No entanto, também ficou provado que no tocante ao espaço europeu as operações de voo e os procedimentos a ele inerentes são coordenados pelo subcentro operacional da Europa sediado em Madrid, desde pelo menos 1986 - momento em que os respectivos serviços foram transferidos de Lisboa para essa cidade, tendo-se iniciado a extinção das operações de voo e os procedimentos a ela inerentes em Janeiro de 1983 e terminado em 1995/1996. E assim, e no Departamento de Operações de Voo, foi negociada a cessação por mútuo acordo dos contratos de trabalho, e operou-se a transferência de outros, entre os quais o autor, do mesmo Departamento para o de Tráfego, tendo o autor em Janeiro de 1983 sido colocado como agente de tráfego e foram-lhe atribuídas as respectivas funções, tendo o autor manifestado a sua discordância às funções que lhe foram atribuídas. Desde [o] dia 7 de Janeiro de 2002, foram atribuídas ao autor as tarefas de supervisor no âmbito do serviço de atendimento de passageiros, com atribuições na área de "Lost and Found" (perdidos e achados). [...] A ré fundamentou tais atribuições ao autor no "jus variandi", consagrado na cláusula 33.ª, n.º 2, do CCT, publicado no BTE, n.º 35, de 22 de Setembro de 1996. Ora, atendendo à matéria que ficou provada, não pode considerar-se que a atribuição ao autor de funções diferentes das correspondentes à sua categoria profissional assuma um carácter transitório, que é requisito essencial para o "jus variandi", nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 22.º da LCT e do referido n.º 2 da cláusula 32.ª [...] Ora, face à matéria de facto provada, o que resulta é que, efectivamente, desde 1995/1996, foram extintas as operações de voo e os procedimentos a ela inerentes, pelo que não se verifica a característica da transitoriedade das funções a exercer pelo autor. [...] Ora, as funções que o autor actualmente desempenha e que constam do n.º 18 da matéria provada nada têm a ver com as funções correspondentes à categoria profissional do autor, pelo que, e também por esta razão, o "jus variandi" se deveria ter por excluído. No entanto, e atendendo à referida matéria de facto também o pedido do autor, respeitante a tal matéria, tal como foi formulado, tem de improceder. Na verdade, e tendo-se provado o que consta dos n.os 10 e 11, 13 e 14, e, com especial relevância, o constante dos referidos n.os 10 e 11, não é possível condenar a ré a colocar o autor no lugar correspondente a tal categoria de sénior do grupo III da carreira profissional ínsita no anexo II do ACT, publicado no BTE, n.º 35, de 22 de Setembro de 1996, da carreira profissional de despachante de voo (grupo III) por impossibilidade material, uma vez que as operações de voo e os procedimentos a elas inerentes foram transferidos de Lisboa para Madrid. Em relação às diferenças salariais reclamadas e que seriam devidas, a ré já procedeu ao seu pagamento, pelo que está prejudicada a apreciação deste pedido»; 7) O A. dirigiu à R. uma carta, datada de 22 de Janeiro de 2003 (Doc. de fls. 43), onde, além do mais, diz: «Por sentença de 2/12/2002, transitada em julgado, no proc. 28/02 da 2.ª secção do 3.º Juízo de Trabalho de Lisboa, que movi contra a Varig, foi esta condenada a reconhecer-me a actual categoria de Sénior do Grupo III da carreira profissional ínsita no anexo II ao ACT publicado no BTE, n.º 35, de 22/09/96, a que corresponde o nível salarial 6, e a remunerar-me em conformidade, sendo a Varig absolvida do pedido à minha colocação no lugar correspondente à categoria profissional (grupo III) e isto por impossibilidade material, uma vez que as operações de voo e os procedimentos a ela inerentes foram transferidos de Lisboa para Madrid. Assim sendo, verifica-se a alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes da entidade patronal, o que constitui justa causa da rescisão do contrato pela minha parte, nos termos da cláusula 139.ª, n.º 3 b) do ACT, publicado no BTE n.º 35 de 22/09/96. E porque na verdade assim é, eu venho por este meio pôr termo ao contrato de trabalho que perdura entre nós desde 16/08/1971»; 8) Por carta de 5/02/2003, dirigida pela R. ao A., aquela considerou que a rescisão produziu efeitos no momento da recepção da comunicação que a operou, em 29/01/2003 (Doc. de fls. 45-46). Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra que ocorra qualquer das situações que permitam ao Supremo alterá-los ou promover a sua ampliação (artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil), por conseguinte, será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso. 2. O recorrente afirma, a rematar a síntese conclusiva atinente ao presente recurso de revista, que, «[aliás, se assim o entendesse, podia e devia o Meritíssimo Juiz a quo mandar corrigir a petição inicial de acordo com o espírito e letra do CPT, mas não o fez» (conclusão 7.ª). Trata-se de questão que só agora, no recurso de revista, foi suscitada, não tendo sido invocada na primeira instância, nem na alegação do recurso de apelação, e que não se apresenta examinada no acórdão recorrido. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (artigos 676.º, n.º 1, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões e não criá-las sobre matéria nova, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso, o que não é o caso. Não é possível, portanto, conhecer da temática versada na conclusão 7.ª da alegação do recurso de revista. 3. O objecto central do presente recurso consiste em saber se o autor, ora recorrente, tem ou não direito a uma indemnização pela rescisão, por sua iniciativa, do contrato de trabalho que o ligava à ré, ora recorrida. As instâncias entenderam, em suma, que a causa atendível, e que o autor invocou para a rescisão do contrato, foi apenas a de a ré ter sido absolvida do pedido de colocação do autor no lugar correspondente à categoria profissional de despachante de voo (Grupo III), por impossibilidade material, uma vez que as operações de voo e os procedimentos a elas inerentes foram transferidos de Lisboa para Madrid. Com a invocação de tal facto - prosseguem as instâncias -, o autor não alegou nem descreveu qualquer comportamento culposo da ré, nomeadamente o uso abusivo do «jus variandi», pelo que, não lhe assiste o direito de uma indemnização de antiguidade, por esse facto não se enquadrar em qualquer das alíneas do n.º 1 do art. 35.º da LCCT ou do n.º 2 da Cláusula 139:ª do ACT, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 35, de 22 de Setembro de 1996, antes constituindo o fundamento previsto na alínea b) do n.º 2, daquele diploma legal, que não confere direito a qualquer indemnização. Por sua vez, o recorrente sustenta que o jus variandi só é legalmente admissível se não houver modificação substancial da posição do trabalhador, ou havendo-a, que tenha natureza transitória; sendo a causa da sua colocação como agente da secção de perdidos e achados, a transferência das operações de voo de Lisboa para Madrid, por conveniência exclusiva da ré, tal transferência (com extinção do seu posto de trabalho em Lisboa), há-se considerar-se por culpa da ré. Na perspectiva do recorrente, são estes os factos constantes do primeiro parágrafo da carta que endereçou à ré, para rescindir o contrato de trabalho com justa causa, designadamente, com fundamento no uso abusivo do jus variandi, pelo que, ao abrigo da alínea b) do n.º 2 da cláusula 139.º do ACT em vigor, cuja referência alega ter omitido na referida carta, por lapso manifesto e irrelevante, tem direito à indemnização prevista na cláusula 136.º do mesmo ACT. 3.1. O contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por rescisão, com ou sem justa causa, por iniciativa do trabalhador, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 3.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, designado, abreviadamente, por LCCT, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem. O regime geral da cessação do contrato de trabalho configura duas modalidades de desvinculação por iniciativa do trabalhador: (i) a rescisão com aviso prévio, que permite ao trabalhador obter a cessação o contrato de trabalho, independentemente da invocação de motivo, contanto que avise a entidade patronal com uma certa antecedência (artigo 38.º); (ii) a rescisão com fundamento em justa causa, que respeita a situações anormais e particularmente graves em que deixa de ser exigível que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo, e, portanto, também pelo período fixado para o aviso prévio (artigos 34.º e 35.º). Segundo o artigo 34.º, ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato (n.º 1), devendo a desvinculação contratual com justa causa ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, dentro dos quinze dias subsequentes ao conhecimento desses factos (n.