Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | URBANO DIAS | ||
| Descritores: | CONTRATO DE MÚTUO CONVERSÃO DO NEGÓCIO | ||
| Nº do Documento: | SJ200702130000791 | ||
| Data do Acordão: | 02/13/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
| Sumário : | Sendo o contrato de mútuo um contrato real quod constitutionem, isto é, um contrato que só se completa com a entrega da coisa, e não tendo havido qualquer entrega, então tal "contrato" é nulo por falta de objecto, nos termos do art. 280º do CC. Embora nulo, o contrato sempre poderia ser convertido num outro, em homenagem ao princípio do favor negotii, desde que tivesse sido possível apurar a vontade conjectural ou hipotética das partes, como resulta do art. 293º do Código Civil. * * Sumário elaborado pelo Relator. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório "AA" intentou, no Tribunal Judicial de Santarém, acção ordinária contra BB, pedindo que se declare nula e de nenhum efeito a escritura pública exarada no dia 06/10/97, no Cartório Notarial de Coruche, na qual ela figura como mutuária e o R. como mutuante e, ainda, nulos e de nenhum efeito os contratos de mútuo de hipoteca aí consignados, ordenando-se o cancelamento do registo de hipoteca caso ele exista. Em suma, alegou que: - Celebrou com o R. a dita escritura pública, na qual consta que este lhe emprestou a quantia de 66.907.500$00; - Antes, em 28 de Setembro de 1983, celebrou com o R. um contrato de mútuo, através do qual este lhe emprestou 640.000$00, dos quais apenas lhe entregou 480.000$00, deduzindo o restante em pagamento de juros à cabeça; - Passado mais algum tempo, o R. entregou-lhe mais 40.000$00; - Não cumpriu o contrato de mútuo, o que motivou o R. a exigir-lhe letras e cheques alegando tratar-se de juros, os quais se multiplicavam sucessivamente e sem qualquer critério; - O R., invocando não lhe ter pago as importâncias em dívida, ameaçou-a com a instauração de uma acção, o que motivou a celebração da escritura supra referida. O R. contestou, defendendo serem verdadeiras as declarações constantes da escritura, acabando por pedir a sua absolvição. Houve réplica. Seguiu-se a elaboração do saneador, a selecção dos factos provados e a provar e, finalmente, o julgamento, após o que foi proferida sentença a julgar a acção procedente. Mediante recurso de apelação do R., a Relação de Évora confirmou o julgado. Ainda irresignado, o R. pede ora revista, tendo concluído a sua alegação com as seguintes conclusões: - Foi dado como provado que nem na data em que a A. e R. celebraram a escritura pública de mútuo com hipoteca no Cartório Notarial de Coruche, em 6/10/1997, nem posteriormente à mesma, o R. entregou à A., a titulo de empréstimo e esta recebeu daquele a quantia de 66.907.500$00. - Na escritura pública foi declarado que o R. emprestou à A. uma determinada quantia que esta declarou já ter recebido. - O que é declarado é que foi recebida uma quantia por empréstimo, sendo possível que esse recebimento não tenha sido efectuado fisicamente, mas sim apenas por conversão de dívidas anteriores. - Também ficou provado em resposta aos pontos 5° e 6° da B.I. que a A. foi entregando ao R. letras e cheques referentes a quantias monetárias não apuradas. Logo, está provada a existência de títulos de crédito emitidos pela A. a favor do R., cujo pagamento não foi concretizado até à data da celebração da escritura pública de mútuo. - Está finalmente provado que a A. declarou ter recebido do R. a referida quantia e declarou que constituía hipoteca de prédio a favor do R.. - Deste modo, julgamos que, apesar do negócio que foi celebrado, a que foi chamado mútuo, as partes quiseram celebrar outro negócio. - Reconhecimento de dívida. - Apesar de terem chamado ao negócio um mútuo, o que resulta da prova produzida é que na verdade as partes quiseram efectuar um negócio bilateral de reconhecimento de determinada quantia que era devida em que as partes acordaram o valor em dívida por parte da A. e a forma de pagamento por parte do R. - No fundo o que se pretendeu com a escritura foi obter um reconhecimento de dívida e uma garantia para o seu pagamento. - Nos termos dos arts. 292º e 293º, ambos do C. Civil, a nulidade do negócio não determina todo o negócio, podendo converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e forma, quando o fim prosseguido pelas partes permitam supor que elas o teriam querido. - Assim, o mútuo em causa deveria ter sido convertido num outro negócio, o supra referido reconhecimento de dívida. - Ora estando provado que houve entregas de títulos de crédito por parte da A. ao R. referentes a quantias monetárias, parece óbvio que o negócio que as partes quiseram celebrar não seria o contrato de mútuo, mas sim um reconhecimento de dívida, através da confissão da mesma. - Houve assim uma errada determinação do negócio por parte da A. e R., pois como atrás se referiu, o que se pretendeu foi obter um reconhecimento de existência de dívida, de forma bilateral e onde ficou determinado o seu montante e prazo de pagamento. - Não deveria pois ter sido declarado nulo e de nenhum efeito o mútuo em causa, mas sim declarada a conversão do mútuo noutro negócio - reconhecimento de dívida. - Não foram alegados quaisquer factos relativos a esta questão, por um lado, e, por outro, de todos os factos provados, nenhum faz referência a qualquer intenção de lesar terceiros, e muito menos o fisco. - Contudo e à cautela, e caso assim não seja entendido, ou seja, caso seja entendido que há simulação, a solução jurídica não pode ser a declaração de nenhum efeito do contrato de mútuo. - Na verdade, dispõe o art. 241º do Código Civil, que quando sobre o negócio jurídico exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado. - Por detrás do negócio de mútuo, existiu um outro, que consistiu no reconhecimento por parte da A. de uma dívida para com o R.. - Apesar de terem chamado ao negócio um mútuo, o que resulta da prova produzida é que na verdade as partes quiseram efectuar um negócio bilateral de reconhecimento de determinada quantia que era devida - em que as partes acordaram o valor em dívida por parte da A. e a forma de pagamento por parte do R.. - O que se pretendeu com a escritura foi obter um reconhecimento de dívida e uma garantia para o seu pagamento. |