Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | OLIVEIRA BARROS | ||
Descritores: | FALÊNCIA DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA NORMA IMPERATIVA NORMA DE INTERESSE E ORDEM PÚBLICA RENÚNCIA | ||
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Nº do Documento: | SJ200502170046627 | ||
Data do Acordão: | 02/17/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 81/04 | ||
Data: | 06/29/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
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Sumário : | I - O art. 63º CPEREF não integra norma de interesse e ordem pública. II - Os interesses de credores e garantes regulados na sua 2ª parte são interesses particulares, privados, individuais, de natureza patrimonial, âmbito ou domínio em que vale a regra da disponi- bilidade. III - Quando não enferme de vícios de outra ordem, é, por conseguinte, válida a renúncia por parte de co-obrigado ou terceiro garante ao direito conferido pela 2ª parte do art. 63º CPEREF, que não contem norma imperativa ou injuntiva (jus cogens ), mas sim meramente dispositiva (jus dispositivum ). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A "A" requereu a declaração da falência de B. Invocou para tanto responsabilidade do requerido no montante total de € 8.755.474,15, resultante da prestação de aval a favor dos Estaleiros C, de que era administrador, relativo às dívidas resultantes para estes de contratos de mútuo celebrados com a requerente, e a renúncia do mesmo ao direito decorrente do art. 63º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF). Distribuído esse processo ao 3º Juízo Cível da comarca de Aveiro, houve oposição, vindo, porém, a ser logo ordenado o seu arquivamento, nos termos do art. 25º, nº2º, 1ª parte, com fundamento na natureza imperativa do art. 63º e consequente irrelevância da renúncia do requerido ao benefício dele resultante arguida pela requerente, como assim não se mostrando preenchida a previsão do art. 3º, todos do CPEREF. A Relação de Coimbra negou provimento ao agravo que a A interpôs desse despacho. Deste modo vencida, aquela instituição de crédito pede agora revista dessa decisão (1). Em fecho da alegação respectiva, deduz as conclusões que seguem, delimitativas do âmbito ou objecto deste recurso (arts. 684º, nºs 2º a 4º, e 690º, nºs 1º e 3º, CPC ): 1ª - Em sentido próprio, normas injuntivas, também ditas imperativas, são, como ensinava Galvão Telles, as que - visam interesses gerais ou individuais muito fortes - e implicam uma - necessidade inderrogável - de acatamento. 2ª - Como sector particular destas normas, podem identificar-se as normas de interesse e ordem pública, caracterizadas, segundo Oliveira Ascensão, por - uma valoração, da qual resulte a identificação do interesse fundamental da comunidade -. 3ª - No art. 63º CPEREF não ocorre nenhuma das notas caracterizadoras de qualquer destas categorias de normas. 4ª - Bem pelo contrário, a valoração dos interesses em presença em função do regime fixado no preceito e a sua integração sistemática segundo o princípio que preside ao instituto da insolvência naquele Código justificam que lhe seja atribuída natureza dispositiva. 5ª - Por assim ser, o direito do garante de invocar a extinção ou a modificação da sua obrigação de garantia em termos equivalentes à do correspondente crédito quando o titular deste tenha aceitado ou aprovado uma providência de recuperação de que resulte algum desses efeitos não é irrenunciável. 6ª - Por outras palavras, essa renúncia não é nula, mas válida. Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir. A matéria de facto a ter em consideração é a fixada no acórdão sob recurso. Para ela se remete agora em obediência ao disposto nos arts. 713º, nº6º, e 726º CPC. A questão a resolver é apenas a de determinar se o benefício concedido aos terceiros garantes na 2ª parte do art. 63º CPEREF é, ou não, renunciável. Vem isso, de facto, a depender da natureza dessa norma: se, como julgado nas instâncias, for norma imperativa ou injuntiva (ius cogens) - caso em que, por definição, o regime ali estabelecido não pode ser afastado pela vontade das partes, está-se perante direito irrenunciável. Não assim se, relativa a direitos disponíveis, se tratar de norma meramente dispositiva (ius dispositivum ). Com a alegação da recorrente foi junta fotocópia de parecer do Professor Carvalho Fernandes, com a colaboração do Mestre João Labareda, neste último sentido (2) . Apesar de no despacho agravado se ter entendido que a disposição referida contem norma imperativa, logo, aliás, nesse mesmo