Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
29/09.3YFLSB
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
PERFEIÇÃO
REMUNERAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO
CONTRATO DE MANDATO
SOLICITADOR
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
ONÚS A CARGO DO RECORRENTE
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
I) - Não se exige que o recorrente que impugna o julgamento da matéria de facto no recurso de apelação, reproduza nas conclusões das alegações, tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art. 690º-A do Código de Processo Civil, o que tornaria as conclusões, as mais das vezes, não numa síntese, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara no corpo alegatório.

II) – Tal consideração não dispensa o recorrente de fazer alusão nas conclusões das alegações a tal questão, mais não seja pela resumida indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados, de modo a que ao ler as conclusões resulte inquestionável que o recorrente pretende impugnar o julgamento da matéria de facto.

III) – Para que se possa considerar ter sido celebrado contrato de mediação imobiliária, importa que exista uma relação jurídico-contratual de natureza civil ou comercial, através da qual o mediador tenha sido, expressa ou tacitamente incumbido pelo comitente de obter interessado para a celebração de um negócio.

IV) O comitente só fica constituído na obrigação de remunerar o mediador se o negócio tido em vista pelo incumbente for concretizado em virtude da actividade do mediador, ou seja, a obrigação de meios que lhe incumbe há-de desembocar no resultado pretendido – a celebração do negócio para que foi mandatado o mediador – sob pena de se considerar que o contrato não almejou a perfeição e, não surtindo efeito útil a actividade do mediador – o risco, a álea negocial – não há lugar à remuneração (comissão), nem ao pagamento de despesas se o contrato for celebrado pelo incumbente com terceiro, que não se interessou pelo negócio por causa da actuação do mediador.

V) Sendo a actividade do mediador a da mera prática de actos materiais não se pode considerar que tenha existido, no contexto do acordo visando a obtenção de comprador, a prática pelo Autor, solicitador de profissão, da prática de actos compreendidos num contrato de mandato, já que este supõe a prática de um ou mais actos jurídicos por contra de outrem – art. 1157º do Código Civil.

VI) – Existe incompatibilidade legal entre a actividade de mediação imobiliária e a profissão de solicitador.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA instaurou, em 16.11.2001, na comarca de Castro Daire, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra:

BB, e;

CC.

Pedindo a condenação destes a pagar-lhe, conjuntamente, a quantia de 4 045 142$00, acrescida de juros de mora, vencidos, desde que os RR. foram citados na acção sumária no 24/91, que correu termos naquele Tribunal de Castro Daire, bem como de juros vincendos até integral pagamento.

Fundamentando tal pretensão, alegou, muito em resumo, factos demonstrativos de que tem direito à peticionada quantia, a título de comissão que lhe é devida por, a pedido dos RR., ter mediado um contrato de compra e venda dum seu prédio urbano, cujo preço foi de 40 000 000$00, tendo, por via disso, despendido a quantia de 45 142$00.

Na contestação, pugnaram os RR. pela improcedência da acção, por ocorrência da excepção de caso julgado quanto à peticionada quantia de 45 142$00, e por inverificação, no demais, da factualidade correspondentemente, aduzida pelo Autor, já que a sobredita venda não foi, por qualquer modo, consequência de qualquer actividade de mediação evada a cabo pelo Autor.

Pediram os RR. a condenação do Autor, em multa e indemnização, como litigante de má fé, devendo aquela ser do montante de 700 000$00.

Na réplica, arredou o Autor a factualidade alegada pelos RR., em sede exceptiva e de impugnação, pedindo, por seu turno, a condenação destes, por litigância de má fé, em multa e indemnização a seu favor, a fixar segundo o livre arbítrio do Tribunal.