º 2), sendo apenas atendíveis para justificar judicialmente a rescisão os factos indicados na comunicação referida no número anterior (n.º 3). Por conseguinte, o trabalhador tem de indicar na carta de rescisão quais os factos que constituem justa causa, e só estes pode invocar, posteriormente, em acção judicial que intente contra a entidade patronal, com fundamento na referida rescisão do contrato. O n.º 1 do artigo 35.º estabelece que «[constituem justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador, os seguintes comportamentos da entidade empregadora: (a) falta culposa de pagamento pontual da retribuição na forma devida; (b) violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador; (c) aplicação de sanção abusiva; (d) falta culposa de condições de higiene e segurança no trabalho; (e) lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; (f) ofensas à integridade física, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei, praticadas pela entidade empregadora ou seus representantes legítimos.» Trata-se da chamada justa causa subjectiva. Consubstanciam ainda justa causa (agora, objectiva) de rescisão do contrato pelo trabalhador, conforme o estipulado no n.º 2 do artigo 35.º: «(a) a necessidade de cumprimento de obrigações legais incompatíveis com a continuação do serviço; (b) a alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes da entidade empregadora; (c) a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição do trabalhador.» O certo é, porém, que apenas a rescisão do contrato com fundamento nos factos prevenidos no n.º 1 do artigo 35.º confere ao trabalhador direito a uma indemnização, «calculada nos termos do n.º 3 do artigo 13.º» (artigo 36.º). Esses comportamentos, necessariamente culposos, pela sua gravidade e consequências, hão-de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Com efeito, embora o artigo 35.º não defina o conceito de justa causa, a doutrina e a jurisprudência têm considerado que o mesmo corresponde à ideia de impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, tal como é densificado em similar locução, empregue no âmbito do despedimento promovido pela entidade empregadora (n.º 1 do artigo 9.º). Por outro lado, nos termos do n.º 4 do artigo 35.º da LCCT, a justa causa será apreciada pelo tribunal em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 12.º da LCCT, com as necessárias adaptações, ou seja, deverá o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes. Refira-se, em derradeiro termo, que à relação laboral que vigorou entre as partes aplica-se o acordo colectivo de trabalho (ACT) celebrado entre empresas e agências de navegação aérea e o Sitava - Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 35, de 22 de Setembro de 1996, o qual é aplicável a todos os trabalhadores ainda que não inscritos naquele Sindicato, por força da Portaria de Extensão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 47, de 22 de Dezembro de 1996. A alínea b) do n.º 2 da respectiva cláusula 139.º estipula, tal como a alínea b) do n.º 1 do artigo 35.º da LCCT, que constitui justa causa de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador a «[violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador», e a alínea b) do n.º 3 da mesma cláusula prevê, tal como a alínea b) do n.º 2 do artigo 35.º da LCCT, que constitui justa causa de rescisão do contrato, «[a] alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes da entidade empregadora». O recorrente aponta a alínea b) do n.º 2 da antedita cláusula 139.º como uma das normas violadas pelo acórdão recorrido, disposição que, conforme já referido, acolhe preceito idêntico ao contido na alínea b) do n.º 1 do artigo 35.º da LCCT. 3.2. De harmonia com o explanado supra, um dos comportamentos previstos no n.º 1 do artigo 35.º da LCCT como integradores de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador consiste na «violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador» [alínea b)], sendo que uma das garantias legais do trabalhador é a de que, em princípio, deve exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado, garantia regulada no artigo 22.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT. O recorrente alega que o acórdão recorrido violou o disposto no n.º 2 do citado artigo 22.