Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02S1412
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VITOR MESQUITA
Nº do Documento: SJ200301220014124
Data do Acordão: 01/22/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 655/00
Data: 01/21/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, em processo ordinário, em que é Autor o A e Réu o B, aquele interpôs recurso, de agravo, para este STJ, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21/01/2002 (fls. 478 a 483), que, negando provimento ao recurso dele A., confirmou a decisão da 1ª instância, que, julgando procedente a excepção de ilegitimidade do A., invocada pelo R., absolvera este da instância.

Tendo apresentado alegações formula as seguintes conclusões:
1ª - A decisão não respeita os limites e sentido do objecto do litígio (mormente no respeitante à relação jurídica controvertida tal como se encontra configurada pelo A.).
2ª - O regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias estende-se aos direitos fundamentais de natureza análoga, nomeadamente aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores consignados no cap. III do Título II (art. 17º da CRP).
3ª - A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18º, n. 2, da CRP).
4ª As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (art. 18º, n. 3 da CRP).
5ª - O acesso ao direito e aos tribunais é assegurado a todos "para defesa dos seus direitos e interesses legítimos " (art. 20º, n.º 1, da CRP).
6ª - Todos têm direito à sua identidade pessoal, capacidade civil, bom nome, reputação e imagem (art. 26º, n.º 1, da CRP).
7ª - Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal (art. 46º, n.º 1, da CRP).
8ª - As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas (art. 46º, n.º 2, da CRP).
9ª- Os trabalhadores possuem "a liberdade de contribuição de associações sindicais a todos os níveis" inserida no direito à sua liberdade sindical perante o Estado e o patronato, enquanto "condição e garantia da construção da sua, actividade, digo, unidade para defesa dos seus direitos e interesses "(art. 55º, ns.º 1 e 2, a), da CRP).
10ª - As associações sindicais são independentes do Estado e dispõem de autonomia "devendo a lei estabelecer as garantias adequadas dessa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras (art. 55º, n.º 4, da CRP).
11ª - A CRP, no seu art. 56º, define a competência das associações sindicais, enquanto tais, como sendo a de "defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem" e especifica caber-lhes em exclusivo o exercício do direito de contratação colectiva.
12ª - Por um lado, existe um direito de associação constitucionalmente protegido, e, por outro, há uma garantia igualmente constitucional da liberdade e auto-organização sindical de todos os trabalhadores, impedindo-se a sua restrição, mesmo que provisória, fora de certos casos excepcionais devidamente explicitados.
13ª - A lei ordinária não pode restringir ou regulamentar de modo restritivo estes direitos fundamentais de origem constitucional.
14ª - Existem simultaneamente um direito de livre associação internacionalmente protegido e uma garantia, igualmente como fonte de direito internacional aplicável em Portugal, de liberdade e auto-organização sindicais de todos os trabalhadores, impedindo-se a sua restrição, mesmo que provisória, fora de certos casos excepcionais devidamente explicitados e aqui não pertinentes.
15ª - A lei ordinária não pode restringir ou regulamentar de modo restritivo estes direitos fundamentais de origem constitucional e decorrentes do direito internacional geral nos termos do art. 8.º da CRP.
16ª - O nosso ordenamento jurídico, civil e processual civil, confere aos cidadãos um quadro de liberdade de associação que impede qualquer restrição que não decorra da lei e apenas admissível em certos casos-limite aqui não aplicáveis.
17ª - Antes ainda de uma associação ser sindical já possui, por si só, capacidade jurídica e judiciária para todos os direitos necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins, fazendo-os reconhecer em Juízo, prevenindo ou reparando a sua violação e obtendo a sua realização coerciva.
18ª - As associações sindicais, enquanto tais, terão que respeitar nos seus estatutos e actividade própria todos os limites fixados neste art. 55º da CRP, e, enquanto simples associações, terão que respeitar os resultados dos Capítulos I e II do Subtítulo I do Título II do C.Civil, especialmente os expressos no seu art. 158º-A, e nada mais.
19ª - O entendimento dado pela decisão recorrida ao art. 6º do CPT, bem como o próprio normativo em si, sofrem de múltipla ilegalidade e inconstitucionalidade, que terá de ser judicialmente declarada.
20ª - Mostram-se violados todos os preceitos de direito internacional acima citados ou transcritos (no corpo das alegações), bem como os arts. 2º, 3º, n.º 2, 8º, 9º, b), 12º, nsº. 1 e 2, 13º , n.º 1, 17º, 18º, n.º 2 e 3, 20º, n.º 1, 26º, n.º 1, 46º , nsº. 1 e 2, 55º, ns.º 1 a 6, e 56º da CRP, arts.67º e 160º, ns.º 1 e 2, do C.C., arts. 2º, n.º 2, 5º, n.º 2, 26º, n.º 1 a 3, do CPC, e artºs. 3º e 4º, a), do D.L. 215-B/75, de 30/4.
21ª - Estão em causa restrições legais e inconstitucionais à liberdade sindical e liberdade de associação sindical.
22ª - Todos os pedidos formulados na p.i. têm por base obrigação do R. face directamente ao A., enquanto credor obrigacional directo e próprio, sendo certo que a relação controvertida os tem como partes contratantes.
23ª - O direito ao exercício da negociação colectiva é um direito sindical do A., que não se confunde com o direito à negociação colectiva dos trabalhadores, tendo sido o IRC invocado pelo A. celebrado por este e pelo R., dela decorrendo os direitos e obrigações para ambas as partes trazidas a litígio.
24ª - Ambas as partes têm um interesse directo e imediato em demandar e contradizer e não estão directamente em causa interesses de terceiros.
25ª - O A. pretende, além do mais, defender os seus direitos de personalidade enquanto pessoa colectiva e associação sindical ilicitamente atingidas pelo comportamento do R.
26ª - Não se pretende interpretar ou anular qualquer cláusula de qualquer convenção colectiva de trabalho aplicável.
27ª - A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção (art. 2º n.º 2, do CPC).
28ª - Inexiste qualquer litisconsórcio necessário, nem se conhece a invocação de qualquer dispositivo legal que o fundamente.
29ª - A decisão recorrida violou, assim, os preceitos invocados na p.i., bem como os utilizados como fundamento pela decisão recorrida.
30ª - O acórdão sob recurso deve ser revogado e substituído por outro que desde já dê por procedente e provada a acção, ou que dê seguimento aos autos nos termos dos art. 59º e segs. do CPT.