Foi proferido despacho saneador, onde, além do mais, foi julgada improcedente a excepção de caso julgado, com enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória (B.I.).
***

A final, veio a ser proferida (em 8.4.2008) sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu os RR. do pedido.
***

Inconformado, apelou o Autor para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 20.10.2008 – fls. 393 s 398 – julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença apelada.
***

O Autor, de novo inconformado, recorreu para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1) - O Autor/Recorrente exerce, há longos anos, a profissão de solicitador, com escritórios em Viseu e Castro Daire, nunca tendo exercido a de mediador imobiliário;

2) - No âmbito dessa sua profissão, foi procurado pelos RR./Recorridos, para que lhe prestasse diversos serviços, tendo como objecto o prédio em causa, incluindo a propositura de acções de despejo contra arrendatários, com vista à sua venda, da qual também foi encarregado, no quadro do mandato global que lhe foi outorgado pelos RR./Recorridos;

3) - O prédio, propriedade dos RR./Recorridos, foi vendido por estes, à revelia do Autor, após este, repete-se, no cumprimento do mandato forense que por aqueles lhe foi outorgado, ter procedido a diversas diligências, com vista à referida venda, como resulta da factualidade provada nos autos;

4) - O Autor efectuou despesas, directas e necessariamente resultantes das referidas diligências, as quais se encontram quantificadas e provadas nos autos;

5) - Autor e RR. convencionaram que os honorários seriam pagos pelos RR., a final, tendo em conta, no seu cálculo, também, o valor pelo qual o prédio foi vendido;

6) - Razão pela qual intentou a presente acção de honorários;

7) - Acção esta julgada improcedente, nos termos da douta sentença recorrida, a qual foi sufragada em sede de recurso, através do douto acórdão ora recorrido,

8) - A apelação da douta sentença recorrida incidiu sobre a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto e da decisão sobre o mérito da acção, propriamente dito;

9) - O douto acórdão recorrido rejeitou a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, escudando-se no facto de as conclusões da respectiva alegação de recurso não contemplarem a menção concreta dos pontos a reapreciar;

10) - Contudo, a alegação em causa, no seu corpo, identificou exaustivamente e de acordo com a lei adjectiva aplicável (690º-A do Código de Processo Civil), os concretos pontos a reavaliar, face às correspondentes provas produzidas em sede de audiência de julgamento;

11) - Reapreciação esta que, a ser realizada, poderia trazer outra luz à questão do mérito da acção;

12) - Todavia, com o devido respeito, mais uma situação em que o formal pretere o material;

13) - No que se refere à questão do mérito da acção, o douto acórdão recorrido sufraga o teor da douta sentença recorrida, considerando estarmos perante uma mediação imobiliária, aplicando ao caso vertente o disposto no DL 43 767, de 30.06.61;

14) - O enquadramento da presente questão de direito no âmbito da suposta existência de um contrato de mediação imobiliária entre Autor e RR, é subjectiva e objectivamente abusivo e desajustado, carecendo de fundamento legal;

15) - Entre Autor e RR. existiu uma relação de mandato forense, que aquele cumpriu escrupulosamente, gastando tempo e recursos do seu escritório de solicitadoria, fazendo despesas inclusivamente, tendo sido inexplicavelmente ultrapassado por estes no tratamento dos assuntos, por causa que lhe não pode ser imputável;

16) - Ao Autor assiste o direito de cobrar honorários pelo trabalho efectuado e de ser ressarcido das respectivas despesas;

17) - A douta sentença e o douto acórdão recorridos violaram o disposto no DL 43.767, de 30/06/61 e art. 1167º do Código Civil.

18) - O douto acórdão recorrido violou, ainda, o disposto no art. 690º-A do Código de Processo Civil.

Deve o presente recurso obter provimento, determinando-se a revogação da douta sentença e do douto acórdão recorridos, condenando-se os Réus:

- a pagarem ao Autor as despesas que este efectuou por causa dos serviços prestados, devidamente quantificadas nos autos, em montante devidamente actualizado segundo os índices de inflação anualmente publicados pelo INE e;

- a pagarem ao Autor a título de honorários o montante constante do pedido, acrescido dos respectivos juros legais.

