Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09S0472
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: FÉRIAS
DURAÇÃO
CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO
Nº do Documento: SJ200905200004724
Data do Acordão: 05/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Doutrina: Anot. de João Leal Amado. - RLJA. 138, nº 3955 (Mar./Abr.2009)
Sumário :
1. O artigo 213.º do Código do Trabalho de 2003, tal como o artigo 238.º do Código do Trabalho de 2009, subordinados à epígrafe «Duração do período de férias», estabelecem, como regime-regra, uma duração variável para as férias, que podem cifrar-se entre 22 dias úteis e 25 dias úteis, conforme a assiduidade do trabalhador, sendo que a duração do período de férias é aumentada no caso de o trabalhador não ter faltado ou ter apenas faltas justificadas no ano a que as férias se reportam, nos termos previstos nas alíneas do seu n.º 3.

2. Os mencionados normativos pretendem disciplinar, globalmente, a duração do período de férias, conforme a expressão acolhida na respectiva epígrafe, sendo que o elemento sistemático de interpretação exige que o n.º 3 do artigo 213.º do Código do Trabalho de 2003 seja interpretado conjuntamente com o disposto no n.º 1 do mesmo preceito legal, pelo que a majoração do período de férias deve ser aferida relativamente ao período de 22 dias úteis e não ao fixado em CCT que disponha em sentido mais favorável ao trabalhador.

3. É manifesto que o referido aumento da duração das férias não se apresenta como uma figura autónoma do regime de férias, concretamente da duração do período de férias, antes integra o todo incindível do aludido complexo normativo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 19 de Janeiro de 2006, no Tribunal do Trabalho do Porto, S... – SINDICATO N... DOS P... DE S... E A... instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra COMPANHIA DE SEGUROS A... P..., S. A., e COMPANHIA DE SEGUROS T..., S. A., pedindo que as rés fossem condenadas a reconhecer aos trabalhadores destinatários das cartas juntas como documentos 4 a 293, o direito a terem a duração das suas férias majoradas, nos termos e condições estabelecidas no n.º 3 do artigo 213.º do Código do Trabalho, e a pagar-lhes o triplo da retribuição correspondente às férias não gozadas, no ano de 2005 e nos anos subsequentes, até à aplicação daquela disposição legal.

Alegou, em síntese, que aqueles trabalhadores, com a entrada em vigor do Código do Trabalho, requereram o gozo dos dias de majoração, previstos no n.º 3 do artigo 213.º citado, às suas empregadoras, mas que tal majoração lhes foi recusada, com o argumento de que o CCT para a indústria seguradora já lhes concedia 25 dias úteis de férias; porém, o regime contratual do direito a férias previsto na cláusula 35.ª daquele CCT, não prejudica a aplicação do novo regime jurídico relativo ao mesmo direito, uma vez que são diversas as regras quanto ao gozo de férias e à sua duração, as primeiras assentes no direito a férias, visando a recuperação do trabalhador e a sua disponibilidade para a integração na vida familiar, social e cultural, e as segundas, que têm a natureza de um prémio de assiduidade, que é «pago» em férias por opção legislativa, como poderia ser pago de outra forma qualquer.

A ré Tranquilidade contestou por excepção e por impugnação.

Por excepção, alegou a insuficiência da causa de pedir, a ilegitimidade do autor para propor a acção e a impossibilidade parcial do pedido, aduzindo, quanto a esta última excepção, que os dois pedidos formulados nunca poderão proceder na sua totalidade e que o pedido inicial não é de condenação, mas de simples apreciação positiva, apenas podendo ser declarada judicialmente a existência de um direito em concreto, relativamente a cada um dos trabalhadores indicados, sendo que o tribunal não pode reconhecer o direito à aplicação de uma norma, na condição de que a sua previsão se verifique, pois tal decisão seria inexequível.

A ré Allianz Portugal também contestou, excepcionando a ilegitimidade do sindicato autor para intentar a acção, defendendo-se, no mais, por impugnação.

O autor respondeu, afirmando a improcedência das excepções deduzidas e invocando que o pedido formulado não é de condenação, mas de simples apreciação positiva, pretendendo-se que o Tribunal aprecie se os trabalhadores, seus associados, têm direito a ver as respectivas férias majoradas, nos termos previstos no Código do Trabalho, dentro dos limites e verificados os requisitos por ele estabelecidos.

No despacho saneador, as ditas excepções foram julgadas improcedentes, tendo as rés interposto recurso de agravo do assim decidido.