despacho se admitiu a celebração de novo acordo com o avalista em que este assumisse uma nova responsabilidade - ou seja, a derrogação, afinal, por essa via, da solução do normativo supramencionado, de que a natureza considerada foi, aliás, então afirmada sem adiantar claramente formal ou substancial justificação para tanto. No seu - CPEREF Anotado -, 3ª ed. (reimp., 2000), 205, Carvalho Fernandes e João Labareda, citados no acórdão recorrido, depois de nas páginas anteriores referirem a história, a finalidade de justiça, e a ponderação de interessses subjacente a essa disposição legal, pronunciam-se no sentido de que nada impede o afastamento pelos interessados do regime estabelecido nesse preceito, bem que destinado a proteger os co-obrigados e terceiros garantes das dívidas da empresa a viabilizar. Após extensa transcrição dos arts. 62º e 63º CPEREF e das correspondentes observações daqueles anotadores, a Relação transcreve ainda trechos de ARP de 3/10/2000 e de 3/4/2001, CJ, XXV, 4º, 198, e XXVI, 2º, 199. Bem, no entanto, não se vê que aí se adiante seja o que for à solução da questão ora em apreço, acima enunciada. O acórdão em recurso concluiu, com a 1ª instância que, apesar da renúncia pelo garante ao benefício que para ele resulte do estabelecido no art. 63º CPEREF, o credor que vote favoravel mente uma medida de recuperação de empresa não pode exigir o cumprimento da obrigação a quem tenha prestado garantia disso mesmo sem respeitar o estabelecido naquela disposição legal. Não se crê que assim tenha que ser. Com efeito, como designadamente se faz notar no parecer mencionado (v.,nomeadamente, pág.18 - II e III a 22, daquele parecer, a fls.289 a 293 dos autos): - O art. 63º CPEREF não é uma norma de interesse e ordem pública. Não estão em causa interesses gerais, fundamentais, da comunidade. Os interesses de credores e garantes regulados na 2ª parte do art. 63º CPEREF são interesses particulares, privados, individuais, de natureza patrimonial, e, nesse âmbito ou domínio, a regra é a da sua disponibilidade. - O cabimento ou aplicação do regime estabelecido na parte final desse artigo, que atende aos interesses de terceiros, está na disponibilidade do credor, que pode não aceitar, nem aprovar a providência. Como assim, o interesse ali tutelado está na dependência da vontade do credor, que dispõe da faculdade potestativa de aprovar ou não a providência e decidir por esse modo sobre a garantia. Optando o credor, para não perder a garantia, pela não aceitação, nem aprovação da providência, e a dar-se por isso o caso de não se formar a maioria exigida pelo art. 54º, nº1º, seguir-se-ia a declaração da falência, por força do art.53º, ambos do CPEREF, com eventual prejuízo dos interesses do garante, a que pode convir entrar em acordo com o credor, que assegure, por um lado, em favor deste, a manutenção da garantia, e no interesse do garante, a aceitação ou aprovação da providência pelo credor garantido. - E tal assim em harmonia com a preferência manifestada no art. 1º, nº2º CPEREF pela recuperação da empresa em relação à falência, que surge nesse Código como ultima ratio, em termos tais que bem se pode afirmar ser a irrecuperabilidade da empresa pressuposto da falência. Em conclusão: o direito conferido ao garante pela 2ª parte do art. 63º CPEREF, norma dispositiva, não é irrenunciável. Quando não enferme de vícios de outra ordem, é, por conseguinte, válida a renúncia a esse direito por parte do seu titular (co-obrigado ou terceiro garante). Alcança-se, por conseguinte, a decisão que segue: Concede-se a revista. Revoga-se o acórdão ora em recurso, e, assim, a conforme decisão das instâncias. Ordena-se, em consequência, a substituição do despacho de arquivamento impugnado de modo a assegurar o regular prosseguimento do processo. Custas, tanto deste recurso, como do precedente agravo, pelo recorrido. Lisboa, 17 de Fevereiro de 2005 Oliveira Barros, Salvador da Costa, Ferreira de Sousa. ----------------------------- (1) E bem assim, em vista do disposto no art.721º, nºs 1º e 2º, CPC, dada, nomeadamente, a natureza substantiva do art. 63º CPEREF que neste recurso se dá por violado. Menos bem, pois, se alterou no despacho de recebimento a espécie do recurso indicada pela recorrente no requerimento da sua interposição. Todavia distribuído o recurso na espécie própria, só houve que alterar essa espécie, como se fez no despacho do relator a que alude o art. 701º, nº1º, CPC. (2) É lamentável faltarem na fotocópia junta as págs.9, 15 e 16 desse parecer, como se constata de fls. 282 e 283 e 287 e 288 dos autos. |