Os RR. não contra-alegaram.
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que as instâncias consideraram provados os seguintes factos:

a) - Na acção ordinária n°207/95, que correu termos no Tribunal de Círculo de Lamego, em que o Autor era o dos presentes autos e RR. os que aqui também revestem essa qualidade, foi decidido que, na parte atinente ao pedido decorrente do contrato de mediação alegado nos arts. 15° e segs. da petição inicial, não seria o mesmo apreciado e decidido nesta acção, o que significou que era preferível que tal pedido fosse apreciado em separado noutro processo.
Nessa sequência, foi decidido nessa acção “que quanto ao pedido fundado no contrato de mediação celebrado entre A. e RR. se consideram os últimos absolvidos da instância, face ao que se decidiu no saneador” – (A);

b) - O Autor exerce a profissão de solicitador, tendo escritórios na Vila de Castro Daire, na Rua ...., nº... e na Cidade de Viseu, na Av. ...., n°..., ...° Esq. – (B);

c) - É portador do cartão profissional de solicitador, o qual tem a inscrição n°662, de 3 de Novembro de 1976 – (C);

d) - BB e CC foram habilitados como únicos e universais herdeiros de DD – (D);

e) - Por escritura lavrada em 17 de Janeiro de 1991, no Cartório Notarial de S. Pedro do Sul, compareceu como lº outorgante EE, na qualidade de procurador de DD; FF e CC e como 2° outorgante GG, na qualidade de procurador de HH, tendo o primeiro declarado vender pelo preço de quarenta mil contos já recebidos o prédio urbano composto por três andares e lojas, situado na Av. ..., n°s ... a ..., na vila, freguesia e concelho de Castro Daire, com a superfície coberta de cento e cinquenta e três metros quadrados e dependências com trinta e cinco metros quadrados, a confrontar do Norte com estrada, do Nascente com II; do Sul com caminho e do Poente com JJ, inscrito na matriz sob o artigo mil duzentos e trinta, com o valor patrimonial de sete milhões cento e oitenta mil e cinquenta e seis escudos, omisso no registo predial. Pelo segundo outorgante foi declarado aceitar a venda – (E);

f) – Autor e RR. acordaram em que o primeiro diligenciasse no sentido de proceder à venda do edifício composto por “uma casa de três andares e lojas, sita na Estrada Nacional, nesta vila de Castro Daire; que confronta a Nascente com Estrada Nacional 2, Poente com Caminho, Norte com Herdeiros de JJ e Sul com Reinaldo da Silva Oliveira; inscrito na matriz urbana sob o artigo 1230, com a área de 188 m2” – (1°);

g) - O Autor encetou diligências, pelo menos, junto de um interessado na sua compra – (2°);

h) - Nesse âmbito, o Autor efectuou despesas, designadamente com telefonemas e correspondência, de valor não apurado – (3°);

i) - Quem representava, em Portugal, os RR. era LL – (4º);

j) - Que era quem dava instruções ao Autor dos preços por que os RR. pretendiam vender o prédio – (5°);

k) - Instruções essas que lhe eram ditadas pelos RR. - (6°);

l) - A primeira oferta que lhe foi feita para a compra do aludido prédio foi de 8.000.000$00 – (7°);

m) - Essa oferta foi feita por MM – (8°);

n) - Tendo depois subido essa oferta para 12.000.000$00 – (9°);

o) - MM chegou a oferecer 20.0000.000$00 – (14° e 15°);

p) - O Autor deu conhecimento da oferta mencionada na al. o) a FF – (16°);

q) - Em data não apurada mas anterior à outorga da escritura pública referida na al. e), o Autor tomou conhecimento que o prédio a que se refere a al. f) estava prometido vender a HH pelo preço de 40.000 contos – (23°).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações que se afere do objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se o Acórdão recorrido violou a lei ao não apreciar a matéria de facto;

- qual a relação jurídico-contratual estabelecida entre o Autor e os RR. e se houve incumprimento dela por parte dos RR.

Vejamos:

Começa o recorrente por discordar da decisão da Relação pelo facto de não ter reapreciado a matéria de facto.

O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, tem por competência o julgamento de direito e só excepcionalmente pode conhecer da matéria de facto – arts. 722º, nº2, e 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Como ensina Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil” – pág. 217:
“Tanto na apreciação do recurso de revista como no de agravo, o STJ só conhece de questões de direito (art. 26° da LOFTJ).
Não controla a matéria de facto nem revoga por erro no seu apuramento; compete-lhe antes fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de primeira e segunda instâncias (arts. 722°, nº2, 729°, nºs l e 2, e 755°, nº2).
Daí dizer-se que o STJ é um tribunal de revista e não um tribunal de 3ª instância (art. 210°, nº5 da C.R.P.)”.