O recorrido apresentou contra-alegações, nelas salientando "ainda que se entendesse que o A tinha legitimidade para ser parte nesta acção como autor, mesmo em relação aos pedidos que dizem respeito aos trabalhadores seus filiados, mesmo assim, porque o caso sempre seria de litisconsórcio necessário, era indispensável que a acção tivesse sido instaurada não só pelo referido A, mas também por todos os trabalhadores nele associados", pelo que, estando o recorrente desacompanhado, como está, dos seus associados, que, como trabalhadores abrangidos pelo ACTV subscrito pelo recorrente teriam legitimidade para instaurar uma acção em que fosse pedida a condenação do R. na aplicação das cláusulas 18º e 19º do referido ACTV e no pagamento das respectivas diferenças salariais. O recorrente é parte ilegítima na presente acção, tendo, por isso, " o M.mo Juiz "a quo" e o douto acórdão do TRP decidido correctamente a excepção de ilegitimidade que foi deduzida".

O Exmo Procurador-Geral Adjunto emite "parecer" no sentido de que "o recurso do A será merecedor de parcial provimento, declarando-se que o A. tem legitimidade para deduzir os pedidos que formulou nos autos e que o processo deve prosseguir os seus termos".

Colhidos os "vistos" legais cumpre apreciar e decidir.
A questão fulcral que se coloca no presente recurso é a de saber se o A., goza de legitimidade para intentar esta acção declarativa, de condenação, em processo ordinário, contra C (entretanto extinto, já que, através de escritura pública lavrada, em 23/6/2000, nº 1º Cartório Notarial de Lisboa, operou-se a fusão, por incorporação, no B, que assumiu a posição de R. no processo).