Em sede de julgamento, «pelas partes foi dito que configuram a presente acção como “acção de simples apreciação (positiva)”, aliás em conformidade com a posição já assumida no processo pelo sindicato autor no articulado resposta e pelas rés nas suas contestações, quando excepcionaram a ilegitimidade do autor», assim, «a questão a decidir se mostra como unicamente de direito», tendo as rés admitido «que as cartas juntas pelo autor com a petição inicial e que estão juntas ao processo a fls. 20 a 309, foram efectivamente remetidas pelo autor aos seus associados que estão identificados em cada uma dessas cartas, admitindo também a condição de associado de cada uma dessas pessoas nelas identificadas». O autor declarou, ainda, que «os trabalhadores identificados pela ré – Companhia de Seguros T..., S. A., na sua contestação, nos artigos 108.º a 120.º (fls. 351 e 352 do processo), cessaram de facto os respectivos contratos individuais de trabalho, conforme e nas datas alegadas pela seguradora», tendo as partes prescindido «da produção de qualquer outro tipo de prova, nomeadamente toda a prova testemunhal arrolada».

Em seguida, foi proferida sentença, que julgou a acção procedente e decidiu «interpretar as normas do n.º 1 do art. 35.º do CCT aplicável às partes e publicado no BTE, 1.ª série, n.º 27, de 22.07.2003, e n.os 1 e 3 do art. 213.º do C.T., no sentido de que, após a entrada em vigor do actual Código do Trabalho, relativamente aos trabalhadores das rés abrangidos pelo referido CCT, ao período de 25 dias úteis de férias previsto no n.º 1 da Cl.ª 35.º do CCT, acresce o período previsto nas als. a), b) e c) do n.º 3 do art. 213.º do C.Trabalho, verificados que estejam os necessários pressupostos também aí previstos».

2. Inconformadas, as rés apelaram para o Tribunal da Relação do Porto, o qual decidiu «negar provimento aos recursos de agravo, confirmando as decisões recorridas», e conceder provimento aos recursos de apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo as rés do pedido.

É contra esta decisão do Tribunal da Relação do Porto que o autor agora se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as seguintes conclusões:

«A) O n.º 3 do art. 213.º do Cód. do Trabalho constitui um prémio de assiduidade, e é uma novidade introduzida por este Código;
B) Tendo essa característica, não é na sua essência matéria relativa à concessão e regulamentação das férias, e a sua aplicação não obedece à mesma lógica das regras que regulam o direito a férias;
C) O Código do Trabalho fixa no n.º 1 daquele preceito o período mínimo de férias em 22 dias úteis, período que nos termos do art. 211.º, n.º 2, do Código do Trabalho visa possibilitar a recuperação física e psíquica do trabalhador e assegurar-lhe condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na vida familiar e de participação social e cultural;
D) O CCT para a Indústria Seguradora aumenta esse período mínimo para 25 dias úteis, o que significa que este é o período necessário (segundo o CCT) para serem asseguradas as finalidades referidas na alínea anterior;
E) Assim sendo, o prémio de assiduidade traduzido, em dias de férias, estará sempre para além do período mínimo de férias a que os trabalhadores tenham direito, seja este de 22 dias ou seja superior;
F) No caso vertente, a melhor interpretação do n.º 3 do art. 213.º do Código do Trabalho é aquela que permite aos sócios da Recorrente beneficiar do que ele dispõe, apesar de o CCT estabelecer um período mínimo de férias de 25 dias.»

Termina concluindo que o acórdão recorrido deve ser revogado, julgando-se procedente o pedido formulado e reconhecendo-se aos associados da recorrente, nos termos por ela peticionados, o direito a beneficiar do disposto no artigo 213.º, n.º 3, do Código do Trabalho, verificados que estejam os pressupostos aí estipulados.

As rés contra-alegaram, defendendo a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se pela improcedência da revista, parecer que, notificado às partes, não obteve resposta.

3. No caso, a única questão suscitada é a de saber se o direito à majoração das férias, estabelecido no artigo 213.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003, a que corresponde o artigo 238.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2009, reveste a natureza de prémio de assiduidade, devendo aplicar-se aos trabalhadores que já beneficiam de um período de férias superior ao estabelecido no n.º 1 das sobreditas normas.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. Para além do acervo factual enunciado no ponto 1. do relatório que antecede, nenhuma outra factualidade importa referir com vista ao exame da questão suscitada no presente recurso.