Quanto ao erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, não pode este Supremo Tribunal – que só decide, em regra, questões de direito – apreciar tal matéria, por não poder ser objecto do recurso de revista.

Assiste, no entanto, competência ao Supremo Tribunal de Justiça para apreciar do bem ou mal fundado da utilização pela Relação dos poderes de que dispõe quanto à alteração e/ou modificação da matéria de facto, tendo por base a aplicação das als. a), b) e c) do nº1 do art. 712º do Código de Processo Civil. – Ac. deste STJ, de 19.2.2004, Proc. 04B101, in www.dgsi.pt.

Decorre do art. 690º-A do Código de Processo Civil que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição do recurso, não só os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, como os concretos meios de prova constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão diversa sobre a matéria de facto impugnada.

No caso de os meios de prova invocados para aquele efeito, terem sido gravados, incumbirá ainda ao recorrente, também sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do n.º 2 do art. 522º-C do Código de Processo Civil.

O recorrente, como se vê de fls. 374 e 375 das alegações da apelação, deu cumprimento ao regime legal enunciado, pretendendo a reapreciação da resposta ao ponto 3º da B.I., entendendo que deveria ter merecido resposta plenamente positiva, indicando o nome das testemunhas e apontando onde se localizavam os depoimentos dessas testemunhas que identificou.

É certo que, nas conclusões das alegações para a Relação, não fez a mais leve referência a essa questão da reapreciação da prova como constituindo objecto do recurso; em parte alguma das conclusões dá a conhecer que pretendia que a Relação reapreciasse a matéria de facto, fê-lo, apenas e tão só, no corpo alegatório.

O Acórdão recorrido – a fls. 399 – considerou que nas conclusões das alegações o recorrente não deu cumprimento àquele ónus previsto no art. 690º-A do Código de Processo Civil, e, por isso, não apreciou a matéria de facto, não procedendo à audição dos indicados depoimentos.

Nas alegações, o recorrente expressa os fundamentos da sua discordância acerca do julgamento de facto ou de direito que deverá resumir nas conclusões, de modo a que o tribunal “ad quem” saiba, de forma precisa, os motivos da discordância – o objecto do recurso – arts. 690º, nºs, 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Como ensina o Conselheiro Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 7ª Ed., págs. 172 e 173:

“Expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
As conclusões são “proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” – Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 359.

Não se exige que o recorrente, nas conclusões, reproduza o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art. 690º-A do Código de Processo Civil o que tornaria as conclusões, as mais das vezes, não numa síntese, mas uma complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara no corpo alegatório.

Mas esta consideração não dispensa o recorrente de fazer alusão àquela questão que pretende ver apreciada, mais não seja pela resumida indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados, de modo a que ao ler as conclusões das alegações resulte inquestionável que o recorrente pretende impugnar o julgamento da matéria de facto.

Ora, no caso em apreço, o recorrente silencia nas conclusões qualquer referência àquela questão.

A leitura das conclusões deve informar o julgador das questões sobre que versa o recurso, pelo que, a completa omissão acerca da impugnação da matéria de facto preclude o conhecimento dessa questão que não foi insinuada nas conclusões, nem que fosse pela mera indicação das normas violadas, o que, além de cumprir a exigência legal, reportaria o tribunal de recurso às alegações, para conhecer os fundamentos da discordância.

Nesta perspectiva entendemos que a Relação não violou a lei processual ao não apreciar a prova produzida.

Vejamos a questão substantiva que o recorrente coloca.

Imporá dizer que, na complexa e prolongada litigância que opõe o Autor/recorrente aos RR., a questão que insanavelmente os divide consiste em saber qual a relação jurídica que se estabeleceu entre eles.

O Autor – isso é ponto comum às acções que intentou – afirmou sempre o facto de ser solicitador de profissão e ter prestado serviços profissionais aos RR..

Primeiro, intentando acções de despejo de imóveis de que eram donos e senhorios; depois, agindo por incumbência deles com o objectivo de obter comprador para o imóvel que pretendiam alienar.

Mas o Autor, ora coloca a tónica do seu labor no alegado incumprimento que atribui aos RR. se consubstanciar no não pagamento de honorários pela sua actividade de solicitadoria, ora reclama o pagamento de uma comissão pelo facto de ter celebrado com eles um contrato de mediação imobiliária, violado pelos RR. que alienaram o imóvel sem o informarem do facto e não lhe pagarem a comissão estipulada que ascende a 4.000.000$00.