"Não obstante tratar-se de um pressuposto processual" a decisão da 1ª instância considerou assente, para efeitos de tal questão, a seguinte factualidade, que foi aceite e mantida pelo acórdão do TR do Porto:
1. - O A. é uma associação sindical que, tendo sido constituída na primeira metade deste século, se encontra actualmente ao abrigo do regime estatuído pelo DL 215-B/75, de 30/4, com última revisão dos respectivos estatutos publicada no BTE, 3ª série, n.º 18, de 30/9/91.
2. - O seu âmbito geográfico estende-se aos distritos de Aveiro, Braga, Bragança, Porto, Viana do Castelo e Vila Real, área em que representa todos os trabalhadores das instituições de crédito, parabancárias e similares que nele se filiem.
3. - Actualmente encontram-se nele inscritos 18645 associados.
4. - O R. exerce o comércio bancário e é uma das maiores e mais antigas instituições de crédito do país.
5. - Mantém vários milhares de trabalhadores nos seus quadros de pessoal (para além dos reformados que continuam a ele previdencialmente ligados em razão dos direitos sociais do IRC do sector), sendo cerca de metade do seu total pertencente ao âmbito geográfico do A. e associada deste.
6. - O A. negociou e outorgou todas as convenções colectivas de trabalho que, desde 1938 vigoraram no sector bancário na dita área geográfica (e, em regra, no país, por serem convenções de âmbito nacional).
7. - Em 1974 o R. esteve representado nessas negociações e outorgas pelo Grémio Nacional dos Bancos e Casas Bancárias.
8. - Extinto este Grémio (cfr. DL 296/75, de 19/6), o R. passou a participar directamente nas negociações e nas outorgas de todas as convenções do sector bancário posteriores àquela data.
9. - A última revisão global dessa convenção, o ACTV para o sector bancário português, negociado por A. e R., entre outros, encontra-se publicado no BTE, 1ª série, n.º 31, de 22/8/90.
10. - Houve posteriormente alterações parciais daquele ACTV, sempre negociadas e outorgadas por A. e R..
11. - Em 1997 foi publicada uma última revisão, de âmbito meramente salarial.
12. - Mas, pela 1.ª vez, na história da negociação colectiva do sector bancário português, o R., embora tenha participado directamente nas negociações, não outorgou o acordo final da revisão.

Tendo a presente acção sido instaurada em 03/5/99, são-lhe aplicáveis as disposições do CPT aprovado pelo DL 272-A/81, de 30 de Setembro, que entrou em vigor a 01/01/82 (art. 3º daquele decreto), já que o CPT aprovado pelo DL 480/99, de 9 de Novembro, apenas entrou em vigor a 01 Janeiro 2000 (artº3º deste decreto).
Esta constatação não é, aliás, posta em causa pelas partes.
As instâncias entenderam que o A. era parte ilegítima, à luz do disposto no art. 6º do CPT/81, e sendo chamada a pronunciar-se sobre a constitucionalidade daquele normativo o TR Porto, no seu acórdão recorrido, considerou que o mesmo não era inconstitucional, nomeadamente na "interpretação dada na decisão recorrida".
A dilucidação da questão em apreço passa, também, obviamente, pela verificação dos pedidos formulados pelo A. na presente acção.
O A. pede que o R. seja condenado a:
a) - reconhecer a eficácia e plena aplicabilidade às suas relações laborais de todos os preceitos contidos no clausulado do ACTV para o Sector Bancário (identificado nos arts. 9º a 14º da p.i.) no referente aos seus trabalhadores abrangidos pelo âmbito daquele IRC e da citada PE (art.13º da p.i.);
b) - aceitar dar cumprimento imediato a tais preceitos e nomeadamente aos constantes:
b1 - das cláusulas 18º e 19º, procedendo às promoções obrigatórias por antiguidade e às promoções obrigatórias por mérito, e pagando as correspondentes contribuições, no montante que se liquidar em execução de sentença, com efeitos a partir de Janeiro de 1998, em relação a todos os trabalhadores que reúnam as condições previstas nessas cláusulas;
b2 - da cláusula 27ª, pagando aos seus trabalhadores, que são representantes sindicais, a totalidade das retribuições relativas a todo o tempo gasto no exercício de funções sindicais, ao abrigo daquela cláusula 27ª, com efeitos a partir de Setembro de 1998, no caso e na medida em que não tenham já recebido do A., no montante que se liquidar em execução de sentença;
b3 - da cláusula 144ª, pagando ao A. as contribuições obrigatórias para o respectivo SAMS, que, em consequência do incumprimento das cláusulas referidas em b1 e b2, se encontrem em dívida, bem como as contribuições em falta supra referidas nos arts. 44º a 46º, tudo nos montantes que se liquidarem em execução da sentença;
c) - pagar directamente ao A. (sem prejuízo do peticionado acima em b2 o valor das retribuições não pagas pela R. supra referidas no artº 34, que aquele já liquidou nesta data (no valor de 6.334.358$00) ou venha a liquidar no futuro aos respectivos representantes sindicais, no montante que se apurar em execução de sentença;
d) - pagar ao A. uma indemnização por danos não patrimoniais não inferior a 50000000$00.
e) - pagar juros moratórios sobre as prestações pecuniárias acabadas de peticionar, calculados à taxa legal, e desde a data do vencimento de cada prestação em falta, até ao seu respectivo pagamento, com excepção do pedido da alínea d), cujos juros devam ser contados apenas a partir da citação.