2. No entender do recorrente, o n.º 3 do artigo 213.º do Código do Trabalho constitui um prémio de assiduidade e tendo essa característica, «não é na sua essência matéria relativa à concessão e regulamentação das férias, e a sua aplicação não obedece à mesma lógica das regras que regulam o direito a férias».

Nesta conformidade, defende que o prémio de assiduidade, traduzido em dias de férias, estará sempre para além do período mínimo de férias a que os trabalhadores tenham direito, seja este de 22 dias ou seja superior, pelo que, no caso, «a melhor interpretação do n.º 3 do artigo 213.º do Código do Trabalho é aquela que permite aos sócios da Recorrente beneficiar do que ele dispõe, apesar de o CCT estabelecer um período mínimo de férias de 25 dias».

A este propósito, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

« […] a aplicação do disposto no n.º 3 do art. 213.º do CT é prejudicada quando, através da contratação colectiva, o trabalhador beneficie de um período de férias equivalente àquele que é consagrado por Lei, resultando tal entendimento dos elementos de interpretação jurídica a que aludem o n.os 1 e 2 do art. 9.º do Código Civil, em particular os elementos histórico, sistemático e teleológico.
Em abono da sua tese [das rés apelantes], se pronunciou, em parecer junto aos presentes autos, JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, a fls. 373-379, sustentando na pag. 5 do seu parecer que o raciocínio do cúmulo da disposição legal com a previsão constante do instrumento de regulamentação colectiva do trabalho falha num aspecto essencial: “a sua premissa é a de que o prémio de assiduidade acresce à duração das férias”, considerando que “premiar a assiduidade foi a motivação do legislador, mas este fez variar a duração das férias, sendo que a sua duração máxima coincide precisamente com os 25 dias úteis já previstos na Convenção Colectiva”.
Para chegar a esta conclusão, refere, como elementos fundamentais para o efeito, a natureza negocial da convenção colectiva — “as entidades e associações patronais subscritoras não se comprometeram, de acordo com a cláusula 35.ª, a atribuir mais três dias úteis de férias do que os que resultassem da lei, de tal modo que, se a lei, por hipótese, passasse a consagrar 27 dias úteis de férias, os trabalhadores abrangidos pela Convenção teriam direito a 30 dias úteis. As partes outorgantes partiram de uma determinada base negocial que incluía a lei vigente, à época, e consagraram na cláusula 35.ª não um direito a mais três dias úteis de férias relativamente aos fixados na lei, mas sim uma duração de 25 dias úteis”.
[…]
No mesmo sentido, de não cúmulo do disposto no n.º 3 do art. 213.º do CT com o regime mais favorável já consagrado em CCT anterior, se pronunciou GUILHERME MACHADO DRAY, Período anual de férias: articulação entre o regime do Código do Trabalho e do ACTV do Sector Bancário, in O Direito, ano CXXXVI, tomo IV, 2004, p. 657-685, concluindo que a majoração “apenas se compreende se associada à regra que estabelece o período mínimo de férias anuais de vinte e dois dias úteis”, pelo que a Cláusula 69.ª do Acordo Colectivo Vertical do Sector Bancário — em concreto equacionada pelo autor — “não pode ser temperada ou combinada com o sistema de alargamento do período anual de férias previsto no art. 213.º, n.º 3, do Código do Trabalho”, por razões de ordem “interpretativa e sistemática e porque a institucionalização de um sistema indiscriminado de cúmulo de regalias, em que se procurem sem restrição todas as vantagens dos blocos normativos ou convencionais potencialmente aplicáveis, para as somar ao bloco efectivamente eleito é, hoje em dia, pacificamente tida por inaceitável”.
No mesmo sentido se pronunciam também ALBINO MENDES BAPTISTA, Breves observações sobre o aumento da duração do período de férias em função da assiduidade do trabalhador, in Minerva (Revista de Estudos Laborais), ano III, n.º 6, 2005, p. 28, considerando que “(...) a norma legal em análise está construída tendo por referência o período anual de férias de 22 dias úteis estabelecido como período mínimo no n.º 1 do art. 213.º. Por outras palavras, se as partes convencionam períodos anuais de férias superiores a 22 dias úteis não é aplicável a majoração do n.º 3 do mesmo preceito legal”, e LUÍS MIGUEL MONTEIRO, Código do Trabalho Anotado, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 430, quando refere que “como resulta, desde logo, da inserção sistemática destas regras, o período anual de férias relevante para este alargamento é o previsto no n.º 1 e já não o, de duração superior, acordado entre o empregador e trabalhador ou introduzido pela regulamentação colectiva”.
Por fim, esta é ainda a interpretação sufragada por MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte IISituações Laborais Individuais, Coimbra, Almedina, 2006, p. 489, entendendo que a majoração se relaciona “com a duração legal mínima das férias e não com a duração efectiva das férias, que seja convencionada pelas partes ou estabelecida em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho. Assim, se, por exemplo, o trabalhador já tiver direito a 25 dias de férias por ano, ao abrigo do instrumento de regulamentação colectiva do trabalho aplicável, não há lugar a qualquer majoração (...)”.
E, referindo-se a tais trabalhadores, acrescenta: “a verdade é que já dispõem de um regime mais favorável que o regime legal, uma vez que o alargamento do seu período de férias, operado por via convencional colectiva ou pelo próprio contrato de trabalho, não se sujeita aos requisitos de assiduidade estabelecidos na lei; outra solução corresponderia a um acumular de vantagens que não se afigura admissível, tanto mais que penalizaria os empregadores que já promoveram o descanso anual dos trabalhadores para além daquilo que a lei obriga”.
Esta orientação pacífica da doutrina citada, desde logo, pelo seu valor jurídico--argumentativo, deve ser seguida, não deixando de respeitar os comandos interpretativos do art. 9.º do CC.
Na verdade, o elemento sistemático de interpretação exige que o n.º 3 do art. 213.º do CT seja interpretado conjuntamente com o disposto no n.º 1 do mesmo preceito legal, pelo que a majoração do período de férias deve ser aferida relativamente ao período de 22 dias úteis e não ao fixado em CCT que disponha em sentido mais favorável ao trabalhador.
Estabelecendo a norma que “a duração do período de férias é aumentada”, este aumento reporta-se, necessariamente, ao “período anual de férias” referido no n.º 1 do art. 213.º do CT.
Concluindo:
Sufragando-se a orientação supra exposta, entendemos que o n.º 3 do art. 213.º do CT só pode ser aplicado por referência a um período de duração mínima de 22 dias úteis de férias, tal como previsto no n.º 1 deste preceito.»