Se é certo que não existem dúvidas que o Autor peticionou o pagamento de honorários pelos vários serviços prestados como solicitador, o certo é que, como decorre do art. 56º da petição inicial, invoca a existência de um contrato de mediação que considera não ter sido cumprido, na vertente nodal do pagamento da comissão que afirma ter sido contratualizada.

Ali afirma – “ Entende que pelos serviços de mediação prestados aos RR. entende o Autor que lhe devem ser fixados os honorários no montante de 4.000.000$00…”.

Nas alegações, o recorrente alude, repetidamente, ao facto de ter prestado serviços aos RR. que não foram pagos, quiçá, para tornear o facto de a Câmara dos Solicitadores ter emitido decisão, a seu pedido, que considerou que, como solicitador, é ilegal o exercício da actividade de mediação imobiliária, daí que, aludindo à incumbência da venda, refira que o que está em causa é o não pagamento do preço dos serviços prestados.

Trata-se, salvo o devido respeito, de um sofisma, porque tratando-se de um profissional liberal que exerce serviços compatíveis com a sua actividade, o que sucede no caso, é que o essencial da sua pretensão é obter o pagamento de uma quantia pelas diligências que, alegadamente fez e que almejavam em benefício dos RR., conseguir um comprador para o imóvel que eles pretendiam vender.

A mediação é no essencial uma prestação de serviços a que se aplicam, adaptadamente, as regras do contrato de mandato – art. 1156º do Código Civil – “As disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente”.

Por isso é que, a partir de uma ambígua utilização de conceitos, o Autor revela incongruência quando afirma que o prédio foi vendido à sua revelia – como se os donos carecessem de autorização do recorrente para alienarem o imóvel.

Tal como, repetidamente, alude a diligências suas “com vista à venda” que afirma ter levado a cabo.

Será que tais diligências importaram o importante custo de 4.000 contos, ainda que a título de honorários, ou preço do seu trabalho?

Obviamente que não, como diremos.

O Autor, além do mais, invocou como causa de pedir, ter celebrado com os RR. um contrato que não foi de mera prestação de serviços de solicitadoria, mas antes um outro, quiçá a par desse, que qualificaremos, tal como as instâncias, de contrato de mediação.

Não obstante o que já vimos ter sido alegado pelo Autor, no art.56º da petição inicial, não o impediu de nas conclusões 14ª e 15ª das alegações de revista, escrever:

“O enquadramento da presente questão de direito no âmbito da suposta existência um contrato de mediação imobiliária entre Autor e RR, é subjectiva e objectivamente abusivo e desajustado, carecendo de fundamento legal.
Entre Autor e RR. existiu uma relação de mandato forense, que aquele cumpriu escrupulosamente, gastando tempo e recursos do seu escritório de solicitadoria fazendo despesas inclusivamente, tendo sido inexplicavelmente ultrapassado por estes no tratamento dos assuntos, por causa que lhe não pode ser imputável.”

Como resulta dos factos referidos em f), i), j, e k), em data anterior a 17.1.1991 (foi nesta data que os RR. venderam o seu prédio urbano por 40.000 contos), o Autor e os RR., estes representados por António Clemente da Costa, foi acordado que o Autor “diligenciasse no sentido de proceder à venda…”.

O Autor recebia instruções dimanadas dos RR. e procedeu a diligências, efectuando despesas, mormente com correspondência e telefonemas, chegando a receber uma oferta de compra pelo preço de 8.000 contos, oferta feita por quem não foi o comprador; esse interessado aumentou a sua proposta até 20.000 contos, facto que o Autor comunicou ao representante dos RR., mas o certo é que a venda foi feita a HH.

Não resulta dos factos provados que tivesse sido acordada qualquer retribuição a ser paga pelos RR., caso o Autor obtivesse comprador.