º, o qual, na redacção conferida pela Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, estatui que «[a] entidade patronal pode encarregar o trabalhador de desempenhar outras actividades para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à sua função normal, ainda que não compreendidas na definição da categoria respectiva»; por seu turno, o actual n.º 7 do mesmo artigo 22.º (anterior n.º 2) determina que, «[s]alvo estipulação em contrário, a entidade patronal pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o trabalhador de serviços não compreendidos no objecto do contrato, desde que tal mudança não implique diminuição na retribuição, nem modificação substancial da posição do trabalhador». 3.3. Revertendo ao caso em apreciação, recorde-se que o autor rescindiu o contrato de trabalho celebrado com a ré aduzindo os seguintes fundamentos: «Por sentença de 2/12/2002, transitada em julgado, no proc. 28/02 da 2.ª secção do 3.º Juízo de Trabalho de Lisboa, que movi contra a Varig, foi esta condenada a reconhecer-me a actual categoria de Sénior do Grupo III da carreira profissional ínsita no anexo II ao ACT publicado no BTE, n.º 35, de 22/09/96, a que corresponde o nível salarial 6, e a remunerar-me em conformidade, sendo a Varig absolvida do pedido à minha colocação no lugar correspondente à categoria profissional (grupo III) e isto por impossibilidade material, uma vez que as operações de voo e os procedimentos a ela inerentes foram transferidos de Lisboa para Madrid. Assim sendo, verifica-se a alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes da entidade patronal, o que constitui justa causa da rescisão do contrato pela minha parte, nos termos da cláusula 139.ª, n.º 3 b) do ACT, publicado no BTE n.º 35 de 22/09/96. E porque na verdade assim é, eu venho por este meio pôr termo ao contrato de trabalho que perdura entre nós desde 16/08/1971.» Afigura-se que, na carta que remeteu à ré empregadora, o trabalhador invocou apenas como facto fundamentador da rescisão do contrato, a absolvição da ré (em anterior processo) do pedido de colocação do autor em lugar correspondente à categoria profissional, por impossibilidade material (transferência das operações de voo de Lisboa para Madrid). Trata-se da alegação de uma situação objectiva, que não contém em si qualquer censura ao comportamento da ré, quanto à extinção das operações de voo em Lisboa e à concomitante transferência desses serviços para Madrid. Tal como se ponderou no acórdão recorrido, transcrevendo a sentença da primeira instância, «o A. [na carta de rescisão] não invocou nem descreveu qualquer comportamento culposo da R., nomeadamente o uso abusivo do jus variandi». Ora, nos termos do n.º 3 do artigo 34.º da LCCT, o trabalhador não pode vir invocar na acção judicial destinada a apreciar a ocorrência de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho fundamentos fácticos diferentes dos mencionados na carta de rescisão, sendo apenas atendíveis os factos indicados nessa comunicação. Assim, o facto invocado para a rescisão com justa causa, tal como o próprio autor reconhece na comunicação escrita dirigida à ré empregadora, configura uma alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes da entidade patronal, que constitui a justa causa objectiva de rescisão do contrato de trabalho, prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 35.º da LCCT, e, bem assim, na alínea b) do n.º 3 da cláusula 139.º do ACT aplicável. A referida alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes da entidade empregadora faculta ao trabalhador a rescisão do contrato de trabalho com justa causa, mas não lhe confere o direito a indemnização, como resulta da interpretação conjugada do disposto nos artigos 36.º e 35.º, n.º 1, da LCCT, já que o direito a uma indemnização pela rescisão do contrato de trabalho é condicionada pela verificação de justa causa constituída por um dos comportamentos da empregadora previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 35.º citado. Por conseguinte, não pode a ré ser condenada a pagar ao autor a pretendida indemnização por rescisão do contrato de trabalho. Improcedem, pois, as conclusões do recurso de revista. III Pelos fundamentos expostos, decide-se não tomar conhecimento da primeira questão enunciada e, quanto ao mais, negar a revista e confirmar o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga. Lisboa, 5 de Abril de 2006 Pinto Hespanhol Maria Laura Leonardo Sousa Peixoto |