Importa, por razões de inteligibilidade, conhecer as normas em causa.

2.1. O artigo 213.º do Código do Trabalho de 2003 estipulava:
«Artigo 213.º
(Duração do período de férias)
1 – O período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis.
2 – Para efeitos de férias, são úteis os dias da semana de segunda a sexta--feira, com excepção dos feriados, não podendo as férias ter início em dia de descanso semanal do trabalhador.
3 – A duração do período de férias é aumentada no caso de o trabalhador não ter faltado ou na eventualidade de ter apenas faltas justificadas, no ano a que as férias se reportam, nos seguintes termos:
a) Três dias de férias, até ao máximo de uma falta ou dois meios-dias;
b) Dois dias de férias, até ao máximo de duas faltas ou quatro meios-dias;
c) Um dia de férias, até ao máximo de três faltas ou seis meios-dias.
4 – Para efeitos do número anterior são equiparadas às faltas os dias de suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador.
5 – O trabalhador pode renunciar parcialmente ao direito a férias, recebendo a retribuição e o subsídio respectivos, sem prejuízo de ser assegurado o gozo efectivo de 20 dias úteis de férias.»

Este normativo corresponde ao artigo 238.º do Código do Trabalho de 2009, cujo texto é o seguinte:
«Artigo 238.º
Duração do período de férias
1 – O período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis.
2 – Para efeitos de férias, são úteis os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com excepção de feriados.
3 – A duração do período de férias é aumentada no caso de o trabalhador não ter faltado ou ter apenas faltas justificadas no ano a que as férias se reportam, nos seguintes termos:
a) Três dias de férias, até uma falta ou dois meios-dias;
b) Dois dias de férias, até duas faltas ou quatro meios-dias;
c) Um dia de férias, até três faltas ou seis meios-dias.
4 – Para efeitos do número anterior, são considerados faltas os dias de suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador e são consideradas como período de trabalho efectivo as licenças constantes nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 35.º
5 – O trabalhador pode renunciar ao gozo de dias de férias que excedam 20 dias úteis, ou a correspondente proporção no caso de férias no ano de admissão, sem redução da retribuição e do subsídio relativos ao período de férias vencido, que cumulam com a retribuição do trabalho prestado nesses dias.
6 – Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 1, 3 ou 5.»