O Professor Menezes Cordeiro, no estudo “Do Contrato de Mediação”, publicado na Revista “O Direito”, Ano 139º, 2007, III, págs.516 a 554, dá a noção básica de tal contrato nos seguintes termos – pág. 517:

“Em sentido amplo, diz-se mediação o acto ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas, de modo a que, entre elas, se estabeleça uma relação de negociação eventualmente conducente à celebração de um contrato definitivo.
Em sentido técnico ou estrito, a mediação exige ainda que o mediador não represente nenhuma das partes a aproximar e, ainda, que não esteja ligado a nenhuma delas por vínculos de subordinação”.

Essa actividade pode ter sido acordada num contrato que implica a prática pelo mediador de actos materiais e, por isso, se distingue do contrato de mandato.

No citado estudo – pág. 545 – distinguindo-se a mediação da figura afim do contrato de mandato pode ler-se:

“A mediação pressupõe, por parte do obrigado, uma actuação material.
Além disso, configura-se como um contrato aleatório, só dando azo a retribuição quando tenha êxito.
A sua distinção perante o mandato fica facilitada:
- o mandato pressupõe uma actuação jurídica por conta do mandante; a mediação conduz a condutas materiais;
- o mandatário age por conta do mandante; o mediador actua por conta própria;
- o mandato pode ser acompanhado por poderes de representação; a mediação, a sê-lo, será uma mediação imprópria.”
O mesmo tratadista refere que, na tradição portuguesa, a figura actual do mediador era incluída na de corretor que foi regulada, desde as Ordenações até ao Código Comercial de 1883 de Ferreira Borges, que, no seu art. 102º afirmava – “ O officio de corretor é viril e publico. O corretor e ninguém mais, póde intervir e certificar legalmente os tractos e negociações mercantis”.

O artigo 103.° estatuía:

“As operações dos corretores consistem em comprar e vender para seus committentes mercadorias, navios, fundos públicos, e outros créditos, letras livranças, letras da terra, e outras obrigações mercantis: - em fazer negociações de descontos, seguros, contractos de risco, fretamentos, empréstimos com penhor ou sem elle; — e em geral em prestar o seu ministério nas convenções e transacções commerciaes”.

Nos arts. 64º a 80º do Código Comercial de 1888 de Veiga Beirão era regulada a matéria atinente aos corretores (1) sendo de realçar que a profissão do corretor “correspondia á de mediador público encartado pelo Estado para o exercício de certas funções” – obra citada – pág. 519.

A figura do contrato de mediação já era, pois, conhecida da doutrina e tinha tratamento jurídico, ainda que num enquadramento que se distancia do vigente enquadramento legal e conceitual.

Todavia, o elemento essencial do contrato já era perspectivado por Vaz Serra, na RLJ, 100, 343, quando definia a mediação como “Um contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte”.

Assim, ao tempo da relação estabelecida entre o Autor e os RR., que temos de reportar ao ano de 1991, em data anterior à da celebração do contrato de compra e venda do imóvel, vigorava o DL. nº43.767 de 30.6.1991, de cujo regime jurídico resulta que o contrato, hoje denominado de mediação imobiliária, era um contrato consensual, inominado.

O nº1 daquele normativo estabelecia:

“A actividade comercial de mediador na compra e venda de bens imobiliários e na realização de empréstimos com garantia hipotecária, mobiliária ou imobiliária, só pode ser exercida por pessoas singulares ou sociedades de reconhecida idoneidade, que tenham obtido autorização prévia do Ministro das Finanças, mediante portaria”.

O diploma de 1991 vigorou por cerca de trinta anos até á publicação do DL. 285/92, de 19.12 que no seu art. 2º definiu – “ (…) Entende-se por mediação imobiliária a actividade comercial em que, por contrato, a entidade mediadora se obriga a conseguir interessado para a compra e venda de bens imobiliários ou para a constituição de quaisquer direitos reais sobre os mesmos, para o seu arrendamento, bem como na prestação de serviços conexos”.

O art. 10º daquele diploma de 1992, além do mais, estabeleceu que o contrato está sujeito a forma escrita – omissão que acarretava a nulidade, que só podia ser invocada pelo comitente [nulidade atípica] – definia a forma de remuneração e a duração do prazo por que vigorava.

Sempre visando a transparência e a protecção do comitente, foram posteriormente publicados os Decretos-Lei 77/99, de 16.3 e 211/2004, de 20.10.