Dispõe o n.º 1 do artº 6º do CPT (1981) que os organismos sindicais são parte legítima como autores nas acções respeitantes aos interesses colectivos cuja tutela lhes esteja atribuída por lei.
De harmonia com este preceito, e como, aliás, é assinalado na decisão da 1.ª instância, a legitimidade dos organismos sindicais (como o A.) depende da verificação de dois requisitos: 1º - estarem em causa "interesses colectivos" (respeitantes aos trabalhadores); 2º - a tutela (desses interesses) lhes estar atribuída por lei.
A decisão da 1.ª instância, acompanhando de perto o Ac. do STJ. de 24/2/99 (B.M.J. 484º, 237 a segs.), que se reporta a um caso idêntico - legitimidade de um sindicato para pedir o reconhecimento dum direito à aplicação de um AE a trabalhadores que representa - entendeu que no caso "sub-judice" ocorria o primeiro requisito, mas já não o segundo.
Considerou-se, na verdade, "essa sintonia com o aresto do STJ de 24/2/99..." que "ocorra no caso em apreço o primeiro dos requisitos previstos no aludido art. 6º, nº1, do CPT (estarem em causa interesses colectivos)", acentuando-se que embora "cada um dos trabalhadores representados pelo A., nos presentes autos, mantenha o respectivo interesse individual na aplicação pelo R. das cláusulas do A.C.T.V., na sua totalidade, até pelos benefícios daí decorrentes no tocante ao seu "status" na relação jurídico-laboral, é manifesto que se está perante um interesse colectivo, considerando que essa pluralidade de trabalhadores ao serviço do R. se encontram unidos pelo mesmo e pertinente interesse de ver aplicadas na totalidade as cláusulas do ACTV que lhes outorgam inegáveis vantagens sócio-profissionais, e que a generalidade das instituições de crédito cumpre, mas que o demandado, anteriormente cumpridor, ora omite".
Entendeu-se, todavia, que não se verificava o segundo requisito, já que não podia deixar-se de dar à expressão "cuja tutela lhes esteja atribuída por lei" o devido sentido, "que é o de implicar norma que expressamente - explicita ou implicitamente - atribua aos organismos sindicais responsabilidades, ou seja deveres de protecção "tutela" de determinados direitos e interesses dos trabalhadores, naturalmente os mais significativos", sendo certo que não existe norma que atribua tal tutela ao A., designadamente os preceitos invocados por este, ou seja, os arts. 20º, n.º 1, n.º 1, 55º, n.º 2, a) e c), 56º, ns.º 1 e 3, da CRP, arts. 5º a 6º da C. Social Europeia, 160, n.º 1, do C.C., art. 2º, n.º 2 do CPC, e art. 6º do CPT.

O acórdão do TR Porto, de 03/7/2000 (fls. 321 a 324) negou provimento ao recurso do A., nos termos do art. 713, n. 5, do CPC, remetendo para os fundamentos da decisão recorrida.

Não se conformando com esta decisão o A. dela interpôs recurso para este STJ que, por acórdão de 24/10/2001 (fls. 466 a 471), julgou procedente a arguida nulidade prevista na alínea d), do n. 1, do art. 668º, do CPC (omissão de pronúncia sobre questão posta no recurso e de que o acórdão (da Relação) devia conhecer"), ordenando a baixa do processo ao Tribunal da Relação, para que proceda à reforma do acórdão nos termos do disposto no art. 731º, n.º 2, do CPC.

Baixando os autos ao TR Porto, este veio conhecer da referida nulidade, que julgou improcedente (acórdão de fls. 478 a 483) (a referida nulidade), entendendo não ser inconstitucional a interpretação dada na decisão recorrida ao art. 6º do CPT, bem como este próprio normativo, pelo que, reiterando a anterior decisão, negou provimento ao recurso do A.
É deste acórdão, como já se deixou dito, inicialmente, que vem interposto o presente recurso de agravo do A.

Como se alcança dos diversos pedidos formulados o A. não se limitou a solicitar a condenação do R. a respeitar e satisfazer "interesses colectivos", contemplados em a), b1, b2 e b3 (parte).
Pediu também que o R. fosse condenado a pagar-lhe, a ele próprio, importâncias resultantes de abonos por ele efectuados aos trabalhadores que exercem cargos sindicais, nas quais se considera subrogado, de contribuições obrigatórias para o SAMS relativas aos trabalhadores do R., que este não lhe entregou, bem como de danos morais, que alega ter sofrido em consequência da actuação do R. (vide pedidos constantes de b3 (parte), c) e d)).
Embora o art. 6º do CPT constitua uma norma especial, não se vislumbra que relativamente a estes últimos pedidos possa questionar-se a legitimidade da A., face ao disposto no art. 26º do CPC (redacção actual introduzida pelo D.L. 329 A/95, de 12 de Dezembro), sobretudo o seu n.º 3.
Segundo este... são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pela A.
Tendo em atenção a alegação produzida na p.i., nomeadamente a constante dos artigos 27º, 28º e 47º, o A. terá de ser considerada parte legítima relativamente a tais pedidos.