Refira-se que o n.º 1 da Cláusula 35.ª do CCT aplicável, celebrado entre a Associação Portuguesa de Seguradores e o STAS – Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora e Outros, cujo texto consolidado (alterações de 2003), está publicado no BTE, 1.ª série, n.º 34, de 15 de Setembro de 2004, estabelece que «[o]s trabalhadores têm direito anualmente a 25 dias úteis de férias, gozados seguida ou interpoladamente, sem prejuízo do regime legal de compensação de faltas», e que, à data da outorga desse contrato colectivo de trabalho, vigorava o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de Outubro, nos termos do qual o período anual de férias era de 22 dias úteis.

Decorre do exposto que a solução do problema submetido à apreciação deste Supremo Tribunal passa, necessária e fundamentalmente, pela interpretação da norma do n.º 3 do artigo 213.º do Código do Trabalho de 2003, a que corresponde o n.º 3 do artigo 238.º do Código do Trabalho de 2009.

Justificam-se, pois, as considerações genéricas que se seguem.

2.2. A interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo o artigo 9.º do Código Civil a norma fundamental a proporcionar uma orientação legislativa para tal tarefa.

A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).

Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).

O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.

Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

2.3. O artigo 213.º do Código do Trabalho de 2003, tal como o artigo 238.º do Código do Trabalho de 2009, subordinados à epígrafe «Duração do período de férias», estabelecem, como regime-regra, uma duração variável para as férias, que podem cifrar-se entre 22 dias úteis e 25 dias úteis, conforme a assiduidade do trabalhador, sendo que a duração do período de férias é aumentada no caso de o trabalhador não ter faltado ou ter apenas faltas justificadas no ano a que as férias se reportam, nos termos previstos nas alíneas do seu n.º 3.

Assim, o n.º 1 daquele normativo prevê que o período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis e, por seu turno, o seu n.º 3 determina em que casos a duração do período de férias é aumentada até ao máximo de 25 dias úteis.

Portanto, os mencionados normativos pretendem disciplinar, globalmente, a duração do período de férias, conforme a expressão acolhida na respectiva epígrafe, sendo certo que, tal como é assinalado no acórdão recorrido, «o elemento sistemático de interpretação exige que o n.º 3 do art. 213.º do CT seja interpretado conjuntamente com o disposto no n.º 1 do mesmo preceito legal, pelo que a majoração do período de férias deve ser aferida relativamente ao período de 22 dias úteis e não ao fixado em CCT que disponha em sentido mais favorável ao trabalhador».

É, pois, manifesto que o referido aumento da duração das férias não se apresenta como uma figura autónoma do regime de férias, concretamente da duração do período de férias, antes integra o todo incindível do aludido complexo normativo.

Este entendimento é reforçado pelo estatuído na alínea j) do ponto 3.4.VI. (Flexibilidade e tempo de trabalho) da Exposição de Motivos da Proposta de Código do Trabalho, segundo a qual uma das alterações a introduzir no Código reportava-se ao «[a]umento, até um máximo de três dias úteis, do período mínimo de férias (vinte e dois dias úteis) em caso de inexistência de faltas ou de o trabalhador ter dado um número diminuto de faltas justificadas» (elemento histórico).

Nestes termos, sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, a interpretação sustentada pelo recorrente, pelas considerações sistemáticas e históricas explicitadas, é inadmissível.

Deste modo, impõe-se concluir que é correcta a interpretação operada pelo acórdão recorrido, de harmonia com a qual o n.º 3 do artigo 213.º do Código do Trabalho de 2003 só pode ser aplicado por referência a um período de duração mínima de 22 dias úteis de férias, tal como previsto no n.º 1 daquele mesmo preceito, o que conduz à improcedência da acção.

Refira-se, em derradeiro termo, que a validade do n.º 1 da Cláusula 35.ª do CTT aplicável não é posta em causa pela aprovação e entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, nos termos prevenidos no n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, uma vez que o respectivo regime é mais favorável que o regime legal, atendendo a que, naquele CCT, a duração do período anual de férias é sempre de 25 dias úteis, independentemente da assiduidade do trabalhador.

Não há, pois, motivo para alterar o julgado.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas do recurso de revista a cargo do recorrente.

Lisboa, 20 de Maio de 2009

Pinto Hespanhol
Vasques Dinis
Bravo Serra