Para existir mediação imobiliária importa que haja um contrato de natureza civil ou comercial, que o mediador tenha sido, expressa ou tacitamente incumbido pelo comitente, que só fica constituído na obrigação de remunerar o mediador se o negócio incumbido for concretizado em virtude da actividade do mediador, ou seja, a obrigação de meios que lhe incumbe há-de desembocar no resultado pretendido – a celebração do negócio para que foi mandatado o mediador – sob pena de se considerar que o negócio não almejou perfeição e, não surtindo efeito útil a actividade do mediador – o risco, a álea negocial – não há lugar à remuneração (comissão) nem ao pagamento de despesas.

Na obra citada, pág. 551, o Professor Menezes Cordeiro faz uma síntese a partir da jurisprudência que cita e que transcrevemos – nos seguintes termos:

“ Na falta de estipulação das partes ou na sua insuficiência, há toda uma ponderação jurisprudencial que permite precisar as proposições seguintes (…):

- a retribuição só é devida com a conclusão do contrato definitivo: não bastam esforços nesse sentido – STJ 31-Mar. -1998 (RIBEIRO COELHO), BMJ 475 (1998), 680-688 (686).

- a actividade do mediador deve ser causa adequada ao fecho do contrato definitivo – STJ 28-Fev. -1978 (Acácio CARVALHO), BMJ 274 (1978), 223-232 (229); ou então: este deve alcançar-se como efeito de intervenção do mediador – RPt 28-Set. -1993 (ALMEIDA E SILVA), BMJ 429 (1993), 876;

- a remuneração é devida mesmo que o contrato definitivo não venha a ser cumprido – STJ 11 -Nov. -1993 (MARTINS DA FONSECA), Proc. 085387/ITIJ, STJ 5-Jun. -1996 (METELLO DE NÁPOLES), Proc. 088410/ITIJ, STJ 11 -Mar. -1999 (LEMOS TRIUNFANTE), Proc. 99A154/ITIJ.

- idem, na hipótese de só não se ter concluído o negócio definitivo por causa imputável ao comitente – RLx 27-Jan.-2004 (PIMENTEL MARCOS; vencido: SANTOS MARTINS), CJ XXIX (2004) l, 87-91 (90).

-havendo um concurso de causas que conduzam à celebração do negócio pretendido, a comissão será decidida desde que a actuação do mediador também tenha contribuído para o êxito final – STJ 9-Dez. -1993 (José MAGALHÃES), BMJ 432 (1993), 332-341 (338), STJ 16-Nov. -2000 (SIMÕES FREIRE), Proc. 0131229/ITIJ, STJ 31-Mai. -2001 (ABEL FREIRE), CJ/Supremo IX (2001), II, 108-111 (110/1), RLx 18-Dez. -2001 (Pais do AMARAL), CJ XXVI (2001) 5,115-117 (117/1), STJ 28-Mai-2002 (DIONÍSIO CORREIA), Proc. 02B1609/ITIJ e RLx 27-Jan. -2004 (PIMENTEL MARCOS), CJ XXIX (2004) l, 87-91 (89/11).

- o negócio definitivo poderá, na mediação imobiliária, ser um simples contrato-promessa ou, apenas, a escritura final: depende da interpretação do contrato de mediação – REv 24-Mar. -1994 (RIBEIRO Luís), CJ XIX (1994) 2, 260-262 (261/1), RPt 20-Mar. -1995 (Lúcio TEIXEIRA), BMJ 445 (1995), 611, STJ 5-Jun. -1996 (METELLO DE NÁPOLES), Proc. 088410/ITIJ e STJ 11-Mar. -1999 (LEMOS TRIUNFANTE), Proc. 99A154/ITIJ.”.

Carlos Lacerda Barata, no estudo “Contrato de Mediação”, publicado no volume I da obra “Estudos do Instituto de Direito do Consumo” – Julho de 2002 – pág. 192 – define contrato de mediação como o – “Contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição”.

Afirmando ainda – “Da noção proposta, decorrem cinco elementos, caracterizadores do contrato: - obrigação de aproximação de sujeitos; - actividade tendente à celebração de negócio; - ocasionalidade; - retribuição”.