No tocante aos restantes pedidos, atinentes aos chamados "interesses colectivos", importa indagar da relevância que, assume a expressão "cuja tutela lhes esteja atribuída por lei."
Dispõe o n.º 1 do art. 56º da CRP que compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam , e o seu n.º 3 estipula que lhes compete também exercer o direito de contratação colectiva, que é garantido nos termos da lei.
Estabelece, por sua vez, o art. 18º da CRP:
1. - Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas.
2. - A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. - As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
À luz destes preceitos constitucionais a aludida expressão "cuja tutela lhes esteja atribuída por lei" não poderá ser entendida como restritiva do princípio consagrado no n.º 1 do art. 56º da CRP.
Este princípio encontrava, aliás, já plena expressão no art. 4º do Dec-Lei 215-B/75, de 30 de Abril - este diploma define as bases do ordenamento jurídico das associações sindicais - o qual assinala que compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses sócio-profissionais dos trabalhadores que representam.
No seu douto"parecer" o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto opina que as dificuldades de interpretação poderão ser superadas se se atender ao alcance de tal expressão em articulação com o conceito de "representação" constante deste artigo 4º do D.L. 215-B/75.
" A pré-vigência deste em relação ao CPT/81 não permitiria ao legislador do DL 272-A/81, de 30/9, deixar de estabelecer uma restrição à legitimidade dos organismos sindicais para intervirem como autores nas acções respeitantes a interesses colectivos se pretendesse que essa legitimidade existisse apenas quando os organismos sindicais "representassem" os trabalhadores: pois, se não tivesse previsto nenhuma restrição à 1.ª parte do n.º 1, do art. 6º do CPT, o que sucederia era que ficava atribuída legitimidade a qualquer dos organismos sindicais para a defesa de todos os interesses colectivos, mesmo aqueles que respeitassem aos grupo sócio profissionais que não forem representados pela Associação que viesse a Juízo, o que não fazia sentido, como referem G. Ganotilho e V. Moreira (CRP Anotada, 3.ª Ed., 306, nota III). "E acrescenta" essa terá sido, a nosso ver, a intenção do D.L. 272-A/81 de 30/9, ao incluir no art. 6º, n.º 1, do CPT, "cuja tutela lhes esteja atribuída por lei "e não a de restringir a legitimidade das associações sindicais para além do previsto no art. 56º, n.º 1, da CRP, o que não lhe era lícito fazer".
Cumpre ainda salientar que o T.Constitucional tem vindo a pronunciar-se no sentido de que o n.º 1 do art. 56º da CRP ao reconhecer às associações sindicais competência para defenderem os direitos e interesses dos trabalhadores que representam não restringe tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores, supõe que ela se exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais (vide ACS. 75/85, ACS. do T.C., 5º Vol., 200, e 118/97, de 19/2/97, D.R. I Série-A, de 24/4/97, e 160/99, Proc. 197/98, de 10/3/99).
Conhecidas as dificuldades de interpretação do n.º 1 do art. 6º de CPT/81, e face à posição que vem assumindo o T.C., considerando inconstitucionais alguns preceitos legais, por violação do disposto no n.º4 do art. 56º da CRP, não será por mero acaso que o n.º 1 do art. 5º do actual CPT (2000) tem a seguinte redacção: "as associações sindicais e patronais são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam".
De todo o exposto resulta não poder ser acolhida a tese das instâncias, ao defenderem a ilegitimidade do A. para a presente acção.
O segmento da parte final do n.º 1 do art. 6º do CPT/81, de harmonia com a interpretação dada pelas instâncias, seria inconstitucional, por violador do disposto no n.º 1 do art. 56º da CRP, mas não na ora perfilhada.
O A. é parte legítima.
Procedem as conclusões das alegações do recorrente.
Termos em que se decide conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido, e determinando-se que os autos prossigam sua regular tramitação.
Custas pelo recorrido.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2003.
Vitor Mesquita,
Emérico Soares,
Ferreira Neto.