Mais adiante – págs. 202/203:

“O direito à retribuição depende da celebração do contrato prometido embora seja independente do cumprimento do mesmo.
Só com a verificação de um “resultado útil” – a realização do negócio – da actuação do mediador, este ganha o direito à retribuição.
Está em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata.
Pode-se, assim, afirmar que o direito à retribuição está sujeito a condição suspensiva: a celebração do negócio.
Naturalmente, que só o negócio cuja celebração advenha (exclusivamente ou não) da actuação do mediador relevará, para este efeito.
A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro…
Em matéria de direito à retribuição, o momento relevante é o da constituição do contrato promovido, pelo que as ocorrências supervenientes que incidam sobre a execução ou o conteúdo do contrato serão, em regra, indiferentes”.

Sufragando o que fica dito (2) , temos de concluir, até pela completa falência de prova – que incumbia ao Autor, nos termos do art. 342º, nº1, do Código Civil – que de modo algum resultou provado que o negócio de compra e venda, que se consumou em 17. 1.1991 entre os RR. como donos e vendedores do imóvel e o seu comprador, resultou da actividade de “aproximação” entre os vendedores e o comprador, promovida por si; tão pouco existe qualquer prova da existência de nexo de causalidade entre qualquer pretensa actuação do Autor junto daquele que veio a comprar aos RR. o imóvel.

Assim, não havendo um resultado – a concretização do negócio objecto da incumbência (mediação) ao Autor, enquanto mediador ocasional – [já que a actividade de mediação profissional lhe era defesa] – não se pode afirmar que o Autor tenha jus a qualquer retribuição pela venda do imóvel, já que não resultou da sua actuação, em termos de nexo de causalidade, a celebração do negócio de compra e venda do imóvel – cfr. Acórdão deste STJ de 15.11.2007 – Proc. 07B3569 – in www.dgsi.pt“No contrato de mediação imobiliária, a remuneração só é devida se houver uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato”.

Sendo a actividade do mediador, no essencial, e durante o iter contratual, ao menos até à obtenção de interessado com quem o incumbente celebre o negócio visado, uma obrigação de meios e, uma vez que o contrato para o mediador, comporta uma certa margem de aleatoriedade [a retribuição só será paga se o negócio se concretizar em virtude da acção do mediador] correm por sua conta as despesas feitas na busca de interessado no negócio, pelo que essas despesas, a menos que diversamente tenha sido convencionado, não são autónomas, não podendo ser exigidas ao incumbente se o negócio não foi celebrado, por mor da actuação do mediador.

Sendo a actividade do mediador a da mera prática de actos materiais não se pode considerar que tenha existido no contexto do acordo visando a obtenção de comprador, a prática pelo Autor de actos compreendidos num contrato de mandato, já que este supõe a prática de um ou mais actos jurídicos por contra de outrem – art. 1157º do Código Civil – importando não confundir, neste particular âmbito de actividade do Autor, o exercício da sua actividade de solicitador, tanto mais que, como consta da decisão da Câmara dos Solicitadores, de 27.5.2006 – no processo de Laudo 61/2004 por si requerido – cfr. fls. 266 a 268 – se considerou aí a proibição de quota litis e a incompatibilidade da actividade de mediação com a profissão de solicitador.

Assim sendo, não há que condenar os RR. a pagar ao Autor, nem a pretendida comissão, nem as despesas não apuradas que fez visando obter interessado na compra do imóvel, por as acções de promoção e inerentes despesas serem actos instrumentais da prestação a cargo do mediador, inscrevendo-se no risco próprio do negócio.

Pelo quanto dissemos o recurso soçobra.

Decisão.

Nestes termos nega-se a revista.

Custas pelo Autor/recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 28 Abril de 2009

Fonseca Ramos (Relator)
Cardoso de Albuquerque
Salazar Casanova

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1- O Código Civil brasileiro de 2002 mantém a designação de contrato de corretagem [considerando a doutrina que a corretagem e a mediação são “semelhantes espécies contratuais” – “O corretor é obrigado a executar a mediação com a diligência (…)”], definindo-o, no seu art. 722º - “Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas”– site brasileiro Jus Navigandi –“Contrato de corretagem ou mediação”, texto in http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7410 .
2- No sentido de que a conclusão do negócio é condição essencial para que o mediador tenha direito à remuneração – Manuel Salvador, “Contrato de Mediação, págs.93 e 94.